TAXAS, TARIFAS E PEDÁGIO *
Tradicionalmente existem alguns temas que apresentam histórica polêmica no seu
tratamento jurídico. Mudam os pensadores, mudam os autores, muda inclusive a realidade social, mas
algumas polêmicas permanecem as mesmas. Neste sentido, o tratamento dado pelo direito sobre o
PEDÁGIO é uma das mais clássicas discussões. Não pretendemos aqui encerrar o conflito ou refutar
todas as teses sustentadas, mas sim passar a todos que estão no mundo dos concursos alguma
tranquilidade sobre o tema.
O ponto de partida deste debate é a remuneração dada aos serviços públicos que, no
senso comum, são sempre remunerados por taxas. Contudo, a existência de taxas não é a única
hipótese de cobrança em face dos serviços prestados pelas estruturas da Administração Pública. Mais
do que isto, para que o serviço público seja dado com taxas, impõe-se uma série de condições.
Em primeiro lugar, para a existência das taxas, os serviços públicos devem ser
ESPECÍFICOS. Ou seja, quando possam ser destacados em unidades autônomas de intervenção, de
unidade, ou de necessidades públicas. Cria-se aqui a referibilidade dada ao usuário-contribuinte que
vai saber que está pagando pelo serviço prestado por qual unidade administrativa.
Além disto, os serviços públicos para os fins das taxas devem ser DIVISIVEIS, exigindo,
portanto, que os mesmos sejam suscetíveis de utilização, separadamente, por parte de cada um dos
seus usuários. Na vida prática, este passou a ser um dos pontos mais polêmicos e debatidos nos
tributos, com destaque para a iluminação pública e o lixo que acabaram sendo considerados,
respectivamente, inconstitucional (Súmula 670 STF) e constitucional (Súmula Vinculante nº 19).
Por outro lado, ainda que cumpridos tais requisitos, isto não é suficiente para a
existência das taxas. Torna-se indispensável que o serviço seja marcado pela compulsoriedade, pela
inexistência de alternativas de satisfação para o contribuinte usuário do mesmo.
Vale lembrar que existe sempre a possibilidade de o Estado prestar serviços públicos de
utilização não compulsória aos particulares, recaindo a remuneração naquelas distinções entre a
receita originária e derivada. Assim, se o serviço público for fixado sem a compulsoriedade, que é a
marca das exigências tributárias, a cobrança de qualquer valor como remuneração daqueles serviços
terá a natureza de tarifa (ou preço público), conforme distinção feita pelo Supremo Tribunal Federal.
Súmula 545 STF. Preços de serviços públicos e taxas não se confundem, porque estas,
diferentemente daquelas, são compulsórias e têm sua cobrança condicionada à prévia
autorização orçamentária, em relação à lei que as instituiu.
Por isto, para a cobrança das taxas é necessário que o serviço público esteja sendo
compulsoriamente prestado pelo poder público, NÃO sendo impreterível a utilização direta e concreta
do administrado. Até por conta desta imperatividade e ausência de alternativas é que para os
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contribuintes a utilização pode ser efetiva ou potencial, conforme explicita o art. 79 do Código
Tributário.
A diferenciação definida pelo Supremo Tribunal Federal logo depois da edição do CTN e
já no final dos anos 60 vem sendo mantida pela corte constitucional, reforçando toda vez que o
aspecto relevante para a distinção está na compulsoriedade que marca a prestação do serviço. Mas
recentemente teve oportunidade de reafirmar o STF:
(...) frisou-se que tanto a taxa quanto o preço público constituem um pagamento
realizado em troca da fruição de um serviço ou bem estatal, divisível e específico,
sendo a primeira caracterizada pela compulsoriedade, já que resulta de uma
obrigação legal, enquanto que o segundo, pela facultatividade, já que decorre de uma
relação contratual. (Informativo 543, abril de 2009)
Desta forma, mesmo que o serviço público seja específico e divisível, ainda assim não
se pode afirmar a existência de taxas. Sem a citada compulsoriedade, a remuneração que irá
caracterizar a atividade é de preços públicos ou tarifas. Ou, nas linhas dadas pelo STF em caso de
apreciação da energia elétrica “(...) tais encargos, embora tivessem o caráter de prestações pecuniárias
correspondentes à utilização de um serviço público — e, nesse sentido, aproximar-se-iam do conceito
de taxas —, na verdade, configurariam tarifas ou preços públicos, em virtude do caráter facultativo da
fruição do bem que remuneravam”. (Informativo 543)
É com este prisma que deve o pedágio ser apreciado. Teria ele natureza de
remuneração por taxa ou tarifa? Como dito antes, não há dúvidas que o tema pode ser polêmico e que
existem opiniões em todos os sentidos. Mas este direito de passagem pago ao poder publico ou a uma
concessionária delegada para ressarcir custos de construção e manutenção de uma via de transporte
possui elementos atuais e históricos que não podem ser desconsiderados.
