III FÓRUM IDENTIDADES E ALTERIDADES
EDUCAÇÃO, DIVERSIDADE E QUESTÕES DE GÊNERO
11 a 13 de novembro de 2009
UFS – Itabaiana/SE, Brasil
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A HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO FEMININA NO ESTADO DE SERGIPE
Inácia Maria Rodrigues do Nascimento (UFS)1
Jorge Alberto Vieira Tavares (UFS)2
INTRODUÇÃO
O artigo refere-se à história da educação feminina em Sergipe, dos primórdios da
Colônia até o final da República Velha, em 1930. Este trabalho é resultado de pesquisas
realizadas em diversas bibliografias e periódicos que tratam sobre a temática aqui
explicitada. Começaremos conceituando a palavra história, que é de origem grega
“histore”; significa entre outras coisas “aquele que vê” ou “aquele que sabe”.
Pretendemos com esse conceito entender que a história pode ser uma narração,
verdadeira ou falsa, com base na realidade histórica, no contexto em que se insere. Para
melhor entendermos precisamos entender que um documento seja ele um monumento ou
um texto, nunca é “puro”, isto é, puramente objetivo. Só há fato ou fato histórico no
interior de uma história-problema. A história só aos vencedores parece racional, os
vencidos vivem-na como irracionalidade e alienação. ( LE GOFF, 2003, p. 30)
Falar dos silêncios da historiografia tradicional não basta, é necessário questioná-la
sobre as lacunas, interrogar os esquecimentos, os hiatos, os espaços em branco da história.
É necessário que o historiador lance um olhar sobre a história de sua disciplina;
fazendo a história da história. E isso que propomos nesse trabalho lançarmos um olhar para
1
Aluna do Mestrado de Educação da UFS, licenciada em pedagogia, trabalha na Rede Pública Estadual
como pedagoga há 11 anos. [email protected]
2
Especialista em Didática, licenciado em Geografia e Pedagogia e professor do PROJOVEM URBANO
[email protected]
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a história da educação feminina sem anacronismos, estudando cada período com o olhar
lançado para o período.
[...] julgo que cabe ao historiador transformar a história (res gestae) de
fardo – como dizia Hegel – história rerum gestarum que faça do
conhecimento do passado um instrumento de libertação. Não estou
reivindicando nenhum papel imperialista para o saber histórico. Julgo ser
indispensável o recurso a história, no conjunto das práticas do
conhecimento humano e da consciência das sociedades. (LE GOFF,
2003, p. 144-145)
Para Nunes (1984) a educação: como um fato social e assim, ligado à estrutura
sócio-econômica vigente, o que, porém, não impede que com ela entre em confronto e a
possa superar no decorrer do processo histórico. Não a encaro como um dado
preestabelecido, mas variando segundo as condições sócio-político-econômicas vividas por
um povo no decorrer de sua evolução.
É nesse contexto que irei abordar a história da educação, observando a estrutura
sócio-econômica de cada época.
Durante o período colonial e imperial a educação apresentava-se como caótica,
faltavam materiais, as instalações eram inadequadas, o ensino ineficiente, os salários dos
professores baixos e os índices de analfabetismo eram altos (em torno de 80%).
Os professores ensinavam individualmente os alunos, não existiam livros, nem
quadro negro, as escolas estaduais eram raras e funcionavam em residências improvisadas,
onde o professor normalmente pagava o aluguel com o seu salário. O mobiliário escolar
era improvisado.
O professor custeava com seus próprios vencimentos o aluguel da sala
ou do prédio. Não havia mobiliário escolar. Cabia aos alunos levarem
para casa da professora as cadeiras e mesas, mas a pobreza os impedia. O
máximo que se permitia era o improviso em barricas, caixões, pequenos
bancos de tábua, tripeças estreitas e mal equilibradas, cadeiras encouradas
ou tecidas a junco. Comum mesmo era os alunos escreverem no chão,
estirados de bruços sobre papeis de jornal, ou então fazerem seus
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exercícios de joelhos ao corredor de bancos ou à volta de cadeiras.
