XXX ENCONTRO NACIONAL DE ENGENHARIA DE PRODUÇÃO
Maturidade e desafios da Engenharia de Produção: competitividade das empresas, condições de trabalho, meio ambiente.
São Carlos, SP, Brasil, 12 a15 de outubro de 2010.
TRABALHO GERENCIAL: UMA
ANÁLISE SOBRE AS
REPRESENTAÇÕES DO FEMININO E
MASCULINO NO SETOR DE SERVIÇOS
Marlene Catarina de Oliveira Lopes Melo (FNH)
[email protected]
Meire Rose de Oliveira Loureiro Cassini (FNH)
[email protected]
Ana Lúcia Magri Lopes (FNH)
[email protected]
Este artigo teve por finalidade analisar as relações e representações
do feminino e masculino no trabalho gerencial, na percepção dos
gerentes de empresas do setor de serviços. Foram realizadas
entrevistas (semi-estruturadas) com 64 gerentees, sendo 32 homens e
32 mulheres, de médias e grandes empresas do setor de informática e
de telecomunicação localizadas na Região Metropolitana de Belo
Horizonte, Minas Gerais - Brasil. As entrevistas foram gravadas com a
permissão dos entrevistados e transcritas posteriormente, preservandose na íntegra o discurso dos gerentes. Na sequência, o conteúdo das
entrevistas foi agrupado em tabelas e analisadas considerando-se a
frequência das respostas (MELO, 2007). O estudo é de natureza,
essencialmente, qualitativa em que as práticas metodológicas adotadas
fundamentam-se nos princípios da análise de conteúdo (BARDIN,
1979). Os resultados apontaram que embora as mulheres estejam cada
vez mais inseridas no mercado de trabalho, e demonstrando as suas
características peculiares, os resquícios das bases da antiga estrutura
patriarcalista ainda permanecem nas imagens do masculino e do
feminino. Uma das representações foi o contraste de homem racional e
prático versus a mulher emocional e indutiva. A mulher com tendência
a intrigas e confusões, diferenciada da imagem masculina, mais calado
e reservado e, o homem visto como competitivo, almejante de cargos
hierarquicamente superiores enquanto a mulher preocupada em
legitimar a sua liderança e o cargo atual, foram outras imagens
apresentadas. Estas imagens incorporadas, dicotômicas em sua
maioria, expressaram pensamentos estereotipados de mulheres e
homens, conduzindo, sobretudo, para uma reafirmação de dependência
da imagem do feminino em relação à imagem do masculino, frente às
representações sociais do feminino. No entanto, em muitos momentos,
a mulher, foi tida de forma igualitária ao homem, com vigor e
potencial para desempenhar as mesmas funções, sinalizando uma
imagem equiparada e integrada à organização.
Palavras-chaves: Trabalho gerencial, representações do feminino e
masculino, setor de serviços
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1. Introdução
A conjuntura econômica, social, política e cultural vivenciada de uma forma sistematizada
pela sociedade nos últimos decênios do século passado, continua afetando tanto os indivíduos
quanto as organizações, fazendo com que novos valores sejam congregados de forma a
atender às exigências sociais e de mercado (CASTELLS, 1999). Buscam-se profissionais
orientados para resultados, prontos para o trabalho em equipe, capazes de uma ação flexível e
de promover a iniciativa (MELO, 2000).
Todo esse contexto promoveu o surgimento de um conjunto de novos e complexos desafios
para os gerentes. Primeiramente, porque é por meio dos gerentes que se produz o conteúdo da
mudança; em segundo, porque faz parte da função gerencial o papel de transmissão no fluxo
das informações que são geradas pelas mudanças e disseminadas pela organização e, são as
práticas gerenciais que concretizam através de decisões e ações, o projeto de transformar a
realidade organizacional e alcançar os objetivos almejados.
Ressalta-se não somente as modificações no campo da função gerencial, mas ainda, a notória
inserção da mulher no mundo do trabalho, a qual tem sido parte importante dessas
transformações sociais. Nas palavras de Bernhoeft (2000), as mulheres pouco a pouco estão
ocupando seu devido espaço no mercado de trabalho e conquistando posições de destaque,
além de apresentarem características importantes e essenciais às exigências do mercado. Em
Belo Horizonte, os números demonstram essa tendência: redução no número de gerentes
masculinos e aumento no número de gerentes mulheres (MTE/RAIS, 1996 a 2006).