Um primeiro ponto que deve ser registrado está na constatação de que, atualmente,
grande parte das vias dotadas de pedágio são mantidas e conservadas não diretamente pelo Poder
Público, mas por empresas privadas sem qualquer participação de capital público, recebidas no
modelo da desestatização da concessão.
Neste sentido, os valores pagos não caracterizam cobranças efetivadas diretamente
por atividade administrativa plenamente vinculada, como espera a definição de tributo contida no
conhecido art. 3º CTN. Já por estes motivos há de ser perceber que a tendência atual é a remuneração
do pedágio por meio de tarifa, preferindo o Poder Público dar vias e pontes em regime de concessão
ou de permissão.
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Tudo isto para ainda destacar que a preocupação de que a instalação dos pedágios
admita aos usuários outras vias de deslocamento sem qualquer cobrança, ainda que naturalmente
com um distanciamento maior entre os pontos de destino e origem e sem o padrão de conservação da
outra.
Finalmente, como dito inicialmente, o objetivo deste pequeno ensaio reside mais na
tranquilização daqueles que estão na jornada dos concursos. E, neste escopo, as grandes bancas
examinadoras tem mantido uma posição bastante conservadora sobre o tema, apontado o pedágio
como forma de tarifa. Num histórico recente e cronológico, o Centro de Seleção e de Promoção de
Eventos – CESPE da UnB colocou a seguinte assertiva na prova de Auditor de Contas Públicas TCE – PE,
em 2004 e indicou como errado o item.
No que diz respeito à tributação e ao orçamento, julgue o item abaixo. Segundo o
entendimento prevalecente da doutrina e da jurisprudência, o pedágio, na vigente
ordem constitucional, tem natureza jurídica de taxa e não de preço público, sendo que
aquele somente pode ser cobrado pela efetiva utilização do serviço correspondente.
De igual forma, a Escola de Administração Fazendária – ESAF do Ministério da Fazenda
também abordou o tema seleção de Analista em Planejamento, Orçamento e Finanças Públicas do
Governo do Estado de São Paulo, em 2009:
Assinale a opção que representa uma taxa pública.
a) Serviço de água.
b) Serviço de energia.
c) Serviço de esgoto.
d) Pedágio explorado diretamente ou por concessão.
e) Serviço postal.
Sem prejuízo da polêmica resposta apontada para a letra E, pode-se concluir que
entendeu a ESAF que o pedágio não tem natureza de taxa, portanto. E, mais recentemente a Fundação
Carlos Chagas – FCC também abordou o tema, no concurso de Juiz Substituto para o Tribunal de Justiça
de Pernambuco. Assim questionou a FCC em março de 2011:
A importância paga pelos usuários de nossas rodovias a título de pedágio qualifica-se
como:
(A) preço público.
(B) tributo.
(C) taxa de serviço público.
(D) contribuição de melhoria.
E) preço compulsório.
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Mais direta a questão neste caso e ainda mais clara a resposta, não é? Letra A, afirmou
a banca do Centro de Seleção e de Promoção de Eventos – CESPE da Universidade de Brasília.
Por tudo, respeitadas todas as posições doutrinárias que pretendem discutir a natureza
do pedágio, considerando o objetivo relacionado aos concursos públicos, recomendo cautela na
absorção destas celeumas, tendo as mais renomadas bancas reconhecido sua natureza de preço
público e não de taxa, quiçá, tributo.
* IRAPUÃ BELTRÃO
Professor de Direito Tributário, Financeiro e Constitucional, Especialista em Direito Econômico pela
FGV e em Direito do Estado pela UERJ; Master of Law pela University of Connecticut, Autor de Resumo
de Direito Tributário e de Coleção de Provas Comentadas.
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