(NUNES apud VIDAL, 2005, p. 60-61)
Mesmo com a sanção por D. Pedro I da lei de 15 de outubro de 1827, que criava a
instrução primária em nosso país e que dizia em seu artigo 1º- “em todas as cidades, vilas e
lugares mais populosos haverá as escolas de primeiras letras que forem necessárias”, na
realidade as escolas eram raras e precárias. (VIDAL, 2005, p.28)
Cem anos após a promulgação dessa lei aconteceram duas reformas educacionais
importantes, uma em Minas Gerais, organizada por Francisco Campos em 15 de outubro
de 1927, que tinha como meta a reorganização do ensino elementar e normal, além de
redefinir o papel da escola elementar que passou a ser considerada como instrumento de
reconstrução social, enfatizava que as crianças não eram adultos em miniatura, pelo
contrário, tinham seus próprios interesses e necessidades, que deviam ser respeitados e
desenvolvidos.
Nas práticas escolares podemos destacar princípios do progressivismo com
destaque para trabalhos de grupos nas salas de aula, ambientes institucionais democráticos.
Processo ativo de ensino e aprendizagem, cooperação entre professor e aluno, conexão
entre o conteúdo do currículo e a vida real, etc.
Os currículos e programas eram concebidos como instrumentos para desenvolver na
criança as habilidades de observar, pensar, julgar, criar, decidir e agir. Realçava
a
necessidade de atividades de visitas, excursões, organização de museus, clubes escolares,
bibliotecas, etc.
Já a outra reforma considerada a mais revolucionária e sofisticada das promovidas
nos anos vinte, aconteceu no antigo Distrito federal, no Rio de Janeiro em 22 de outubro de
1927 e foi promulgada em 23 de janeiro de 1928; elaborada por Fernando de Azevedo.
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Essa reforma foi segundo seu autor, profunda, radical e em consonância com a civilização
industrial da época. Ela enfatizou as tarefas sociais do sistema escolar e sugeriu os meios
que seriam necessários para que tais tarefas fossem cumpridas. A interação entre escola
sociedade foi mais enfatizada que na reforma de Campos; desejava-se uma escola primária
permeada por fins sociais, em intimo contato com a comunidade, integrando as novas
gerações ao ambiente social em que tal ambiente seria melhorado e reformado.
As reformas elaboradas pelos pioneiros representaram um importante
rompimento com a escola tradicional, por sua ênfase na natureza social
do processo escolar, por sua preocupação em renovar o currículo, por sua
tentativa de modernizar métodos e estratégias de ensino e de avaliação e,
ainda, por sua insistência na democratização da sala de aula e da relação
professor-aluno. Apesar da expressa preocupação com reconstrução
social, a maior contribuição das reformas acabou por limitar-se a novos
métodos e técnicas. (MOREIRA, 1997, p.91-92)
Na segunda década do século XX, existe um entusiasmo e a valorização da educação que
passa a ser vista como o principal problema nacional, que se resolvido, levaria a resolução dos
demais.
Com o aparecimento de profissionais preocupados com a qualidade da educação como
Fernando de Azevedo, Lourenço Filho e Anísio Teixeira entre outros, inicia-se o otimismo
pedagógico. No que o movimento escolanovista contribui, mudando o foco que ao invés de ser nas
preocupações políticas passa agora para o âmbito técnico-pedagógico.
Anísio Teixeira ao deslocar a carência do indivíduo para a omissão dos governos na
direção da reconstrução das condições sociais e escolares, o seu pensamento liberal foi capaz de
criticar a inversão política que via na educação a solução apressada dos grandes problemas
humanos. ( NUNES, 2000, p. 285)
A intervenção do Estado no sistema educacional brasileiro, particularmente antes
de 1935, teve principalmente a função de arbitrar os conflitos entre as tendências
existentes. Mas a partir de 1937, o Estado fixa um objetivo bem preciso para suas
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intervenções: utilizar a educação como instrumento para inculcar na infância e na
juventude os princípios do Estado Novo e como arma ideológica. (HORTA, 1994, p. 292293)
Já a tecnificação do ensino patrocinada pelo governo durante a ditadura militar teria
como premissa básica a disciplinarização, a normatização, o alto rendimento e a eficácia
pedagógica.