Tendência esta, também observada em todo o Estado Mineiro, ressaltando o setor de serviços
como um grande consumidor de mão-de-obra feminina. No entanto, as mulheres têm passado
por situações diferenciadas no que tange à sua inserção no mundo do trabalho, situações estas
aguçadas pelo sistema social e econômico vigente demarcado pelo patriarcalismo e o
capitalismo.
Estudos acerca das relações de gênero direcionam para inúmeros aspectos a serem analisados.
Alguns dos temas já analisados e que têm contribuído para a produção de um conhecimento
mais refinado no campo das relações de gênero podem ser mencionados, a saber: divisão
sexual e divisão internacional do trabalho, vida reprodutiva e produção, família e empresa,
movimento de operárias, práticas invisíveis de resistência de trabalhadoras, relação fábrica/
família/ religião, educação formal e mulher, gênero e classe social, lugar e imagem da mulher
na indústria, problema de identidade e cultura, trajetória social das mulheres, poder e
imaginário, entre outros.
Por outro lado, as representações no ambiente organizacional passam pelo desenvolvimento e
envolvimento dos indivíduos em um conjunto de práticas ideológicas anteriores à sua inserção
no mercado de trabalho, reforçadas pelo vivenciado nas organizações. Assim, o objetivo deste
artigo é analisar as relações e representações do feminino e masculino no trabalho gerencial,
na percepção dos gerentes de empresas do setor de serviços.
O artigo está estruturado em cinco outras seções, além desta introdução. Na segunda, é
apresentado o aporte teórico e a terceira seção apresenta os aspectos metodológicos da
pesquisa. A quarta seção apresenta uma análise sobre as representações do feminino e do
masculino no setor de serviços formalizada pelas conclusões e considerações finais geradas a
partir do trabalho, seguida das referências.
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2. Aporte teórico
2.1 Sobre as relações e representações de gênero nas organizações
O papel de gênero segundo Marodin (1997), é um conjunto de comportamentos sociais que se
esperam das pessoas de determinado sexo. Assim, a diferença de sexo distingue biológica e
anatomicamente homens e mulheres, e a diferença de gênero envolve aspectos psicológicos,
sociais e culturais da feminilidade e da masculinidade.
Para Bourdieu (1999) não se deve desprezar o fato de a construção dos gêneros envolver o
corpo, apesar da ênfase no caráter social das diferenças entre homens e mulheres. O autor
defende a existência de um processo contínuo e histórico de reprodução, cujas práticas e
estratégias determinam a construção social dos corpos. Esse trabalho coletivo de socialização
do biológico simultâneo ao de biologização do social – perpetuado por indivíduos e
instituições – resulta em aparências biológicas reais incutidas nos corpos e mentes que
mascaram a arbitrária divisão dos gêneros nas sociedades.
Por outro lado, um eixo comum a todas as perspectivas feministas foi identificado por Meyer
(1996): a relação de dominação entre homens e mulheres, constituída por uma análise sobre e
uma luta política pelo poder. O poder é utilizado pelo autor como um conceito que permite
mapear semelhanças, diferenças e limites no âmbito das correntes feministas. Segundo este
autor, ao se considerar o poder como um eixo comum para a análise das relações de gênero,
deve-se diferenciar as relações de poder das relações de dominação.
Segundo Cappelle et al. (2004), o conceito das relações de gênero deve ser compreendido
como produto da socialização e das distintas experiências vividas entre os diferentes sexos,
em função dos interesses dos grupos organizados no contexto das disputas sociais, ou seja, os
papéis de gênero são construções históricas, sociais e culturais, e nesse sentido, não se aplica
um conteúdo universal. Na visão destes autores, apesar das transformações nos papéis das
mulheres e dos homens, tanto no meio familiar e privado, quanto no meio de trabalho e
público, ainda existem e podem ser notados desequilíbrios entre o masculino e o feminino em
vários aspectos.
