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Elisangela Aparecida Vieira
A GEOGRAFIA E AS REPRESENTAÇÕES SOCIAIS
SOBRE O NORDESTE BRASILEIRO: UM ESTUDO COM
OS/AS ESTUDANTES DO ENSINO FUNDAMENTAL DE SOROCABA
Dissertação
apresentada
à
Banca
Examinadora do Programa de PósGraduação em Educação da Universidade
de Sorocaba, como exigência parcial para
obtenção do título de Mestre em
Educação.
Orientador: Prof. Dr. Marcos Antonio dos
Santos Reigota
SOROCABA/SP
2009
2
Elisangela Aparecida Vieira
A GEOGRAFIA E AS REPRESENTAÇÕES SOCIAIS
SOBRE O NORDESTE BRASILEIRO: UM ESTUDO COM
OS/AS ESTUDANTES DO ENSINO FUNDAMENTAL DE SOROCABA
Dissertação aprovada como requisito parcial
para obtenção do grau de Mestre no
Programa de Pós-Graduação em Educação
da Universidade de Sorocaba.
Aprovado em:
BANCA EXAMINADORA
Ass._______________________
Pres.: Prof. Dr. Marcos Antonio dos Santos
Reigota.
Ass. _______________________
1º Exam.: Prof. Dr. Paulo Celso da Silva.
Universidade de Sorocaba - Uniso.
Ass. _______________________
2º Exam.: Profª Drª Vânia Regina Boschetti.
Universidade de Sorocaba - Uniso.
3
Dedico este trabalho a minha querida mãe, Luzia
Alves de Lima, pela sua bondade e força em
todos os momentos.
4
AGRADECIMENTOS
A Deus pela força e segurança em todos os momentos da minha vida.
À minha mãe, pelo amor, carinho e compreensão e por acreditar que eu poderia
fazer mais.
À minha grande amiga Cláudia Oliveira Gomes pelo apoio, incentivo e paciência em
ler os meus textos, antes e durante a pesquisa.
À minha amiga Maria Luisa pelo apoio e carinho constante.
Aos meus amigos do mestrado, Eder, Elaine, Antônio e Daniele pela ajuda e
colaboração durante esse período.
Aos meus amigos de trabalho, na escola pública e particular, pela contribuição em
me fazer acreditar que o curso de mestrado seria possível.
A todos os meus amigos, que de alguma maneira, me ajudaram.
A querida Charleny, pela sua alegria constante e seu sorriso radiante.
À Vilma Franzoni pela sua amizade e competência no seu trabalho na Universidade.
A todos os professores, professoras, funcionários, funcionárias e toda a equipe da
Universidade de Sorocaba que possibilitaram o bom andamento da minha vida
acadêmica.
Ao Prof. Dr. Luis Carlos Barreira pela sua amizade e respeito, pelo seu profundo
conhecimento histórico.
À Prof.ª Dr.ª Maria Lúcia de Amorim Soares pela ajuda na escolha dos caminhos.
5
Ao Prof. Dr. Wilson Sandano pela sua serenidade acadêmica.
Ao Prof. Dr. Marcos Antônio dos Santos Reigota, meu orientador, pela sua
inteligência e sensibilidade, pelo seu carinho e respeito e por ter me dado a
possibilidade de construir representações mais elaboradas.
À Secretaria da Educação do Estado de São Paulo pelo financiamento, que tornou
possível o desenvolvimento do curso de mestrado.
Muito Obrigada!
6
Para responder aos desafios atuais e futuros, é tão
importante unir-se na ação quanto valorizar a
diversidade cultural.
Carta das Responsabilidades Humanas
7
RESUMO
Esta dissertação, posicionada na linha de pesquisa Conhecimento e Cotidiano
Escolar, propôs uma releitura do cotidiano dos/as estudantes do ensino
fundamental, a partir de suas origens culturais, originárias do Nordeste Brasileiro,
como
possibilidade
de
intervenção
na
desconstrução
de
representações
hegemônicas e, por meio das práticas pedagógicas de geografia, a reconstrução
dessas representações vivenciadas com outro enfoque: menos discriminatório, e
mais aprofundado. A pesquisa buscou observar nas aulas de geografia, a partir das
atividades propostas, conversas no/do cotidiano, desenhos, discursos dos/as
estudantes,
núcleos
de
resistência
e
consolidação
de
consequentemente, a partir da análise dos dados da pesquisa,
representações.
destacamos a
importância da elaboração de práticas pedagógicas pautadas na necessidade de
olhar para as diferenças, conhecê-las e discuti-las no cotidiano escolar, como
elemento essencial da educação contemporânea.
Palavras-chave:
Cotidiano
Representações sociais.
Escolar.
Identidade.
Lugar.
Nordeste
Brasileiro.
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ABSTRACT
This dissertation based on the area of research of knowledge and School
Everyday, set out another reading from the everyday life of the students who study
on the Secondary School, from their cultural origins which were originated in the
Brazilian Northeastern as a possibility of intervention on the fragmentation of the
hegemonic representations and also through the teaching methods of Geography,
the reconstruction of these representations with another point of view which amounts
less discrimination and much deeper and more experienced ones. The research
sought to observe the centers of resistance and the consolidation of the
representations during the Geography classes from the activities set out, the chats
on/from the everyday life, the drawings and the speeches of the students and as a
result, the accurate preparation for the teaching practices based on the need of
looking at the differences, of recognizing them and of discussing about them too on
the school everyday as an essential element contemporary education.
Key Words: School everyday. Identity. Place. Brazilian northeastern. Social
representations.
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SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO.......................................................................................................10
2 MINHA TRAJETÓRIA ..........................................................................................14
3 A IDENTIFICAÇÃO DO NORDESTE BRASILEIRO.............................................27
3.1 O Nordeste de Gilberto Freyre............................................................................31
3.2 A Geografia que nos marca e nos demarca........................................................37
4. A REPRESENTAÇÃO DO NORDESTE NA PINTURA, NA LITERATURA
E NO CINEMA.......................................................................................................45
4.1 Candido Portinari– “Retirantes”...........................................................................47
4.2 Graciliano Ramos– “Vidas Secas”.......................................................................52
4.3 Karim Aïnouz – “O céu de Suely”........................................................................57
4.4 Marcelo Gomes – “Cinemas, aspirinas® e urubus”.............................................58
5 O LUGAR E A IDENTIDADE DOS DESCENDENTES DE
NORDESTINOS E NORDESTINAS.....................................................................61
5.1 Esclarecimentos conceituais...............................................................................65
5.1.2 Lugar................................................................................................................65
5.1.3 Identidade.........................................................................................................69
6 DESCONSTRUINDO E REDESENHANDO O NORDESTE BRASILEIRO...........75
6.1 O conteúdo..........................................................................................................75
6.2 O nordeste dos/das estudantes..........................................................................78
6.3 A intervenção......................................................................................................81
7 CONSIDERAÇÕES FINAIS................................................................................124
REFERÊNCIAS.......................................................................................................127
10
1 INTRODUÇÃO
Devido às grandes inquietações apresentadas na sociedade atual e,
consequentemente no cotidiano escolar, há uma necessidade de olhar para as
diferenças, conhecê-las e discuti-las como elemento essencial da educação
contemporânea.
Nessa perspectiva, os Estudos Culturais (ESCOSTEGUY, 1999) possibilitam
a compreensão dos produtos culturais como agentes de reprodução social,
provocando um deslocamento para as questões de subjetividade e identidade dos
textos culturais que ocupam os domínios privado e doméstico e aos quais se
dirigem.
A escola é uma instituição que desempenha, entre outros papéis, dois de
fundamental importância: um, de mediadora entre os sujeitos (estudantes,
professores/as, diretores/as, pais, mães e funcionários/as), e outro, de socialização,
seja através dos conteúdos propostos pelo currículo oficial, seja através dos valores
que se manifestam no cotidiano escolar.
A escola então se constitui como um espaço privilegiado, onde se manifestam
as diversas representações, as inúmeras contradições sociais e possibilita reflexões
e intervenções políticas.
Essa intervenção política pode se dar a partir da própria reflexão do/a
professor/a em relação a sua prática pedagógica, podendo assim, caracterizar o
momento como singular para o desenvolvimento da pesquisa em cotidiano escolar.
O que isso quer dizer?
Quer dizer que, entre os/as professores/as, não há o hábito de escrever sobre
suas práticas, sobre suas observações. Muitas vezes, ficam à mercê de imposições
que não contribuem, efetivamente, para a construção de um conhecimento
significativo.
Muitos/as professores/as construíram práticas pedagógicas pautadas na
inclusão dos/das estudantes em diversos aspectos no interior da escola, porém
como não foram registradas, ficaram restritas a um único espaço-tempo,
descartando a possibilidade de novas reflexões.
11
Para Alves (2002, p. 19):
Com todos esses fatos anotados e organizados, percebo que só é possível analisar e
começar a entender o cotidiano escolar em suas lógicas, através de um grande
mergulho na realidade cotidiana da escola e nunca exercitando o tal olhar distante e
neutro que me ensinaram e aprendi a usar.
Posso entender, a partir dessa colocação de Nilda Alves (2002), um dos
sentidos da pesquisa no cotidiano escolar e sua real importância na atualidade.
Essa pesquisa consiste na mudança de postura, amparada pela construção do
conhecimento geográfico, que se reflete expressivamente nas atividades em sala de
aula e no ambiente familiar.
Um dos aspectos relevantes na construção do conhecimento geográfico é a
presença dos materiais pedagógicos oficiais, utilizados nas aulas de geografia.
Mesmo sendo ricos em informações, esses materiais, muitas vezes, não têm
significação para os/as estudantes, descendentes de nordestinos/as, e o
reconhecimento do outro.
Diante desses elementos, foi possível elaborar as seguintes questões para o
desenvolvimento da presente pesquisa:
•
O nordeste brasileiro e o/a nordestino/a existem como lugar e identidade,
ou apenas como representação?
•
Quais os aspectos relevantes para a construção da cultura e da
alteridade?
•
Os descendentes de nordestinos e nordestinas aceitam o lugar vivido com
sentimento de pertencimento ou se protegem das representações negativas
consolidadas?
•
Como a prática pedagógica de geografia pode ou não interferir na
descontrução e reconstrução das representações?
Face a essas questões, propus a releitura do cotidiano dos/das estudantes do
ensino fundamental, a partir de desenhos e narrativas dos/das descendentes de
nordestinos/as como forma de identificação dos núcleos de resistência e
consolidação de representações, nas aulas de geografia. Procurei observar como
as práticas pedagógicas de geografia podem, ou não, desconstruir essas
12
representações e, com outro enfoque, reconstruí-las: menos discriminatórias, mais
aprofundadas e vivenciadas.
No capítulo – “A identificação do nordeste brasileiro” -, faço referência ao
discurso construído pelas elites, durante o século XX, a respeito da Região Nordeste
e do/a nordestino/a e a sua repercussão na sociedade. Lanço também um olhar
sobre o imaginário: o que é ser nordestino/a ou descendente de nordestino/a?
O capítulo - “A representação do nordeste na pintura, na literatura e no
cinema” - coloca em evidência duas obras de arte: uma na pintura e outra na
literatura, ambas pertencentes ao Modernismo, carregadas da ideologia da época,
mas que, ainda nos dias atuais, aparecem como referência no cotidiano escolar,
como representação do nordestino e da nordestina.
Além da pintura e da literatura, dois filmes são comentados na intenção de
pensar momentos e lugares diferentes do Nordeste.
O capítulo – “O lugar e a identidade no cotidiano escolar dos descendentes de
nordestinos/as”-, coloca em evidência dois conceitos fundamentais: o lugar e a
identidade como possibilidades de reconhecimento do eu e do outro, para a
construção de um mundo mais humano e ético. (ZUBEN, 2003).
No capítulo – “Desconstruindo e redesenhando o nordeste brasileiro” procurei analisar os desenhos produzidos pelos/as estudantes como consolidação
de representações estereotipadas da Região Nordeste e dos/as nordestinas/as e a
contribuição da prática pedagógica de geografia na desconstrução e na
reconstrução de representações qualitativamente melhores, a partir de uma
metodologia efêmera, como expõe Ferraço (2001, p. 93-4)
[...] essa multiplicidade de “lógicas” enredadas no cotidiano escolar, nos obrigou a
buscar referenciais de compreensão acerca de quem são e o que fazem, nossos
sujeitos. [...] Professores e estudantes agem e reagem , vivem e convivem, lutam e
relutam através de suas redes de conhecimentos, crenças e valores, imersos num
mundo de imagens e sons, em meio a contradições, inseguranças, desafios e
frustrações, vitórias e sobrevidas, que se desvanecem e tornam a surgir a cada
momento.
[..] Enquanto a escola/sistema tenta entender e lidar com a diferença e a
multiplicidade, os alunos as expressam contínua e diariamente.
13
A partir de uma metodologia efêmera, encarada dessa forma, momento em
que o/a professor/a intervém, na tentativa de desconstruir, reconstruindo ou não,
representações sociais em conjunto com os/as alunos/as, pelo uso do diálogo, um
dos aspectos da pesquisa em cotidiano escolar.
O que fica visível nesse contexto, num primeiro momento, é que os
descendentes de nordestinos e nordestinas, independente de consolidarem ou não a
cultura do espaço em que vivem, poderão conhecer outros espaços e
(re)conhecerem culturas diferentes da sua, como combate ao preconceito. Isso
implica em fazer, pela prática pedagógica, com uma postura Ecologista de Educação
(REIGOTA, 2002), o/a estudante reconhecer e respeitar a diversidade cultural.
Então, essa pesquisa poderá contribuir para o conhecimento sobre o
cotidiano escolar, no sentido de aproximar as esferas do saber, ou seja, por uso de
um “currículo oculto”, colaborar na construção de significados mais elaborados sobre
a cultura da Região Nordeste, como movimento de reconhecimento dos/das
estudantes ou ainda de reconhecimento do/a outro/a.
Portanto, a pesquisa em cotidiano escolar caminha no mesmo sentido da
democratização da escola, como diz Oliveira (2001, p. 32):
É preciso saber que a luta é árdua e longa, o que não deve e não pode nos
imobilizar, mas apenas ser compreendido como mais uma variável a ser levada em
consideração no momento da escolha dos caminhos possíveis para o
desenvolvimento dessa ação, que será diferente em cada espaço/tempo real nos
quais se irá desenvolver. Não é preciso relembrar que toda conquista democrática é
fruto de lutas, possíveis, mas sempre árduas, contra os poderes instituídos e seus
mecanismos de legitimação.
Desse modo, como professora de geografia, procurei construir um diálogo,
utilizando as práticas pedagógicas como possibilidade de intervenção no sentido de
romper com o discurso hegemônico, em busca de condições para a criação de uma
sociedade mais democrática e, consequentemente, a ampliação da cidadania.
14
2 MINHA TRAJETÓRIA
Pensar e escrever a respeito da prática pedagógica, dos incômodos, das
incoerências que aparecem o tempo todo no cotidiano escolar, não é regra entre
os/as professores/as. Por esse motivo, iniciarei o relato da minha trajetória,
lembrando a importante relação que sempre estabeleci com a escola.
Narrar essa trajetória é uma possibilidade de reconhecer-me inacabada, “a
consciência do mundo e a consciência de si como ser inacabado necessariamente
inscrevem o ser consciente de sua inconclusão num permanente movimento de
busca”. (FREIRE, 1996, p. 57).
Esse movimento de busca pelo reconhecimento, também levou-me a refletir
sobre a importância do vivido, não somente no tempo, mas na qualidade do vivido.
Como afirma Reigota (2003, p. 09-10):
Não podemos quantificar os significados do que é vivido por cada pessoa; no
entanto, conhecê-lo torna-se fundamental na perspectiva da descoberta de uma
história construída/ vivida cotidianamente pelos sujeitos anônimos.
Para o indivíduo comum, um dos pressupostos da ideia de “sujeito da história” passa
necessariamente pelo auto-conhecimento como sujeito e reconhecimento da mesma
condição no outro: reconhecer-se e reconhecer o outro como sujeitos diferenciados
de uma história comum.
Todos de minha família (mãe, pai, tios, tias, primos e primas) não
permaneceram muito tempo na escola. Trabalhavam muito. Também, naquela
época, décadas de 40, 50 e 60, do século XX, escola era privilégio de poucos. Em
vários lugares do Brasil, infelizmente, isso ainda se repete.
Segundo meu pai, José Vieira (in memorian), vovô Joaquim e vovó Tereza,
naturais de Tatuí, interior de São Paulo, aprenderam a ler e escrever. Não os
conheci, pois já haviam falecido quando nasci; o que sei sobre eles foi relatado pelo
meu pai.
Meu pai afirmava que éramos descendentes de turcos, seus avós nasceram
na Turquia e viveram um tempo em Portugal, vindo depois ao Brasil.
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Com os meus avós maternos, vovô Antônio e vovó Alice, convivi toda a minha
infância e parte da adolescência; com eles ri e chorei, tive raiva e orgulho, aprendi e
reaprendi. Eram ambos analfabetos, mas faziam contas (adição, subtração, divisão
e multiplicação) muito bem. Conheciam o céu, nunca erraram a previsão do tempo;
se diziam que ia chover, podia-se esperar chuva e se dissessem o contrário, a chuva
não vinha. Católicos, tinham até santuário!
Vovô Antônio nasceu em Canhotinho, estado de Pernambuco e vovó Alice em
União dos Palmares, no estado de Alagoas.
Assim que aprendi a ler o mapa político do Brasil, perguntei a eles se haviam
se conhecido na divisa entre os dois estados. Minha avó sempre respondia que não,
pois meu avô foi até Alagoas algumas vezes e lá se conheceram.
Minha mãe nasceu em Presidente Prudente, no estado de São Paulo. É a
sexta filha. Meus avós tiveram onze filhos, cinco morreram nos primeiros anos de
vida.
Quando moravam no Nordeste, meus avós tinham uma bodega (espécie de
mercearia), não tinham regalias, mas não passavam fome. Um belo dia, como
contava minha avó, “O Antonho decidiu, sozinho, que vinha embora para São Paulo,
trocou a bodega por cobertores. Quando me avisou, só tive tempo de arrumar as
malas, pegar as crianças e acompanhar o infeliz. Viemos de navio. Durante a
viagem, antes de chegarmos ao porto de Santos, em São Paulo, meu segundo filho,
Francisco, faleceu”.
Como era regra, antigamente, quem morria no navio era jogado ao mar, mas
antes de chegar a São Paulo, o navio ancorou em outro porto, antes do destino
combinado e os meus avós pediram a uma família desconhecida que enterrasse
meu tio Francisco. Seguiram viagem.
Dessa narrativa, posso compreender que ser um migrante é levar uma vida
bastante difícil, mesmo que a migração não seja por causas econômicas.
Meus avós não fugiram da seca, não eram retirantes, como geralmente
aparece no imaginário a respeito do/a nordestino/a, mas vieram tentar uma vida
nova, diferente e encontraram muitas dificuldades, tanto na viagem, quanto no
Estado que meu avô escolheu para viver.
Nenhum dos seis filhos (três homens e três mulheres) que viveram em São
Paulo, pôde continuar estudando depois da quarta série. Porém, meus tios/as
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proporcionaram educação básica para seus filhos/as, que nessa época, a escola
não era mais privilégio de alguns. Que bom!
Meus primos/as tiveram acesso à escola como eu. A maioria optou por deixála na quinta série, alguns terminaram o ensino médio; uma prima esperou um pouco
para prestar vestibular e entrou na Universidade. Ela terminou o curso de Serviço
Social e faz planos para a pós-graduação.
Eu cheguei ao ensino superior, logo após ter concluído o ensino médio, com
muitas dificuldades. Por conta disso, sou considerada, até hoje, “a diferente da
família”.
A conversa sobre esse assunto é sempre a mesma: “essa menina só pensa
em estudar...”
Diferente ou não e, mesmo com algumas dificuldades emocionais (separação
dos meus pais) e financeiras, meu porto seguro, depois da religião, sempre foi a
escola, no seu sentido mais amplo, pois inúmeras vezes, preferi a escola à minha
própria casa.
Voltando aos meus avós maternos, a minha mãe era a filha predileta do meu
avô. Ele não falava para não magoar os outros, mas nós sabíamos. Quanto a mim,
ele falava abertamente que eu era a neta mais querida, porque havia escolhido ser
católica como ele: ia à missa todos os domingos, participava do grupo de jovens, de
teatro e exercia a função de coroinha do padre.
Até que, aos quatorze anos, deixei de ser católica para me tornar protestante.
Optei por não contar ao meu avô, conselho da minha mãe. Na época, ele estava
praticamente surdo e, segundo ela, ele iria ficar extremamente aborrecido. Eu não
contei, mas contaram por mim, simplesmente meu avô deixou de me abençoar.
Imaginem como eu fiquei!
Seguir as minhas convicções ou agradar ao meu avô? Uma decisão difícil
para uma adolescente.
Não queria contrariar meu avô, continuava entrando na capelinha que ele
havia construído, pedia bênção a ele, mesmo que ele resmungasse; afinal de
contas, aprendi muito com ele, já que minha mãe, nesse sentido, nunca me proibiu
de ir à igreja, mas também não me acompanhava e quase não falava sobre religião.
Os anos se passaram, meu avô adoeceu e, próximo da sua morte, dez anos após o
falecimento da minha avó, em 2003, com oitenta e quatro anos, ele me aceitou como
eu era, com as minhas convicções.
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Dentre muitas qualidades, meu avô era repentista, tudo virava história
cantada. Sinto falta das suas gargalhadas!
Sempre que surgia uma oportunidade, lá estava meu avô fazendo um
repente. Infelizmente não registrei nenhum, porém ganhei de presente um livrinho
com vários repentes e, dentre eles, um me fez recordar dos repentes produzidos
pelo meu avô.
GALOPE PARA CASTRO ALVES
E PATATIVA DO ASSARÉ
Dois poetas brasileiros
Dois menestréis de valor
Um rico, universitário
Outro pobre agricultor
Longe um do outro viveram
Porém ambos defenderam
Os fracos e desvalidos
Um defendia o cativo
O outro é o bravo ativo
Dos roceiros oprimidos
[...]
Sua poesia agreste
Sabia a dor da miséria
Que massacra meu Nordeste
Com sua ação deletéria
Denunciou de verdade
Descaso de autoridade
E falou de preconceito
Do Governo da Nação
Contra nossa região
E o caboclo do eito
[...]
Literatura de Cordel – Patativa Canta no Céu
Ariovaldo Viana & Pedro Paulo Paulino (2007).
Meus avós conviveram durante muito tempo, depois que migraram para São
Paulo, mas separaram-se. Minha avó não se casou novamente, meu avô, sim.
Entretanto, ele considerava “verdadeiro” apenas o casamento com a minha avó, por
ter se realizado na igreja. O segundo casamento, que aconteceu no cartório, ele
dizia que não era casamento, porque Deus não abençoou.
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Depois da separação, meu avô quis voltar para Pernambuco. Para ele, as
pessoas do Nordeste eram pessoas de bem, decentes, de bom caráter. E dizia: “um
dia eu vou voltar”. Mas não voltou.
A imagem que meu avô tinha da sua terra natal era, de certa forma, uma
imagem de fotografia. Para ele, nada mudara desde que se ausentou de
Pernambuco: as pessoas eram as mesmas, o modo de vida ainda era o mesmo,
como na música de Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira. O Nordeste nunca muda
para o/a nordestino/a.
ESTRADA DO CANINDÉ
(música)
Ai, ai, que bom
Que bom
Que bom que é
Uma estrada
E uma cabocla
Como a gente
Andando a pé
Ai, ai, que bom
Que bom
Que bom que é
Uma estrada
E a lua branca
No sertão do canindé
Automóvel lá nem se sabe
Se é homem ou se é mulher
Quem é rico
Ainda em burrico
E quem é pobre
Anda a pé
Mas o pobre
Vê nas estradas
O orvalho beijando a flor
Vê de perto
O galo campina
Que quando canta
Muda de cor
Vai molhando
Os pés no riacho
Que água fresca,
Nosso Senhor!
Vai olhando coisa
A granel
Coisas que pra mó de vê
Um cristão tem que
Andar a pé.
Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira(1997).
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Enquanto moravam no Nordeste, meu avô era comerciante e minha avó, dona
de casa. Em São Paulo, trabalharam na lavoura, tornaram-se agricultores e, depois
de algum tempo, minha avó se tornou oleira e meu avô continuou cuidando da terra.
Quando nasci, meus pais também trabalhavam e moravam próximo à olaria
dos Steccas (família muito rica de Sorocaba).
Meus pais conheceram-se e casaram-se em Sorocaba. Tiveram três filhos e
depois de treze anos juntos, separaram-se.
A separação dos meus pais foi, para mim, como toda e qualquer separação,
difícil e dolorosa, mas também foi um grande aprendizado. Como diz minha mãe,
“não podemos deixar a peteca cair”.