Nessa
perspectiva
a
Educação
Física
escolar,
teve
como
objetivo
o
desenvolvimento da aptidão física do homem, e uma preocupação histórica na defesa dos
interesses da classe no poder, mantendo a estrutura da sociedade capitalista.
Freire colocando-se dentro da tradição liberal dos renovadores, apoiando-se
amplamente sobre a obra de Anísio Teixeira defende uma educação em sintonia com a
realidade e a revisão de todo o sistema educativo, de modo a torná-lo adequado à
democracia e ao desenvolvimento. O desenvolvimento era interpretado por Freire,
basicamente, como processo de mudança que possibilitava a democratização; está por sua
vez, funcionava como motor de novas transformações na medida em que propiciava a
formação de um tipo de homem que conscientemente contribuía para o processo de
desenvolvimento.
Uma educação e uma pedagogia adequadas à realidade brasileira deveria ter o
processo nacional como centro: ele deveria ser o real educador dos educadores nacionais. E
Freire lançou-se ao atendimento de tais sugestões e exigências, fosse através da busca de
uma pedagogia que servisse à discussão do “processo nacional”.
Como podemos verificar a educação esteve sempre em contaste mudança e ao
longo de todo o período existiram pessoas compromissadas com o seu desenvolvimento e
principalmente com a melhoria da sua qualidade, cada um do seu modo e dentro do
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contexto próprio da época, mas principalmente lutando pela democratização do ensino e
diminuição do analfabetismo.
Mas não poderíamos deixar de mencionar que a mulher no período colonial e
imperial esteve aquém desse processo educacional, pois suas atribuições principais eram:
ser dona de casa, mãe e esposa; já ao homem português era dado o direito de usufruir da
vida de todos os habitantes da colônia. Esse direito era devido à sua condição de “senhor”
da família patriarcal. Aliás, é oportuno explicitar aqui que família vem da palavra latina
“famulus” que significa escravos domésticos de um mesmo senhor: mulheres, filhos,
crianças, escravos, terras, etc. Eram “bens” pertencentes ao poder dito na época
“naturalmente” construído ao deleite do gênero masculino.
O que podemos evidenciar como atitudes do patriarcalismo, que tem como
característica básica “a autoridade imposta institucionalmente pelo homem sobre a mulher
e os filhos no âmbito familiar. Autoridade esta que vem sendo contestada devido à entrada
da mulher no mercado de trabalho remunerado, da utilização de anticoncepcionais e da sua
conscientização de igualdade em relação ao homem, com direitos às mesmas prerrogativas
e de controlar seus corpos e suas vidas”. (CASTELL, 1999, p. 169-170).
A crise do patriarcalismo para Castell (1999, p. 173-174) teve início devido à
insatisfação dos casais, resultando na dissolução dos lares por meio do divórcio ou
separação, que leva a formação de lares de solteiros ou lares com apenas um dos pais,
cessando assim a autoridade patriarcal sobre a família, das crises matrimoniais e da
dificuldade em compatibilizar casamento, trabalho e vida, que acaba por adiar a formação
de casais e aumentando os relacionamentos sem casamento, que devido à falta de
legalização enfraquece a autoridade patriarcal tanto do ponto de vista institucional como
psicológico.
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No início da colonização a organização familiar e a vida doméstica foram
influenciadas por elementos que marcaram profundamente a formação da sociedade
brasileira e o modo de vida de seus habitantes. A distância da Metrópole era um dos fatores
que dividia muitas vezes os membros da família entre os dois lados do Atlântico, também a
falta de mulheres brancas, a presença da escravidão negra e indígena, a constante expansão
do território, assim como a precariedade de recursos e de toda a sorte de produtos com os
quais estavam acostumados os colonos no seu dia-a-dia.
Para tratarmos da vida doméstica na Colônia, implica em penetrarmos no âmbito do
domicílio, que foi de fato o espaço de convivência da intimidade.
