REV. BRAS. MED. INTERNA 2015; 2(1):63-­‐67 REVISTA BRASILEIRA DE MEDICINA INTERNA www.rbmi.com.br Relato de Caso
NIFEDIPINA AUXILIANDO NO CONTROLE DA DOR EM PACIENTE
COM PILOLEIOMIOMAS MÚLTIPLOS
Nifedipine assisting in the pain control of patient with Multiple Piloleiomyomas
Marcos Vinícius Clarindo, Adriana Tomazzoni Possebon, João Victor Braga
Maschio, Carlos Floriano de Morais, Hirofumi Uyeda
Instituição proponente: Universidade Estadual do Oeste do Paraná (UNIOESTE), Cascavel, Paraná,
Brasil.
RESUMO
O piloleiomioma é uma neoplasia benigna de musculatura lisa originada no músculo eretor
do pelo. As lesões podem ser solitárias ou em grande número, acometendo frequentemente as
extremidades. Costuma apresentar dor espontânea ou após estímulos físicos como frio e pressão.
Relata-se um caso de piloleiomiomas múltiplos dolorosos em paciente masculino, que foi bem
controlado com o uso de nifedipina..
PALAVRAS-CHAVE: leiomioma, pelo, músculo liso, neoplasias cutâneas.
ABSTRACT
Piloleiomyoma is a benign smooth muscle neoplasm which arises from the erector pilorum
muscles. Lesions can be single or multiple and more frequently involve extremities. Pain may occur
spontaneously or after physical stimulation (cold and pressure). The authors report the case of
multiple painful piloleiomyomas in a man, that was well controlled with nifedipine.
KEYWORDS: Leiomyoma, hair, smooth muscle, skin neoplasms.
Artigo recebido em: 17/03/2015
Aceito para publicação: 12/04/2015
Autor para correspondência:
E-mail: [email protected]
REV. BRAS. MED. INTERNA 2015; 2(1):63-­‐67 INTRODUÇÃO
DISCUSSÃO
Leiomiomas cutâneos são neoplasias
dérmicas benignas que foram descritas pela
primeira vez, em 1854, por Rudolf Virchow.1
Originam-se da estrutura muscular lisa de
algum
componente
cutâneo,
sendo
classificados em três tipos segundo a zona
anatômica ou histológica onde são
encontrados. Quando provenientes do
músculo eretor do pelo da unidade
pilossebácea
são
denominados
piloleiomiomas. Em caso de se originarem do
músculo liso da parede das artérias, isto é, da
túnica
média,
são
denominados
angioleiomiomas. E, quando são oriundos do
músculo dartos da genitália e músculo liso da
aréola e do mamilo, são chamados
leiomiomas genitais.2,3
Os piloleiomiomas são os leiomiomas
cutâneos mais frequentes e geralmente
apresentam-se na segunda ou terceira décadas
de vida como lesões únicas ou múltiplas.1 Em
geral acometem extremidades, especialmente
superfícies extensoras, além de região lateral
de tórax, face e pescoço. Manifestam-se como
pápulas ou nódulos lisos, firmes, menores que
2 cm de diâmetro, cor da pele a róseos, e
costumam ser fixos, mas não aderidos a
planos profundos.3-6 Eventualmente têm
consistência pétrea devido à metaplasia
óssea.7 Podem se distribuir de diferentes
formas: agrupadas, lineares ou seguindo
dermátomos. O sintoma característico é a dor
local,
especialmente
no
caso
de
multiplicidade de lesões, que pode apresentar
determinados gatilhos como frio, estímulos
táteis e emoções. Embora não haja uma teoria
consensual acerca da origem da dor, postulase que possa ser decorrente de compressão
nervosa ou contração das fibras musculares
do próprio tumor.2-4
É descrita a coexistência de
piloleiomiomas cutâneos e leiomiomas
uterinos, entidade clínica conhecida como
síndrome de Reed, com padrão autossômico
dominante decorrente de uma mutação no
gene que codifica a enzima fumarato
hidratase.8 Um subconjunto desses pacientes é
predisposto a desenvolver carcinoma renal
medular tipo II, comumente associado à
eritrocitose, que parece ser secundária à
atividade eritropoética tumoral.3,6,7 Esse
carcinoma geralmente segue um curso
agressivo com metástase precoce, mesmo
quando menor que 1 cm.8,9
Os angioleiomiomas em geral
acometem pacientes do sexo feminino entre
40-60 anos, apresentando-se como nódulos
solitários, bem definidos e da cor da pele.
Costumam ser profundos, menores que 4 cm e
ocorrem predominantemente em membro
inferior.7,10 Quando acometem membros
superiores atingem porções mais distais (mãos
e punhos). São dolorosos em metade dos
casos. A dor pode ser desencadeada por frio,
pressão, período menstrual ou gravidez. Pode
\
RELATO DE CASO
Paciente masculino de 54 anos referia
aparecimento de lesões papulosas e nodulares
em região cervical e ombro direito há 5 anos,
com aparecimento de uma lesão de aspecto
semelhante em região dorsal há 1 ano.
