RUTH R. PALLADINO
MARIA FRANCISCA A. F. LIER
PONTIFiciA
UNIVERSIDADE
CATOLICA
DE SAO PAULO
Este trabalho e resultado de reflexao sobre
artigo de Oller, "The
Infancy",
Emergence
of
the
Sounds
of Speech
0
in
tornado como obra representativa do pensarrentodos
estudiosos do balbucio na decada de setenta, quando a polemica sobre
0
carater inato da linguagem atingiu seuclI-
Numa visao inatista, atribuiu-se a crian~a
papel central do desenvolvimento
0
da linguagem, uma vez que
esta e adquirida atraves de exercita~ao de uma criativida
de lingUIstica biologicamente
dada. Dessa forma, ao
meio
e atribu{do urnpapel irrelevante.
a
desenvolvimento
lingUIstico nada mais e
do
que a atualiza~ao de capacidades inatas - e portanto universais - por matura~ao. Tal desenvolvimento
e
como uma seqUencia de estagios correspondentes
~oes neurologicas que se processam com
0
concebido
as libera-
crescimento.
produ90es da crian9a de a-12m., agrupando-as em
hierarquicamente
estagios
relacionados, definidos em termos de "aon
tro Le de produ~ao". 0 objeti vo de Oller e examinar a rela
9ao existente entre as voaaLiza~oes e a faLa. ou seja, v~
rificar que sons das produ90es do bebe sao candidatos a se
tornar sons da linguagem humana.
Para Oller, certas vocaliza¥oes refletem a e~ergencia
sistematica da capacidade inata de fala. Sao es
tabelecidos os parametros gerais das linguas do mundo
que
fornecerao a base sobre a qual certos sons da crian¥a po~
sam ser descritos em termos dos parametros
adulta, ou"tra~os metafoLogiaos"
finais da fala
- altura, qualidade
voz, padroes de amplitude, ressonancia e timing. Os
de
tra-
90S foneticos e fonologicos concretos serao definidos com
base nessas dimensoes gerais.
As vocaliza90es selecionadas para estudo
ram as chamadas
fo-
"nao-refLexas" ou seja, as potencialmente
candidatas a adquirirem significado arbitrario. Com isso.
as ditas "refLexas" (choro, tosse •••) sao desprezadas.
Frente'a grande variedade de sons
pela crian9a durante todo 0 seu desenvolvimento
co, os estagios do desenvolvimento
produzidos
lingdist!
do speeahine88 foneti-
co foram determinados pelo autor a partir
do
"i.ndiaede
freqflenaia de oaorrenaia". tornado como indicador de
du~ao aontroLada" e nao ocasional.
"pr£.
Oller pretende
ta
a
chamada "fase
(1) dar uma explica~ao
do balbuaio",
e (2) estabelecer
la~ao entre elas e a chamada "fase
inatisuma re
lingflistiaa".
a
justifica~ao
das mudan~as verificadas durante toda a "fase
do balbuaio"
A aplica~ao do modelo inatista
o objetivo do autor de tentar estabelecer uma
rela~ao entre as chamadas fases do balbucio e ling6istica
representa urnavan~o no estudo das vocaliza~oes
ate entao concebidas como constituintes
mera latencia ling6istica. Entretanto,
dotado por ele para
0
desenvolvimento
infantis,
de urnperiodo
0
de
modelo teorico ~
de tal proposta, da
lugar a urnaserie de questoes.
descri~ao de categoria de vocaliza~oes
da crian~a,
padas em estagios. Ora, a no~ao de estagio
agru-
esta ligada
a
ideia de periodos estanques diferentes entre si e hierarquicarnente relacionados. Urnmodele categorial desse
tipo
implica na explicita~ao dos estagios iniciais e finais,
que prornove obrigatoriamente
0
a delimita~ao de uma fase do
balbucio e outra da linguagem propriamente
dita.Dessa for
ma, a transi~ao de urnestagio para outro, assim como
de
uma fase para outra, nao e explicada. 0 que se observa na
realidade, e uma listagern das vocaliza~oes
tegorias correspondentes
locadas em ca-
a estagios definidos em termcs de
"con tro l e de prodUi;ao". 0 elo propos to entre uma fase e ou
tra fica, dessa forma, irremediavelrnente perdido.
A defini~ao dos estagios em termos de
Ie de produ~ao, esta, por sua vez, vinculada
"consistencia"
e "saliencia"
metros sao estabelecidos
versais
a
contro
no~ao
de
de vocaliza~oes. Esses paraa partir de caracteristicas
uni-
(foneticas e fonologicasJ ,ou seja, comuns a todas
as linguas do mundo.
A no~ao de consistencia esta intimamente lig~
da
a
no~ao de "aceitabilidade",
que e
0
lugar da verific~
~ao empirica no modele chomskyano. Dessa forma, apenas as
vocaliza~oes compativeis com as caracteristicas
na fala adulta e que sac consideradas
presentes
"consi8tente8"
ou"a
ceitaveis".
~ a partir da no~ao de consistencia, assim en
tendida, que Oller estabelece
de "pal'ametros
metafonologicos",
0
que convencionou
chamar
ou seja, os tra~os da fa
la humana, presentes desde 0 nascimento, e atualizados s~
cessivamente em tra90s fbneticos e fonologicos concretos.