A escola começava a ser construída no meu imaginário. Nesta época, eu
tinha apenas seis anos de idade e estava matriculada na pré-escola. E dizia para
mim todos os dias, mediante as dificuldades que minha mãe e eu enfrentávamos:
“vou estudar bastante, ter um excelente trabalho para proporcionar uma vida melhor
para minha mãe”.
Terminei a pré-escola, não pude ir para a primeira série do ensino
fundamental (na época, 1º grau), pois tinha que ter sete anos de idade. Esperei mais
um pouco para ir à escolona, como costumávamos chamar a escola de 1º grau.
Com sete anos, alfabetizada, conhecendo e aplicando as quatro operações
matemáticas, me deixaram matar a curiosidade de como era estudar na escolona.
Como expus anteriormente, a escola sempre foi meu porto seguro, bastava
um probleminha para enfiar a cara nos estudos ou jogar handball. Minha mãe saía
para trabalhar e eu ia à escola. Inúmeras vezes, ficava para o período da tarde e
ajudava as minhas professoras que diziam a todos que eu era a secretária delas e
eu, ficava toda orgulhosa. Da quinta à oitava série, estudei à tarde; então, no
período da manhã, ia à escola, participava da educação física, voltava a casa
apenas para tomar banho, almoçar e já retornava à escola.
Não faltava à escola de maneira nenhuma, nem por doença, nem mesmo se
minha mãe pedisse. Por isso, era considerada pelos colegas, uma verdadeira
Caxias. Tudo que os/as professores/as falavam para mim era regra e tinha que ser
cumprida. Nunca discordei das opiniões dos/as meus/minhas professores/as.
Quando estava na sexta série, houve greve dos/as professores/as, em
setembro de 1993. Fiquei muito brava. Para se livrar do meu mau humor, minha mãe
enviou-me para casa da minha avó, que estava muito doente; então mantive a
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cabeça bem ocupada cuidando da casa e da minha avó, que veio a falecer no
começo do mês de outubro do mesmo ano.
Assim que a minha avó faleceu, a greve acabou. Só não reclamei muito a
respeito da greve para os/as professores/as, quando retornei às aulas, porque me
senti útil, cuidando da minha avó e por ter ficado com ela mais tempo. Caso
contrário, teria perturbado muito meus/minhas professores/as, exigindo reposição de
aula. Uma maneira de ficar mais tempo na escola.
Essa postura pode até parecer de criança chata, mas a escola representava
algo muito importante em minha vida. Muitos dos/das estudantes só têm a escola, se
esta lhes for tirada, o que sobrará?
E esse questionamento me faz pensar no percurso que fiz até o mestrado, e o
que foi significativo. Cursei da primeira à oitava série do ensino fundamental, na
mesma escola: Prof. Francisco Coccaro, considerada por mim, a melhor escola do
mundo. Infelizmente, na primeira série do ensino, mudei de escola, por causa do
período.
Na escola Prof. Francisco Coccaro, o ensino médio só funcionava à noite.
Como eu imaginava que o ensino à noite fosse uma bagunça, comecei a procurar
outra escola. Consegui uma, do outro lado da cidade – Prof. Arthur Ciryllo Freire,
que havia aberto uma turma extra, à tarde, o 1º T, minha salvação.
Interessante é que a escola Prof. Arthur Ciryllo Freire também se tornou a
melhor escola do mundo para mim. Estudei lá por dois anos e foram muitos os
momentos de alegria e de satisfação.
Quando minha mãe foi renovar minha matrícula para que eu pudesse cursar o
terceiro ano do ensino médio, a secretária da escola disse que eu não estudaria
mais lá. Minha mãe achou estranho e foi logo em minha defesa: “Como assim, não
vai mais estudar aqui? Minha filha adora essa escola”.
Então, a secretária chamou a vice-diretora, Dona Mercedes, que pôde
esclarecer o que estava acontecendo. “Sabe mãe, é que a sua filha apresentou,
durante esses dois anos que ela estudou conosco, um excelente rendimento
escolar. Por esse motivo, três professores escreveram uma carta para o dono da
escola OSE-COC (Organização Sorocabana de Ensino – Colégio Oswaldo Cruz)
solicitando uma bolsa de estudos para que ela possa concluir o ensino médio em
uma escola particular”.
21
Segundo a minha mãe, ela não via a hora de chegar a casa e me contar a
novidade. O sonho de estudar em uma escola particular existia, mas levando em
consideração nossas condições econômicas, era impossível de se realizar.
A escola particular representava, para mim, nesse momento, próximo do
vestibular, melhores condições de estudo, uma grande quantidade de materiais e
mesmo que distante, a possibilidade de cursar uma Universidade estadual ou
federal.
Agradeço aos meus professores/as por terem me proporcionado tantas
alegrias e a realização de um sonho, porque a OSE-COC, também se transformou
na melhor escola do mundo na minha visão.
Nessa escola conheci outro mundo, outra cultura, pensava todos os dias que
poderia cursar uma Universidade. Os/as professores/as davam a receita: estudar,
estudar e estudar, sem cessar; era o que eu fazia. Acredito que essa receita tenha
contribuído muito para a aquisição e construção de novos conhecimentos.
Entretanto, deparei-me com muitas dificuldades. Nesse período, enquanto
os/as alunos/as que estudavam na OSE-COC, desde o maternal, estavam revisando
os conteúdos, eu estava tentando compreendê-los pela primeira vez.
Hoje, quando reflito sobre isso, penso que os objetivos do ensino médio, nas
escolas estaduais e particulares, são diferentes, mas, naquele momento, o que
interessava era correr atrás, ir à busca daquilo que eu considerava ter perdido.
Como vivi e aprendi nessas duas instituições, é inevitável a comparação.
Porém, farei colocações como estudante, não como professora, para não perder o
foco do vivido.
Quando estudava na escola estadual, raras vezes ouvi meus/minhas
professores/as dizerem como era a Universidade, como faríamos para continuar
estudando, como deveríamos nos preparar, quais caminhos deveríamos seguir. Na
escola particular, o foco era prestar vestibular e entrar na universidade. Por esse
motivo, idealizei a USP (Universidade de São Paulo), por ser uma instituição pública
e pela possibilidade de prosseguir meus estudos.
O ensino médio, por ele mesmo, já é um diferencial na vida do/a estudante
brasileiro/a. Aquele/a que chega ao ensino médio, na maioria das vezes, pensa em
continuar estudando para ter uma profissão; era exatamente assim que eu pensava.
Porém, a diferença entre as duas escolas, a estadual e a particular, consiste na
22
organização do currículo, no período e na quantidade de aula, na quantidade de
professores/as por disciplina e o tipo de cobrança nas avaliações.
Em relação a essas cobranças, surgiram muitas dúvidas a respeito da minha
religião, mas eu fui amadurecendo com o conhecimento adquirido, com as
frustrações, com as novas experiências. As coisas voltaram ao normal, pelo menos
na minha cabeça. Obtive muitas conquistas, mas também fracassei.
Idealizei entrar na USP (Universidade de São Paulo), mas fiquei na nota de
corte no vestibular da Fuvest. Não desisti de ir à Universidade; incentivada pela
minha mãe, mesmo ela tendo consciência que não poderíamos pagar o curso.
Prestei o vestibular da Universidade de Sorocaba - UNISO e passei em primeiro
lugar para cursar Licenciatura Plena em Geografia.
Minha mãe fez o que pôde e o que não pôde para pagar os primeiros meses
da Universidade. Quando pensei que não haveria mais condições, fui chamada para
uma entrevista na empresa Yashica do Brasil (montadora de câmeras fotográficas).
Penso que foi um caminho que Deus criou para que eu pudesse seguir em frente.
Estava vivendo uma grande conquista, estudando numa Universidade: um
curso de quatro anos, que passou muito rápido. Nem percebi. Foi como um conto
ligeiro.
Todos os anos, o curso de geografia preparava uma semana de palestras e
discussões chamada de “Semana de Geografia”. Alguns palestrantes eram da
própria Universidade e outros de diversas instituições. Foi quando obtive o primeiro
contato com o trabalho do Professor Marcos Reigota, que veio a ser ampliado
posteriormente.
Enquanto
cursava
a
graduação,
também
pude
conhecer
outras
Universidades, inclusive a Universidade de São Paulo - USP. Participei de um
congresso internacional sobre redes e sistemas com doutores da França e observei
que aquela Universidade de São Paulo - USP que eu idealizava, na época do
vestibular, não existia.
Acreditava que a Universidade, se não fosse igual, pelo menos seria parecida
com a escola do ensino médio. Fiquei assustada com a organização espacial e mais
ainda, com o teor da discussão do congresso; se isso é bom ou ruim, não sei dizer,
mas tudo contribuiu para o meu amadurecimento intelectual.
Naquele momento, minha possibilidade de estudo e de conhecimento era na
Universidade de Sorocaba - UNISO e isso era o que importava. As instituições
23
possuem nomes diferentes, prédios diferentes, mas são os objetivos educacionais
que devem estar claros.
Em março de 2002, realizou-se a cerimônia de colação de grau; até então,
nem sabia o que era isso. Naquele momento, vi -me como professora de geografia.
E agora?
A Prof.ª Dr.ª Maria Lúcia sempre se referia a mim como a menina das
máquinas fotográficas, mas depois da colação de grau eu também era professora de
geografia. Foi então que os questionamentos vieram à tona e a árdua luta começou.
Árdua no bom sentido, pois a educação coloca-nos, definitivamente, em uma
luta. As escolhas, as responsabilidades iniciam-se com/no professor/a.
Em 2003, prestei concurso público para professor/a de educação básica II,
em geografia; obtive uma classificação inesperada. Na primeira chamada, chegou o
meu número. Assumi as aulas na mesma cidade em que resido, o que tornou
possível pensar no mestrado, um projeto quase esquecido, por uma questão
econômica. O que parecia distante, ficou próximo e os questionamentos começaram
a aumentar!
A educação escolar em vigência no Brasil, em especial no Estado de São
Paulo, apresenta-se de maneira inversa ao que se pode aplicar no cotidiano e isso
provoca um grande desconforto entre os/as professores/as, que acabam sendo
considerados meros transmissores de conhecimento.
Diante desse fato e da reflexão da minha prática pedagógica, pude perceber
muitas
representações
equivocadas,
que
foram
sendo
desconstruídas
e
reconstruídas a partir do conhecimento elaborado na primeira disciplina do curso de
mestrado (como aluna especial).
Durante essa aulas (1º semestre de 2006), foram muitas as discussões do
grupo, acerca da Teoria das Representações Sociais (SERGE MOSCOVICI), da
representação de Meio Ambiente e da Pós-modernidade e, a partir dessas
discussões, elaborei o meu projeto de pesquisa.
Antes de participar da disciplina “Imaginário e Conhecimento Escolar”, meio
ambiente, para mim, era todo lugar onde houvesse relações sociais ligadas à
natureza. A representação social seria o senso comum, sem embasamento teórico
ou técnico.
Comecei a perceber, também, que equidade e justiça social são a essência
da educação, não havendo, portanto, distinção entre Educação Escolar e Educação
24
Ambiental. Então como condição da pós-modernidade, essa educação deve voltarse para a preocupação de todos com todos.
Para Reigota (2002, p. 119):
O desafio maior do educador fica sendo então como passar a mensagem da
necessidade de intervenção cidadã, em ações locais na busca de alternativas e
soluções aos problemas globais, de forma ágil, compreensível, direta, com
conhecimentos específicos, desconstrução de representações e reconstrução de uma
melhor visão de mundo com possibilidades de ação.
Assim considero que essa forma de fazer Educação Ambiental se inclui dentro dos
parâmetros que se convencionou chamar de pós-moderna.
Quanto à minha prática pedagógica, sempre me preocupei em formalizar os
conhecimentos e repassá-los aos estudantes, conhecimentos presentes nos livros,
nos meus estudos e conclusões.
Porém, após discutir e refletir a respeito das novas possibilidades
educacionais, abordadas na disciplina de mestrado, houve uma contribuição
significativa para que acontecesse uma transformação em minha prática: tornou-se
relevante ouvir, durante as aulas, o que os alunos sabem ou conhecem e a
discussão e reflexão em torno do assunto abordado tornaram-se essenciais.
As relações sociais, em que predominam os sentimentos de amor, amizade e
cumplicidade, favorecem o aprofundamento ou a rejeição de ideias sentimentos e
experiências alheios da(a) outra(s) ou do(s) outro(s). Esses se manifestam através de
hábitos cotidianos nos quais se incluem não só a cultura de cada um, mas também
os produtos culturais que refletem a identidade étnica, religiosa, política, estética,
social e sexual das pessoas com as quais se convive. (REIGOTA, 1999, p.37).
Nesse movimento de ouvir os/as estudantes, percebi que os discursos
estavam repletos de negações das suas origens. Esse fato me intrigou de tal forma,
que construí dois questionamentos:
Primeiro: Por que o/a estudante, que sendo descendente de nordestino/a, não
se apresenta e nem se enxerga como tal?
25
Segundo: Existe a possibilidade de esse/a estudante aceitar-se como agente
transformador de sua realidade social, através da Educação Ambiental?
A resposta começou a ser elaborada por esse caminho, em Reigota (2002,
p.104) “cabe à educação a tarefa de desconstruir não só as representações
específicas presentes no texto publicitário, mas também a desconstrução de
legitimidade que originam, difundem e consolidam representações sociais”.
São inúmeras as tentativas de respostas para essas questões, mas a citação
anterior possibilita a construção de uma hipótese, que norteou minha pesquisa.
A educação em geral e a educação ambiental em particular, nesses tempos pósmodernos, não têm a pretensão de dar respostas prontas, acabadas e definitivas,
mas sim instigar questionamentos sobre as nossas relações com a alteridade, com a
natureza, com a sociedade em que vivemos, com o nosso presente e com o nosso
eventual porvir. (REIGOTA, 2002, p. 140).
Nesse sentido, a Educação Ambiental proporciona condições para a
sociedade brasileira, que embora seja multicultural, tem dificuldade em aceitar e
respeitar as diferenças, mas isso não impede que os meios de comunicação nos
coloquem frente a frente com problemas nacionais e nos faça tomar partido,
popularizando as questões.
Entre outros, os meios de comunicação assumem esse papel de
manipuladores e difusores de representações sociais, acredito que é nesse
momento que o/a professor/a intervém, na tentativa de desconstruir, reconstruir ou
não, representações sociais em conjunto com os/as estudantes.
A abertura dada pelo/a professor/a para o diálogo também consiste em uma
mudança de postura e intervenção. Isso se confirma nas palavras de Paulo Freire:
“O sujeito que se abre ao mundo e aos outros inaugura com seu gesto a relação
dialógica em que se confirma como inquietação e curiosidade, como inconclusão em
permanente movimento da História”. (FREIRE, 1996, p.136).
Retornando ao meu primeiro sonho, hoje acredito que tenho um excelente
emprego, mesmo com todas as dificuldades existentes na educação; posso dizer
que minha mãe tem uma vida bem melhor que em outros tempos e, melhor que isso,
não parei de estudar, porque estudar para mim, no sentido mais amplo da palavra, é
viver.
26
Tenho consciência de que não posso mudar o mundo, mas, valendo-me de
uma educação responsável, posso mudar a mim mesma e colaborar para mudar
alguns estudantes ou, pelo menos, indicar caminhos. Compartilhar o conhecimento
construído com os/as estudantes, fazendo parte também das construções deles, é
viver duas vezes.
Dizem que a universidade é inesquecível e eu digo que todos os momentos
de aprendizado são inesquecíveis.
27
3 A IDENTIFICAÇÃO DO NORDESTE BRASILEIRO
[...] A história nos retira a inocência diante daqueles eventos que nos cercam, prepara
a nossa subjetividade para ter uma visão crítica diante das coisas que nos dizem
como sendo verdades incontestáveis.
Albuquerque Júnior (2007)
O Nordeste Brasileiro não existiu com esta nomenclatura desde sempre. Até
os anos de 1910 o Brasil era dividido em Norte e Sul, uma divisão feita pelas
coordenadas geográficas.
Pode-se identificar a Região Nordeste de diversas maneiras, tendo em mente
aquilo que se deseja compreender: aspectos históricos, geográficos, climáticos. Este
capítulo aborda a construção ou a identificação do Nordeste Brasileiro por meio do
discurso imaginário do país, um discurso imagético cultural.
Como afirma Albuquerque Júnior (2001, p. 140): “Existe uma realidade
múltipla de vidas, histórias, práticas e costumes no que hoje chamamos Nordeste.
[...] Ele parece ser uma citação [...]. Nordeste, um feixe de ocorrências”.
As regiões, as fronteiras, a interpretação da história, da geografia são
construções humanas. O/a homem/mulher é um ser cultural, utiliza várias formas de
se comunicar, cria símbolos e sentidos de acordo com os interesses particulares ou
coletivos.
A construção do Nordeste Brasileiro não foi diferente, é uma construção
humana, a partir do discurso e carregada de preconceitos de origem geográfica, o
que não se dá apenas nessa Região, visto que a criação dos Estados Nacionais
reforçou essa problemática em todo o mundo.
Alguns dos usos socioculturais da palavra “região”, segundo Neves (2000)
vem da ideia de “parte do todo” e podem ter conotações políticas, físico-geográficas,
administrativas ou históricas.
De qualquer modo, “região” é vista como alguma coisa reconhecível em sua
especificidade, em um território de contornos, senão precisos, ao menos
28
suficientemente claros e que abriga características culturais definidas. A “região”
tende, pois, nesta corrente do imaginário, a ser algo visto como fixo, duradouro – ou
até permanente – que se distingue comparativamente de outras regiões, do conjunto
de um país e, mesmo, de qualquer outra região de qualquer outro país. (NEVES,
2000, p. 26).
Em escala mais ampla, o Brasil, durante muito tempo, pertenceu política e
economicamente a um país europeu, e teve a sua economia baseada no latifúndio,
na monocultura e no trabalho escravo. As marcas desse sistema permanecem
registradas até o presente. Esse passado, entrelaçado ao presente, precisa ser
revisto.
As elites construíram, ao longo do tempo, o discurso cultural, pois a maior
parte da população brasileira se manteve alheia às discussões, como por exemplo, a
consolidação do Estado Nacional, não por escolha, mas por falta de possibilidade
política e educacional.
Além da produção desse discurso, os dirigentes do Brasil, no século XIX,
desempenharam seu papel na construção da identidade brasileira, fazendo nascer
um país – o Brasil - com o auxílio da produção intelectual artística e a criação de
instituições como, por exemplo, o Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (IHGB),
criado em 1838.
A criação do IHGB se dá após a Proclamação da Independência do Brasil
(1822), tendo como principal projeto construir uma história e uma geografia para a
nova nação, na intenção de atingir o progresso.
Foram muitos os autores que descreveram o Brasil, sua cultura ou a
construção dela, porém alguns devem ser lembrados, porque muito do imaginário
criado a respeito do Brasil, do povo brasileiro e, especificamente, do Nordeste, foi há
muito tempo escrito e, nem por isso, perdeu consistência na reprodução e difusão
desse imaginário.
Albuquerque Júnior (2007) analisa a história do Brasil escrita por Varnhagen1,
como uma história onde estão presentes muitos mitos dos discursos nacionalistas
brasileiros, sendo que a história escrita por ele tinha a mesma interpretação e
1
Francisco Adolfo de Varnhagen nasceu em São João de Ipanema, atual cidade de Sorocaba,
descendente de alemão, serviu durante muito tempo como embaixador em Portugal, Espanha e
Áustria, proporcionou uma grande contribuição na organização de documentos que foram,
posteriormente, usados para escrever a história do Brasil, isso também colaborou com os objetivos
do IHGB. (ALBUQUERQUE JUNIOR, 2007, p. 46).
29
definição dos elementos para a formação do Estado Nacional, como a criação de
instituições políticas e culturais, o território, a soberania e o povo.
Portanto, nessa narrativa, alguns movimentos populares foram esquecidos,
como, por exemplo, a invasão holandesa e outros, tratados de maneira negativa,
como é o caso da Inconfidência Mineira.
A escrita da história de um Estado em formação está diretamente ligada aos
interesses de quem está no poder; nesse caso, o Brasil estava sob o domínio
português.
Em meados do século XIX, a produção literária e artística teve um papel
importante na construção de algumas imagens sobre o Brasil. Uma época
influenciada pelos românticos que dará ênfase à criação do conceito de cultura
popular.
O índio, depois o sertanejo e a singularidade da natureza brasileira
aparecerão em José de Alencar, Gonçalves Dias, Juvenal Galeano, como temáticas
para dar uma conotação identitária ao povo brasileiro. Como se pode ler em um
trecho do poema “O canto do guerreiro”, de Gonçalves Dias.
O CANTO DO GUERREIRO
[...]
VI
Se as matas estrujo
Co’os sons do Boré,
Mil arcos se encurvam,
Mil setas lá voam,
Mil gritos reboam,
Mil homens de pé
Eis surgem, respondem
Aos sons do Boré!
— Mais forte quem é?
VII
Lá vão pelas matas;
Não fazem ruído:
O vento gemendo
E as matas tremendo
E o triste carpido
Duma ave a cantar,
São eles — guerreiros,
Que faço avançar.
[...]
Gonçalves Dias (2009).
30
Na preocupação de construir uma identidade brasileira, não havia como negar
a colaboração do índio e do negro, uma vez que a contribuição do europeu
colonizador estava efetivada no discurso. Porém, naquele momento, o negro não era
considerado como integrante da formação da cultura brasileira, mesmo após o fim
da escravidão, talvez pelo fato de o negro ter um elo direto com o aspecto da
escravidão, símbolo de atraso do jovem país.
Castro Alves e Fagundes Varela denunciaram a escravidão em seus versos;
porém, a tendência era excluir o mestiço e o negro da nacionalidade e da civilização
brasileira devido às interpretações equivocadas de que seriam eles inferiores, “subraças”.
Essas interpretações eram alimentadas pelas teorias raciais europeias da
época, quando o negro aparecia atrasado na escala da evolução humana. Mesmo
assim, não foi possível alimentar esse discurso por muito tempo, devido à
participação crescente de intelectuais mestiços ou negros no Brasil.
Se para os românticos José de Alencar e Gonçalves Dias, o índio,
representante do povo brasileiro, aparece como um elemento folclórico, para os
escritores realistas e naturalistas, como Machado de Assis, Aluízio Azevedo, o negro
e os homens pobres livres aparecem pela situação social. `
A Proclamação da República (1889) trouxe um outro momento para se pensar
o Brasil e criou-se um novo instituto: Instituto Histórico nos Estados. Cada Estado
passava a ter então um instituto para produzir a história local, voltada em grande
parte para definir as identidades estaduais. Cada unidade da federação passa a
construir um discurso que justifique a existência de cada Estado.
Se alguns escritores e instituições brasileiras contribuíram para enfatizar
aspectos preconceituosos da sociedade brasileira, outros ajudaram a pensar em
uma sociedade complexa e multicultural.
Gilberto Freyre é um desses escritores que colaborou e colabora na
construção e (re)construção de um pensamento mais elaborado a respeito da
sociedade brasileira. É quem norteia o próximo trecho desta pesquisa, que leva a
pensar a formação do Brasil e, consequentemente, do Nordeste Brasileiro.
31
3.1 O nordeste de Gilberto Freyre2
CASA GRANDE & SENZALA
Casa Grande & Senzala,
Grande livro que fala
Desta nossa leseira
Brasileira.
Mas com aquele forte
Cheiro e sabor do norte
Que o passado revoca
(Massangana!)
Com fuxicos danados
E chamegos safados
Fez e o mal fado quis
Com sinhôs.
.
A mania ariana
Do Oliveira Viana
Leva aqui a sua lambada
Bem puxada.
Se nos brasis abunda
Jenipapo na bunda,
Se somos todos uns
Octoruns,
Que importa? É lá desgraça?
Essa história de raça,
raças más, raças boas
- Diz o Boas É coisa que passou
Com o franciú Gobinneau
Pois o mal do mestiço
Não está nisso.
Está em causas sociais.
De higiene e outras tais:
Assim pensa, assim fala
Casa Grande & Senzala.
2
Freyre fez carreira acadêmica, de artista plástico, jornalista e cartunista, na Europa e nos Estados
Unidos, mas sempre manteve grande ligação com Pernambuco. No início dos anos 1920, estudou
Ciências Sociais e Artes nos Estados Unidos. Um professor tentou convencê-lo a naturalizar-se,
Freyre resistiu ao convite por preferir o português.
Retornou ao Recife em 1924, mas partiu para o exílio após a Revolução de 1930. Depois de lecionar
nos Estados Unidos, na Universidade de Stanford, 1931, viajou para a Europa. Voltou ao Rio de
Janeiro, em 1932, e dedicou-se a escrever Casa Grande & Senzala.
Teve uma vida bastante ativa, em 1954, apresentou propostas para eliminar as tensões raciais na
Assembléia Geral das Nações Unidas. Recebeu muitas homenagens e faleceu 1987, tendo
contribuído de maneira considerável para a compreensão da formação do povo brasileiro. Disponível
em: <http://www.fgf.gov.br> Acesso em: 21 jul. 2009.