O domicílio, portanto, se sobrepõe a família numa análise desse tipo, na
medida em que as famílias, além de se constituírem a partir de diferentes
tipos de uniões (sacramentadas ou não), encontravam-se muito
freqüentemente dispersas por longos períodos – característica de certa
forma imposta pela própria colonização. Ora era o pai que se ausentava a
serviço da Coroa ou em virtude de suas atividades, ora era a filha que se
casava fora do seu local de domicílio, ou o filho que partia numa
expedição ao sertão. Isso sem contar esposas e maridos que abandonavam
a família para viver com outros companheiros, além, é claro, das
repetidas interrupções dos laços familiares causadas por mortes
prematuras. (ALGRANTI, 1997, p. 86)
A educação em Sergipe não era diferente do restante do país, atendia as exigências
da classe dominante, a quem interessava apenas assegurar o ingresso dos filhos nas escolas
de nível superior, havia um desestímulo na implantação do ensino popular e
profissionalizante.
A Capitania de Sergipe Del Rei era basicamente rural, mas aos poucos passou a ter
na cana-de-açúcar sua principal atividade econômica.
Com a expulsão dos jesuítas no Brasil, durante a Reforma Pombalina, pretendia-se
instalar uma educação laica, de responsabilidade do Estado. Para substituírem os colégios
dos Jesuítas, extintos pelo Alvará de 1759, só a partir de 1772 começaram a serem criadas
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as Aulas Régias. Em 1760 houve concursos para as Aulas Régias de Gramática Latina e
Retórica em várias Capitanias. Mas durante o período de 1760 a 1772, diversos
concursados lecionaram gratuitamente, ou recebendo pagamento de seus alunos. Em
Sergipe o novo sistema só chegou ao final da década de 1780 com a nomeação dos
primeiros professores.
A educação encontrava-se caótica nos fins do século XVIII, os professores
encontravam-se com seus salários atrasados, o que os levava a faltarem com suas
obrigações, as crianças não freqüentavam as aulas por falta de incentivo de seus pais, ou
porque alguns Mestres eram repudiados pelos seus péssimos costumes ou indolência.
As mulheres apesar de serem responsáveis pela alfabetização de grande número de
crianças no interior das casas-grandes e fazendas, não apareciam nas estatísticas, presas a
uma estrutura social de laços consanguíneos ou de clientela, só a partir dos meados do
século XIX começaram a transformar-se em assalariadas.
Apesar do desenvolvimento econômico de Sergipe em 1820, devido ao aumento da
produção canavieira e de engenhos, a maioria da população era analfabeta, mesmo muitos
negociantes abastados. Muitas vezes um opulento sergipano
encomendava aos seus
vizinhos que lhe trouxesse um português de bons costumes que soubesse ler e escrever,
para casar-se com a filha.
Com a promulgação da Lei de 15 de outubro de 1827, estabelecendo que “em todas
as cidades, vilas e lugares mais populosos haverá Escolas de Primeiras Letras que forem
necessárias”. (NUNES, 1984, p. 39) A meta era a criação de Escolas de Primeiras Letras
para alfabetizar os que procuravam. Também previa a criação de escolas de meninas, desde
que o Presidente da Província e o Conselho julgassem necessário.
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Embora pobre destituída em sua maior parte de direitos e privilégios
sociais, referida usualmente com expressões depreciativas como gentalha,
canalha, miseráveis, gente que vive da misericórdia de Deus, etc., o certo
é que mais da metade da população de Sergipe pertencia, ao menos
durante as primeiras décadas de oitocentos, a esta categoria: a dos
homens livres, trabalhadores do eito, agregados, moradores de condição,
meeiros e rendeiros. Gente pobre, na sua maioria livre, vivendo nas
periferias das vilas e das grandes propriedades canavieiras, tal massa
populacional, talvez apresentando um estilo de vida muito semelhante ao
da escravaria, sobretudo no que se refere às práticas e tipo de trabalho, à
dieta alimentar, vestuário, sujeição as doenças, etc., tal população
constituída, junto com a escravaria, motivo de grandes preocupações à
elite senhorial e a população em geral. (NUNES, 1984, p. 41)
A mulher era reclusa no interior do seu lar, reflexo do domínio patriarcal, o homem
temia que a mulher letrada escapasse ao seu mandonismo tradicional, conforme o
cancioneiro popular assim entendia:
Menina que sabe muito
É menina atrapalhada
Para ser mãe de família
Saber pouco ou mesmo nada.