A partir destas ponderações, se insere o masculino e feminino como papéis de gênero, onde,
sem prescindir de sua natureza anatômica, irá privilegiar a categoria sexo desbiologizada e
integrada às redes de relações institucionais e culturais nas quais estão inseridos os sujeitos,
como também, a família. Para Goffman (1983) e Berger (1978) o conceito de papel abarca um
conjunto de prescrições e proscrições para determinada inserção no meio social. Assim sendo,
os papéis masculino e feminino configurariam tipificações do que seria pertinente ao homem
e a mulher num dado contexto, nos quais, englobaria as aprovações, as restrições, como ainda,
as proibições, sendo estas apreendidas e transmitidas ao longo de gerações e durante o
percurso da vida, desde o nascimento à fase adulta.
Goffman (1983) também assinala que nas interações sociais, os indivíduos buscam tanto
controlar como fiscalizar as impressões transmitidas. O autor esclarece ainda que, mais ou
menos consciente, o homem está sempre e em todo lugar, representando um papel. Nesse
sentido, aponta duas diferenciações básicas para as representações: a primeira, que o ator se
encontra totalmente imbuído de que a impressão de realidade que encena é a realidade
verdadeira, sendo, então, reconhecida como “sincera”, e a segunda, é denominada “cínica” e
está relacionada ao desempenho, na qual o ator desacredita no papel que está desempenhando,
e o utiliza para outra finalidade, a particular ou a comunitária. Deste modo, as diversas
máscaras adotadas no cotidiano, em variadas situações pode ser considerada como a
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concepção mais enraizada do que se deseja ser, a representação do mais íntimo desejo
(MELO, 1991).
Melo (1991, p. 96) aponta que os indivíduos ou atores não estão livres completamente e que,
de alguma forma “eles são cerceados pelo sistema racional prescritivo” e, enfatiza que o
sistema, de outro lado, tanto é influenciado, como “corrompido” pelas pressões e
manipulações dos indivíduos/atores na ação coletiva. A autora acrescenta ainda, que tanto as
representações, quanto as normas e valores, vistos como práticas sociais se organizam
tomando como referência as práticas sociais dominantes e determinantes.
A representação, portanto, não é uma impressão passivamente construída. Ela é tomada de
informação, o que lhe confere um papel ativo. Sua função é, principalmente, a
conceptualização da realidade, sendo um arranjo particular de concepções momentaneamente
construídas pelo indivíduo com a intenção de significar.
Também as teorizações sobre gênero carregam uma dimensão política e um desejo de
transformação social, o que favorece sua abordagem sob uma perspectiva crítica e politizada.
Pode-se, portanto, entendê-las por meio de elementos e discursos capazes de promover a
preponderância de um sexo sobre o outro e mediar contradições nas relações de poder entre os
agentes sociais em interação. Isso pode ser percebido inclusive nas organizações, onde as
relações de gênero estão inseridas nas disputas por promoções e cargos nas empresas e, que
muitas vezes, se usa como justificativa para a conquista de uma posição ou para o sucesso no
desempenho de uma função, o fato de um empregado ser homem ou mulher.
Para Melo (1991, p.54), as relações de trabalho tornaram-se, na prática, o „locus‟ privilegiado
de manifestações de relações de poder, assumindo formas diversas de expressão conforme as
relações de força existentes entre os grupos de interesse na sociedade e na própria empresa. A
autora defende que o poder só pode ser considerado na sua característica relacional, ou seja,
“a manifestação das relações de poder se dá numa relação contingente aos indivíduos e à
estrutura social na qual eles se encontram” (MELO, 1991, p.100). Diante desse pensamento,
torna-se necessário abordar o gênero como uma forma de expressão das relações de poder no
espaço organizacional, analisando as condições de sua emergência e os jogos de interesses
que as envolvem.
Nas organizações, as mulheres e os homens não devem ser vistos como sujeitos sob total
dominação e impedidos de ter reações e comportamento próprios, uma vez que se prevê que
as relações que engendram poder estão em constante transformação. Isso permite que eles
sejam capazes de deformar, transformar e desviar a configuração de suas relações de acordo
com seus propósitos e suas possibilidades.
Ao fazer considerações sobre o feminismo, Bertero (2006) apresenta-o como movimento que
vem produzindo a emancipação da mulher ou a sua equiparação ao homem, integrando-o
como processo de modernização organizacional. E, um elemento fundamental para que isso
ocorresse foi o ingresso feminino no mercado de trabalho e a conquista de direitos sociais e
políticos, ou seja, o questionamento e a transformação do campo social marcado pelo
patriarcalismo.
