Agosto | 2015
O Ajuste das Contas Externas: de onde vem e de onde virá?
Nos últimos anos, o Brasil acumulou diversos desequilíbrios macroeconômicos, que têm sido tema de muitos dos nossos Comentários Mensais. Nesta
oportunidade, voltaremos ao tema das contas externas, onde o Brasil acumula um elevado déficit nas transações correntes, mas que, neste ano, tem mostrado
uma redução importante. Veremos o que tem causado esse ajuste e o quão sustentável é esse processo.
Em abril deste ano, o Banco Central passou a divulgar as estatísticas do Balanço de Pagamentos do Brasil, em conformidade com a 6ª edição do Manual de
Balanço de Pagamentos do FMI. Não há dúvidas de que se trata de um importante avanço na contabilização dos fluxos de recursos entre residentes e não
residentes no país. Contudo, por ora, a revisão se estendeu apenas até janeiro de 2014, o que dificulta análises históricas. De qualquer forma, o que as novas contas
mostraram é que nosso déficit em conta corrente de 2014 não foi de US$ 91 bilhões em 2014 (3,9% do PIB), como reportado naquele momento, mas sim de US$
105 bilhões (4,5% do PIB), ou seja, 15% maior. Dentre os países que adotam a mesma metodologia, o Brasil estava entre aqueles com maior déficit, mas também
com menor taxa de investimento – uma combinação muito desfavorável, afinal estamos absorvendo poupança externa, sem que isso melhore a perspectiva de
crescimento futuro e, portanto, nossa capacidade de fazer frente ao custo desse passivo. Ademais, se olharmos sob qualquer medida de nível de “equilíbrio” para o
déficit em conta corrente, usualmente entre 1,0% e 2,5% do PIB, a conclusão inescapável é de que aquele déficit não poderia ser mantido indefinidamente. De fato,
olhando para os dados da conta corrente no primeiro semestre deste ano, observamos um ajuste de 23%, quando comparado a igual período de 2014. Vejamos
como está ocorrendo, entre as principais contas, essa redução do déficit.
O déficit na balança de rendas primárias (anteriormente chamada de “rendas” ou “serviços fatores”) encolheu 19% neste ano, graças a uma forte reversão
das remessas de lucros e dividendos (-37%). Esse movimento reflete, por um lado, a queda dos lucros, como reflexo da recessão econômica. Além disso, a
depreciação cambial também ajuda a diminuir essas remessas, na medida em que os lucros em reais são convertidos em menos dólares.
A balança de serviços também está se reduzindo, embora mais lentamente (-10%). A principal fonte de ajuste é a conta de viagens, que mostrou uma
redução mais lenta no primeiro trimestre deste ano (-13%), mas que se acelerou bastante nos três meses seguintes (-28%). Na medida em que o câmbio real
segue depreciando e a queda nos rendimentos das famílias se aprofunda, é provável que continuemos observando uma redução importante nos gastos
internacionais com viagens no restante do ano.
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Por fim, a balança comercial saiu de um déficit de US$ 2,5 bilhões no primeiro semestre de 2014, para um superávit de US$ 2,2 bilhões neste ano. Essa
melhora ocorre graças à queda de 19% nas importações e a despeito da redução de 15% das exportações. Da mesma forma que nas contas de serviços e rendas,
também existe aqui um fator que tem impedido um ajuste mais forte, qual seja, a queda de 11% nos termos de troca neste ano. Para termos uma ideia da
importância desse fator, mantidos os preços vigentes no primeiro semestre de 2014, em vez de US$ 2,2 bilhões, teríamos um superávit de US$ 16 bilhões neste
ano. Ou seja, existe um forte ajuste pelo lado das quantidades, mas a queda de preços anula quase todo esse efeito. Evidentemente, na ausência da queda nos
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termos de troca, teríamos também um câmbio mais apreciado, que tornaria o saldo menor do que os US$ 16 bilhões. A literatura , contudo, mostra que a
sensibilidade (no jargão, “elasticidade”) do nosso comércio ao câmbio é baixa, especialmente no curto prazo e, portanto, esse efeito não deveria mudar tanto
aquele valor. Por outro lado, a elasticidade com relação à absorção (doméstica ou externa) é bastante elevada. O entendimento das magnitudes das elasticidades
ao câmbio e à absorção é fundamental para identificar as forças que tem promovido esse ajuste, o que, como veremos, têm implicações sobre a sustentabilidade
do processo.