(CALASANS apud THETIS, 1984, p. 47-48)
Apesar das medidas revolucionárias do Marquês de Pombal, só a partir de 1790,
começaram a surgir escolas públicas femininas em Portugal, a educação feminina
acontecia no interior dos lares das famílias abastadas através de preceptoras, o ensino
basicamente restringia-se a ler e escrever, música, trabalhos manuais e domésticos.
Em Sergipe data de fevereiro de 1831 a criação na Capital, em Estância, Própria e
Laranjeiras, de cadeiras públicas para o sexo feminino. O governo provincial avocava a
responsabilidade de ministrar as Primeiras Letras à mulher sergipana. (NUNES, 1984, p.
47). Mas o ensino secundário era restrito apenas aos homens.
O ato adicional de 1834 trouxe muitas mudanças para educação brasileira, dentre a
tentativa de uniformização do currículo das Primeiras Letras. Os conteúdos eram diferentes
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nas escolas femininas, que estudavam: Leitura e caligrafia, Gramática da língua nacional,
teoria e prática de Aritmética até as quatro operações e os trabalhos de agulha.
O ensino primário em Sergipe era entregue a leigos, devido ao apadrinhamento
político, que admitiam inábeis Mestres. Conforme disse o Presidente Dr. Anselmo Peretti
em 1843, ao traçar o panorama educacional de Sergipe: “ Não pode ser pior o estado da
instrução aqui; e faltam-me expressões para descrever a inépcia, o desleixo, a incúria, a
apatia, a inércia e a indolência que se ostenta o ensino público, principalmente o primário,
com pouquíssimas exceções”. Existiam professores que não ensinavam aos discípulos
“nem assinarem o nome”, como ele próprio evidenciou na Vila do Maroim. (NUNES,
1984, p.67)
A criação de Escolas Normais em Sergipe, só aconteceu em 1870. A princípio só
para alunos do sexo masculino, o acesso da mulher aconteceu de forma diferente em cada
província. Em Sergipe foram criadas Escolas Normais femininas apenas em 1877.
A possibilidade de realizar o curso normal era, para as jovens sergipanas
no final do século XIX e no início do século XX, uma das últimas
oportunidades de continuarem estudando e se prepararem para exercer
uma atividade profissional fora do ambiente doméstico, uma vez que o
magistério era socialmente aceito e entendido como prolongamento dos
papéis femininos exercidos no lar. (FREITAS, 2002, p.49)
O número de escolas femininas nas últimas décadas do Império teve um grande
crescimento, foram instaladas as escolas mistas, mas infelizmente o discurso corrente de
que a mulher deveria ser educada para ser boa esposa e mãe não sofreu alterações.
Segundo Freitas (2002) o inicio da República aponta para a necessidade da
educação da mulher, vinculando-a à modernização da sociedade, à higienização da família
e a formação dos futuros cidadãos. A ênfase na escolarização feminina vinculava-se à
função social de educadoras dos filhos.
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O ensino superior para as mulheres foi possível com a Reforma Leôncio de
Carvalho em 1879, mas só em 1881, ingressavam na Faculdade de Medicina no Rio de
Janeiro Ambrosina Magalhães e Augusta Castelões Fernandes, seguidas de outras que
foram tendo acesso aos diversos ramos do ensino superior.
Nos últimos anos do Império, a vida educacional de Sergipe se mantém estática,
apesar do impulso dado em 1870, reflexo dos problemas econômico-financeiros,
vinculados as oscilações do mercado internacional que a agricultura canavieira passava
devido aos preços desfavoráveis da safra de açúcar.
Nas primeiras décadas da República, poucas mudanças aconteceram no sistema
educacional brasileiro, uma vez que a maioria da população continuava analfabeta. As
escolas primárias em Sergipe continuavam a ser abertas para atender interesses políticos,
elevando o índice de professores incompetentes para exercer o magistério.