32
Livro que a ciência alia
A profunda poesia
Que o passado revoca
E nos toca
A alma do brasileiro,
Que o portuga femeeiro
Fez e o mal fado quis
Infeliz!
Manuel Bandeira(1986).
O Nordeste de Gilberto Freyre se confunde com a organização da Casa
Grande. As estruturas sociais e econômicas são apresentadas como processos
vivenciados, pessoas e emoções que não se compreendem fora do contexto.
A primeira imagem do Nordeste, criada por intelectuais ligados à sociedade
açucareira, tem o engenho como núcleo formador dessa Região.
A obra de Gilberto Freyre, Casa Grande & Senzala, uma das narrativas mais
bem elaboradas sobre a formação do Brasil, teve sua primeira 1ª edição em 1933,
com grande repercussão no século XX, pois causou desconforto para muitos grupos
que não aceitavam a ideia da miscigenação.
Antes de Gilberto Freyre, Silvio Romero, historiador e crítico literário, procurou
enfatizar a cultura popular brasileira e valorizar a mestiçagem. Essa temática
abrange a formação do Brasil e, particularmente, a formação do Nordeste brasileiro.
A tese da obra Casa Grande & Senzala, defendida por Gilberto Freyre,
pertence ao Movimento Regionalista; é a formação do povo brasileiro, a contribuição
do português, do índio e, principalmente, do negro, tanto no aspecto econômico
quanto cultural.
Para Freyre (2004), o Brasil se formou a partir de uma sociedade agrária na
estrutura escravocrata, na técnica de exploração econômica. Híbrida de índio, e,
mais tarde, de negro, em sua composição, foi uma sociedade defendida menos pela
consciência de raça do que pelo exclusivismo religioso, visto que a religião era um
elemento decisivo de formação nacional.
A explicação, segundo Gilberto Freyre (2004), sobre a predisposição do
português para a colonização híbrida e escravocrata nos trópicos, deve-se, em
grande parte, ao seu passado étnico, ou antes, cultural, de povo “indefinido” entre a
Europa e a África, diferente do colonizador dos países vizinhos.
33
Os antagonismos das duas culturas, a europeia e a africana, para Freyre
(2004), encontra-se no português, na sua vida, na sua moral, na sua economia,
influências que se alternam, equilibram-se ou hostilizam-se. Tais antagonismos de
cultura, flexibilidade, indecisão, o equilíbrio ou a desarmonia deles resultantes, é o
caráter que tornou a colonização do Brasil especial. E ainda, afirma Freyre (2004),
os portugueses triunfaram onde os outros europeus falharam.
No Brasil verificaram-se necessariamente no povoador europeu desequilíbrios de
morfologia tanto quanto de eficiência pela falta em que se encontrou de súbito aos
mesmos recursos químicos de alimentação do seu país de origem. A falta desses
recursos como a diferença nas condições meteorológicas e geológicas em que teve
de processar-se o trabalho agrícola realizado pelo negro mais dirigido pelo europeu
dá à obra de colonização dos portugueses um caráter de obra criadora, original, a
que não pode aspirar nem a dos ingleses na América do Norte nem a dos espanhóis
na Argentina. (FREYRE, 2004, p. 77).
O português, por todas aquelas predisposições de cultura a que se refere
Gilberto Freyre, não só conseguiu vencer as condições de clima e de solo
desfavoráveis ao se estabelecerem nas terras brasileiras, como também supriu a
ausência de gente branca para a tarefa colonizadora, unindo-se à mulher negra e à
mulher índia. Dessa união, multiplicou-se o colonizador em vigorosa população
mestiça, ainda mais adaptável ao clima tropical.
No Brasil os portugueses iniciaram a colonização em larga escala nos trópicos por
uma técnica econômica e por uma política social inteiramente nova: apenas
esboçadas nas ilhas subtropicais do Atlântico. A primeira: a utilização e o
desenvolvimento de riqueza vegetal pelo capital e pelo esforço do particular; a
agricultura; a sesmaria; a grande lavoura escravocrata. A segunda: o aproveitamento
da gente nativa, principalmente da mulher, não só como instrumento de trabalho, mas
como elemento de formação da família. (FREYRE, 2004, p.79).
Quanto ao tipo físico do brasileiro (nordestino), baixa estatura, cabeça grande,
desproporcional em relação ao corpo magro, Gilberto Freyre reconhece ter sido
consequência do mau regime alimentar, decorrente da monocultura e da
inadaptação ao clima.
34
Sendo assim, a má qualidade da alimentação determina melhor a composição
da população dessa região do que as teorias equivocadas, como, por exemplo, a de
inferioridade decorrente da miscigenação, que se difundiram pelo Brasil nos séculos
seguintes.
Ligam-se à monocultura latifundiária males profundos que têm comprometido, através
de gerações, a robustez e a eficiência da população brasileira, cuja saúde instável,
incerta capacidade de trabalho, apatia, perturbações de crescimento, tantas vezes
são atribuídas à miscigenação. Entre outros males, o mau suprimento de víveres
frescos, obrigando grande parte da população ao regime de deficiência alimentar
caracterizado pelo abuso do peixe seco e de farinha de mandioca (a que depois se
juntou a carne de charque); ou então ao incompleto e perigoso, de gêneros
importados em condições péssimas de transporte, tais como as que procederam a
navegação a vapor e o uso, recentíssimo, de câmaras frigoríficas nos vapores.
(FREYRE, 2004, p.33-4).
Outro fator, também importante na formação social do Brasil, destacado por
Gilberto Freyre, é que os portugueses não trouxeram para o Brasil nem
separatismos políticos, como os espanhóis para o domínio americano, nem
divergências religiosas, como os ingleses e franceses para as suas colônias.
O Brasil formou-se sem preocupação de unidade ou pureza de “raça” pelos
seus colonizadores. Durante quase todo o século XVI, a colônia esteve aberta a
estrangeiros, só importando às autoridades coloniais que fossem de fé ou religião
católica. Freyre (2004) vê o catolicismo como um forte elemento na construção da
unidade da sociedade brasileira durante a colonização.
Esse elemento cultural, o brasileiro católico, proporcionou, mais tarde, ao
nordestino, o estereótipo de fanático religioso decorrente das populares existentes
nessa região do país.
Na aproximação das culturas indígena (ameríndia) e europeia, Gilberto Freyre
chama a atenção no sentido de que o contato da cultura indígena com a europeia foi
de completa degradação física, moral e psicológica para os ameríndios, como
sempre acontece ao ajuntarem-se culturas extremamente diferentes.
A história do contato das raças chamadas superiores com as consideradas inferiores
é sempre a mesma. Extermínio e degradação. Principalmente porque o vencedor
entende que deve impor ao povo submetido a sua cultura moral inteira, maciça, sem
35
transigência que suavize a imposição. O missionário tem sido o grande destruidor de
culturas não européias. (FREYRE, 2004, p.178).
A mulher índia foi a que melhor se ajustou à nova técnica de exploração
econômica e ao novo regime de vida social, impostos pelo colonizador. Dessa
adaptação também surgiu um ponto fundamental para confraternização das duas
culturas, a culinária.
No Nordeste, especificamente em Pernambuco e, mais para o norte, no
Maranhão, se torna difícil, como afirma Freyre (2004), discernir os aspectos originais
de cada culinária, a indígena e a europeia, pela confraternização desse elemento
cultural.
Quanto ao índio, os jesuítas utilizaram um processo civilizador pela inversão,
ou seja, o filho educar o pai, o menino servir de exemplo ao homem. A criança
indígena conquistaria o pai e consequentemente o levaria para o caminho do Senhor
e dos europeus. Mas a segregação tornou homens e mulheres incapazes de vida
autônoma e desenvolvimento natural.
Analisa Gilberto Freyre (2004, p. 229):
Enquanto o esforço exigido pelo colono do escravo índio foi o de abater árvores,
transportar os toros aos navios, granjear mantimentos, caçar, pescar, defender os
senhores contra os selvagens inimigos e corsários estrangeiros, guiar os
exploradores através do mato virgem – o indígena foi dando conta do trabalho servil.
Já não era o mesmo selvagem livre de antes da colonização portuguesa; mas esta
ainda não o arrancara pela raiz do seu meio físico e do seu ambiente moral (...). Esse
desenraizamento viria com a colonização agrária, isto é, latifundiária: com a
monocultura, representada principalmente pelo açúcar. O açúcar matou o índio. Para
livrar o indígena da tirania do engenho é que o missionário o segregou em aldeias.
Outro processo, embora menos violento e mais sutil, de extermínio da raça indígena
no Brasil: a sua preservação em salmoura, mas não já a sua vida própria e
autônoma.
Mais do que o português e o índio, Gilberto Freyre exalta a condição e a
influência do negro na formação da sociedade brasileira; para esse autor, os
africanos, importados como escravos ao Brasil, apresentam um organização política
adiantada e literatura religiosa definida, sendo assim possível uma certa
predisposição de negros e mestiços para o protestantismo.
36
Diante dos caboclos os negros foram elemento europeizante. Agentes de ligação
com os portugueses. Com a Igreja. Exerceram não só aquele papel de mediadores
plásticos entre os europeus e indígenas, mas, em alguns casos, função original e
criadora, transmitindo à sociedade em formação elementos valiosos de cultura ou
técnica africana. (FREYRE, 2004, p.391).
Infelizmente a escravidão tirou o negro da sua terra, do meio da sua família. A
religião foi imposta mais do que qualquer outro elemento da cultura portuguesa. Era
uma questão de direito, afirma Freyre (2004, p. 438):
Não foi só “no sistema de batizar os negros” que se resumia a política de
assimilação, ao mesmo tempo que de contemporização seguida no Brasil pelos
senhores de escravos: consistiu principalmente em dar aos negros a oportunidade de
conservarem, à sombra dos costumes europeus e dos ritos e doutrinas católicas,
formas e assessórios da cultura e da mítica africana.
As pesquisas, em relação à imigração de escravos para o Brasil, segundo
Gilberto Freyre, tornaram-se extremamente difíceis, em torno de certos pontos de
interesses histórico e antropológico, depois que o conselheiro Rui Barbosa, ministro
do Governo Provisório, após a Proclamação da República (1889), por motivos de
ordem econômica, mandou queimar os arquivos da escravidão.
Muitas são as questões que se levantam a respeito da cor da pele e a
pretendida inferioridade dos negros. Muitas negras vindas da África como escravas,
serviram aqui como “donas de casa”, amas de leite e até amantes dos senhores
brancos.
Gilberto Freyre enfatiza que não era a “raça inferior” a fonte de corrupção,
mas o abuso de uma “raça” por outra. Nas condições econômicas e sociais
favoráveis ao masoquismo e ao sadismo criados pela colonização portuguesa –
colonização, em princípio, quase sem mulher – e no sistema escravocrata de
organização agrária do Brasil. Na divisão da sociedade em senhores poderosos e
em escravos passivos, é que se devem procurar as causas principais do abuso de
negros por brancos, por formas sadistas de amor, que tanto se acentuaram entre os
brasileiros, e, em geral, atribuídas à luxúria africana.
Essa grande obra de Gilberto Freyre apresenta os antagonismos advindos da
formação de um país que até o atual momento, século XXI, apresenta grande
37
dificuldade em compreender a sua identidade, lançando mão de preconceitos e
estereótipos na intenção de criar fronteiras culturais dentro do mesmo país.
Grande parte da produção cultural nordestina mostrará ao Brasil a saudade
da sociedade escravista, do Império e da vida rural, inclusive a obra de Gilberto
Freyre. Isso é fundamental para entender alguns preconceitos referentes ao
nordestino/a, como sendo pessoas atrasadas, com dificuldades para se adaptar à
vida na cidade.
O Nordeste foi desenhado por suas elites como um espaço preso ao passado, reativo
às mudanças trazidas pela história, que ameaçavam suas fortunas e seus privilégios,
por isso esta região foi pensada, principalmente, a partir do culto à memória de uma
dominação, a das elites agrárias tradicionais, relembrada como o momento de fausto
e de glória da própria, que se via agora empobrecida e humilhada pela atuação
discriminatória do Estado e a ambição desmedida de outras áreas do país.
(ALBUQUERQUE JÚNIOR, 2007, p. 105)
Essa imagem do Nordeste se intensifica à medida que a produção açucareira
entra em uma grave crise e a migração se torna mais acentuada em direção ao sul
do país.
3.2 A geografia que nos marca e nos demarca
Segundo Albuquerque Júnior (2007), para entender a imagem criada da
Região Nordeste e do/a nordestino/a é necessário articular quatro temáticas: a seca,
o coronelismo, o cangaço e o fanatismo religioso. Porém, devido ao teor dessa
pesquisa, a ênfase será dada à temática da seca.
A seca de 1877 a 1879 foi um fato bastante significativo: fez os olhos das
elites brasileiras se voltarem para o norte. Esse fato caracterizou, equivocadamente,
o que se chama hoje de Nordeste.
Nessa abordagem sobre a seca, a figura do “sertanejo” mudou. Se até então
o sertanejo era considerado um representante da cultura popular, criado pelos
românticos, ele passa a ser visto como retirante ou flagelado.
38
Outras estiagens haviam ocorrido na mesma região em outras ocasiões,
porém pela primeira vez, terá repercussões políticas, devido à falência de alguns, a
morte ou a necessidade de migração para outros.
E para os que não migraram, sobrou qualquer atividade como sobrevivência,
pedir esmolas, roubar, saquear e até mesmo a prostituição.
A figura do coronel, conhecida e perpetuada no Brasil, é a aquela do homem
mais poderoso, dono de tudo e de todos, muitas vezes até dono da vida e da morte.
Segundo Albuquerque Júnior (2007, p. 110-1):
Embora a expressão coronelismo tenha surgido com a República para descrever as
práticas políticas aí prevalecentes, já que muitos chefes da política local eram
coronéis da Guarda Nacional, não há personagem menos republicano do que este,
pois ele se caracteriza pela desobediência às leis e às autoridades constituídas.
Antes do episódio da seca, o cangaço era considerado a representação da
cultura nordestina que inspirou muitos autores regionalistas.
O cangaço, na verdade, é um prolongamento do uso sistemático da força e da
violência de verdadeiras milícias privadas, compostas por homens pobres a serviço
dos grandes proprietários de terra, homens conhecidos como jagunços, que eram
usados para resolver disputas em torno da terra, em torno de cargos públicos,
querelas de família, até para simplesmente ocupar e se apropriar de terras alheias,
eco de como grande parte das sesmarias do sertão foram conquistadas.
(ALBUQUERQUE JÚNIOR, 2007, p.108)
Quando os jagunços passam a roubar como condição da sua própria
sobrevivência, atormentando a vida dos grandes proprietários de terra, a imagem
desses homens passa de trabalhadores livres e pobres para criminosos.
Nas outras regiões do país, torna-se comum ligar a imagem do nordestino
com a violência; o homem que usa a peixeira para resolver qualquer problema e fura
a barriga de qualquer pessoa.
39
Todo imaginário, construído e modificado ao longo da história do Brasil, tem
referência ao antes e depois da Proclamação da República (1889), o que está ligado
diretamente aos espaços de construção do povo brasileiro.
O estigma do fanatismo religioso foi construído a partir do episódio do levante
de Canudos em que, os seguidores do pregador e profeta popular, Antonio
Conselheiro, derrotam o Exército brasileiro, naquela região e em Juazeiro do Norte.
Foi a vez da intervenção de Padre Cícero, afirma Albuquerque Júnior (2007).
Dois brasileiros religiosos que resistiram às interferências políticas na região e
obtiveram a ajuda da população, posteriormente foram estigmatizados como
fanáticos.
O nordestino passa a ser marcado pela figura do beato ou da beata, homens e
mulheres à beira da insânia em suas crenças, cheios de superstições e crendices
que misturavam desordenadamente, elementos religiosos de matrizes culturais
diversas, sincretizando crenças católicas, com crenças animistas ou fetichistas de
origem africana ou indígena. (ALBUQUERQUE JUNIOR, 2007, p. 112).
Falência no Norte, prosperidade no Sul. A economia cafeeira dava ares de
modernidade para o Sul, especialmente para São Paulo.
Mas a idéia de Nordeste vai emergir, justamente, num momento em que, de modo
excepcional, um homem vindo de um pequeno Estado do Norte assume a
presidência da república, já que os Partidos Republicanos paulista e mineiro, que se
revezavam no controle do poder nacional, não chegaram a um acordo para a
sucessão presidencial, resolvendo escolher um representante de um pequeno
estado, que pudesse ser melhor controlado, recaindo a escolha sobre Epitácio
Pessoa, pelo destaque nacional que este tivera com sua participação como
representante do Brasil na assinatura dos acordos que puseram fim à Primeira
Guerra Mundial e que deram origem à Liga das Nações. (ALBUQUERQUE JÚNIOR,
2007, p. 98).
Epitácio Pessoa nasceu na Paraíba, décimo segundo Presidente da
República Federativa do Brasil (1919-1922), desencadeou um conjunto de obras e
ajudou na reformulação da Inspetoria de Obras Contra a Seca (IOCS) que foi
transformada em Inspetoria Federal de Obras Contra a Seca (IFOCS). Essa
40
conquista só foi possível devido à inclusão da seca como calamidade pública, na
Constituição Federal de 1891.
Para Albuquerque Júnior (2007), é exatamente no documento de criação da
Inspetoria que o termo nordeste aparece pela primeira vez e associado ao fenômeno
da seca. Desde então, o Nordeste ficou no imaginário nacional como sertão, o
espaço das secas.
A referência ao Nordeste, no documento, é apenas geográfica, espaço
compreendido entre o norte e o leste, porém o Nordeste continuava sendo
construído a partir das diversas narrativas.
Muitos recursos federais foram destinados para o combate às secas e, parte
deles desviados, o que provoca um descontentamento por parte dos estados mais
desenvolvidos do país.
Outro instituto é criado, o Instituto Brasileiro de Geografia Estatística (IBGE),
que se encarrega de fazer a primeira divisão regional do Brasil em 1941. O Nordeste
fica representado pelos estados do Ceará, Rio Grande do Norte, Paraíba,
Pernambuco e Alagoas, territórios influenciados pela capitania de Pernambuco.
O Movimento Modernista vai apresentar o Nordeste como o lugar da tradição
e São Paulo como o novo, o moderno, perpetuando o imaginário das diferenças
existentes entre o Norte e o Sul do país. O Movimento Regionalista manifestou-se
contra o moderno, aparentemente com um sentimento nostálgico da glória vivida em
outros tempos.
Enquanto a identidade paulista vai ser construída a partir do deslumbramento com a
sociedade burguesa, com o moderno, com o urbano, com o tecnológico, a identidade
nordestina vai ser construída a partir da reação conservadora à sociedade capitalista
que está se implantando no país, em detrimento das elites tradicionais do espaço que
estava se tornando Nordeste. Grande parte da produção cultural que vai se nomear
nordestina será marcada por uma indisfarçável saudade da sociedade escravista, do
Império e da vida rural. (ALBUQUERQUR JÚNIOR, 2007, p. 102).
Um novo momento, uma nova perspectiva a partir das produções literárias e
artísticas: em 1922, com a “Semana de Arte Moderna”, em São Paulo, Oswald de
Andrade, um dos organizadores, inicia um rompimento com as principais ideias da
semana modernista com o “Manifesto da Poesia Pau-Brasil”, dando os primeiros
41
sinais do que viria a ser o “movimento antropofágico” inaugurador da pósmodernidade brasileira. (REIGOTA, 2002, p. 48).
Segundo Reigota (2002, p. 52-3),
Nos textos denominados “Pau-Brasil”, o autor estabelece um diálogo/confronto entre
culturas e representações diferentes. Para realizar o objetivo de fundar uma nação da
especificidade do país num contexto de autonomia, originalidade e modernidade,
utiliza referenciais estéticos e teóricos externos, não no intuito de comparar o Brasil
segundo esses critérios, mas sim como ferramentas que, “deglutidas”, permitem
desconstruir a história oficial contada pelos brancos, colonizadores, acadêmicos e
poetas conservadores. E reconstruí-las sob diversas interpretações possíveis,
através dos marginalizados que foram vencidos, esquecidos, abandonados,
evidenciando, sem nostalgia as possibilidades sociais perdidas, reconstruindo as
utopias ainda vivas e por explorar.
Além das produções literárias e artísticas e os Movimentos que deram origem
a
essas
produções,
colaboraram
na
construção
da
cultura
brasileira
e,
particularmente da nordestina, os governos que se instalaram no Brasil, no século
XX, e a intensificação da migração pelo país, mostrando ao outro e vendo o outro
nos vários espaços brasileiros.
Getúlio Vargas, no Estado Novo (1937-1945) elaborou a primeira política
oficial de cultura com a colaboração dos modernistas. Essa política cultural tinha a
preocupação de definir a cultura nacional por meio das manifestações populares. Os
nacionalistas também contribuíram, escrevendo e publicando inúmeras obras que
buscavam entender o Brasil.
Para Albuquerque Júnior (2007, p. 81), “Expressões da cultura popular
brasileira, antes ignoradas ou perseguidas, são elevadas à condição de patrimônio
cultural do país e de símbolos da nacionalidade”.
Um fato marcante desse governo é a polêmica em torno do ensino público,
gerada pelas discussões em torno da 1º LDB (Lei de Diretrizes e Bases da
Educação), a Escola Nova.
De um lado, educadores da Escola Nova; de outro, representantes da Igreja
Católica: um importante passo na construção do país, quando observado como
possibilidade de discussão.
42
A escola pública, universal e gratuita ficaria com uma grande bandeira. A educação
deveria ser proporcionada para todos, e todos deveriam receber o mesmo tipo de
educação. Ela criaria, assim, uma igualdade básica de oportunidades, a partir da qual
floresceriam diferenças baseadas nas qualidades pessoais de cada um. (...) Este
ensino seria, naturalmente leigo. Sua grande função era, em última análise, formar o
cidadão livre e consciente [...]. (SCHWARTZMAN; BOMERY; COSTA, 2000, p. 70).
Em seguida ao Movimento da Escola Nova, temos um projeto educacional
que tinha como objetivo:
3
No dizer de Lourenço Filho , já em 1939, o projeto educacional do governo como “fito
capital homogeneizador da população , dando a cada nova geração o instrumento do
idioma, os rudimentos de geografia e história pátria, os elementos da arte popular e
do folclore, as bases da formação cívica e moral, a feição de sentimentos e idéias
coletivos, em que afinal o senso de unidade e de comunhão nacional repousam”.
(SCHWARTZMAN, BOMERY, COSTA, 2000, p. 93).
O Governo de Juscelino Kubitschek (1956-1961), também chamado de
governo moderno, pela industrialização crescente, abriu as portas para o
desenvolvimento da cultura de massa, iniciando o debate dos principais problemas
da nação: analfabetismo, baixa taxa de escolarização, a difícil integração dos negros
e descendentes, resquícios da escravidão.
A ditadura militar (1964-1985) deixou profundas marcas no Brasil, aprofundou
a modernização do país e prejudicou muitos/as brasileiro/as, tornando mais injusta a
vida no país. Áreas que recebiam migrantes, passam a expulsá-los, como na
afirmação de Albuquerque Júnior (2007, p. 87):
Somos um país de grupos sociais marcados pelo nomadismo, pela constante
peregrinação pelo país, em busca de melhores condições de trabalho ou vida, mas
estes, carregam na bagagem, aonde chegam, a marca do forasteiro, do migrante,
muitas vezes do intruso ou do estranho. Não tem território próprio, muitas vezes
apenas a lembrança e a saudade vaga em que um dia nasceram, que carregam
consigo aonde, tendo que permanentemente reconstruí-la em sua memória, através
de relatos.
3
Diretor do Instituto Nacional de Estudos Pedagógicos (1939).
43
Essa definição do caráter da escola pública que começava a ser escrita no
país, no início do século XX - formar um cidadão livre e consciente - permite pensar
que a escola conquistaria um lugar de discussão dos problemas existentes, porém
esse objetivo é buscado todos os dias: tentativa de descaracterização do discurso
hegemônico e a construção de representações mais elaboradas e cidadãs, uma
identidade nacional. Esses questionamentos estão vivos:
•
Afinal, quem somos? Quem são eles e elas? Quem são os outros?
•
Brasileiros ou Nordestinos?
•
Há justificativa para tantos preconceitos de origem geográfica?
•
Precisamos ter identidade?
Trata-se de antecedentes históricos, fundamentais para entender a formação
da sociedade brasileira, a busca incessante por uma identidade nacional e como se
dá a legitimação de preconceitos a respeito da figura do/a nordestino/a ou
brasileiro/a.
Não é possível colocar em evidência todos os aspectos fundamentais da
formação da sociedade brasileira, mas é possível indicar alguns, como possibilidade
de reflexão, como por exemplo, no poema de Gilberto Freyre:
O OUTRO BRASIL QUE VEM AÍ
Eu ouço as vozes
eu vejo as cores
eu sinto os passos
de outro Brasil que vem aí
mais tropical
mais fraternal
mais brasileiro.