Relatava ardência local sem fatores
atenuantes ou agravantes. Negava prurido.
Previamente hipertenso crônico, parcialmente
controlado com enalapril 40 mg/dia, e com
histórico de etilismo.
Ao exame dermatológico apresentava
pápulas e nódulos de coloração rósea,
medindo entre 0,5 e 2,0 cm, de consistência
firme, não aderidos a planos profundos,
principalmente no ombro direito, e lesão de
aspecto semelhante em região lombar
(Figuras 1 e 2). O exame histopatológico de
uma lesão evidenciou neoplasia mesenquimal
benigna em derme reticular, não encapsulada,
com células dispostas em feixes, núcleos
alongados, citoplasma fibrilar, sem sinais de
necrose
ou
atipias,
caracterizando
Piloleiomiomas cutâneos (Figura 3).
Foi introduzido Nifedipina para
melhorar o controle da pressão arterial e
também
diminuir
os
sintomas
dos
leiomiomas. Após o início da medicação,
houve melhora da ardência nas lesões.
REV. BRAS. MED. INTERNA 2015; 2(1):63-­‐67 Figura 1 – Pápulas e nódulos de coloração rósea, consistência firme, não aderidos a planos
profundos, localizados em região anterior (A), lateral (B) e posterior (C) de ombro direito; lesão
nodular com as mesmas características em região lombar (D).
Figura 2 – Detalhe de pápulas e nódulos róseos em ombro direito (A e B).
REV. BRAS. MED. INTERNA 2015; 2(1):63-­‐67 Figura 3 – (A) Vista panorâmica de corte histológico, mostrando epiderme normal e derme
reticular totalmente substituída por neoplasia benigna formada por células dispostas em feixes. (B)
Derme com células dispostas em feixes e com núcleos alongados. (C) Detalhe das células
musculares.
Análise
dermatoscópica
dos
leiomiomas cutâneos é pouco usual e a
literatura é escassa. Em geral, evidencia
características
semelhantes
às
do
dermatofibroma,
com
área
central
hipocrômica e rede pigmentar periférica fina.
Há relato também de área central de
hipopigmentação
contendo
estruturas
hiperpigmentadas ovais e/ou alongadas que
formam
pseudorraias,
possivelmente
decorrentes de hiperceratose compacta
focal.11
Sua histologia evidencia epiderme
normal ou ligeiramente atrófica. As células
musculares neoplásicas, caracteristicamente
fusiformes, formam feixes multidirecionais.
Geralmente atingem derme média e profunda
e, em geral, não são encapsulados. Suas
células
costumam
apresentar
núcleos
alongados,
dando-lhes
aspecto
1,2,5
“charutiforme”.
Em secções seriadas podese eventualmente observar conexão entre
fibras neoplásicas e o folículo pilossebáceo. A
imuno-histoquímica é positiva para desmina e
actina.4,5
Nos diagnósticos diferenciais clínicos,
o
termo
mnemônico
ENGLAND
(Espiradenoma, Neuroma, tumor Glômico,
Leiomioma, Angiolipoma, Neurilemoma e
Dermatofibroma) pode ser útil. Em geral, na
evolução dos leiomiomas, pode haver o
aparecimento de novas lesões ou o aumento
do tamanho das antigas. Não costuma haver
regressão espontânea.2,4,5
As opções terapêuticas vão variar de
acordo com a sintomatologia do paciente.
Medidas simples como camuflagem local e
evitar exposição ao frio podem proporcionar
algum benefício.6 A exérese cirúrgica está
indicada em lesões únicas, especialmente
quando dolorosas, porém esta conduta tornase difícil nos casos múltiplos, tanto pelo
elevado índice de recidivas quanto pela
impossibilidade técnica.2
O tratamento farmacológico fica
reservado àqueles casos de piloleiomiomas
múltiplos e dolorosos.5 Os antagonistas de
canais
de
cálcio
diidropiridínicos,
especialmente a nifedipina, têm mostrado
êxito no controle da dor desses pacientes. Ao
inibir seletivamente o influxo de íons cálcio
através da membrana celular do músculo liso,
ocorre o relaxamento deste, ocasionando
alívio da dor nas lesões tumorais. Mecanismo
semelhante também explica o efeito antihipertensivo da droga (vasodilatação).3 Em
nosso caso foi possível aliar ambos os efeitos
favoráveis da droga em benefício do paciente.
Outras opções terapêuticas farmacológicas
incluem a fenoxibenzamina, uma droga
inibidora de receptores alfa-adrenérgicos, mas
que traz efeitos discretos no alívio da dor. A
gabapentina, droga muito utilizada no
controle de dor neuropática crônica, tem
mostrado efeito benéfico com baixo índice de
efeitos colaterais.3,6
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