Portanto, ao buscar compreender o que está sendo construído pela sociedade atual acerca do
gênero, os avanços encontrados, as mudanças que ocorreram nos grupos, nas organizações,
nas sociedades, no governo, deve-se ter sempre em mente que gênero é uma construção social
e, como tal, depende de todos os envolvidos nessa construção.
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Sob esse foco, o setor de serviços apresenta-se com peculiaridades em relação aos demais
setores da economia, trazendo como característica maior participação da mulher no ambiente
organizacional.
2.2 O setor de serviços e a mulher no mercado de trabalho
As atividades de serviços não são sinônimos de ocupações terciárias (KON, 1996). As
primeiras englobam empresas ou estabelecimentos cuja atividade primordial consiste na
oferta de um serviço e está relacionada à noção estatística de ramo de produção. Já as
subsequentes correspondem a serviços de escritório que permeiam atividades industriais e
agropecuárias. Tendo em vista essa diferenciação, as empresas do referido segmento
usualmente podem estar inseridas em três classes, de acordo com as atividades que oferecem.
A primeira classe engloba atividades cujo produto do sistema é consumido no momento de
sua produção; a segunda ocorre quando o “produto do sistema é a informação ou energia que
pode ser estocada em algum equipamento para ser usada posteriormente”; já a terceira
abrange tarefas que auxiliam as práticas de outras empresas.
Algumas características são observadas como identificadores das atividades que permeiam
esse setor. Dentre elas, pode-se destacar as que se prestam a diferenciar os bens de serviços, a
saber: intangibilidade, intransportabilidade, inestocabilidade e simultaneidade da produção e
consumo (ANDRADE, 1994). Embora seja identificado, aponta-se ainda, a existência de
dificuldades para mensuração de suas atividades, fazendo do setor um segmento heterogêneo
e, que apresenta prejuízos na elaboração de bases estatísticas que o detalhem. Esse fato faz
com que diversas teorias discorram sobre o mesmo e nem sempre sigam a mesma linha de
raciocínio (MELO; ROCHA e FERRAZ, 1998).
No cenário atual, o setor de serviços vem assumindo papel cada vez mais importante na
economia mundial e nacional, tanto do ponto de vista da geração de renda e emprego, como
contribuição para a dinâmica econômica dos países. Segundo dados do IBGE (2003) Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, a participação no PIB (Produto Interno Bruto)
do setor de serviços, em âmbito nacional, situou-se em 44% em 2003. Em 2005 a participação
no PIB (Produto Interno Bruto) do setor de serviços, em âmbito nacional foi de 62% (IBGE,
2005) e, em 2007, apresentou variação positiva de 1,6% entre o terceiro e quarto trimestres
(IBGE, 2008). Deste modo, em decorrência de sua própria história evolutiva, o setor de
serviços desenvolveu uma característica singular ao tornar-se resistente aos momentos de
crise e recessão, oferecendo alternativas que permitem o funcionamento das atividades
econômicas, através da redução de custos.
Com o desenvolvimento e a modernização neste setor, vieram outros e novos postos de
trabalho. Entretanto, alguns dados levam a crer que existem diferenças significativas dentro
do setor quanto à utilização de pessoal, salário médio e porte das empresas. Por exemplo, o
setor de serviços prestados principalmente às empresas é o que apresenta a maior
remuneração média anual, com salários, retiradas e outras remunerações de quase R$ 21
bilhões no ano de 2003, porém, encontra-se em terceiro lugar no que diz respeito à receita
operacional. O sub-setor com menor remuneração média é o de serviços de reparação e
manutenção com R$ 1.706 415. No ano de 2005 ocorreu um aumento de quase R$ 27 bilhões
no que diz respeito à receita operacional. E o sub-setor com menor remuneração média foi
também o de serviços de reparação e manutenção com R$ 2.462.536 (IBGE, 2003; 2005).
Em relação à situação da mulher no mercado de trabalho, são observadas modificações
gradativas no decorrer dos anos. A mulher, antes compreendida na esfera privada, passou para
a esfera pública e acumulou funções sociais, sendo ela própria tanto agente de modificação da
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sociedade patriarcalista, como também objeto dessas mudanças. Estes aspectos colocam em
evidencia o novo papel da mulher, tanto na sociedade, como nas organizações modernas. No
setor de serviços isso não é diferente. Gradativamente, percebe-se sua inserção, inclusive nos
altos cargos executivos, que até bem pouco tempo atrás era quase que exclusivamente
ocupados por homens.