O mapa desse Brasil em vez das cores dos Estados
terá as cores das produções e dos trabalhos.
os homens desse Brasil em vez das cores das três raças
terão as cores das profissões e das regiões.
As mulheres do Brasil em vez de cores boreais
terão as cores variamente tropicais.
Todo brasileiro poderá dizer: é assim que eu quero o Brasil,
todo brasileiro e não apenas o bacharel ou o doutor
o preto, o pardo, o roxo e não apenas o branco e o semibranco.
Qualquer brasileiro poderá governar esse Brasil
lenhador
lavrador
pescador
vaqueiro
marinheiro
funileiro
carpinteiro
contando que seja digno do governo do Brasil
que tenha olhos para ver pelo Brasil,
44
ouvidos para ouvir pelo Brasil
coragem de morrer pelo Brasil
ânimo de viver pelo Brasil
mãos para agir pelo Brasil
mãos de escultor que saibam lidar com o barro forte e novo dos Brasis
mãos de engenheiro que lidem com ingresias e tratores
europeus e norte-americanos a serviço do Brasil
mãos sem anéis (que os anéis não deixam o homem criar nem trabalhar)
mãos livres
mãos criadoras
mãos fraternais de todas as cores
mãos desiguais que trabalhem por um Brasil sem Azeredos,
sem Irineus
sem Maurícios de Lacerda.
Sem mãos de jogadores
nem de especuladores nem de mistificadores.
Mãos todas de trabalhadores,
pretas, brancas, pardas, roxas, morenas,
de artistas
de escritores
de operários
de lavradores
de pastores
de mães criando filhos
de pais ensinando meninos
de padres benzendo afilhados
de mestres guiando aprendizes
de irmão ajudando irmãos mais moços
de lavadeiras lavando
de pedreiros edificando
de doutores curando
de cozinheiras cozinhando
de vaqueiros tirando leite de vacas chamadas comadres dos homens.
Mãos brasileiras
brancas, morenas, pretas, pardas, roxas
tropicais
sindicais
fraternais.
Eu ouço vozes
eu vejo as cores
eu sinto os passos
desse Brasil que vem aí.
Gilberto Freyre (1962).
45
4
REPRESENTAÇÕES DO NORDESTE
LITERATURA E NO CINEMA
NA
PINTURA,
NA
A tinta e a lápis
escrevem-se todos
os versos do mundo.
[...]
João Cabral de Melo Neto (2002)
Entre as diferentes maneiras de se pensar um povo e sua cultura há a pintura,
a literatura e o cinema.
Neste capítulo, em primeiro lugar, será apresentada uma breve análise de
duas grandes obras que contribuíram para a construção do imaginário da Região
Nordeste e do/a nordestino/a: a tela - “Retirantes” - de Candido Portinari e o
romance - “Vidas Secas” - de Graciliano Ramos.
Tendo como ponto de partida que o/a autor/a não está separado de sua obra,
também uma breve biografia dos respectivos autores se faz necessária, o que
permitirá certa proximidade com o tema das obras.
Em segundo lugar, um comentário de dois filmes, que apresentam conotação
mais recente. Os fatores, evidenciados nos filmes, permitem visualizar a busca
constante pela mudança.
Considerando, sob aspecto mais geral, o objetivo dos autores, na produção
de suas obras, era mostrar ao povo suas condições, mesmo que a circulação delas
fosse bem irrisórias, uma vez que a sociedade brasileira, nas primeiras quatro
décadas do século XX era constituída basicamente de ex-escravos, homens e
mulheres pobres e analfabetos.
Porém, segundo Zílio (1994), a dinâmica modernista em que as obras são
reconhecidas, é a da “conscientização”, buscando ser uma arte voltada para o povo.
Diante da dinâmica modernista, existe um aspecto questionado por Zílio, nas
obras. Para quem os modernistas produziram?
46
[...] a questão que se coloca seria a de verificar se os modernistas geraram uma obra
capaz de transformar ideológica e politicamente a arte brasileira no sentido de sua
inserção na modernidade. [...] se elaboraram uma produção significativa em si
mesma, um pensamento visual que não pode ser reduzido à ilustração de um
discurso, rompendo, consequentemente, com a concepção ilusionista da
representação. [...] se foram capazes de perceber e atuar sobre as relações políticas
existentes no interior do sistema de arte que estabelecem a circulação da obra entre
o produtor e o público. (ZÍLIO, 1994, p. 112).
Conhecer a ideologia das obras citadas e o período histórico em que foram
produzidas, é fundamental para compreender os discursos da modernidade e,
posteriormente, sua legitimação.
Nem a obra de Candido Portinari nem tampouco a de Graciliano Ramos
nomeiam os seus personagens como sendo nordestinos/as, mas permanece, em
muitos discursos, a relação das obras com um povo e uma cultura específica.
No capítulo anterior, o discurso a respeito da Região Nordeste foi sendo
construído desde o final do século XIX, sempre com ênfase nos problemas, o que
reafirmou o caráter da região. Para Reigota (2009, p. 05) - “nosso conhecimento
nesse caso está pautado num imaginário que se constrói no vivido e no acúmulo de
informações, imagens, relatos e conhecimentos sobre o Nordeste”.
Candido Portinari e Graciliano Ramos mostraram parte da sociedade
brasileira, no início do século XX, com os seus problemas, suas dificuldades, suas
angústias e fraquezas. Tentaram, através da pintura e da literatura, apresentar ao
Brasil os seus dilemas, para uma posterior reflexão. Para Kern (1994, p. 151) - “a
arte se imbui [...] do mistério, como uma espécie de nostalgia do papel que esta
exercia no passado, mas ao mesmo tempo se dirige ao futuro enquanto projeto que
se justifica na reespiritualização do homem”.
A expectativa desses autores, no modernismo, era segundo Ferreira (1994, p.
120) - “arte vista como indissociável da participação das massas na destruição das
velhas estruturas e na criação simultânea de uma nova sociedade”.
Essa era a expectativa dos autores, porém, Zílio (1997, p. 108) faz uma séria
afirmação: “[...] a falta de acesso às obras desses artistas por parte das camadas
populares não é meramente física, mas, sobretudo cultural, na medida em que elas
não detêm o conhecimento do código das obras”.
A possibilidade de conhecimento, o acesso às obras de arte, a compreensão
da literatura, para as camadas populares, virá com a educação escolar, visto que
47
“[...] a educação é uma forma de intervenção no mundo. Intervenção que além do
conhecimento dos conteúdos bem ou mal ensinados e/ou aprendidos implica tanto
no esforço de reprodução da ideologia dominante quanto o seu desmascaramento”.
(FREIRE, 1996, p. 98).
Assim, considerando que o momento cultural, político, econômico, social, que
vivia o mundo e, particularmente, o Brasil, era um momento modernizador tanto no
discurso quanto na ação, porém não houve ruptura com os discursos de atraso, que
caracterizaram a Região Nordeste e o povo, fragmentando o território nacional.
Esses discursos ganharam consistência e legitimidade, principalmente com o
aumento dos movimentos migratórios para o sul do país. A região “desenvolvida” do
país passa a viver com o outro, um outro que é desconhecido ou ignorado.
Não há como negar a singularidade do tempo-espaço em que foi produzida a
obra de Candido Portinari, com objetivos e sentimentos específicos. Para tanto é
necessário que se estabeleça uma relação histórico-cultural na releitura da obra na
contemporaneidade.
Uma vez estabelecida a relação histórico-cultural, é possível desconstruir
representações hegemônicas e reelaborar o discurso como possibilidade de
reconhecimento do/a outro/a.
4.1 Candido Portinari – “Retirantes”
Retirantes, 1944
Óleo sobre tela, 192x181cm.
Museu de Arte Moderna de
São Paulo
Fonte: <www.ppgartes.uerj.br>
48
DEUS DE VIOLÊNCIA
Os retirantes vêm vindo com trouxas e embrulhos
Vêm das terras secas e escuras; pedregulhos
Doloridos como fagulhas de carvão aceso
Corpos disformes, uns panos sujos,
Rasgados e sem cor, dependurados
Homens de enorme ventre bojudo
Mulheres com trouxas caídas para o lado
Pançudas, carregando ao colo um garoto
Choramingando, remelento
Mocinhas de peito duro e vestido roto
Velhas trôpegas marcadas pelo tempo
Olhos de catarata e pés informes
Aos velhos cegos agarradas
Pés inchados enormes
Levantando o pó da cor de suas vestes rasgadas
No rumor monótono das alparcatas
Há uma pausa, cai no pó
A mulher que carrega uma lata
De água! Só há umas gotas — Dá uma só
Não vai arribar. É melhor o marido
E os filhos ficarem. Nós vamos andando
Temos muito que andar neste chão batido
As secas vão a morte semeando.
Candido Portinari (1961).
A obra de Portinari, “Retirantes” de 1944, também aparece em livros didáticos
de geografia no ensino fundamental, como - Construindo o espaço brasileiro, de Igor
Moreira, 6ª série. A utilização da obra em livros didáticos e em apostilas, geralmente
está vinculada ao imaginário do/a retirante nordestino/a (Região Nordeste do Brasil).
Não há como negar o teor histórico de cunho cultural da obra, nem o seu
valor artístico, um dos motivos da sua presença em livros didáticos, mas negar a
relação da obra com a especificidade da Região Nordeste, na atualidade.
A importância do Modernismo em relação às questões sociais do Brasil, no
início do século XX, citado no capítulo anterior, torna-se clara na leitura da obra de
Cândido Portinari. Portando, para entender o realismo na obra desse artista, é
necessário conhecer a evolução do seu trabalho, pois como diz Guacira Louro
(1997): “o pessoal é político”.
Toda obra é carregada das particularidades de cada artista; a de Portinari não
é diferente. Portinari nasceu em 1903, numa fazenda de café em Brodósqui, São
49
Paulo. Filho de imigrantes italianos de origem simples, recebeu apenas instrução
primária e, aos 15 anos de idade, foi para o Rio de Janeiro em busca de
aprendizado mais sistemático em pintura. Em 1919, matriculou-se na Escola
Nacional de Belas Artes. Destacou-se também nas áreas de poesia e política.
(BIANCO, 2002, p. 12).
Após ter participado da Exposição Geral de Belas Artes, ganhou o prêmio de
viagem à Europa e realizou sua primeira exposição individual, no Palace Hotel (RJ);
depois, foi morar na França para estudar.
No seu retorno ao Brasil, a arte moderna estava razoavelmente incorporada à
vida cultural brasileira. Entretanto, em 1930, também houve uma politização da vida
cultural, que situou os artistas e intelectuais em torno de campos políticos. (ZÍLIO,
1997, p. 90).
O país passava por uma grande transformação em todos os aspectos,
principalmente, político e cultural e, para Zílio (1997), Portinari também passou por
essa transformação, mais em relação à subjetividade, que à produção; tornou-se
evidente essa transformação quando Portinari mostrou o seu estilo. Da primeira fase
do Modernismo, ficou evidente a intenção nacionalista pela temática brasileira,
trabalho e pobreza, sendo como personagens principais, as crianças, o trabalhador
rural e o povo. O sentido desses personagens era político, com apreensão do
cotidiano popular.
O Realismo atacará, assim, o ‘bom gosto’ da época, ao retratar cenas e figuras que
não obedeciam à escolha dos temas tradicionais, nem tampouco respeitavam os
ideais de beleza estabelecidos. Os realistas representavam, entre outras, cenas de
trabalho, o que até então era considerado um assunto vulgar e indigno da arte,
pretendendo refletir nas suas obras, assim como um espelho, a verdadeira vida.
(ZÍLIO, 1997, p. 105).
Em 1936, Portinari realizou novamente uma exposição no Palace Hotel (RJ),
com obras de temática brasileira, revelando a postura renovadora na abordagem de
temas sociais brasileiros e enunciando seu interesse pela pintura mural. (BIANCO,
2002, p.12).
50
Candido Portinari foi convidado, em 1936, pelo Ministro da Educação,
Gustavo Capanema, para produzir pinturas murais para a futura sede do Ministério –
Rio de Janeiro. O artista trabalhou intensamente.
Dentre todos os seus murais, os mais interessantes a serem estudados são os
efetuados para o Ministério da Educação, não só pelo vulto do trabalho, mas por
terem sido pintados num período em que surgem importantes modificações no seu
estilo. (ZÍLIO, 1997, p.95).
Não se pode, portanto, afirmar que Portinari tenha sido um pintor oficial ou que tenha
na sua pintura feito propaganda dos ideais governamentais. O que houve foi uma
recuperação por parte do Poder da tática adotada pelo movimento modernista, onde
o governo utilizará o apoio a Portinari como exemplo de seu mecenato. (ZÍLIO, 1997,
p.112).
Segundo Zílio, um quadro como “Retirantes”, de 1944, pode dar a ideia das
formalizações dominantes no estilo Portinari. A poética da obra demarcada pela
tonalidade de marrom dominante, figuras humanas e harmônicas. “[...] no lirismo do
artista [...] o maneirismo dos efeitos de suavidade cromática que agradam ao olhar
do senso comum, porque dele nada exigem”. (ZÍLIO, 1997, p.93)
Nesse período, no Brasil, era muito difícil um artista sobreviver da pintura, da
sua produção artística. Portinari sobreviveu, pintando retratos e vasos de flores, o
que não significa que o trabalho como retratista fosse algo à parte em sua obra, pois
o sucesso nesta modalidade não se dissocia das razões que fizeram o êxito do
restante do seu trabalho, afirma Zílio (1997, p. 94).
A arte expressa através dos seus códigos e da subjetividade do artista o que
seria representativo ou verdadeiro na vida, para Milliet (1948) apud Zílio (1997, p.
107): “[...] Portinari ajuntou a sentimentalidade nacional, o não conformismo ante a
tragédia social do país [...] ele critica a sociedade, aponta as falhas da organização
política, [...] Ele exprime e comunica a sua própria inquietação”.
Dado o momento histórico em que viveu e criou sua obra, Portinari teve real
importância no cenário brasileiro e internacional. Momento esse, caracterizado por
debates dos valores simbólicos existentes na sociedade.
Assim se fez com a obra – “Retirantes”, já que os retirantes, não o são, por
opção, mas pela busca de condições mais favoráveis de existência.
51
Porém, no livro didático - Construindo o espaço brasileiro - 6ª série, de Igor
Moreira (2003, p.35), há uma atividade de compreensão dos processos migratórios
com a obra “Retirantes”, com os seguintes questionamentos:
•
Qual o tema tratado?
•
O que mais chama a atenção da turma na pintura? Por quê?
•
Qual é a mensagem que a pintura transmite?
Mesmo que os/as estudantes tenham estudado os processos migratórios no
tempo e no espaço, eles/as são levados a partir desses questionamentos para
interpretar a obra, como se ela fosse atual.
A utilização da obra, com tais expectativas de interpretação, pode levar à
legitimação do discurso preconceituoso, presente no espaço escolar: todos/as os/as
nordestinos/as são retirantes, e que todo/a retirante é nordestino/a.
A emoção é a razão de ser da arte. Alcançá-la, atingindo, em sua obra, os
sentimentos mais íntimos de espectador é o dever máximo do artista. Além da
emoção tudo mais pertence à cultura, ao saber de parte a parte, coisas importantes,
é claro, mas não tão vitais quanto a pura emoção humana que sua expressão ‘’e
capaz de provocar.
A intenção de mostrar o lado humano, em paralelo à expressão artística de um pintor
de dimensão de Portinari é, sem dúvida, a revelação da sensibilidade refinada de
quem organizou esse evento capaz de desenvolver, a cada um de nós, aquela
emoção que deve ser a razão de viver. (BIANCO, 2002, p. 10)
Em Zílio (1997, p. 110), a essência da obra de Portinari “atendia a uma
necessidade de exprimir uma ideologia como era o Realismo [...]”, mas
inconscientemente contribuiu para reforçar certa maneira de ver a região e seu
habitante, visibilidade transposta nas décadas seguintes para o cinema ou para a
televisão, conclui Albuquerque Júnior.
Estas obras construíram uma dada forma de olhar para o Nordeste, que a par com o
próprio discurso lamuriento e pedinte de suas elites políticas, que transformam a
própria região em um problema nacional, no final dos anos 50 do século passado, só
consegue enxergar as mesmas imagens. Mesmo com todas as transformações pelas
quais passou este espaço, desde a década de 70, o cinema nacional ou a televisão,
com raras exceções, não conseguem ver no Nordeste a não ser as mesmas coisas:
seca, cacto, caveira, retirante, cangaceiro, jagunço, coronel e até Padre Cícero ou
Frei Damião redivivos, como no recente episódio da greve de fome feita pelo bispo da
52
Barra (BA) contra a transposição das águas do rio São Francisco para os rios do
sertão nordestino, quando chegou a ser comparado aos dois líderes carismáticos e
santos populares da região. (ALBUQUERQUE JUNIOR, 2007, p. 122)
Todos os problemas, os personagens históricos, elementos da paisagem e as
formas de política citadas por Albuquerque Júnior (2007), existiram e existem na
Região Nordeste, mas não com exclusividade. O Nordeste da atualidade é um
espaço diversificado e complexo e deve ser pensado como tal.
4.2 Graciliano Ramos – “Vidas Secas”
Após a Revolução Artística (1922 a 1930), surgem as novas tendências
modernistas na Literatura Brasileira, de caráter social e de um realismo regionalista.
Essa nova tendência brasileira surgiu depois do famoso Congresso Regionalista de
Recife (1926), organizado por Gilberto Freyre, José Lins do Rego e José Américo de
Almeida. Esse congresso tinha como proposta básica, organizar uma literatura
comprometida com a problemática nordestina: a seca, o coronelismo, o latifúndio, a
exploração de mão-de-obra, a corrupção, o fanatismo religioso.
A proposta foi aceita e os objetivos conquistados, produziu-se muito durante
esse período, como denúncia dos problemas da Região Nordeste, mas para
Albuquerque Júnior (2001), o que acabou acontecendo foi uma legitimação do
recorte regional. “Essa história regional retrospectiva busca dar à região um estatuto,
ao mesmo tempo universal e histórico”. (ALBUQUERQUE JUNIOR, 2001, p. 149).
A região é inscrita no passado como uma promessa não realizada, ou não percebida;
como um conjunto de indícios que já denunciavam sua existência ou a prenunciavam.
Olha-se para o passado e alinham-se uma série de fatos, para demonstrar que a
identidade regional já estava lá. Passa-se falar de história do Nordeste, desde o
século XVI, lançando para trás uma problemática regional e um recorte espacial,
dado ao saber só no início do século XX.
53
Tomando como exemplo Vidas Secas e a trajetória de seu autor, que serão
analisadas nesse seção, perceberemos que houve um grande envolvimento com as
causas sociais daquele momento, entretanto, o discurso produzido, posteriormente,
enfatizou apenas as perdas da Região como uma espécie de tradição nordestina.
Vidas Secas
Ilustração:
Aldemir Martins, 1963
Fonte: <www.visaoportal.com.br>
Na planície avermelhada os juazeiros alargavam duas manchas verdes. Os infelizes
tinham caminhado o dia inteiro, estavam cansados e famintos. Ordinariamente
andavam pouco, mas como haviam repousado bastante na areia do rio seco, a
viagem progredira bem três léguas. Fazia horas que procuravam uma sombra. A
folhagem dos juazeiros apareceu longe, através dos galhos pelados da catinga rala.
(RAMOS, 1998, p. 09).
Basta começarmos a leitura do romance escrito em 1938, por Graciliano
Ramos, para identificarmos o lugar onde transcorre a história e o sofrimento dos
personagens. “O livro nos remete a um local que embora não explicitado ou
delimitado nos é bem conhecido”. (REIGOTA, 2009).
Graciliano Ramos produziu uma vasta literatura, todas as obras estão de uma
maneira ou de outra entrelaçadas com a sua trajetória, portanto, para compreender
54
Vidas Secas se faz necessário observar alguns aspectos relevantes da vida do
autor.
Na cidade de Quebrângulo, no interior de Alagoas, nasceu Graciliano Ramos
em 1892. Seus pais também eram naturais de Alagoas. Quando Graciliano tinha
dois anos de idade, sua família mudou-se para Buíque - Pernambuco.
Em 1900, a família voltou para Alagoas, cidade de Viçosa. Nessa cidade,
dirigiu o jornal literário - O Dilúculo. Em 1910 foi para Palmeira dos Índios - Alagoas.
Em 1914 viajou para o Rio de Janeiro, onde ficou por um ano trabalhando como
revisor dos jornais: Correio da Manhã, A Tarde e O Século. Volta a Palmeira dos
Índios devido à morte de quatro pessoas da família, em um único dia, por peste
bubônica.
Casou-se em 1915, teve quatro filhos e ficou viúvo cinco anos depois. Nesse
momento escrevia crônicas para os jornais: O Índio (Palmeira dos Índios), Jornal de
Alagoas (Maceió) e Paraíba do Sul (Paraíba do Sul, Estado do Rio de Janeiro).
Graciliano Ramos envolveu-se diretamente com a educação em 1928,
quando foi presidente da Junta Escolar de Palmeira dos Índios. Conheceu os
problemas do ensino e não os esqueceu quando se elegeu prefeito. Abriu escolas
em três aldeias (Serra da Mandioca, Anum e Canafístula). Casou-se novamente.
Em 1930 renunciou à prefeitura e foi para Maceió. Em Maceió recebeu a
nomeação de diretor da Imprensa Oficial, mas demitiu-se no ano seguinte. Voltou a
Palmeira dos Índios e fundou outra escola.
Deixou definitivamente Palmeira dos Índios em 1933, quando nomeado diretor
da Instrução Pública de Alagoas, indo morar em Maceió. Trabalhou intensamente e
revolucionou os métodos de ensino. Mas, no começo de 1936 é acusado de ser
comunista, perdeu o emprego e foi preso.
Depois de nove meses na prisão, foi libertado, mas não voltou ao Nordeste.
Conquistou mais uma nomeação, agora de Inspetor Federal de Ensino. Em 1952
viajou com sua esposa para Paris, Tchecoslováquia e
União
Soviética.
Quando
retornou, adoeceu e veio a falecer em 1953. (VIANA, 1981, p. 03-07).
Graciliano Ramos nasceu e passou os primeiros anos dentro dos padrões da velha
sociedade brasileira, caracterizada pela preponderância da família a da autoridade
paterna nas relações sociais, e, em conseqüência, pela grande importância dos
chefes na política local, e das oligarquias na política da província, depois, do Estado.
Sociedade a cuja lenta mudança assistiu, e de cuja organização participou
55
ativamente, na qualidade de jornalista, administrador e político. Daí a atitude radical
que depois assumiu, como receita que lhe pareceu viável para trazer o progresso.
(CÂNDIDO, 1975, p.05).
Antônio Cândido (1975) analisa a obra de Graciliano Ramos, no contexto
brasileiro, em que ocorreu um dos maiores movimentos de esperança política e
social que a história do Brasil já viveu.
Nas ideias, na educação, na literatura, nas artes, os fermentos que vinham crescendo
desde 1920 [...] A sociedade nova do Brasil apresenta uma grande diversidade,
podendo-se observar, ao mesmo tempo áreas que se mantêm os mais velhos
padrões, e outras cuja fisionomia e das mais modernas. (CÂNDIDO, 1975, p. 05-06).
Vidas Secas é o único romance inteiramente voltado para o drama social e
geográfico da região Nordeste, segundo Antônio Cândido (1975). É a história de
uma família de pobres vaqueiros: Fabiano, Sinha Vitória, o menino mais novo, o
menino mais velho, e a cachorra Baleia, que chegam a uma fazenda abandonada.
Quando aparece o dono, os vaqueiros passam a trabalhar para ele. E todos os dias
são assolados por problemas pessoais. “[...] no âmago da sua arte, há um desejo
enorme de testemunhar sobre o homem”. (CÂNDIDO, 1975, p. 07).
Durante o trabalho na fazenda, a família descansa do nomadismo, porém a
humilhação acontece o tempo todo. Na cidade, Fabiano é humilhado e preso pelo
soldado amarelo, por não saber comunicar-se. Nesse episódio, Fabiano reclama sua
condição – “[...] nunca vira uma escola. Por isso não conseguia defender-se, botar
as coisas nos seus lugares [...] Se lhe tivessem dado ensino, encontraria meio de
estendê-la. Impossível, só sabia lidar com os bichos”. (RAMOS, 1998, p. 36).
Novamente Fabiano é humilhado, pois descobre, por intermédio de Sinhá
Vitória, que é roubado pelo fazendeiro na hora de acertar as contas. A família é
assolada pela seca, depois pelo frio e o mais agravante é a falta de comunicação
entre eles.
56
Em lugar de contentar-se com o estudo do homem Graciliano o relaciona aqui
intimamente ao da paisagem, estabelecendo entre ambos um vínculo poderoso que é
a própria lei da vida naquela região. [...] a cachorra Baleia, [...] também tem seus
problemas, e vale sutilmente como vínculo entre a inconsciência da natureza e a
frouxa consciência das pessoas. (CÂNDIDO, 1975, p. 15).