Coerente com a n09ao de capacidade ling6istica pre-formada, Oller nao lida com 0 sujeito individualin
produtor de fala. Dai advem a concep9ao de urndesenvolvimento abstrato, ou seja, uma cadeia de libera90es neurolo
gicas sucessivas. Em fun9ao desses pressupostos e que a e~
plica9ao do "desenvolvimento"
fonetico-fonologico
visa tao
ja, verificar a rela9ao entre 0 balbucio e a linguagem,p~
demos no tar que sua proposta e insuficiente para explicar
na historia do desenvolvimento
lingUistico da crian9a.
0
processo de aquisi9ao da linguagem fica assim caracteriza
do como sendo intersubjectivo.
o
balbucio sera, portanto, entendido comocon~
titutivo do desenvolvimento
lingUistico.
A transi9ao da pre-linguagem
para a linguagem
e explicada atraves de urnajustamento mutuo e continuo en
tre adulto e crian9a.
Os ajustes sao efetuados atraves de simetriza
~oes e assimetriza~oes
entre as produ90es da crian9a e do
adulto. Esses mecanismos se intercalam: - a
simetriza~ao
corresponde ao momento ideal do ajuste, ou seja, quandoos
parceiros participam da mesma atividade de forma ativa
complementar. g
0
e
momento da plena negocia9ao.
A natureza desse processo sera evidenciada
e
discutida com bases nos exemplos (1), (2) e (3) a seguir:
M.
(segurando
recendo-a
urna bola e ofe
para a crianli=a.)
bola?
Cr.
(segurando
de ferro)
urn aviac
Cr.
(estende 0 brali=0p~
ra pegiU' a bola)
Cr.
(pega a b~a
e come
li=aa maniuu~a-la)-
~
~
"--------
(Coloca a bola
chao)
M.
(pega a bola e a devolve
ra a crianli=a)
no
~~
Toma a bola.
Cr.
nos, quando
a crianli=aadere
la, incorporando
(poe a bola no colo
e olha para a mae.)
ao jogo de dar-e-receber
a negociali=ao proposta
a bo
pela mae:
(agita os brali=0s,b~
tendo 0 esquerdona
bola, que
desliza
em direli=ao mae)
a
M.
(empurra a bola para a~
crianli=a.)
~cr.
(empurra a bola para a mae)
Mae, crian~a e investigadora na sala e empregada na cozinha. (29/04/82)
"IOj07·l"Y'\
M.- Quede a Dirce? ••
(olha para D.)
- Dirce, chama ela.
E·-Ynca .. ~
~~
.
~
...
t···~···f"··
Cr. (olha atentamentepa
ra a porta da cozI
nha que esta fecha
da)·.
-
1.- Chama. a Dirce
M.- Ala a d. Dirce.
1.- Ala ••• (apontando)
E.
Cr. (se aproxima da po£
ta da cozinha)
Bian~
-~cr.~t
E.!fi
(olhando para a PO£
ta da cozinha)
~cr.
E.?
E.
II . -yi
Jli.
~
-t>
~
E.
fi
laylt
__ ~
~
Cr.
III t
Na seqUencia anterior fica evidenciada
a
tua regula~ao da intera~ao. 0 adulto oferece, atraves
muda
varia~ao prosodica da palavra urncontexte sonoro mais amplo para a crian~a, mas, quando esta ajusta sua
a
produ~ao
do adulto, este fixa sua produ~ao, simetrizando a situa
~ao interacional.
Esses exemplos se referem a momentos
tes do processo de desenvolvimento
diferen
da crian~a. Em (1),
parceiro infantil ja e capaz de configurar
0
0
mecanismo de
simetriza~ao no esquema motor, por outro lado, em (2), on
de a negocia~ao e vocal, cabe ao adulto, nesse ~to,
con
figurar tal mecanismo.
A aBBimetri2a~ao,
e
por sua vez,
nova de negocia~ao, que antecede e sucede
0
uma proposta
momenta ideal
do ajuste.
A interpreta~ao que
~ao da crian~a na intera~ao
e
0
adulto da
que determina
a
0
partiCipamovimentoen
tre esses dois mecanismos mediadores da comunica~ao.
Cr. (olhando para os posters
na paredel
M. (olha para a crian~a e
aponta para 0 poster
do cachorro. l
M. 0 au-au, quede?
-Quede 0 au-au, Bianca?
(tentanto contato de olhol
-Que de
0
au-au?
M. (apontandol
-Ala •••Ala
0
au-au.
~cr.
(olha para
chorrol
0
poster do c~
Cr. (acompanha com os olhos
a mao da me. l
relavao
a
visao que criticamos no inicio. A partir da
deia de que
0
desenvolvimento
lingdistico se da
i-
atraves
plo (2) permanecem inexplicados, urna vez que
serva~ao
e
0
foco de o~
centrado na crian~a e nao na rela~ao entre ela
Esse jogo de simetriza~oes e assimetriza~oes,
que
e
amplamente atestado em nossos dados torna
implaus!
vel a perspectiva chomsky ana do adulto como mere provedo~
partilha~ao
e
urnpas so na dire~ao de urna teoria da aquis!
~ao da linguagem onde os objetos lingUIsticos,
sejam eles
fonologicos, sintaticos, semanticos ou pragmaticos,sao
n~
Child's Construction of Language. In W. Deutscp
(Org)
The Child's Construction of Language, Londo~; Academic
MAlA, E.A.
(1981) - Estrategias de sustentac;:aod6di&'iogo
e a concepc;:aoadu1ta do desenvo1vimento
fono1ogico.Tr~
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