Nos dados oriundos da RAIS - Relação Anual de Informações Sociais, sobre a contagem do
número de postos ocupados no setor de serviços no Brasil, referente ao período de 1996 a
2006 o número de trabalhadores homens do setor de serviços caiu de 52,21% para 49,84%,
enquanto que o de trabalhadores mulheres passou de 47,79% para 50,16% (MTE/RAIS, 19962006). Em Belo Horizonte, os números apresentados seguem a mesma tendência: em termos
relativos houve redução no número de gerentes masculinos de 0,53%, e aumento no número
de gerentes mulheres de 0,53% (MTE/RAIS, 1996-2006).
Muito embora as sociedades ocidentais estejam progressivamente implementando e
operacionalizando o discurso igualitário entre gêneros em áreas como cultura, educação e
legislação, as mudanças são mais lentas quando se analisa a divisão hierárquica do trabalho. É
de senso comum a discriminação social sofrida pelas mulheres no seu dia-a-dia e,
principalmente, no mercado de trabalho, sendo consideradas mais frágeis e inferiores que os
homens. Todavia, apenas essa noção superficial do problema não é suficiente para mensurar o
alcance desse quadro de preconceitos e estereótipos construídos pelas práticas culturais e pelo
discurso machista, tampouco, para avaliar as mudanças sociais acarretadas pelas conquistas
femininas.
O referido quadro é manifesto de diferentes formas e não raro, marcado por discursos,
atitudes e comportamentos que refletem e reforçam as assimetrias de gênero presentes na
sociedade. Segundo Orlandi (2001), existe uma memória cultural que antecede a produção
imediata, ou seja, o que já foi dito e vivido antes, influencia fortemente o que se faz
atualmente. Assim sendo, as mudanças nos papéis sociais femininos e masculinos vêm
abalando os quadros de referência que norteiam as relações de gênero, o que contribui,
efetivamente, para promoção e reforço das representações acerca do trabalho feminino
presente em grande parte das organizações.
3. Aspectos metodológicos
Tendo em vista o caráter desta pesquisa em que foram estudadas as representações do
feminino e masculino no exercício da função gerencial, a abordagem selecionada foi a
qualitativa, visto que não relaciona os métodos estatísticos para compreender e explicar as
diversas percepções dos gerentes (TRIVIÑOS, 1987; RICHARDSON, 1999; COZBY, 2003).
Foram realizadas 64 entrevistas (semi-estruturadas), sendo 32 com mulheres gerentes e 32
com homens gerentes, em empresas de médio e grande porte do setor de informática e
telecomunicações, localizadas na Região Metropolitana de Belo Horizonte – MG. Todas as
entrevistas foram gravadas e transcritas preservando-se, na íntegra, o discurso dos gerentes. O
conteúdo das entrevistas foi agrupado em tabelas e analisado considerando-se a frequência
das respostas. Os dados foram tratados à luz das técnicas de análise de conteúdo (BARDIN,
1979; TRIVIÑOS, 1987; MINAYO, 1996; RICHARDSON, 1999; ORLANDI, 2001; MELO
et al, 2007).
4 Análise dos dados
4.1 Sobre as representações do feminino e do masculino no setor de serviços
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As representações sociais segundo Spink (1995) norteiam e limitam um universo de
possibilidades colocadas a disposição do indivíduo. Para o autor, elas não determinam
inteiramente as decisões tomadas pelo indivíduo, e sim, funcionam como um sistema de
interpretação da realidade que regula as relações dos indivíduos com seu meio ambiente físico
e social, orientando seus comportamentos e suas práticas.
Louro (1997) aponta que todos os discursos sociais produzem representações, e alguns
terminam por adquirir a autoridade do óbvio, do senso comum e da auto-evidência. A autora
complementa descrevendo que algumas dessas representações sociais são tão fortes que seu
status de representação acaba sendo suprimido, como no caso das relações de gênero, às quais
são constituídas por representações constantemente construídas e reconstitutivas, em
constantes movimentos de avanços e retrocessos. Essas características levam a acreditar que é
significativo valer-se da teoria das representações sociais para análise das relações de gênero
(CAPPELLE; CRAMER e PAULA NETTO, 2001; CRAMER et al., 2001).