Graciliano Ramos mostrou ao povo, a partir desse romance, os problemas
que tanto o incomodaram. Reconheceu, através da ficção, os dilemas e as angústias
dos seres humanos. “A história desses personagens se repete ao longo dos anos e
pode ser observada com variações particulares entre os/as milhares de banidos/as
da terra no Brasil ou em outras partes do mundo”. (REIGOTA, 2009).
A obra literária, Vidas Secas, um clássico nacional, provoca segundo Reigota
(2009), um questionamento sobre a clássica dicotomia entre objetividade e
subjetividade, sendo a primeira relacionada com o conhecimento científico e a
segunda, com a ficção.
E ainda,
[...] Nesse questionamento, pode ocorrer a sua desconstrução e o debate da ideia
(pós-moderna) de que o conhecimento científico está contaminado, de forma positiva,
com construções imaginárias e que a ficção se faz também na concretude dos fatos,
diminuindo (ou abolindo) as fronteiras entre ciência e literatura. (REIGOTA, 2009, p.
06).
Ao analisar essas obras na pós-modernidade, pode-se perceber que não é
mais viável manter o imaginário construído ao longo do século XX através do
discurso
hegemônico,
mas
desconstruí-lo
através
da
educação
escolar,
fundamentada na perspectiva libertária. (GALLO, 2007).
Em outras palavras, enquanto o homem produz cultura, ou seja, se produz, ele
conquista também a liberdade. Deste modo, o homem e a liberdade nascem juntos:
um só existe pelo outro, um é criação do outro. É um processo de dupla ação: quanto
mais o homem se “humaniza”, mais livre ele fica e, quanto mais livre, mais humano.
Conclui-se, então, que ao assumir-se plenamente homem conquista-se o máximo de
liberdade. (GALLO, 2007, p. 105).
57
Arte e literatura, entre outros, são produtos culturais, que segundo Reigota
(2009), disseminam e consolidam, nos mais diferentes espaços, representações
sobre a condição social e política de muitos cidadãos e cidadãs brasileiros.
Com a pós-modernidade, a noção de cultura foi ampliada, não sendo mais entendida
como resultado de um longo processo de elaboração, sofisticação e erudição de
indivíduos, grupos sociais, ou instituições, mas sim como um processo ágil de
“deglutição” cotidiana de inúmeras referências. (REIGOTA, 1999, p. 26-7).
Vidas Secas foi escrito em 1938. É um romance, obra de ficção, cujo
movimento se atualiza no cotidiano, como afirma Hatoum (2006), a técnica de
montagem e organização em Vidas Secas é a memória como lugar da hesitação, o
móvel da imaginação e o movimento é sinuoso, construído por fragmentos.
4.3 Karim Aïnouz4 – “O céu de Suely”
História relatada de forma expressiva, conta parte da trajetória de uma jovem
de 21 anos, chamada Hermita (Hermita Guedes), que residia no interior do Ceará,
na cidade de Iguatu – Sertão Nordestino -, onde nasceu e se criou. Em determinado
momento, estando gestante, resolve tentar a vida em São Paulo com o namorado
Mateus (Mateus Alves).
Aproximadamente dois anos depois, Hermita volta a Iguatu, com o filho
Mateuzinho (Gerkson Carlos) e um novo visual, uma mecha loira na franja, talvez
influência da cidade grande, já que a pequena cidade onde Hermira morava não era
desprovida de meios de comunicação. Aguardou por algumas semanas, a chegada
de Mateus, pai da criança, que ficou em São Paulo para resolver alguns assuntos.
Os dias se passaram e Hermita percebeu que Mateus não iria voltar, pois não
conseguiu contato com ele nem por telefone.
4
Diretor do filme: O céu de Suely (gênero: drama). O céu de Suely na categoria cinema venceu os
prêmios de melhor filme, melhor diretor e melhor atriz (Hermita Guedes). Disponível em: <
cinemaemcena.com.br/oceudesuely> Acesso em: 1 maio 2009.
58
Hermita não tem pai nem mãe e se instala na casa da avó, Zezita (Zezita
Matos), e da tia Maria (Maria Menezes), onde é acolhida fraternalmente.
Hermita reencontra um ex-namorado João (João Miguel) e volta a se
relacionar com ele. Nesse momento, a impressão que a cena oferece é a de que
Hermita tenta resolver pelo menos uma parte de sua vida sentimental, uma ânsia por
dar sentido, pelo menos para aquele momento.
As condições materiais são escassas e Hermita, em um ato de desespero e
inspirada nas conversas da amiga Georgina (Georgina Castro), adota o nome de
Suely e resolve rifar seu corpo (uma noite de sexo) com a intenção de levantar
dinheiro para comprar uma passagem e ir embora daquele não-lugar, lugar sem
sentido, sem pertencimento.
Hermita não sabe para onde quer ir, porém sair daquele não-lugar significa
correr atrás de um sonho, talvez o de morar em uma cidade grande, mesmo depois
da experiência de que, a vida na cidade grande é muito cara e as dificuldades são
outras, ela precisa tentar.
Hermita compra uma passagem que possa pagar com o dinheiro da rifa,
abandonando assim o não-lugar o mais rápido possível, deixando seu filho com a
avó e a tia, não permitindo que a impeçam de escrever sua história, de traçar seu
próprio destino.
Concluindo, essa história é uma narrativa semelhante a de muitos outros
sujeitos que buscam sentido para a sua vida, mesmo que as condições sejam as
mais inóspitas, essas pessoas não se acomodam, buscam incessantemente,
procuram meios – “os céus” - para construírem suas histórias. Essa foi a
representação mais forte que o filme dirigido por Karim Aïnouz, me permitiu
construir.
4.4 Marcelo Gomes5 - “Cinemas, aspirinas® e urubus”
O nome desse filme causa certo estranhamento, mas a história é rica, tanto
no contexto, quanto na apresentação dos valores essenciais nas relações humanas.
5
Diretor do filme: Cinemas, aspirinas® e urubus (gênero: drama).
59
O ano é o de 1942 e os componentes são dois homens diferentes, histórias
diferentes, culturas diferentes e sonhos parecidos.
Um deles é um alemão Johann (Peter Ketnath) que, para fugir da Segunda
Guerra Mundial, vem para o Brasil, Rio de Janeiro, e depois segue para o sertão
nordestino como vendedor de aspirinas®.
Aspirinas® não é apenas um medicamento, pois Johann recorre ao cinemamambembe para convencer o povo a comprar as pílulas milagrosas.
No caminho para a cidade de Triunfo (sertão nordestino), Johann dá carona
aos sertanejos que encontra e, em uma dessas caronas, conhece o nordestino
Ranulpho (João Miguel).
Ranulpho é o outro homem. Tem um sonho: abandonar aquele lugar, aquela
paisagem árida, que segundo ele, só tem seca e pobre, tentar outra vida e ser feliz
no Rio de Janeiro.
Os dois homens começam a se conhecer e, apesar das diferenças, se
aceitam e se tornam amigos.
Ranulpho precisa de dinheiro para viajar para o Rio de Janeiro, então aceita
ser guia de Johann pelo sertão nordestino.
Nas andanças pelo sertão e na venda das aspirinas®, Johann é picado por
uma cobra e Ranulpho não o abandona em nenhum momento. Cuida do amigo e
espera sua recuperação para seguirem viagem juntos.
Depois da recuperação, Johann agradece muito a Ranulpho, por salvar sua
vida e, em troca, ensina Ranulpho a dirigir o caminhão e proporciona uma noite de
“diversões” para ambos.
Enquanto Johann considera tudo belo, pois pelo menos no Brasil, não cai
bomba do céu, Ranulpho reclama de tudo e é muito desconfiado, até das pessoas
que pedem carona.
Ranulpho não se identifica com os nordestinos, mesmo sendo ele um deles, e
diz: “nordestino só serve de ‘mangação’, que come calango, que o sertão é um
‘buraco’ que nem guerra lá chega e que Johann estava seguro”.
Infelizmente Johann recebe uma correspondência dizendo que deve ir para a
concentração, mas Johann quer mesmo é fugir da guerra. Segundo ele, “não nasci
para matar ninguém” e queima seus documentos, pinta o caminhão que tinha o
slogan das aspirinas®. Nesse momento Ranulpho conversa sobre o recrutamento
dos retirantes, para trabalhar na Amazônia, extração do látex.
60
Pensando no que fazer da sua vida, Johann começa a observar os urubus e
as sombras desses animais.
Então Johann decide ir para a Amazônia, já que o seu sonho era ficar o mais
longe possível da guerra e, Ranulpho recebe a chave do caminhão para continuar
sua viagem para o Rio de Janeiro.
Os dois homens se separam, cada um vai em busca de sua felicidade!
As obras comentadas nesse capítulo foram produzidas em momentos
históricos e espaços diferenciados, por artistas com trajetórias e objetivos
específicos, mas que permitem traçar um paralelo com o cotidiano.
A escolha das obras corresponde a um dos caminhos percorridos na
construção do imaginário a respeito do/a nordestino/a e a Região Nordeste.
O que realmente importa?
Importa perceber que se faz necessário uma leitura desses produtos culturais,
como proposta pedagógica, a partir de uma educação escolar pautada na
responsabilidade
(ZANCANARO,
1998)
para
criar
novos
discursos,
mais
elaborados, menos preconceituosos, levando em consideração a pluralidade
cultural, o lugar e a identidade do/a outro/a, com um enfoque mais solidário na
ampliação
da
cidadania.
“Estudar
sentimentos”. (REIGOTA, 1999, p. 27).
cultura
é
estudar
ideias,
experiências,
61
5. O LUGAR E A IDENTIDADE NO COTIDIANO ESCOLAR DOS
DESCENDENTES DE NORDESTINOS E NORDESTINAS
[...]
Somente o amor é capaz
E dentro de um país faz
Um só povo bem unido
Um povo que gozará
Porque assim já não há
Opressor nem oprimido
Antônio Gonçalves da SilvaPatativa do Assaré (2009)
No atual contexto, em que a informação ultrapassa todo tipo de fronteiras,
persiste uma única lógica, a padronização de tudo e de todos; por esse motivo, é
fundamental resgatar a construção da identidade e do pertencimento dos sujeitos,
no lugar.
Neste capítulo, o objetivo é identificar no cotidiano escolar, em Sorocaba a
construção ou a (re)construção do lugar e da identidade dos/as estudantes,
descendentes de nordestinos e nordestinas.
As construções, as (re)construções e as (des)construções elaboradas em
conjunto, podem ser feitas no cotidiano escolar, momento em que a opinião dos/as
estudantes se manifesta sem grandes preocupações. As manifestações são
realizadas,
simbolicamente
e
produzem
noções
de
pertencimento,
de
(re)conhecimento ou exclusão.
Os/as estudantes se agrupam por faixas etárias, cumplicidades, por estilo
musical, gênero e outras tantas formas de agrupamento. Pertencer a este ou àquele
grupo pode ter representações identitárias ou apenas uma maneira de não ser
excluído.
A educação em geral e a geografia escolar, em particular, podem contribuir na
reconstrução de representações mais elaboradas e o reconhecimento dessas
identidades.
62
Vendo o mundo e as suas inquietações, o texto da geografia, a interpretação
hermenêutica instauradora será uma leitura com possibilidade de reconstruir outros
significados, a partir da realidade vivida.
Segundo Nelson Rego (2003, p. 276-7):
Cada hermenêutica pode ser entendida como um sistema de conceitos que se
definem na relação entre si e que, em seu conjunto, aplicados à análise de um texto,
são capazes de enunciar aspecto desse texto inacessível a uma leitura restrita ao
nível do apenas manifesto.
E completa:
[...] e instauradora porque a sua postura não é simplesmente de uma compreensão
dos acontecimentos passados que geraram uma situação presente, mas é uma
perspectiva de, trabalhando com a situação presente, agenciar propostas, ações
daquela comunidade, para que em alguma medida, modificar essa realidade vivida
por eles.
O cotidiano escolar se revela complexo, imprevisível como o mundo. Cada
estudante manifesta sua cultura, seu anseio, sua representação de diferentes
contextos e constrói sua identidade como possibilidade de instituir um sentido à vida.
[...] a simples presença, nos documentos oficiais, de conceitos como
multiculturalidade ou diversidade não garante práticas institucionais que respeitem
efetivamente as diferenças, podendo representar, também, o mascaramento da
coerção do diferente. (OLIVEIRA ; SGARBI, 2002, p. 09).
Ser nordestino/a não é fácil, descendente de nordestino/a também não,
devido aos preconceitos já existentes, outros lugares, outras identidades. Os/as
estudantes assimilam algumas coisas, descartam outras; porém, antes de serem
nordestinos/as ou descendentes, são brasileiros/as, antes de serem brasileiros, são
63
americanos e antes de serem americanos/as estão no mundo e, o mais importante,
são seres culturais.
Para intensificar o papel da escola e especificamente da geografia, a respeito
das questões citadas anteriormente, Giannni Vattimo propõe um debate com a
intenção de encontrar caminhos em relação aos problemas que se apresentam na
educação.
No texto: “A Educação Contemporânea entre a Epistemologia e a
Hermenêutica”, publicado pela Revista Tempo Brasileiro (1992), Vattimo coloca em
xeque um preconceito ainda difundido na atualidade, a maior importância dada à
educação cientificista do que à educação humanista.
Vattimo (1992) faz referência, no início do seu texto a Wilhelm Dilthey, que em
1884 escreveu:
A sociedade é como uma grande máquina que é movida em função dos serviços que
lhe presta uma quantidade inumerável de indivíduos: aquele que, em seu interior,
dispõe unicamente de uma técnica especial isolada, (...) é como um instrumento
inanimado a seu serviço, mas não coopera conscientemente para lhe dar sua forma.
E por esse motivo considerava serem as ciências sociais elemento central na
educação das classes dirigentes. (Dilthey apud VATTIMO,1992, p. 09).
Vattimo (1992) vai além dessa perspectiva e considera evidente a
necessidade de uma visão global, não apenas para as classes dirigentes, mas para
cada cidadão, sendo essa uma condição fundamental das sociedades democráticas.
Não se trata de intensificar um saber e descartar o outro, todavia repensar, de
forma mais elaborada, a importância desses saberes na educação, a partir da
condição pós-moderna na qual se encontra a sociedade contemporânea, repleta de
informações, pluralidade de culturas, diferentes realidades, diferentes posturas,
diferentes pensamentos e diferentes práticas.
A construção do pensamento de Gianni Vattimo se manifesta em diferentes
esferas sociais e caracteriza a importância das ciências humanas, no contexto atual.
Vattimo (1992) afirma que o cidadão perdeu a sua crença no progresso e que
o ideal científico da educação foi consideravelmente reduzido, por essa descrença.
64
A ideia de progresso era concebível somente sob a perspectiva de uma unidade
histórica humana, que se revelou, na verdade, como uma ideologia dos “vencedores”.
[...] O fim do colonialismo de acordo com minha hipótese, é o acontecimento decisivo
para o fim da crença no progresso. (VATTIMO, 1992, p. 13-4).
Para refletir sobre esse contexto, considerado por Vattimo (1992) como o fim
do colonialismo, devemos nos reportar a um dos mais dramáticos acontecimentos
da história: a Segunda Guerra Mundial. Cientistas, peritos, especialistas, técnicos,
todos pautados na perspectiva epistemológica, no ideal científico, na capacidade de
transformar a sociedade a partir das aplicações tecnológicas, tão difundidas na
atualidade, acabaram por culminar na produção de um instrumento poderoso de
destruição, a bomba atômica.
Não é propósito do debate a utilidade e a eficácia da ciência, mas [...] a perda
de autoridade do ideal científico, determinado pelo fim da crença no progresso que,
por um lado, depende da dissolução da ideia de unidade em história.[...]” (VATTIMO,
1992, p. 14).
E, na ordem do dia, os problemas étnicos e ecológicos são cada vez mais
alarmantes, as aplicações das tecnologias parecem bem claras, porém não são
suficientes. Para Vattimo (1992), só uma educação hermenêutica poderá dar conta,
sobretudo do ponto de vista da própria utilidade social. Porque ao afirmar uma
abertura para o heterogêneo o faz partir de uma horizontalização das relações.
Essa capacidade de viver a pluralidade, sem neurose, sem nostalgia das culturas
fechadas, tradicionais, autoritárias, é decisiva para a sobrevivência das sociedades
democráticas e para o desenvolvimento de qualquer sociedade nos dias de hoje. Os
perigos dos integrismos de qualquer espécie: raciais, religiosos etc. estão diante de
nós em várias partes do mundo, e é cada vez mais evidente que a solução desses
problemas não pode ser apenas econômica, e, portanto, ainda uma vez, técnica,
quantitativa, mecânica. (VATTIMO, 1992, p. 17).
Gianni Vattimo chama a atenção no sentido de que não se trata de opor a
uma educação moderna tecno-científica, uma educação pós-moderna; que seria
simplesmente a retomada da educação humanista mais tradicional, mas trata-se de
uma revolução hermenêutica na educação, pela importância que essa atribui às
65
humanidades. Esclarece que precisamos escolher um caminho, pois a escola não
pode ensinar tudo.
Oliveira e Alves (2001, p. 26) apontam um caminho: “[...] para além de mero
reflexo ou redução de uma outra realidade, o cotidiano, mantendo múltiplas e
complexas relações com o mais amplo, é tecido por caminhos próprios traçados com
outros caminhos [...]”, ou seja, as escolhas se fazem no próprio movimento da
caminhada por meio do qual se ampliam as fontes e os meios de conhecimento e se
assume o heterogêneo.
A pertinência das reflexões e abordagens de Gianni Vattimo, a respeito da
educação hermenêutica, vai ao encontro das possibilidades de transformação das
sociedades democráticas e, consequentemente, da ampliação do conceito de
cidadania.
Para que o ensino da geografia escolar possa ser situado na perspectiva
hermenêutica, é necessário (re)conhecer as necessidades dos/as estudantes. Uma
vez garantido o reconhecimento, será possível a construção de significados mais
pertinentes para a realização dessa proposta.
5.1 Esclarecimentos conceituais
5.1.1 Lugar
Ler o mundo, ler o espaço de vivência, ler o espaço geográfico, de uma forma
ou de outra, é uma prática (re)corrente de todas as pessoas, entretanto é uma das
especificidades da geografia escolar, possibilitar uma interpretação e compreensão
dos lugares no mundo e dos mecanismos, que constroem os lugares. Partirei de
alguns autores que trabalham com o conceito de lugar:
Para Santos (1997), lugar constitui a dimensão da existência que se
manifesta através do cotidiano compartido entre as mais diversas pessoas, firmas,
instituições – cooperação e conflito são a base da vida em comum.
66
Em Lencioni (1999), lugar é essa idéia que aparece na linguagem corrente,
indica recortes do espaço que os indivíduos ou grupos sociais elaboram e passam a
ser reconhecidos, ou não, socialmente.
Segundo Leite (1998), na concepção da Geografia humanística, lugar
caracteriza-se principalmente pela valorização das relações de afetividade
desenvolvidas pelo indivíduo em relação ao seu ambiente.
E, em Carlos (1996), o lugar é a base da reprodução da vida e pode ser
analisado pela tríade habitante-identidade-lugar e se refere de forma indissociável
ao vivido, ao plano do imediato.
As definições apresentadas anteriormente permitem afirmar que a ideia de
lugar está associada à de pertencimento, muito além do que um simples recorte
geográfico. Pertencer a este ou àquele lugar vai depender do sentimento que se
manifesta.
Para Santos (1997, p. 19):
[...] espaço como um conjunto indissociável de sistemas de objetos e sistemas de
ações podemos reconhecer suas categorias analíticas internas. Entre elas, estão a
paisagem, a configuração territorial, a divisão territorial do trabalho, o espaço
produzido ou produtivo, as rugosidades e as formas-conteúdo. Da mesma maneira, e
com o mesmo ponto de partida, levanta-se a questão dos recortes espaciais,
propondo debates de problemas como o da região e o do lugar; o das redes e das
escalas. [...] O conteúdo geográfico do cotidiano também se inclui entre esses
conceitos constitutivos e operacionais, próprios à realidade do espaço geográfico,
junto à questão de uma ordem mundial e de uma ordem local.
Sendo um desses recortes espaciais, o lugar, como apresenta Santos (1997),
considero o espaço escolar, o lugar onde os/as estudantes manifestam as
diversidades culturais e visões de mundo que foram, e continuam sendo,
construídas com suas particularidades e referências.
Estudar o lugar, na perspectiva da geografia, como reconhecimento do
espaço geográfico, abre mais um caminho para reconstrução de representações
mais elaboradas de outros lugares, não a negação como mecanismo de defesa.
67
A capacidade de compreensão do que o espaço geográfico representa para um povo,
para uma sociedade, passa necessariamente por se conseguir entender as lógicas
que existem no lugar em que vivemos, moramos, trabalhamos. Por isso é importante
que se estude o lugar. Um lugar que é o nosso, que tem a nossa casa, os nossos
amigos. Fazer a leitura do espaço próximo, aquele que materialmente faz parte do
nosso dia-a-dia, permite que se exercite esta leitura, o conhecimento e a
compreensão do que está acontecendo. (CALLAI, 2003, p.61-2).
Os/as estudantes não são caixinhas compartimentalizadas, sãos seres
sociais, constroem, (des)constroem e (re)constroem mecanismos de sobrevivência.
Recebem a influência da cultura familiar, da cultura local (origens ou não), da cultura
escolar e de muitas outras culturas com as quais se deparam ao longo das vivências
cotidianas.
Conforme Callai (2003, p. 62):
Ao reconhecer e estudar o lugar que nos dá a identidade, e nos permite reconhecer o
nosso pertencimento podemos dar conta de duas tarefas. Uma delas é fazer com que
o aluno se reconheça como cidadão de um determinado lugar que faz parte de um
mundo maior. A outra é aprender a fazer a leitura e análise do espaço, é construir
para si, para sua aprendizagem, a metodologia capaz de estudar espaços mais
amplos, mais distantes fisicamente.
No lugar se manifesta um cotidiano contraditório, dinâmico e ele é resultado
de um processo de socialização. No lugar, no cotidiano escolar, apresentam-se
comportamentos que se misturam como afirmação ou como negação.
No cotidiano existe um diálogo entre os diferentes sujeitos, os representantes
do diferente e do comum e é somente por meio desse diálogo que eles se
reconhecem, ou seja, não há cotidiano sem sujeitos. É na vida diária que acontece o
normal e o estranho. Também é onde as identidades se manifestam.
A possibilidade de troca, de diálogo e de influência mútua, enfim de reciprocidade e o
seu oposto caracterizado pela incompreensão e pela disputa pela supremacia de
valores culturais de cada um, se torna assim elementos fundamentais para a
continuidade ou não das relações de intimidade na sociedade global contemporânea.
(REIGOTA, 1999, p. 37).
68
Pensar o cotidiano escolar é pensar no lugar e na identidade dos estudantes.
Nesse caso, nos descendentes de nordestinos/as e na busca constante pela
superação dos preconceitos, relacionados às suas origens, presentes no lugar atual.
Compreender a individualidade, observar a realidade do lugar e criticar a vida
cotidiana, independente das representações construídas anteriormente, é uma
possibilidade para a criação de outras maneiras de enxergar o/a outro/a e o mundo.
Pessoas e grupos criam representações no decurso da comunicação e da
cooperação. Representações, obviamente, não são criadas por um indivíduo
isoladamente. Uma vez criadas, contudo, elas adquirem uma vida própria, circulam,
se encontram, se atraem e se repelem e dão oportunidade ao nascimento de novas
representações, enquanto velhas representações morrem. Como consequência
disso, para se compreender e explicar uma representação, é necessário começar
com aquela, ou aquelas, das quais ele nasceu. Não é suficiente começar diretamente
de tal ou de tal aspecto, seja o comportamento ou a estrutura social. Longe de refletir,
seja o comportamento ou a estrutura social, uma representação muitas vezes
condiciona ou até mesmo responde a elas. [...] Ao criar representações, nós somos
como artista, que se inclina diante da estátua que ele esculpiu e a adora como se
fosse um deus. (MOSCOVICI, 2009, p. 41).
Ao reproduzir o Nordeste, construído a partir de um discurso firmado, negam
as possibilidades de (re)conhecer o outro em sua especificidade. O/a outro/a não
está dado desde sempre, a sua existência depende daquele ou daqueles que se
consideram produtores da verdade.
As relações que acontecem no espaço comum e/ou lugar, no cotidiano
escolar, não estão livres de conflitos e muito menos isoladas das questões de
alteridade.
Segundo Gallo (2002, p. 20):
A formação do aluno jamais acontecerá pela assimilação de discursos, mas sim por
um processo microssocial em que ele é levado a assumir posturas de liberdade,
respeito, responsabilidade, ao mesmo tempo em que percebe essas mesmas
práticas nos demais membros que participam desse microcosmo com que se
relaciona no cotidiano.
69
Antes de tudo, é bom lembrar que a formação social, que pode ser garantida
pela escola, é um dos elementos intensificadores na construção dos sujeitos, pois as
informações são adquiridas por diversos meios de comunicação, inclusive nos
discursos que se manifestam no cotidiano escolar.