Durante as décadas de 1910 e 1920, assiste-se a um aumento da matrícula nas
instituições do ensino primário e normal. O ensino secundário acaba sendo centralizado na
capital, em Aracaju, tendo como instituição-modelo o Atheneu Sergipense
- equiparado
ao Ginásio Nacional em 1908. A partir do final da primeira década da República, muitas
escolas particulares passam a oferecer também o ensino secundário. (FREITAS, 2002,
p.51)
Fato destacado nessa época é a presença da mulher nos cursos do Atheneu. Eram
muitas delas, jovens que tinham ambições intelectuais, mas tolhidas, em seus vôos de
buscarem os Estados onde existiam Faculdades, pelos preconceitos da sociedade ou por
não disporem de recursos financeiros.
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Rompe-se assim na primeira metade da década do século XX, a tradição
dominante de que o lugar da mulher estudar, além do curso primário, era
a Escola Normal que, realmente desempenhou um papel decisivo na
formação intelectual feminina de Sergipe, como atesta o ritmo de
crescimento da matrícula. (NUNES, 1984, p. 201)
Em 1912 surgem as Escolas Noturnas para adultos de ambos os sexos, elas se
propunham a ensinar a ler, escrever e contar correntemente. Visavam preencher as
exigências das fábricas aos operários, para o ingresso nas mesmas ou exercerem outras
atividades.
O sistema educacional, porém, não acompanhava as transformações estruturais
sergipanas, apesar de tentativas feitas para alterá-lo pelos dirigentes. O ensino secundário
continuava livresco, ornamental, mera passagem para os cursos superiores, só o concluindo
no Atheneu os que não dispunham de recursos para seguir os estudos em outros Estados. (
NUNES, 1984, p. 232)
Aumenta a participação da mulher em outros setores de atividades, além do
magistério primário e normal. As mulheres começam a ocupar cargos no funcionalismo
público, o que serve de estimulo para que as jovens não estudassem apenas na Escola
Normal, mas também no Atheneu e Escola de Comércio.
Devemos ressaltar a importância das Reformas educacionais acontecidas durante
todo o período, do Colonial ao Republicano, que contribuíram para a emancipação da
mulher, que aos poucos foi deixando a vida doméstica para alçar vôos, nas brechas (a
princípio) do sistema educacional, que fizeram com que a mulher se profissionaliza-se e
conquista-se um lugar na sociedade patriarcalista, de início como professora, (já que
muitos a achavam aptas para ensinar) devido a sua condição de mãe, para depois aos
poucos conquistar outros campos profissionais.
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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portuguesa. São Paulo: Companhia das Letras, 1997. p. 83-154.
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na era da informação. In: A era da Informação: Economia, Sociedade e Cultura. O
poder da Identidade. São Paulo: Paz e Terra, 1999.
FREITAS, Anamaria Gonçalves Bueno. “Pesquisando a educação feminina em Sergipe na
passagem do século XIX para o século XX”. In: Revista do Mestrado em Educação,
UFS. São Cristóvão: v.4. p. 45-65, jan. / jun., 2002.
HORTA, José Silvério Baia. O Hino, o sermão e a ordem do dia: regime autoritário e a
educação no Brasil. Rio de Janeiro: Ed. UFRJ, 1994.
LE GOFF, Jaques. História. In: História e Memória. 5. Ed. Campinas, SP: Editora da
UNICAMP, 2003. p. 17-171.
MOREIRA, Antonio Flavio Barbosa. Currículos e Programas no Brasil. 3ª ed.
Campinas, SP: Papirus, 1997.
NUNES, Clarice. Anísio Teixeira: a política da ação. Bragança Paulista-SP: EDUSF,
2000.
NUNES, Maria Thetis. História da Educação em Sergipe. Rio de Janeiro, RJ: Editora
Paz e Terra S/A, 1984.
VIDAL, Diana Gonçalves. O exercício disciplinado do olhar: livros, leituras e práticas de
formação docente no Instituto de Educação do Distrito Federal (1932-1937). Bragança
Paulista: EDUSF, 2001.
VIDAL, Diana Gonçalves; FARIA FILHO, Luciano Mendes de. As lentes da história:
estudos de história e historiografia da educação no Brasil. Campinas, SP: Autores
Associados, 2005.
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