De acordo com Swain (2001) ancoradas na memória discursiva de uma sociedade existem as
imagens do feminino, que por sua vez abarcam todo o discurso social construído
historicamente ao longo da formação dessa sociedade, e ao qual se remete quando da
elaboração de novos discursos sociais, conforme proposto por Maingueneau (1997). Estas
imagens tornam-se incorporadas às representações de mulheres atuais e acabam por reforçar e
justificar a divisão generificada do espaço social. O que se apresenta adiante é persistência de
uma representação social, onde fica destinado à mulher “o mundo do sentimento, da intuição,
da domesticidade, da inaptidão, do particular” e, ao homem, “a racionalidade, a praticidade, a
gerência do universo e do universal”. Tudo isso busca reafirmar e caracterizar a inferioridade
física e social, a incapacidade intelectual, a passividade, a sedução perversa e a dependência
do corpo e do sexo em relação à mulher frente às representações sociais do feminino
(SWAIN, 2001, p. 5).
No decorrer dos relatos dos gerentes no setor de serviços foram apreendidas distintas formas
de representação do masculino e do feminino em diferentes momentos.
Em alguns desses momentos, a mulher tem como referência, seja no âmbito profissional ou
social, o comportamento do homem para ser reconhecida. Isso ocorre tanto na visão do
homem, como da própria mulher gerente. De outro modo, essa equiparação, entre a mulher e
o homem, também conduz a uma maior inserção da mulher nas organizações, uma vez que
sinalizam que elas são capazes de desempenhar, em igualdade de condições, as mesmas
funções do homem.
Não acredito que a mulher tenha que ser mais competente, nem que o homem tenha
que ser mais competente. Acho que o estilo de um e de outro pode ser diferente, mas
o perfil tem que ser o mesmo, os requisitos têm que ser os mesmos. (M/26)
A mulher tem que ser uma profissional qualificada assim como o homem [...] Se ela
consegue se impor mostrando o conhecimento que ela tem para ocupar esse cargo,
eu não vejo que ela tem que ter algo a mais do que o homem [...]. (H/31)
Na visão dos entrevistados, diante de um ambiente hostil e de constante desafio para as
gerentes, algumas mulheres gerentes adotam atitudes para serem bem aceitas ou para
legitimar sua liderança perante os superiores, pares, subordinados e stakeholders da empresa
(13% das gerentes e apenas 3% dos gerentes), conforme Tabela 1. Para estes, em alguns
momentos a mulher tende a se masculinizar ou adotar posturas tipicamente masculinas e, em
outros, tende a se utilizar da feminilidade para conseguir seus objetivos na carreira. Para os
demais entrevistados (89%), a mulher não precisa adotar elementos masculinos em seu
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comportamento, ou mesmo diminuir alguns dos elementos femininos para obterem sucesso na
carreira gerencial.
Mulheres
Não adotam postura masculina
88%
Adotam postura masculina
13%
Não respondeu
0%
Fonte: Dados oriundos das entrevistas com gerentes
Homens
91%
3%
6%
Total
89%
8%
3%
Tabela 1 - Necessidade de a mulher adotar posturas ou comportamentos masculinos para obter sucesso na
carreira gerencial
Observou-se que as justificativas para a adoção de comportamentos masculinizados utilizados
pelas mulheres, estão pautadas na tentativa de evitar o assédio masculino e legitimar sua
autoridade perante homens, os quais tendem a contestá-la. O extrato a seguir ilustra esta
estratégia:
[...] Inconsciente, eu acho que a gente faz um pouco disso [riso]. Tem determinadas
situações que a gente tem que ser mais enérgica. Isso é difícil [...] acho que a gente
tem que adotar a postura masculina. (M/26)
Num outro sentido, as gerentes acabam adotando a forma masculinizada de se comunicar por
apreenderem as regras implícitas do meio social ao qual se integraram. Assim, elas assumem
o conjunto simbólico do ambiente, o qual, afirmam, é um ambiente masculino, ou seja,
cercado pelos valores pertencentes ao universo masculino.