O pensar, o refletir e dialogar sobre os conflitos presentes no cotidiano da
escola, e que não são exclusivos desse mesmo cotidiano, tornam possível a
elaboração de novas representações sociais.
Para Moscovici (2009, p. 46):
As representações sociais devem ser vistas como uma maneira específica de
compreender e comunicar o que nós já sabemos. Elas ocupam, com efeito, uma
posição curiosa, em algum ponto entre conceitos, que têm como seu objetivo abstrair
sentido do mundo e introduzir nele ordem e percepções, que reproduzam o mundo de
uma forma significativa.
Portanto, o que importa não é o lugar em si, mas o reconhecimento do lugar
em que vive como espaço de pertencimento. Havendo o sentimento de
pertencimento do lugar, a construção da identidade e a sua efetivação na
complexidade social, possibilitará avanços na (desconstrução) de representações
sociais equivocadas.
5.1.2 Identidade
Ao tentar conceituar identidade, corremos um grande risco de produzir
binarismos, pois segundo Hall (2006, p. 08), “o conceito de ‘identidade’ é
demasiadamente complexo, muito pouco desenvolvido e muito pouco compreendido
na ciência social contemporânea para ser definitivamente posto à prova”.
Para Duschatzky e Skliar (2001, p. 123):
70
A modernidade inventou e se serviu de uma lógica binária, a partir da qual
denominou de diferentes modos o componente negativo da relação cultural: marginal,
indigente, louco, deficiente, drogadinho, homossexual, estrangeiro, etc. Essas
oposições binárias sugerem sempre o privilégio do primeiro termo e o outro,
secundário nessa dependência hierárquica, não existe fora do primeiro, mas dentro
dele, como imagem velada, como sua inversão negativa.
Pensar sobre os binarismos com outra ótica, é uma exigência que a pósmodernidade coloca ao pensamento quando se pretende enfrentar os processos de
homogeneização que os binarismos tendem a promover e que coloca na pauta do
dia questões importantes que tendem a fundamentar a existência dos seres
humanos. A identidade é uma dessas questões
Em muitas situações, o dicionário pode ser utilizado como ponto de partida na
compreensão de conceitos complexos, e por esse motivo, a utilização do dicionário
se constitui como ferramenta de significados pontuais.
O dicionário do pensamento social do Século XX traz o seguinte significado
para identidade:
IDENTIDADE: Derivada da raiz latina idem, que implica igualdade, e continuamente,
essa palavra tem uma lógica histórica filosófica que examina a permanência em meio
à mudança e a unidade em meio à diversidade, mas no período moderno está
estreitamente ligada à ascensão do INDIVIDUALISMO [...]
Nas ciências sociais, as discussões sobre identidade assumem duas formas mais
importantes, a psicodinâmica e a sociológica. [...]
Tanto na abordagem sociológica quanto na abordagem psicodinâmica visam ligar o
mundo interior com o exterior, mas suas ênfases diferem. Para ambas, no entanto, o
esforço para definir o ego está ligado ao modo como uma comunidade constrói
concepções das pessoas e da vida. No mundo moderno, ambas as perspectivas
indicam que a comunidade bem dividida, compartilhada, em grande parte se dissolve
– deixando as pessoas modernas sem um claro senso de identidade. [...]
Perto do final do século XX alguns comentários pós-modernistas têm percebido as
políticas “de identidade” como um padrão para o futuro. (DICIONÁRIO DO
PENSAMENTO SOCIAL DO SÉCULOXX, 1996. p. 369-71).
E o Dicionário de Sociologia, guia prático da linguagem sociológica, apresenta
outro significado:
71
De uma perspectiva sociológica, o self é um conjunto relativamente estável de
percepções sobre quem somos em relação a nós mesmos, aos outros e aos sistemas
sociais.
O self é organizado em torno do autoconceito, ou seja, as idéias têm origem em
várias fontes. [...] Este componente do autoconceito, que se baseia nos status sociais
ocupados pelo indivíduo, é conhecido como identidade social.
Uma parte importante do self é o ideal, que consiste de idéias sobre quem
deveríamos ser, e não sobre quem realmente somos. [...], o eu ideal é um padrão
contra o qual medimos nosso conceito de self – em outras palavras, quem pensamos
que realmente somos. A perfeição com que o self ideal e o autoconceito se
comparam afeta fortemente nossa auto-estima. Para a auto-estima contribuem
também as avaliações que fazem parte da imagem de espelho (tendemos a pensar
mal de nós mesmos se achamos que outros pensam assim) e as que estão
associadas aos status sociais que ocupamos (pessoas em ocupações altamente
prestigiosas tenderão a sentir-se melhor sobre si mesmas, porque recorrem ao valor
cultural mais alto atribuído às suas posições). (JOHNSON, 1997. p. 204).
No sentido de ir além dos significados pontuais, no livro, A identidade cultural
na pós-modernidade, de Stuart Hall, duas questões são discutidas sobre identidade:
Na primeira parte – as mudanças nos conceitos de identidade e de sujeito, e
na segunda parte – argumenta as identidades culturais, “aqueles aspectos de
nossas identidades que surgem de nosso ‘pertencimento’ as culturas étnicas,
raciais, linguísticas, religiosas e, acima de tudo, nacionais”. (HALL, 2006, p. 08).
O argumento essencial para discutir a questão da identidade apresentado por
Hall é que “as velhas identidades, que por tanto tempo estabilizaram o mundo social,
estão em declínio, fazendo surgir novas identidades e fragmentando o indivíduo
moderno, até aqui visto como sujeito unificado”. (HALL, 2006, p. 07).
Para exemplificar a unificação do discurso da cultura nacional com as
concepções particulares, Hall (2006) levanta cinco elementos principais na
construção da identidade.
Primeiro, a narrativa da nação, presente nas histórias contadas e recontadas,
na literatura, mídia e cultura popular.
Segundo, as origens e tradições, a verdadeira natureza das coisas, é
imutável.
Terceiro, invenção da tradição, de natureza ritual e simbólica, inculcar valores
e normas por meio das repetições.
Quarto, mito fundacional, surge a partir de uma ruptura.
E por fim, o quinto, ideia de um povo, mesmo que na realidade, raramente
esse povo puro, original, que persiste ou exercita o poder.
72
O discurso da cultura nacional não é, assim, tão moderno como apresenta ser. Ele
constrói identidades que são colocadas, de modo ambíguo, entre o passado e o
futuro. Ele se equilibra entre a tentação por retornar as glórias passadas e o impulso
por avançar ainda mais em direção à modernidade. As culturas nacionais são
tentadas, algumas vezes, a se voltar para o passado, a recuar defensivamente para
aquele ‘tempo perdido’, quando a nação era ‘grande’; são tentadas a restaurar as
identidades passadas. (HALL, 2006, p. 56).
Dentre os cinco elementos principais na construção da identidade, em relação
ao nordestino/a fica em evidência a invenção da tradição, pois como apontado
anteriormente ao fazer referência a Hall (2006) – as identidades nacionais não são
coisas com as quais nascemos, mas formadas e transformadas no interior da
representação.
As culturas nacionais são compostas por instituições culturais, símbolos e
representações. “Uma cultura nacional nunca foi um simples ponto de lealdade,
união e identificação simbólica. Ela é também uma estrutura de poder cultural”.
(HALL, 2006, p. 59).
No entanto, as diferenças regionais e étnicas foram sendo colocadas
gradativamente, de forma subordinada.
A formação de uma cultura nacional contribuiu para criar padrões de alfabetização
universais, generalizou uma única língua vernacular como meio dominante de
comunicação em toda nação, criou uma cultura homogênea e manteve as instituições
culturais nacionais, como, por exemplo, um sistema educacional nacional. Dessa
forma e de outras formas, a cultura nacional se tornou uma característica-chave da
industrialização e um dispositivo da modernidade. (HALL, 2006, p. 49-50).
E, ainda Hall (2006) chama a atenção para as nações ocidentais modernas,
que exerceram sua hegemonia cultural sobre as culturas dos colonizados, uma
forma de poder cultural, sendo que todas as nações colonizadoras e colonizadas
modernas são híbridas culturalmente.
Segundo Duschatzky e Skliar (2001, p. 123):
73
Uma questão significativa do discurso colonial é a sua relação com o conceito de
fixação na construção e invenção da alteridade [...] Desta forma, o estereótipo, que é
uma de suas principais estratégias discursivas, acaba sendo uma modalidade de
conhecimentos e identificação que vacila entre aquilo que está sempre em um lugar
já conhecido, ou melhor, esperado, e algo, que deve ser ansiosamente repetido.
(DUSCHATZKY; SKLIAR, 2001, p.123).
No caso do Nordeste brasileiro, há vertente sustentando que o discurso
regionalista artístico e até mesmo o de senso comum, muito colaborou para a
exaltação dessa região e a identificação de um caráter essencial do/a nordestino/a,
porém, a cultura nacional trabalha no sentido de costurar (HALL, 2006) as diferenças
numa única identidade, valendo-se de diferentes formas de poder cultural.
Para Hall (2006), com o advento da globalização, as culturas nacionais estão
mais expostas a influências externas e, por esse motivo, é difícil conservar as
identidades culturais intactas ou impedir que elas se tornem enfraquecidas através
da infiltração cultural. “[...] Entretanto, parece improvável que a globalização vá
simplesmente destruir as identidades nacionais. É provável que ela vá produzir,
simultaneamente, novas identificações ‘globais’ e novas identificações ‘locais’”.
(HALL, 2006, p. 78).
Por outro lado, estão surgindo identidades culturais que não são fixas, mas
produtos de cruzamentos e misturas culturais que são cada vez mais comuns num
mundo globalizado.
Segundo Hall (2006, p. 88-9), há também uma outra possibilidade:
“[...] aquelas formações de identidade que atravessam e intersectam as fronteiras
naturais, compostas por pessoas que foram dispersadas para sempre de sua terra
natal. Essas pessoas retêm fortes vínculos com seus lugares de origem e suas
tradições, mas sem a ilusão de um retorno ao passado. Elas são obrigadas a
negociar com as novas culturas em que vivem, sem simplesmente serem assimiladas
por elas e sem perder completamente suas identidades. Elas carregam os traços das
culturas, das tradições, das linguagens e das histórias particulares pelas quais foram
marcadas. A diferença é que elas nunca mais serão unificadas no velho sentido,
porque elas são, irrevogavelmente, o produto de várias histórias e culturas
interconectadas, pertencem a uma e, ao mesmo tempo, a várias “casas” (e não a
uma “casa” particular). [...]
74
Diante de tantas possibilidades, pensar e discutir a identidade nacional é
pensar nas diferenças para a partir delas construir outras identidades. A partir dessa
perspectiva, cada estudante poderá criar identidades plenas e (re)conhecer o lugar
de pertencimento, como espaço de possíveis transformações e assim ampliar sua
capacidade de leitura da realidade.
75
6
DESCONSTRUINDO
BRASILEIRO
E
REDESENHANDO
O
NORDESTE
Deus quando fez o mundo
Fez tudo com primazia
Formando o céu e a terra
Cobertos com fantasia
Para o Sul, deu a riqueza
Para o Planalto, a beleza
Pro Nordeste, a poesia.
[...]
José Bezerra de Carvalho (2009)
6.1 O conteúdo
Sugerir ou promover uma reflexão a respeito do conteúdo, seja em qual for a
área, só faz sentido se esse exercício estiver pautado em um compromisso profundo
de conscientização política.
A partir desse compromisso é que se faz necessário levantar alguns
questionamentos sobre o conteúdo presente no currículo oficial e pensar na
construção de um currículo oculto como contribuição para a interpretação da
realidade e o respeito às individualidades presentes no contexto escolar.
Logo na apresentação dos Parâmetros Curriculares Nacionais nos deparamos
com a seguinte afirmação:
A Geografia [...] tem um tratamento específico como área, uma vez que oferece
instrumentos essenciais para a compreensão e intervenção na realidade social. Por
meio dela podemos compreender como diferentes sociedades interagem com a
natureza na construção de seu espaço, as singularidades do lugar em que vivemos, o
que o diferencia e o aproxima de outros lugares e, assim, adquirirmos uma
consciência maior dos vínculos efetivos e de identidade em que estabelecemos com
ele. Também podemos conhecer as múltiplas relações de um lugar com outros
lugares, distantes no tempo e no espaço, e perceber as marcas do passado no
presente. (PARÂMETROS CURRICULARES NACIONAIS, 1998, p.99).
76
Não se trata aqui de uma análise profunda do currículo oficial, mas é
necessário colocar em evidência os pontos desconexos entre currículo e prática
pedagógica como esclarecimento do trabalho desenvolvido no cotidiano escolar.
Consideramos a apresentação clara e objetiva, porém os antagonismos são
evidentes na prática pedagógica quando os/as professores/as se deparam com o
cotidiano escolar e suas várias interfaces.
Para Moraes (2000), a quase totalidade das propostas curriculares concebe o
ensino da Geografia com uma ótica exclusivamente centrada na geografia
econômica, raramente são contemplados os temas da geografia política e geografia
cultural.
Observando por esse aspecto, Moraes (2000, p. 172) afirma:
É interessante assinalar que apesar de todos os textos realçarem a importância da
experiência cotidiana e do espaço de vivência no processo educativo, nenhum faz
alusão à orientação metodológica que mais diretamente trabalha tal concepção na
Geografia. A fenomenologia e a chamada “Geografia Humanística” estão
completamente ausentes das propostas curriculares analisadas.
O currículo oficial não é algo neutro, pelo contrário, para Tadeu da Silva
(1995), o currículo é também uma relação social, uma relação social no sentido de
que aquele conhecimento que é visto como uma coisa, foi produzido por relações
sociais – e de relações sociais de poder.
A educação se estabelece a partir de relações sociais; sendo assim,
Zancanaro confirma o teor dessas relações:
Posto que a tarefa da educação no sentido amplo é dar uma formação global de
conhecimento que auxiliam a gestão da vida no mundo, a ética de responsabilidade
poderá ser um bom instrumento na valorização da vida no mundo, do meio ambiente
e de tudo que deve existir. Nesse sentido as “obrigações” partem exatamente deste
contexto e da análise das ações presentes. A responsabilidade com o futuro terá
como causa o apelo pela situação presente. Se temos um “poder” de qualquer tipo,
deste originar-se-á a “obrigação” com o futuro. Não podemos comprometer o futuro,
dando prioridade ao “pior” sobre o “melhor”, a mais “ínfimo” sobre o mais “elevado”. O
“querer” deve ser movido pelo “sentimento” do temor que pode comprometer o
sentimento em busca do bem. (ZANCANARO, 1998, p. 20).
77
Então, essa relação - pessoas e poder - leva-nos a contestar a lista de
conteúdos e a forma como eles são organizados e instituídos e que deverão ser
contemplados no ensino fundamental.
Mais difícil que construir é (des)construir representações sociais e tentar
reconstruí-las. Qual desses terrenos escolher? Se pensar em um terreno limpo,
propício para a construção de uma casa e depois, pensar em um terreno com uma
casa que poderá ser demolida totalmente ou ainda, que será demolida parcialmente
e a outra parte reformada, teremos então trabalhos diversificados, mas poderemos
escolher.
Seja qual for a resposta, nesse caso, a construção é material, com utilização
de materiais que não possuem sentimentos, histórias, nem cultura. Mas ainda assim,
podemos pensar metaforicamente nos/as estudantes em relação à construção do
conhecimento.
O currículo não está envolvido num processo de transmissão ou de revelação, mas
num processo de constituição e de posicionamento: de constituição do indivíduo
como um sujeito de um determinado tipo e de seu múltiplo posicionamento no interior
das diversas divisões sociais. (TADEU DA SILVA, 2000, p.195).
A reflexão proposta nesse capítulo tem como base o currículo como
representação, ou seja, é por meio dos diferentes discursos que são produzidos os
significados sociais.
Ao iniciarmos essa reflexão, podemos então levantar algumas questões,
como: Qual a legitimidade dos significados sociais e suas representações, presentes
no currículo?
Ou ainda, podemos usar um questionamento de Silva (2000): “Como o ‘outro’
é ‘fabricado’ através do processo de representação?
78
6.2 O nordeste dos/as estudantes
Aquele/a que migra, leva consigo os aspectos fundamentais da sua cultura
cotidiana e esses lhe dão uma identidade. O/a migrante tende a ultrapassar várias
barreiras, no confronto com a cultura do seu novo lugar e os sentimentos
contraditórios de exclusão e pertencimento. A sua cultura de origem se manifesta,
nos diálogos do cotidiano, na literatura, na música, na culinária e amenizam as
inquietações de quem vive sua história num lugar alheio.
A memória é uma aliada forte: se não tem memória no e do novo lugar, tem a
memória do local de partida. Memória que segue junto, não está esquecida, nem
adormecida, mas congelada a espera do momento de colocar-se como ingrediente
da mistura cultural no novo lugar. (SILVA, 2001, p.06).
A sociedade brasileira, embora seja multicultural (FREYRE, 2004) tem
dificuldade de aceitar e respeitar as diferenças. Os preconceitos culturais
(representações sociais) principalmente sobre os/as migrantes nordestinos são
bastante conhecidos.
Consideramos que o ensino de geografia, pautado na perspectiva ecologista
de educação (REIGOTA, 2002) é um momento político e pedagógico importante na
identificação,
discussão
e
desconstrução
de
representações
sociais
preconceituosas e reconstrução de representações mais igualitárias, diversificadas
e multiculturais. Esse processo pedagógico é realizado com o objetivo de eliminar a
violência física e simbólica face à alteridade.
No currículo escolar, para o ensino fundamental, há duas referências
geográficas para o estudo da Região Nordeste: uma apresentada pelo Instituto
Brasileiro de Geografia e Estatística, que
oferece análises de informações
estatísticas, e outra que divide o Brasil em Regiões Geoeconômicas, proposta em
1967 e que tem por base os aspectos da economia e da formação histórica de cada
região do país.
Há também, uma outra maneira de regionalizar o Brasil, proposta por Santos
(2001), que não aparece no currículo do ensino fundamental, mas é marcada pela
79
difusão diferencial do meio técnico - científico - informacional e nas heranças do
passado.
A partir da divisão, proposta por Santos (2001), o Nordeste é composto pelos
estados do Maranhão, Piauí, Ceará, Rio Grande do Norte, Paraíba, Pernambuco,
Alagoas, Sergipe e Bahia, assim como a divisão proposta pelo IBGE, área de
povoamento antigo, constituição do meio mecanizado, pontual e pouco densa, com
precária circulação de pessoas, recursos, informação, dinheiro.
Para Santos (2001), a herança da antiguidade da ocupação econômica é o
grande número de núcleos urbanos em virtude da baixa mecanização territorial,
densidade relativamente importante, mas a taxa de urbanização é baixa.
Com o fenômeno da globalização e a instalação do meio-técnico-científicoinformacional6 no território regional, Santos (2001) afirma que essa situação abre a
perspectiva de importantes fraturas na história social, com mudanças brutais dos
papéis econômicos e políticos de grupos de pessoas e também de lugares.
O aspecto cultural da vida cotidiana dos nordestinos e nordestinas não
aparece nessas referências curriculares, e, é preciso lembrar que esta pesquisa não
tem a intenção de mudar os conteúdos presentes no currículo oficial, mas propor
reflexões da vida cotidiana escolar a partir da prática pedagógica de geografia.
Em particular, a cidade de Sorocaba tem uma forte presença de migrantes
nordestinos/as. Esse movimento vem ocorrendo desde o final do século XIX, devido
ao desenvolvimento da cidade e a proximidade com São Paulo.
A cidade de Sorocaba, desde o final do século XIX, recebeu levas de migrantes e
imigrantes atraídos pelas indústrias têxteis instaladas na cidade. Nessa passagem de
século, com cinco grandes indústrias – para a época – era conhecida como um
importante parque industrial brasileiro, sendo chamada por um empresário, numa
euforia desenvolvimentista, de Manchester Paulista, comparação com a cidade
inglesa, importante por suas indústrias de tecidos. (SILVA, 2001, p.02).
6
Para Santos (1997, p. 190) [...] os objetos técnicos tendem a ser ao mesmo tempo técnicos e
informacionais, já que, graças à extrema intencionalidade de sua produção e de sua localização, eles
já surgem como informação ; e, na verdade, a energia principal de seu funcionamento é também a
informação.
80
Muitos migrantes retornaram aos seus lugares de origem, porém muitos
permaneceram, acompanharam as diversas fases de desenvolvimento da cidade de
Sorocaba e, nesse movimento, também construíram suas vidas.
O que se pode observar no cotidiano escolar é que os/as filhos/as, netos/as
desses migrantes não demonstram uma relação especificamente econômica com a
cidade, como seus pais e avós.
Os/as estudantes manifestam referências culturais, ora aceitam, ora
descartam, mas são as que permanecem com o passar do tempo. Na escola em que
estudam, no convívio com seus/suas colegas e professores/as, as referências
culturais são postas em evidenciadas.
É durante as conversas do cotidiano que os/as estudantes, descendente do
migrante nordestino, nas escolas de Sorocaba, se veem confrontados com sua
cultura familiar de origem e as representações dominantes sobre essa mesma
cultura.
Diante das observações apresentadas anteriormente, propus uma intervenção
educacional, por meio da prática pedagógica de geografia pautada na educação
ambiental (REIGOTA, 2001) com o objetivo de dar sentido ao conteúdo estudado
devido à proximidade cultural.
Encontra-se, nesse sentido, o pensamento de Reigota (2001, p. 25):
A Educação Ambiental, como perspectiva educativa, pode estar presente em todas
as disciplinas, quando analisa temas que permitem enfocar as relações entre a
humanidade e o meio natural, e as relações sociais, sem deixar de lado as suas
especificidades.
Dessa forma, a especificidade da geografia não foi deixada de lado, mas o
enfoque foi direcionado na observação das relações sociais e, os problemas
existentes em um contexto específico.
81
6.3 A intervenção
Ferraço (2005) apresenta-nos a tentativa de ampliação da ideia que reduz
currículo
à
proposta
curricular
(unificação),
assumindo-o
como
redes
de
saberesfazeres7 (ALVES) tecidas e compartilhadas na complexidade (MORIN) do
cotidiano escolar. Para tanto, usa como referenciais teórico-metodológicos os
estudos do cotidiano (CERTEAU) e pós-coloniais (BHABHA), sobretudo no que se
refere às ideias de sujeito praticante (formação de professores/as), cultura como
enunciação, negociações e híbrido cultural.
Dentre as principais inferências acumuladas, destacam-se:
•
A despeito de existir, ou não, uma proposta curricular, as redes de
saberesfazeres dos sujeitos das escolas são negociadas com os diferentes
contextos vividos, levando-os a ampliar, desconstruir e/ou desqualificar as
propostas oficiais;
•
Desse modo torna-se impossível identificar objetivamente, no cotidiano o que
se entende por currículo, avaliação, ensino, aprendizagem, planejamento…;
•
O currículo negociado nas redes de saberesfazeres, impõe a necessidade de
superação da ideia de dificuldade/problema de aprendizagem, em favor da
dimensão de possibilidades de conhecimentos, como ponto de partida e
chegada da prática educacional.
Dentre os diferentes modos do fazer pedagógico, existe a possibilidade de
estabelecer diálogos, problematizar algumas ideias (ideias de todos e de ninguém),
ideias da vida cotidiana e da vida cotidiana das escolas a partir de redes tecidas e
compartilhadas. No âmbito dessa perspectiva Ferraço (2005) faz referência a
importância dos “sujeitos anônimos”, que constroem o dia a dia da escola pública.
[...] coloca-se como urgente a necessidade de superarmos as falas e escritas
retóricas e enfadonhas que têm caracterizado algumas produções da área
educacional que, herdeiras de uma pseudocientificidade moderna e protagonistas de
análises que se propõem neutras e racionais, desconsideram ou desqualificam os
7
Segundo Ferraço (2005, p. 15): “essa estética da escrita aprendi com Nilda Alves na tentativa de, ao
unir palavras, inventar outras tantas”.
82
sujeitos que vivem e praticam as escolas e, portanto, realizam a educação desse
país. (FERRAÇO, 2005, p. 08).
A perspectiva metodológica, apresentada por Ferraço (2005) é efêmera8, ou
seja, o objetivo principal estabelecido é aproximar o objeto de pesquisa, apreender e
analisar fragmentos das redes de representações, ações e significados produzidas e
compartilhadas por professoras e alunos(as) dentro e fora das salas de aula.
Ferraço (2005) também critica severamente o paradigma cartesiano, pois a
partir desse modelo, busca-se o objeto que existe fora do sujeito, uma verdade
objetiva. Porém, no cotidiano escolar, há uma tentativa de subversão dessa lógica,
querendo ou não, levando em consideração a complexidade das redes de ações que
são tecidas e compartilhadas.