A taxa de câmbio real multilateral vem mostrando uma contínua depreciação, que deve ajudar a explicar parte do ajuste, especialmente sobre as
quantidades importadas. O efeito sobre as exportações, contudo, tende a ser menor. Afinal, embora seja inequívoco que um câmbio mais depreciado é positivo, o
comportamento dos preços de exportação também deve ser levado em conta. Nesse sentido, ainda que o câmbio nominal tenha depreciado bastante, os preços
de nossas exportações caíram substancialmente. Isso, aliado ao contínuo aumento dos custos domésticos de produção, implica que a rentabilidade das nossas
exportações praticamente não se alterou até aqui. Em outras palavras, a depreciação que tivemos, muito relacionada à queda nos preços de nossas exportações,
tende a limitar os efeitos positivos sobre as quantidades exportadas. Ademais, a queda dos preços tem o efeito direto de reduzir o valor das exportações por
unidade vendida. Em suma, quanto mais uma depreciação cambial for acompanhada de queda nos preços de exportação, tanto menor será a reação das
exportações e, portanto, menor a contribuição para a balança comercial.
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Do lado da demanda externa , não se percebe nenhuma aceleração e, portanto, este não foi um fator relevante até aqui. Ora, se não houve aceleração da
demanda externa, tampouco a rentabilidade das exportações aumentou, o que explica o crescimento de 7,5% nas quantidades exportadas neste ano (contra
apenas 1,5% em igual período de 2014)? Afora um somatório de vários pequenos fatores, identificamos dois elementos que dão conta de aproximadamente
4,5p.p. daqueles 7,5%. Em primeiro lugar, a exportação ficta (operação meramente contábil) de uma plataforma de petróleo em junho, que deve explicar 0,5p.p..
Os outros 4p.p. se devem ao crescimento de 48% nas quantidades exportadas de combustíveis, que está ligada basicamente ao grande aumento da oferta, além
de queda na demanda interna, ambos fatores domésticos.
Por fim, a demanda doméstica privada, que cresceu aproximadamente 1% no primeiro semestre de 2014, deve ter caído cerca de 3% neste ano, com
impactos fortemente negativos sobre as quantidades importadas.
O que tiramos disso tudo? Que em grande parte o ajuste que temos observado deriva do fato de o país estar sofrendo a maior recessão dos últimos 25
anos. Em algum momento o país voltará a crescer e teremos uma retomada do crescimento das importações. Pode-se mostrar que quanto menor a participação
das importações no PIB, maior o crescimento percentual das importações em resposta a um aumento da demanda doméstica. Se lembrarmos que, dentre 156
países membros da Organização Mundial do Comércio para os quais se tem dado disponível, o Brasil já era o país mais fechado do mundo e neste ano nossas
importações caem 19%, ficará claro que voltar a crescer provavelmente implicará novas dificuldades nas contas externas.
Deve-se atentar que mesmo com uma fortíssima queda na demanda doméstica e toda depreciação do câmbio, segundo as projeções de mercado
(relatório Focus do Banco Central), terminaremos 2015 com um déficit em conta corrente de 4,2%, que é um patamar ainda extremamente alto e bastante distante
de níveis sustentáveis. Como a demanda externa não deve ajudar muito no futuro, além de não vislumbrarmos uma reversão da queda nos termos de troca dos
últimos anos e, por outro lado, a inevitável reversão da economia implicará um aumento das importações, concluímos que o equilíbrio do balanço de pagamentos
nos próximos anos possivelmente requererá uma depreciação adicional do câmbio real.
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Posto de outra forma, tomando a definição clássica de câmbio de equilíbrio , entendido como aquele que garante, simultaneamente, equilíbrio interno
(economia operando a plena capacidade) e externo (posição sustentável da conta corrente), parece claro que ainda não o atingimos. Certamente ainda estamos
distantes de um nível sustentável da conta corrente, além de a economia estar operando bastante abaixo do seu potencial. Em que pesem as defasagens com que
o câmbio atua, para um ajuste sustentado das contas externas, seria fundamental que a depreciação cambial promovesse um aumento da rentabilidade das
exportações e uma alteração de preços relativos em favor de bens comercializáveis, as quais ainda não ocorreram. Evidentemente, quanto mais prolongada for a
recessão, menos premente será a correção do câmbio.
Daniel Machry Brum
Analista do Opportunity e Mestre em Economia pela PUC-Rio.
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Segundo os dados do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (MDIC), que, por razões que fogem o escopo desse texto, diferem ligeiramente dos dados do Balanço de Pagamentos, porém para os quais temos
mais informações (p.e. preços e quantidades).
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Revisões da literatura podem ser vistas em RIBEIRO, L. (2006). “Dois Ensaios sobre a Balança Comercial Brasileira: 1999/2005” e HAMILTON, C. et al (2015). “Por que a elasticidade-câmbio das importações é baixa no
Brasil? Evidências a partir das desagregações das importações por categoria de uso.”
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Medida a partir do crescimento da demanda doméstica dos nossos parceiros, ponderado pela participação nas exportações brasileiras.
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Por exemplo, EDWARDS, S. (1989) “Real exchange rates, devaluation and adjustment” e RAZIN, O.;COLLINS, S. (1997) “Real exchange rate misalignments and growth”.
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