Se eu respondesse que sim, eu responderia lamentando, lamentando muito. Mas é
sim, há casos que, talvez por estar ingressando em um universo muito dominado
pelo homem, a mulher acaba adotando uma postura mais rígida, com certos
posicionamentos até então ditos masculinos. (M/15)
O contraste do homem racional e prático versus a mulher emocional e indutiva foi uma das
representações também percebidas pelos gerentes. A imagem do homem frio e da mulher
emotiva perpassa o imaginário de gênero dos gerentes de informática e telecomunicações:
Mas a mulher tem um lado mais sentimental e o homem tem um lado prático. [...] a
mulher tem um lado indutivo, um lado sentimental, um lado sensível, que é da
característica humana dela, é física da mulher. Eu não sei explicar o porquê (M/01)
O homem comprovadamente tem um raciocínio mais aguçado do que as mulheres.
Há diversas pesquisas nesse sentido indicando ele tem essa facilidade. (H/09)
Essa representação da mulher como sendo menos racional e mais emotiva, com a intuição
mais aguçada que o homem é apontado como justificativa para o melhor relacionamento das
mulheres, no qual se preocupa mais e compreende melhor as pessoas, conquistando-as e
propondo melhores soluções.
As mulheres têm ma vantagem, elas conseguem lidar com as questões emocionais de
uma forma muito mais natural que os homens. Os homens, não sei se deve a uma
questão particular, se é devido à sua própria formação social, familiar, educacional,
é exigido uma posição muito mais assertiva nas suas decisões, e a mulher tem um
pouco mais de jogo de cintura com relação a lidar com vários problemas ao mesmo
tempo. (H/07)
Acho que a mulher tem mais jeito pra chegar, conversar, tratar as questões e lidar
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com as pessoas. [...] sempre usei disso [...]. (M/25)
Juntamente a essa visão, tem-se a representação da mulher descontrolada e susceptível a
variações de humor a qualquer momento. Em alguns momentos, tanto eles, como as
entrevistadas, as descrevem como tendo o lado emocional mais desenvolvido que o próprio
lado profissional e, outras vezes, fazem um elo ao fator social e cultural, assim, a mulher “dá
chilique” e homem tem “estresse”, mulher “chora”, homem “é mais estourado”, mas a mulher
“vai do oito ao oitenta” numa velocidade imperceptível:
Se eu um dia estiver mal e der um “piti”, no mínimo eu estou com TPM, no mínimo
eu estou com problema. A mulher dá chilique. Homem não, homem tem stress [...]
A sociedade está mais acostumada, e culturalmente isso é aceito. (M/22)
A gente fala que o homem é mais estourado, que estoura mais fácil, mas a mulher é
muito emocional. Ela às vezes também se exalta muito rápido e vai do oito ao
oitenta numa velocidade... Acho que é a diferença entre os sexos mesmo. (H/32)
A imagem da mulher ao realizar uma demissão foi compreendido como um momento crítico
para as elas próprias no exercício da função gerencial. Este momento foi apresentado como
uma tendência para a mulher se emocionar não tratando o assunto com tanto profissionalismo
quanto um homem.
Demitir é uma situação incômoda para a mulher que demite. A gente tem uma
sensibilidade um pouco mais aguçada que os homens. A gente não pode deixar de
considerar, que eles estão no poder a muitos anos [...] e a mulher tem muito pouco
tempo que está assumindo essas funções. (M/23)
A mulher tem um pouco mais de dificuldade em alguns aspectos, por exemplo,
demitir um funcionário [...]. (H/32)
O homem competitivo e ambicioso que pensa em subir na carreira em detrimento da mulher
que pensa em exercer suas funções com excelência no seu cargo surge como imagem
complementar a imagens de gênero apresentadas. Pelo fato de a mulher precisar legitimar a
sua liderança a cada instante, talvez se ocupe menos em planejar o seu futuro na organização e
mais em se estabelecer e firmar-se na função exercida.
Eu acho que para determinadas funções, principalmente em rotina, elas tem uma
capacidade tremenda de conseguir se concentrar naquilo, no objetivo da função. No
cargo de gerência elas se preocupam muito em atingir o objetivo daquela gerência.
Um pouco diferente dos homens. Eles estão mais preocupados em galgar mais
alguma coisa [risos do entrevistado], mais um posto dentro da empresa. As mulheres
quando atingem um cargo de gerência elas não estão preocupadas em subir mais um
pouco, elas estão preocupadas em fazer com que a gerência seja bem sucedida.