Para Ferraço (2001, p. 91-2):
1. No cotidiano, só conhecemos nossas próprias criações pois, em essência, somos
nosso próprio objeto de estudo. Apreendemos do cotidiano o que nele introduzimos;
2. Todo conhecimento que criamos/inventamos revela, em parte, quem somos. As
verdades que produzimos são fragmentos de nossas verdades/identidades;
3. essas verdades são múltiplas porque subjetivas e tornam-se objetivas
(objetivadas) à medida que compartilhadas/produzidas pelo imaginário mais amplo;
4. Por ser invenção não há como antecipar caminhos. Somos levados, por
movimentos caóticos (ordem/desordem), a percorrer redes efêmeras de
representações e práticas que configuram e desaparecem nos tempos/espaços das
vivências;
5. Como são efêmeras, as redes exigem de nós, na apreensão de seus fragmentos,
caças não autorizadas, maneiras diferenciadas de senti-las. Mergulhos,
mortes/ressurreições, idas e vindas. Vivências corporais dos movimentos caóticos.
Se entendermos que as organizações disciplinares (no caso, o currículo)
reforçam os processos de dominação, entenderemos também que, as ações e
relações, tecidas em redes, no cotidiano escolar, podem se constituir em pedagogias
facilitadoras dos processos emancipátorios.
8
[...] a ciência pós-moderna não busca homogeneidade e está aberta a vários campos de pesquisa,
não há metodologias gerais. Não podemos falar em ciência pós-moderna universal. Ela não se
pretende única, absoluta e final. Se, na modernidade, cada pesquisador era implementador de uma
ciência pré-concebida, na ciência pós-moderna, além de não se justificar trabalhos isolados, trata-se
de processos de criação. (FERRAÇO, 2001, p. 105).
83
[...] Professoras e estudantes agem e reagem, vivem e convivem, lutam e relutam
através de suas redes de conhecimentos, crenças e valores, imersos num mundo de
imagens e sons, em meio a contradições, inseguranças, desafios, frustrações,
vitórias e sobrevidas, que se desvanecem e tornam a surgir a cada momento.
(FERRAÇO, 2001, p. 96).
Essa é a lógica que se manifesta no cotidiano escolar, se render ao discurso
das esferas mais elevadas, da hierarquia educacional que dizem “faça assim que
tudo dará certo”, é perder sua identidade, pois segundo Ferraço (2001, p. 104) “as
‘verdades’ que produzimos, porque nossas, são parciais e falam de nossas
identidades. Falam sobre quem somos e o que queremos”.
Ferraço (2001, p. 106-7) conclui:
De modo geral, em nossa metodologia efêmera, as redes foram desveladas,
produzidas e fortalecidas nas relações com educadores, estudantes e outros sujeitos
do cotidiano escolar, a partir da diversidade de saberes, crenças, valores
preferenciais, não preferenciais, representações e significados compartilhados. A
partir da multiplicidade de ações, táticas e artimanhas produzidas. A partir da
variedade de cheiros, barulhos, imagens, gostos e sentimentos vividos.
Ferraço (2001) expõe suas ideias como uma discussão sobre a prática de
currículo, uma experiência concreta, ou seja, apreender aspectos do currículo
realizado (currículo oculto), na pluralidade de significados e representações,
presentes nas redes de conhecimentos tecidas cotidianamente.
Outro aspecto importante é que não se trata de emitir juízo de valor para as
saídas apresentadas pelos/as educadores/as, isso se expressa claramente no
compromisso com o saber, uma perspectiva de trabalho.
Os/as alunos/as estão cheios de inquietações e isso reflete diretamente no
cotidiano escolar, ao que Ferraço (2002) define como sendo o caos:
O acaso, gerando insegurança, sugere ações alternativas que rompem com a ordem
vigente, criando condições propícias para que as transformações e, por
conseqüência, a auto-organização ocorram. [...].
Isso nos leva a pensar na importância de analisar como professores e alunos lidam
com situações efêmeras, circunstanciais, imprevistas e espontâneas, que ocorrem
diariamente no cotidiano da escola e sala de aula e que são desencadeadoras da
84
ordem que emerge do caos. O cotidiano escolar e os currículos em redes aí
realizados são extremamente ricos em dinâmicas imprevistas, aleatórias, complexas
e multifacetadas que caracteriza as relações não-lineares dessas redes. Estudar
esse cotidiano implica viver essas dinâmicas. (FERRAÇO, 2002, p.142).
Portanto, pensar o cotidiano escolar, a partir das microdiferenças de cada
escola, requer transpor a linearidade e precisão, presentes nas políticas curriculares
no Brasil, através dos diferentes saberesfazeres pedagógicos, dos sujeitos
anônimos, que tecem as redes de conhecimento.
O principal objetivo pode ser o de argumentar em favor de uma perspectiva
de análise, que assume o cotidiano como ponto de partida e de chegada na luta pela
transformação da realidade.
Se, para os pesquisadores que acreditam nos mitos da objetividade, neutralidade e
racionalidade instrumental, a “teoria” assumida é a referência suprema à qual os
sujeitos pesquisados e seus fazeressaberes necessitam ser subjugados para serem
classificados, hierarquizados, categorizados e explicados; para os que se propõem o
desafio da pesquisa no/do/com o cotidiano, são os referenciais teóricos adotados que
precisam ser submetidos, numa permanente tentativa de diálogo, aos saberesfazeres
dos sujeitos pesquisados [...]. (FERRAÇO, 2002, p.9-10).
Todos os sujeitos que compõem a escola manifestam suas histórias pessoais,
mas que não são separadas ou isoladas dos contextos sociais, econômicos,
políticos e culturais que existem.
Para isso, Ferraço (2006) vai buscar subsídios no cotidiano escolar através
dos diálogos, dos saberesfazeres, das redes que são tecidas pelos sujeitos híbridos
nesses entre-lugares culturais que são as escolas.
Outro questionamento que não quer calar: O que está instituído (currículo
oficial) é capaz de dar conta das diferentes lógicas, devaneios, fantasias, delírios,
interesses, valores e ideologias presentes nesses entre-lugares ao qual se refere
Ferraço (2006)? Ou, quais as possibilidades existentes, no currículo oficial, em
efetivar a dinâmica dos diferentes contextos vividos?
Buscamos o entendimento de Ferraço (2005, p. 39):
85
Por fim, entendemos que a condição de pensar a complexidade da educação no
cotidiano leva a considerar como autores dessa complexidade os sujeitos que
praticam o cotidiano. Ou seja, para além dos teóricos que se dedicam a escrever
sobre o tema, estão os autores anônimos do cotidiano. São eles que ao se valerem
de diferentes possibilidades estéticas, inventam novos/outros discursos para a
educação. (FERRAÇO, 2005, p.39).
Para se apreender alguns aspectos da complexidade do cotidiano escolar, é
necessário que um indivíduo se coloque no lugar do outro. Podemos entender que,
deve haver uma responsabilidade na escolha dos assuntos a serem trabalhados
com os/as alunos/as, e que devem ser relevantes, para as relações que se
estabelecem com esses sujeitos, que colaboram para a produção da escola pública
e a sociedade em um aspecto mais amplo.
São espaçostempos diversos, sujeitos híbridos, saberesfazeres individuais e
coletivos, diálogos, manifestações culturais, todas essas significações imersas no
cotidiano escolar, o qual se constitui como um entre-lugar privilegiado para o
conhecimento.
Para Oliveira (2006)9:
Por muito tempo as práticas dos sujeitos das escolas não foram ouvidas no universo
do saber científico, porém, muitos pesquisadores e pesquisadoras têm se
preocupado com os múltiplos contextos cotidianos a partir de metodologias de origem
sociológica, antropológica, etnográfico, comunicacional, psicológico, etnográfico, etc.,
pois se compreende que o estudo desses espaços/tempos exigem a incorporação da
sua complexidade, em todos os seus processos.
O envolvimento dialógico da profundidade da vida cotidiana dos/as
praticantes não se reduz àquilo que é observável e organizável formalmente.
Na análise de tão diferentes passados, entender um pouco melhor o presente
comum e os sonhos de um futuro melhor, consiste em diferenciar-se daqueles/as
que se preocupam apenas com a exposição dos conteúdos presentes nos
currículos, e compreender cotidianamente os conhecimentos.
Conforme Oliveira (2001), a vida cotidiana não pode ser traduzida por meio de
explicações gerais, a respeito de sua dinâmica e escorregadia riqueza. Organizar e
9
Introdução do livro: “Pesquisa no/do cotidiano das escolas – sobre redes de saberes”.
86
traduzir, em linguagem compreensível, o que nela ocorre, tem sido um desafio para
os/as professores/as. Seleção e organização, análise e sistematização de dados
complexos, inter-relacionados, misturados, articulados, muitas vezes de modo
incompreensível, além de desorganizados, do ponto de vista “científico”, têm sido
atividades relevantes. Por meio delas, muita coisa tem sido explicada e ordenada de
modo compreensível.
As práticas pedagógicas traduzem as possibilidades de
realização dos modos de pensar e de escrever uma metodologia cotidianamente.
Oliveira (2001) afirma: Considerando-se a validade e a legitimidade dos
saberes e valores presentes nas ações e propostas, pode-se compreender, de modo
mais claro, as possibilidades de produção e de desenvolvimento de alternativas
curriculares nesse universo singular e evidenciar a impossibilidade da transposição
de qualquer norma ou proposição formal, de ser aplicada tal qual na realidade.
Especificamente no que diz respeito aos processos de ensino-aprendizagem, as
formas criativas e particulares através das quais professoras e professores buscam o
aprendizado de seus alunos avançam muito além daquilo que poderíamos captar ou
compreender de modo genérico, pois cada forma nova de ensinar, cada conteúdo
trabalhado, cada experiência particular só pode se entendida junto ao conjunto de
circunstância que a torna possível, o que envolve a história de vida dos sujeitos em
interação, sua formação e a realidade local específica, com as experiências e
saberes pregressos de todos, entre outros elementos da vida cotidiana. (OLIVEIRA,
2001, p.42).
Compreender concretamente, as múltiplas e diversas realidades em suas
complexidades e articulações, para nelas buscar intervir de modo mais consoante,
com as especificidades locais e individuais, respeitando a importância desses
elementos, frequentemente negligenciados, por sua irrelevância científica ou, o que
é mais grave, por sua irrelevância social e política, é um trabalho de pesquisa que
escapa às possibilidades das metodologias clássicas.
A ciência moderna tem sido construída através de procedimentos de seleção,
organização, classificação e transformação dos “dados” em algo que possa
reproduzir10.
Porém, Oliveira (2001) faz um contra ponto e questiona se há várias maneiras
de fazer (caminhar, ler, produzir, falar) e várias maneiras de utilizar que se tecem em
10
Cf. OLIVEIRA, 2001, p.43. CERTEAU, Michel de. A invenção do cotidiano: 1. artes de fazer.
Petrópolis: Vozes, 1994.
87
redes de ações reais (escola real), que não são e não poderiam ser mera repetição,
de uma ordem social preestabelecida e explicada no abstrato. Desse modo, a
tessitura das redes de práticas sociais reais se dá através de ‘usos e táticas dos
praticantes’, que inserem na estrutura social criatividade e pluralidade, modificadores
das regras e das relações entre o poder da dominação e a vida dos que a ela estão,
supostamente, submetidos.
Oliveira (2001) afirma ainda que têm sido as invenções cotidianas que alteram
as propostas curriculares, redesenham as relações professor/a-aluno/a e enredam
valores, saberes e possibilidades de intervenção, experiências e criação,
potencializando aprendizagens de conteúdos, comportamentos e valores, para além
do previsto e do suposto oficialmente.
O texto “Da diversidade nós gostamos, já que toda unanimidade é burra11”
nos permite observar a complexidade de interpretação do conceito de diversidade,
principalmente no que diz respeito aos projetos oficiais.
Oliveira e Sgarbi (2002) consideram que sempre que entramos em contato
com esses projetos oficiais (propostas) voltados para a educação, a sensação que
vem é a de que a sua transformação em lei segue os passos da modernidade,
dando-nos um aviso do tipo: “Façam assim que tudo vai dar certo”. Essa sensação –
palavra utilizada intencionalmente para dar ao leitor uma ampla oportunidade de
discordar, ou seja, esta postura de credibilidade dogmática não é hegemônica no
cotidiano.
A simples presença, nos documentos oficiais, de conceitos como multiculturalidade
ou diversidade não garante práticas institucionais que respeitem efetivamente as
diferenças, podendo representar, também, o mascaramento da coerção do diferente.
(OLIVEIRA; SGARBI, 2002, p.09).
A escola é um lugar privilegiado de circulação de conhecimento, porém ainda
existe uma grande dificuldade, de algumas instituições, em romper o instituído pela
modernidade e colocar em prática a proposta de mudança, na tentativa de
construção de um currículo oficial que contemple a diversidade cultural. E isso acaba
se tornando um trabalho menor, desenvolvido pelos/as professores/as.
11
Capítulo introdutório do livro: “Redes culturais diversidade e educação”, escrito por Inês Barbosa de
Oliveira e Paulo Sgarbi.
88
Ao considerarmos, portanto, a vida cotidiana como fonte de aprendizagem e de
influência sobre os nossos comportamentos individuais e sociais, somos levados a
questionar o ideário formalista dominante que, sustentado pela dicotomia e pela
hierarquia entre as aprendizagens formais e científicas – dentre outras-, entende que
os processos escolares de aprendizagem estão dissociados dos processos
cotidianos, como se no interior de cada um de nós houvesse um botão de desligar,
separando a nossa vida fora da escola dos momentos em que estamos sendo
submetidos a aulas formais sobre os conteúdos de ensino ou pelos processos
subliminares de transmissão de valores sociais, também presentes nos espaços
escolares, mas não só neles. (OLIVEIRA, 2002, p. 38).
A respeito da diversidade cultural e as diferentes formas de estar no mundo
(contextos multiculturais), Oliveira (2002) refere-se à vivência e coloca em xeque a
fragilidade dos discursos contra-hegemônicos no universo social e cultural brasileiro.
“Estava conversando com meu filho, Tiago, que, na ocasião, tinha oito anos de idade
e estava frequentando a segunda série, sobre algumas das atividades que estavam
desenvolvendo na sua escola e outros assuntos. Num determinado momento, deu-se
o seguinte diálogo:
Mãe, ainda existem índios no Brasil?
É claro, meu filho! Muitos vivem nas cidades e são pessoas como você. Usam roupas
comuns, almoçam, jantam, vão ao banheiro e assistem à televisão.
Quer dizer que há índios que viraram ser humano, mãe?” (OLIVEIRA, 2002, p. 39 ).
Para Oliveira (2002), a situação em questão evidencia uma aprendizagem do
preconceito racial e cultural, tecida na vivência cotidiana e nos contatos com os
valores culturais dominantes, dentro e fora da escola.
Uma vivência como essa e tantas outras que caracterizam o contexto
carregado de preconceitos, é que possibilita a mudança responsável do currículo
oficial, levando em consideração os espaçostempos escolares.
Ouvimos muito a expressão: “educar para a cidadania”. Qual cidadania?
Segundo Oliveira (2002), há duas ideias que questionam o pensamento
dominante e apontam para outros caminhos, na compreensão das formas de
exercício da cidadania. A primeira é a de que a cidadania e seu exercício se
relacionam, não apenas com o binômio cidadão-Estado, mas todas as formas de
interação social. A segunda é a de que, as formas específicas de manifestação e
reivindicação são múltiplas e desenvolverão modos distintos de ação cidadã, ou
89
seja, devem ser levados em consideração os processos de formação de suas
subjetividades, origens, vivências e referências culturais distintas.
Defender, portanto, a igualdade de direitos vai pressupor a aceitação e
reconhecimento das diferenças individuais e culturais que nos levam a buscar e nos
permitem escolher uma e não outras formas de estar no mundo. Diferença e
desigualdade são, nesse sentido, conceitos que se opõem. (OLIVEIRA, 2002, p.52)
Ou seja, tanto ao negligenciarmos as diferenças, igualando os desiguais, quanto
negligenciarmos a igualdade, no que se refere aos direitos individuais, culturais e
sociais de fazermos nossas próprias escolhas, estamos nos afastando das
possibilidades de construção de uma sociedade democrática e multicultural.
(OLIVEIRA, 2002, p.53).
Para Oliveira (2004), falar e pensar em alternativas curriculares, como
possibilidade de contribuição para a emancipação social, traz dois pressupostos:
Primeiro: a definição do currículo não apenas como uma lista de conteúdos a
serem ministrados, mas como criações do cotidiano daqueles que fazem a escola
(estudantes e professores/as).
Segundo: incorporar a ideia de que a vida cotidiana tem seus próprios
currículos, expressos nos processos sociais de aprendizagem que permeiam todo o
nosso estar no mundo e que nos constituem, ou seja, aquilo que dá sentido ao
currículo.
O sentido da emancipação social está voltado para a superação do
colonialismo e a busca em direção da solidariedade, através das redes de práticas e
os fazeres pedagógicos.
Oliveira (2004) lembra que a dominação cultural, o que está instituído, tem
sido um dos principais pontos nevrálgicos do fazer pedagógico hegemônico, e sua
superação, uma de nossas principais lutas no contexto do projeto de construção de
uma escola e de uma sociedade mais democrática.
O centro dessa discussão curricular é de que maneira as alternativas
emancipatórias de sujeitos individuais e/ou coletivos vêm desenvolvendo e
reinventando o fazer pedagógico, cada um na sua possibilidade. E também a ligação
dessas alternativas em rede visa a torná-las sustentáveis, enquanto possibilidades
de ampliação do real, para além dos que nele já existe.
90
Esses currículos praticados (OLIVEIRA, 2003) e inexistentes aos olhos dos
modos dominantes de se conceber e de se fazer a escola e a educação, podem
conceber a ampliação dessas experiências, como possibilidade de produzir
currículos reais, pondo em ação conjuntos de procedimentos e mecanismos que
buscam desenvolver uma ação educativa mais efetiva.
No desenvolvimento dessas artes [...], os professores/praticantes e grupos em ação
enredam, na tessitura do cenário do seu fazer pedagógico, suas redes de
subjetividades individuais e coletivas, tecendo com elas trajetórias singulares e
significativas quando consideradas em sua legitimidade e validade de experiências
que ampliam nossa compreensão acerca de tudo aquilo que a realidade comporta,
potencialmente, mas que perece se não buscamos superar o lugar de inexistência
que lhes é atribuído por um modo de pensar e estudar as práticas que as considera
descartáveis, ininteligíveis ou invisíveis na medida em que não se encaixam nos
modos dominantes de pensar de fazer a educação e os currículos. (OLIVEIRA, 2003,
p.12).
Essa opção epistemológica também é uma opção política (Oliveira, 2004),
pois as práticas dialógicas se fundamentam em valores como solidariedade e
democracia, mesmo que se constituam em possibilidades constituintes e arriscadas,
superam modelos e reinventam o fazer pedagógico.
Traçar um paralelo, a partir das práticas pedagógicas, para a construção de
currículos praticados é tarefa demasiadamente complexa, pois se trata de conhecer
e compreender os currículos oficiais, acompanhar as mudanças para os currículos
praticados, e esses, por sua vez, são produzidos em espaçostempos diferentes e
por sujeitos que apresentam várias formas de estar no mundo.
Nesse sentido, encontramos o pensamento de Fazenda (1989, p. 63):
A Pesquisa Fenomenológica parte da compreensão de nosso viver – não de
definições ou conceitos – da compreensão que orienta a atenção para aquilo que se
vai investigar. Ao percebermos novas características do fenômeno, ou ao
encontrarmos no outro interpretações, ou compreensões diferentes, surge para nós
uma nova interpretação que levará a outra compreensão.
91
Os sujeitos desse processo são professores/as e alunos/as que buscam
romper com determinados discursos e criar condições para uma sociedade mais
democrática, o que poderá acontecer até com pequenas intervenções, como essa
pesquisa, porém isso se dá na escola real, através das práticas pedagógicas e das
escolhas responsáveis.
Conscientizar-se das características de nossa sociedade local, regional, nacional e
planetária é condição básica para encontrar a melhor possibilidade de atuação
educativa e visualizar respostas e alternativas cidadãs aos complexos problemas
contemporâneos. (REIGOTA, 2002, p.139-140)
Diante dessas possibilidades, uma das atividades desenvolvidas com os/as
estudantes da 6ª série em sala de aula recebeu o nome de “desenhando o meu
nordeste12”.
Nessa primeira etapa da atividade, o/as alunos/as não haviam recebido
nenhuma informação teórica sobre a Região Nordeste. Posteriormente, receberam
desenho de volta e, foram conduzidos para uma produção textual sobre as
informações apresentadas no desenho.
A mudança na prática pegadógica
Nesta seção, utilizarei a primeira pessoa do singular, devido à proximidade
entre a pesquisadora e o objeto de pesquisa e, como forma de demonstrar a
motivação que levou ao desenvolvimento da pesquisa e às mudanças reais na
prática pedagógica.
Para Ferraço (2001), é preciso haver um otimismo metodológico em uma
pesquisa com essas características. Mudar a postura, mudar a prática pedagógica e
ainda garantir as apropriações do conhecimento, não é uma conquista simples, mas
um fazer pedagógico elaborado.
12
Meu nordeste, pois cada estudante tem uma representação específica.
92
Essa é a razão de nosso otimismo metodológico. Investimos no cotidiano porque é lá
que está a essência de nossa metodologia de estudo. Uma essência pulverizada em
artimanhas e táticas. Disseminada em movimentos caóticos. Semeada em ações e
relações fatuais. Uma essência produzida pelos tempos subjetivos. Que pulsa com
fios invisíveis nas redes efêmeras. Que corrói de modo sorrateiro. Que subverte
localmente e produz novas formas de apropriação do tempo e do espaço.
(FERRAÇO, 2001, p.102).
Sempre observei, como professora, no cotidiano escolar, as diversas falas
dos/as estudantes, quando se referiam aos colegas.
Muitas falas agressivas e preconceituosas, tais como cabeça chata, baiano,
terra seca foram observadas e registradas, tanto em sala de aula, como nos
corredores e, principalmente em atividades direcionadas e sugeridas pelo material
pedagógico, como apresentação de um vídeo13, análise de imagens14, trabalho com
músicas15.
Observei também que esses mesmos estudantes, que definiam os/as colegas
de forma pejorativa, de cearense, cabeça grande, feio, barrigudinho, baiano, eram
descendentes de nordestinos/as.
Além de ser professora, atuei em duas eleições como mesária, no posto de
justificativa, na mesma escola e os/as estudantes acompanhavam seus familiares
até o posto de justificativa, e os títulos de eleitores/as apresentados eram dos
estados nordestinos, aproximadamente 60%, em um total de 220 eleitores/as.
Essa maneira de caracterizar os/as nordestinos não é novidade, porém, não
deve ser ignorado, muito menos alimentada, pois o preconceito é uma das questões
mais preocupantes da atualidade. E a educação tem o dever de desconstruir as
representações.
Nesse contexto específico da escola, surgiram os questionamentos a respeito
da minha prática pedagógica e, que posteriormente, foram ganhando consistência
ao iniciar o curso de mestrado em educação.
Em 2006, quando iniciei o estudo das regiões brasileiras com as quatro
turmas de 6ª série, propus aos estudantes: para falar a primeira palavra que viesse a
13
“Central do Brasil”, direção de Walter Salles (1998); “O auto da compadecida”, direção de Guel
Arres (2000).
14
Imagens presentes nos livros didáticos, revistas e jornais (paisagens e homens/mulheres).
15
“Baião da garoa”, de Luiz Gonzaga e Hervê Cordovil - 1951 CD Gil e Milton. Warner Music, 2000;
“Vaca Estrela e Boi Fubá”, de Patativa do Assaré. LP A Terra é natura. CBS, 1981).
93
cabeça quando pensassem em nordeste brasileiro. As palavras mais citadas foram:
fome, seca, pobreza, calor e cacto.
Em seguida, sugeri que produzissem um desenho16com a mesma ideia e
essa atividade recebeu o nome de desenhando o meu Nordeste.
Desenhando o meu Nordeste:
Quando vocês (estudantes das 6ª séries) pensam no Nordeste Brasileiro, que
lhes vem à cabeça? (pergunta feita por mim, professora de geografia, ao iniciar a
discussão sobre a Região Nordeste).
(P.F.)
16
“Elaboração própria” seguidos pelas iniciais dos nomes.
94
(L.F.)
(D.P.A)
95
(R.R.A)
(T.R.M.)
96
(L.P.S.)
(M.L.T.)
97
(T.S.O.)
(N.S.S.)
98
(V.S.F.)
(B.L.A.)
99
De certa forma, os desenhos evidenciaram as palavras que os/as estudantes
haviam citado, porém não era suficiente para qualquer conclusão a respeito das
representações consolidadas, sendo essa a minha preocupação.
Levando em consideração o conteúdo oficial e o tempo previsto, no ano de
2006, considerei encerrada a atividade especificada anteriormente, já que as outras
regiões foram trabalhadas da mesma maneira.
No ano de 2007 e 2008, com cinco turmas de 6ª série, cada turma com
aproximadamente 40 (quarenta) estudantes frequentes, propus uma atividade mais
elaborada. Além dos desenhos, os/as estudantes foram convidados a escrever
sobre o desenho que haviam produzido.
Como os/as estudantes foram convidados, uma parcela considerável não
entregou a narrativa. Então pude considerar para análise, uma turma que
apresentou 34 (trinta e quatro) desenhos com as respectivas narrativas.
A atividade com os desenhos e as narrativas recebeu no nome de:
“Desenhando e escrevendo sobre o Nordeste”.
Nesse momento, uma simples atividade proposta em sala de aula, passa a
ser observada como elemento fundamental de investigação das representações
sociais do nordeste brasileiro consolidadas.
Desenhando e escrevendo sobre Nordeste:
Os desenhos e as narrativas dos/as estudantes apresentados nessa seção
têm o objetivo de aprofundar a análise das representações sociais consolidadas
sobre o Nordeste brasileiro.
Segundo Reigota (2002, p. 133):
As imagens atuam como iniciadoras e mediadoras de dialogicidade, e não apenas
como discursos a serem analisados de modo objetivo e racional. Dessa forma, sua
interpretação é feita considerando uma grande dose de improviso e a expressão de
clichês e obviedades que refletem o universo cultural e as possibilidades de
interpretação das pessoas.
100
O nordeste é um lugar onde existe seca, mas também o nordeste não é só isso,
algumas partes são de boas paisagens, o meu desenho quis mostrar sobre a seca,
gado morrendo de tanta fome, tudo isso veio na minha memória, porque vejo na
televisão. Vi muitas crianças que não têm estudo e trabalham para ajudar a família, o
nordeste tem muitos problemas, mas essas crianças não se queixam porque sabem
que estão ajudando e não atrapalhando suas famílias.(O.S.)
101
Fiz esse desenho porque lembrei que lá no Nordeste tem bastante casas pequenas,
terras vermelhas e poucas florestas. E também porque o Nordeste é definido como a
região das perdas econômicas. O Nordeste tem bastante agropecuária que por isso
tem uma grande perda de população para outras regiões. Então por isso fiz um
desenho sem muita população com casas pequenas e terras vermelhas. (B.C.G.C.)
102
Eu fiz esse desenho querendo dizer que o nordeste é constituído de várias coisas
como: Cactos, Caatinga, etc.
Lá tem árvores secas, pouco gado, muitos urubus.
Casas de barro e muitas famílias pobres.
Para usar água eles têm que andar quilômetros para pegar água.
E como a água está muito longe o gado morre de sede e de fome, mesma coisa com
os humanos, acabam morrendo pelo mesmo processo.
E assim acabam morrendo um por um. (D.R.F.A.)
O nordeste só tem um monte de seca, as flores estão todas secas.
Quase não chove no nordeste, mas tem dia que está mais ou menos ventando.
Quando está mais sol, as plantas secam mais ainda.
A seca é muito ruim, não tem água, não tem luz, não tem trabalho e não tem lagoa,
mas tem seca, quando o sol vai embora, no fim da tarde é mais legal.
Eu entendo o norte assim. (C.P.R.)
103
Quando o nordeste tiver açudes para sanar sua falta de água, quando for mais
alfabetizado, quando terminar esta semi-escravidão, em que o trabalhador vive, verás
a terra florescer, dar frutos, as crianças felizes crescerem e se tornarem adultos
conscientes de suas responsabilidades formando uma corrente humana. (J.C.S.)
104
Eu quis mostrar como o nordeste é.
Muito seco com o sol vermelho, como nós dizemos, de rachar. Tudo lá está
morrendo, quando não morre, fica muito seco, as plantas e os animais muito magros,
passando sede.
Por isso que morrem muitos animais por lá. A maioria é de sede, mas ainda tem
bastante gente morando lá e, bastante vindo para cá.
Não tem como plantar quase nada lá, porque a maioria das coisas morre, sem ser
regadas. (J.A.)
Eu quis dizer que lá no nordeste, é um lugar seco e as pessoas são trabalhadoras.
As casas lá são humildes, são casas pobres. Lá também é um lugar de terra
vermelha, de gente pobre e sofredora, gente que passa fome.
Toda vez que falam em nordeste, eu me lembro de um lugar muito seco, lá as ruas
são de terra, não de asfalto, algumas são de asfalto, mas são poucas. Lá as pessoas
trabalham na roça cortando banana, plantando, etc. Eles fazem isso, é uma vida dura
né?
Lá também tem coisas boas, as praias, as belas paisagens, etc. Nem todo lugar é
assim.
Isso é o que eu tinha para dizer do nordeste. (M.C.)
105
Como eu fiz o meu desenho, o nordeste é um lugar seco, de perdas econômicas e
demográficas sobretudo. Não vive muita gente naquela região.
Lá a gente tem muita perda na área da vegetação. E das poucas pessoas que moram
no nordeste tem nível muito baixo. É isso que eu quis mostrar com o meu desenho.
(M.E.)
106
É um lugar muito pobre, e não tem nada para fazer a não ser plantar.
E lá para chover demora muito, o nordeste é considerado por causa da seca.
E lá a gente tem que resistir a fome e a seca.
Sertão é um lugar muito humilde, e muito estranho, lá você encontra cabras, lagartos
e ratos. Lá é muito assustador. (R.C.B.)
O dia que choveu no Nordeste.
Era um nordeste muito sofredor, mas as pessoas que moravam lá eram muito felizes.
Um dia Seu Joaquim saiu muito cedo de casa para ver sua roça, que ele tinha
plantado algumas coisas como: tomate, milho, melancia e abóbora, só que estava
muito calor e então secou tudo. Seu Joaquim ficou muito triste, mas não se passou
muitos dias e ele ficou alegre porque choveu muito. Ele não sabia se ficava alegre ou
triste, pois a chuva acabou alagando tudo.
A sua casa ficou cheia de água e seus móveis foram todos levados pela chuva.
No nordeste não chove, acho que Sorocaba também ficará seca, não chove... (G.P.)
107
Este vem representando a seca do nordeste e também a falta de chuva, assim o
gado morre de sede e de fome. Vem mostrando também a distância de casas, uma
da outra. E sem a chuva as plantas não crescem e não alimentam as famílias. (M.F.)
108
O meu desenho está mostrando um dia quente, com um sol muito quente, as árvores
secas, sem galhos e precisando de chuva.
E lá está uma pessoa no meio das árvores.
O fundo do meu desenho que é laranja representa quando você olha, é o calor. E
também a cor laranja representa um pouco da terra seca.
Esse desenho representa a seca do nordeste, quando não chove a terra fica seca e
quente. (A.H.S.)
O nordeste é um território nacional também com vários problemas. É uma grande
problemática nos dias de hoje o nível da população do nordeste, muito baixo.
Praticamente é quase esquecida, há poucos habitantes e uma seca grande lá.
Durante muito tempo milhares de nordestinos migraram para as demais regiões
brasileiras, esse movimento migratório caracteriza o nordeste.
O nordeste não é uma região homogênea, essa região de áreas industrializadas.
O nordeste se divide em sub-regiões: zona da mata, sertão, meio-norte e apresenta
seca, fome, falta de escola, bondade, humildade, sem fauna, cangaço e falta de luz.
(B.K.)
109
Nesse desenho eu quis dizer da seca, da falta de água do nordeste, do calor, dos
poços com pouca água.
Muitas árvores que vivem na base do poço porque não têm água nas torneiras.
(A.E.S.)
110
Em meu desenho eu quis passar um pouco da seca no Sertão.
Lá é um lugar de muitas culturas, um lugar muito diversificado, porém, o sol parece
não se cansar, a pobreza então, é ainda maior.
Quis passar também o sofrimento de um povo cansado com as dificuldades. (A.A.)
Para mim o Sertão não tem só coisas ruins, tem coisas boas também, se fossemos
colocar tudo no papel iríamos perceber que há outros lugares com coisas boas e
ruins.
Deus não fez o mundo só de coisas boas e perfeitas, o mundo está sofrendo com o
aquecimento global, poluição, devastação da fauna e da flora, e com tudo isso
algumas regiões sofrem mais, como a região nordeste, a região mais velha e mais
afetada com tudo isso, lá existe seca, fome, pobreza, o que existe lá pode existir em
qualquer outro lugar.
O nordeste não é só feito de seca, fome, pobreza, tristeza e miséria. O povo
nordestino tem muita cultura que alguns lugares não têm.
Algumas pessoas dizem que jamais moraria no nordeste, e se os outros lugares
sumissem do mapa e só sobrasse o nordeste, aí não iríamos ter opção, ou
mudaríamos para o nordeste ou iríamos morrer.
Aí quando chegássemos lá iríamos ver aquela lenda, igrejas antigas, os lampiões, as
culturas de lá, as danças, aí seria muito bom para mostrar para o povo que o
nordeste também tem coisas boas. (B.R.)
111
O nordeste sofre muito com o calor e desmatamento, lá não chove muito, as
plantações estão morrendo por causa do calor.
O meu desenho representa como deveria ser o nordeste, boas plantações, as
árvores não morrendo, os milhos crescendo, as frutas não ressecando. Pelo menos
uma vez por semana poderia chover e todos ficariam felizes. (A.C.S.F.)
112
Um campo com plantação de milho, agrotóxico e garimpo, muitas mulheres
trabalhando, colhendo as plantações. Mulher levando cesta básica e trator arrumando
a terra.
E muita gente trabalhadora, pessoas trabalhando embaixo do sol quente. (C.L.M.)
Eu imagino o nordeste como o lugar mais quente, com várias rachaduras, um
mormaço que bate no chão e quase mata quem mora lá.
O nordeste, além disso, não deve ser tão ruim, pois tem várias coisas lá, além de
faltar água, não tem quase nada de árvore, só mesmo nas cidades, mas ultimamente
nem nas cidades tem água, luz, comida etc.
O nordeste tem coisas boas também, não é só desastre, tem alfabetização, pode não
ser boa, mas pelo menos tem.
Eu imaginei que fosse uma área quase vazia, poucos moravam lá, com o sol batendo
na terra seca e desidratada.
Esse foi o meu desenho. (B.S.)
113
O nordeste é assim todos trabalham, homens e mulheres, todos precisam trabalhar
para conseguir sustentar a família. Lá no nordeste a água nem sempre é limpa, mas
se não beber aquela água morre de sede. O sol na hora de trabalhar não é muito
bom. As árvores estão todas secas e os trabalhadores sobram tudo para eles.
E os morcegos coitados daqui a pouco eles não vão ter aonde dormir. E o calor dia e
noite é de matar alguém. (C.S.T.)
114
Eu acho que o nordeste é o lugar que tem menos água.
As pessoas que vivem lá passam apuros, nós não temos como ajudar eles.
Não tem como salvar porque tem muita gente, muita gente esta tentando salvar, mas
não adianta.
Às vezes vejo na TV a devastação de lá e fico pensando se aqui fosse assim!
(W.H.P.)
No meu desenho tentei explicar que no norte em plena escuridão, ao amanhecer tudo
que pode se dizer que é bom.
No meu pensamento pelo menos não é apenas seca. Alguns só fazem desenhos de
sol rachando, cactos, plantas murchando e o chão com rachaduras.
Meu desenho não saiu perfeito, mas o meu respeito pelo norte é grande.
Não tenho familiares fora de São Paulo, então, posso dizer que tenho amigos que
são nordestinos.
A explicação de meu desenho é um sol começando a clarear e fiz uma rua com duas
casas, representando parte dela inteira. (G.P.)
115
O nordeste, eu imagino que é assim... Como eu fiz no desenho. Acho que é aquele
sol de rachar, só terra e esses espinheiros, só, mais nada!
Acho que lá não tem mercado, banco, lotéricas, varejão, a única coisa que existe é só
um pouco de água, para eles beber, as árvores secas, sem nada de frutos. Lá eu
penso que é só miséria, nunca quero morar no nordeste.
Eu penso isso porque nunca fui lá, mais acho que lá deve ter alguma coisa de bom.
Ninguém da minha família é de lá, mas acho que o nordeste é isso. Eu tenho desejo
de conhecê-lo. Pra ver a cultura que tem lá. (H.K.)
116
Este desenho pra mim representa o Sertão no Nordeste, os cactos que eu acho que
tem lá, as árvores secas, queimadas, a terra bem seca e os cactos que resistem ao
calor bem verdes e as árvores enfeitando a paisagem seca.
Ali mostra um lado sem casas, bem seca, bem pobre do nordeste, mais os cactos
estão bem verdinhos para não acharem que o nordeste é só coisa ruim, e que lá
ainda tem partes boas. (I.O.S.)
O nordeste na maioria das vezes é muito calor, a temperatura às vezes passa de 30º
C, o sol lá muitas vezes é muito, muito e muito calor, o sol é muito quente.
Lá no nordeste parece que é até um deserto como o Saara e outros.
O sol no nordeste é quentíssimo durante o dia e muito difícil de brincar porque é
muito quente, quando são 18 horas deve ser terrível sair na rua à noite. É uma noite
terrível de conseguir dormir, os pernilongos atacam muito porque lá é muito calor e lá
é muito difícil de chover, às vezes ficam meses e meses sem chover. (K.M.R.)
117
O nordeste para mim é muita seca, devastação, miséria e principalmente
desemprego e fome.
A maioria dos nordestinos é magro e mora em casinhas bem simples e o que eles só
tem para comer e às vezes é rapadura e nada mais.
Muitos nordestinos são retirantes, que saem do nordeste para ganhar a vida na
cidade, vem para cá para ver se conseguem trabalho para ganhar dinheiro, para
comer e comprar uma casa para sua família e ficar feliz.
Mas nem sempre todos têm a mesma sorte e quando estão atravessando o caminho
eles morrem, alguns de fraqueza, outros de fome. Então para mim nem sempre o
nordeste tem coisas lindas, mas sim muita seca. (T.S.V.)
118
Nesse desenho eu quis dizer que o nordeste tem muitas coisas ruins como a seca. A
seca no nordeste é muito ruim, nela as pessoas perdem gado, carneiros e animais de
criação, etc.
No nordeste também as pessoas tem que comer os cactos porque às vezes, não tem
comida. (A.P.)
Todo mundo diz que o nordeste só tem seca, mas não é verdade, tem muitas coisas
boas, como as comidas típicas, a pré-história e outras coisas lindas que vale a pena
ver, quem não viu.
No nordeste muitas culturas que são tradições por lá, mas tem aquelas pessoas que
acham que não tem nada só uma grande seca, esse é meu comentário, e é isso que
eu acho do nordeste, esse lugar lindo. (C.F.)
119
Meu desenho representa o pedacinho do nordeste, o lugar que no campo lá da
Paraíba.
Paraíba é um lugar seco, a maioria das pessoas passa fome não tem emprego
suficiente para todos que procuram. (C.B.N.)
120
O nordeste é seco de vez em quando, não tem água para beber, então os animais
acabam morrendo por causa disso. O chão está rachando, nunca chove lá, muitos
dias, a cada dia que passa o nordeste fica parecendo um deserto sem água.
Lá existe muita caatinga, em cada pedacinho do nordeste há uma parte muito
importante como a Bahia, Sergipe, Ceará que sofrem por causa do aquecimento
global. (G.C.)
Bom, a gente tem que ser feliz né?
Como eu vejo o nordeste, o nordeste é uma região rica e ao mesmo tempo pobre.
Rica pela plantação, pobre pela seca na região inteira.
Quero falar que na região nordeste não tem muitas coisas ruins, mas sim, muitas
coisas boas, como o trabalho que tem por lá e muitas coisas mais que podemos
encontrar, como casas, pássaros, árvores e não só a seca que prejudica, mas sim, a
fome que mata. (R.P.S.)
121
Como no meu desenho, penso que o nordeste é dividido em duas partes, a parte
mais seca, onde falta água, etc. e a parte “bonita” é o litoral, praias, coqueiros, dunas
e muito mais...
Se você está na parte seca, logo descobrirá um lugar bonito, as praias mais bonitas
do Brasil, sem dúvida estão lá.
Mas as coisas boas do nordeste não se resumem só em praias, lá tem danças,
comidas, muita cultura.
Há mais lugares bonitos do que feios no nordeste. [...] (P.C.)
122
Com esse desenho eu mostro o que eu penso do nordeste, eu só penso na seca e
um pouquinho na beleza das cachoeiras.
E só pobreza para as pessoas que moram lá.
No nordeste as pessoas só comem farinha e carne seca, bem, nem todas, mas a
maioria. E também chamam as suas casas de “joças”, isso é pobreza. Pode ver que
tem uma vaca meio magra com as pernas finas e zangada por não ter o que comer e
também uma casa com paus e palhas, no meu desenho.
No nordeste a sua única beleza é a zona da mata, que tem o mar e algumas
cachoeiras, isso é o que eu penso do nordeste. (M.D.)
No geral, a análise pode iniciar com as características físicas do sertão
nordestino, porém o nordeste não se limita ao sertão, pelo contrário, a Região
Nordeste é heterogênea e pode ser dividida em quatro sub-regiões, Zona da Mata
(faixa litorânea), seguida para o interior pelo Agreste, o Sertão e Meio-Norte.
Muitos/as alunos/as manifestaram representações consolidadas pelos meios
de comunicação, ou seja, uma região pobre, desprovida de recursos materiais e
uma cultura inferior.
Outros/as apresentaram o Nordeste como uma região exclusivamente rural e,
outros/as como uma região de sol escaldante, extremamente seca.
E em particular, a seca, as plantações, gado, sol escaldante, solo ressecado,
aparecem insistentemente nos desenhos, mas nas narrativas, os/as estudantes
fazem comparações com o lugar de vivência, elaboram aspectos de mudança,
coloca a ausência de água como problema de todos, citam problemas ambientais e
expressam sentimentos.
Conforme Oliveira (2008), o enredamento entre saberes formais, dos
conteúdos escolares e, os saberes ético-políticos, da formação cidadã cotidiana,
também apresentam análise dos sentimentos.
Embora a maioria dos desenhos não apresente pessoas, isso acontece com
as narrativas, principalmente para os/as estudantes que são descendentes de
nordestinos e mantêm uma proximidade com a Região Nordeste.
Entretanto, quando os/as estudantes são levados a refletir a respeito das suas
produções, nesse caso, os desenhos, eles/as apresentam uma grande preocupação
com o conhecimento e passam a produzir conversas mais elaboradas.
O que eu conheço realmente?
O que vou escrever, está correto?
123
Passam também a denunciar aqueles/as que não apresentaram mudanças
em suas representações. Assim, temos uma apresentação do processo de ensinoaprendizagem, pautado na Educação Ambiental.
Para Reigota (2001, p. 37) – “Muitos são os métodos possíveis para a
realização da educação ambiental. O mais adequado é que cada professor e
professora estabeleça o seu, e que o mesmo vá ao encontro das características de
seus alunos.”
A intervenção no cotidiano escolar partiu da reflexão da prática pedagógica,
uma vez que nós, professores/as, não recebemos formação para lidarmos com
preconceitos, sendo essa, uma questão global.
Por outro lado, pensar em questões globais, coloca-nos como formadores de
redes, ou seja, o conteúdo de geografia não foi esquecido ou deixado de lado, mas
ganhou uma perspectiva política.
124
7 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Nosso papel não é falar ao povo sobre a nossa visão de mundo, ou tentar
impô-la a ele, mas dialogar com ele sobre a sua e a nossa.
Paulo Freire (2005)
Essa dissertação trouxe para a pauta uma possibilidade de análise de como a
prática pedagógica pode se transformar, no contexto da escola pública no Estado de
São Paulo, especificamente, na cidade de Sorocaba, a partir de questionamentos
elaborados pela professora de geografia do ensino fundamental, levando em
consideração o estranhamento com a realidade observada por ela.
No primeiro capítulo, abordei alguns aspectos importantes que aparecem na
literatura e que contribuíram na construção do Nordeste brasileiro e do/a
nordestino/a, não como lugar e identidade, mas como representação social.
No segundo capítulo, apresentei quatro produtos culturais: uma pintura, um
romance e dois filmes e propus uma leitura pela análise dessas obras, da cultura e
da alteridade como elementos relevantes na formação dos sujeitos.
No terceiro capítulo, busquei precisar a contribuição da hermenêutica no
desenvolvimento do pensamento de dois conceitos fundamentais, lugar e identidade,
para descontruir as representações equivocadas sobre o Nordeste brasileiro e sobre
os/as nordestinos/as.
O cotidiano escolar apresenta-se plural, miscigenado e complexo. Mesmo que
a palavra cotidiano dê a ideia de repetição, isso dificilmente acontece. Cada dia,
cada aula, algo novo aparece e se não é novo, pelo menos, é diferente.
Por esse mesmo motivo, a pesquisa em cotidiano é de extrema relevância e
coloca em destaque inúmeras questões no sentido de refletir sobre as realidades
cotidianas. A grande complexidade do cotidiano escolar se reflete na prática
pedagógica. Como fazê-la?
O capítulo final apresenta um estudo feito com os/as estudantes do ensino
fundamental, a partir da perspectiva de alguns autores/as como Ferraço, Freire,
Oliveira e Reigota.
125
Considerando que no cotidiano escolar, além da produção de sentidos elementos imaginários - também acontece a produção e a (re)produção de
representações sociais e muitas representações, identificadas no cotidiano, causam
estranhamento.
As representações sociais circulam indiscriminadamente pelas salas de aula,
corredores, sala dos professores, diretoria, pátios, quadras esportivas e em várias
outras repartições da escola, ou seja, as representações que circulam na sociedade
são reproduzidas também no ambiente escolar.
Ocorrer um estranhamento pode ser algo positivo, no sentido de abalar as
estruturas impostas pelo discurso hegemônico.
Esse discurso hegemônico, em algumas situações está presente nos
documentos oficiais e na proposta pedagógica, o que dificulta a (des)construção de
algumas representações sociais, consolidadas ao longo de um período histórico.
Os/as estudantes não constroem suas representações individualmente, é uma
construção que se faz em grupo, por meio de diálogos com outros grupos, com a
família e na escola.
As práticas pedagógicas não são isoladas, elas são produzidas com os/as
outros/as e para os/as outros/as; então, ao aceitar o desafio para abalar as
estruturas, demonstra-se atitude decorrente de uma postura política pautada na
Educação Ambiental (REIGOTA, 2002).
Segundo Reigota (2002) o processo educativo acontece no confronto/diálogo
e na desconstrução/reconstrução de representações.
Em primeiro lugar, é necessário conhecer o grupo com o qual o/a professor/a
vai trabalhar. Neste estudo, os/as estudantes eram do ensino fundamental. Em
segundo lugar, estabelecer, em conjunto, um objetivo comum, levando em
consideração os pontos sensíveis da convivência e, em terceiro lugar, buscar
alternativas e soluções para posteriores intervenções cidadãs.
A condição primordial de boa convivência, no momento histórico presente, é
propor alternativas para a solução de problemas locais. Nada mais definido e
pontual do que o contexto escolar e para ser mais objetiva, na sala de aula.
O diálogo, a conversa informal, a conversa formal, as inquietações, são
situações frequentes da sala de aula. O contexto é sempre propício para
questionamentos, porém são os/as educadores/as que facilitam ou dificultam as
construções e as desconstruções das representações sociais.
126
Dessa forma, a partir da identificação das representações sobre o Nordeste,
por meio de desenhos realizados pelos alunos e alunas (filhos de migrantes
nordestinos)
do
ensino
fundamental
nas
aulas
de
geografia,
houve
um
estranhamento significativo.
Os/as estudantes, mesmo sendo filhos/as, netos/as de nordestinos negavam
em seus discursos uma maior aproximação com a região, fosse ela cultural,
geográfica ou humana, ou seja, a negação da própria origem.
Com a identificação dos núcleos de resistência, reorganizei e busquei a partir
dos textos produzidos pelos/as estudantes contextualizar os conteúdos, presentes
no currículo, no sentido de trabalhar no processo de (des)construção das
representações consolidadas.
Por fim, direcionei a prática pedagógica de geografia como possibilidade
dos/as estudantes construírem uma consciência sobre o mundo, sobre o/a outro/a e
sobre si mesmo, para além do senso comum.
Não existe uma fórmula, mas existem alguns caminhos, novas reflexões e
sobretudo a superação de representações equivocadas.
Considero dois desses caminhos, o diálogo no cotidiano escolar e a mudança
na prática pedagógica. O diálogo na educação possibilita saberesfazeres
responsáveis, um reconhecimento da diversidade cultural e ampliação da cidadania.
Considera esta pesquisa como dizem as palavras do poeta João Cabral de
Melo Neto, que “quadro nenhum está acabado”. Essa pesquisa é uma porta que
poderá levar a outras portas.
A LIÇÃO DE PINTURA
“Quadro nenhum está acabado,
Disse certo pintor;
Se pode sem fim continuá-lo,
Primeiro, ao além de outro quadro
Que, feito a partir de tal forma,
Tem na tela, oculta, uma porta
Que dá a um corredor
Que leva a outra e muitas outras.”
João Cabral de Melo Neto (2002)
127
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