(H/09)
A mulher é mais concentrada no serviço, e isso pode até ser ruim para ela, mas para
quem está numa gerencia num nível superior, é muito tranqüilo [...]. Qual que é o
problema que eu vejo disso? Acho que ela fica muito presa a detalhes e deixa de
pensar grande. (M/ 22)
Outra representação percebida a respeito do feminino e do masculino é a do homem provedor
de recursos para a casa e da mulher dona de casa não habituada à vida pública. Essa
representação evoca alguns dos preceitos mais antigos da forma de organização social. Assim,
considera-se mais “natural” a presença masculina num cargo de gerência, pois este já exerce
essa função desde os primórdios do mundo do trabalho.
A mulher tem que buscar muito mais a condição do trabalho do que o homem teve,
porque o homem era quase que inerente. O homem trabalha no mercado, e a mulher
toma conta dos filhos e da casa. Então a mulher teve de trabalhar muito este lado pra
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conseguir, mostrar que ela dá conta. (M/01).
Existem algumas mulheres que são muito dedicadas ao trabalho [...] quero dizer: a
mulher pára para ter filhos, o homem não tem uma situação similar. Não tem uma
situação que de repente o homem vai parar para qualquer coisa, ou parar por ter uma
decisão pessoal na vida, tipo ter um filho, porque isso dá uma paralisada. (H/21).
Essa representação é ratificada pelas declarações que expressam prerrogativa de ocupação de
cargos de gerência por parte de homens como sendo o “normal”. Dessa forma, a liderança e a
autoridade masculinas são legitimadas sem dificuldades, a despeito da qualificação feminina.
Um comando vindo de um homem não é tão questionado quanto o de uma mulher.
A mulher tem que ser de fato capaz de ocupar. Homens não, às vezes eles não são
tão capazes e ocupam a função (H/15).
[...]a mulher às vezes acaba tendo que se impor um pouco mais pra se fazer ouvir, se
fazer aceitar, a gente vê aí, historicamente falando. Para o homem é normal estar no
cargo de gerente (M/22).
Essas representações dos gêneros, as quais são dicotômicas em sua maioria, exprimem
pensamentos estereotipados de mulheres e homens e implicam em atitudes que acompanham
essa ideologia, seja através de discursos, seja através da práxis.
Algumas dessas representações serão apresentadas a seguir: a representação da mulher
gerente pelas próprias mulheres e pelos homens e, a representação do homem gerente pelas
mulheres e pelos próprios homens.
Ao destacar a representação da mulher gerente pelas próprias mulheres, observou-se que a
mulher é vista como sendo mais flexível, companheira e amiga, detalhista e concentrada: “a
mulher é mais companheira, mais amiga, mais flexível, aceita conversar”, “as mulheres
entendem melhor, porque são mais detalhistas, eu sou muito detalhista”, “é mais concentrada
no serviço”, tendo, no entanto, o lado sentimental mais exacerbado e, o lado materno
aflorado: “eu vou ter que ter mais cuidado para falar porque ela chora, eu choro à toa”, “a
mulher ela briga mais, ela fofoca mais, dá chilique”, “se eu um dia estiver mal e der um “piti”,
no mínimo eu estou com TPM”, “tem uma sensibilidade um pouquinho mais aguçada, que os
homens”, “a mulher tem um lado mais sentimental”, “é mais delicada, mais frágil”, “tem um
lado indutivo, um lado sentimental, um lado sensível, que é da característica humana dela, é
física da mulher”, “é paciente, é menos explosiva”, “tem uma tendência a deixar aflorar muito
esse lado materno e querer ponderar demais”.
“A mulher tem se especializado, tem (se) mostrado, tem ganhado campo”, “estão estudando
mais”, “está tomando conta, está como camaleão: ela chega e (se) adapta logo”. Mas, “o
salário da mulher é mais baixo que o do homem”, além de “ser cobrada demais”, e “precisar
provar mais para que (lhe) seja dada uma chance”.
Ao destacar a representação da mulher gerente pelos homens, observou-se que a mulher é
percebida das seguintes formas: “a mulher hoje acordou, deixou daquele negócio de vou ser
dona de casa e passou a falar vou ser dona de empresa”, e “se deram muito bem”.
Para os gerentes entrevistados “as mulheres têm uma capacidade fantástica de saber motivar a
equipe, saber enfrentar problemas, saber lidar com problemas”, “tem uma característica que é
inerente a ela, de sensibilidade, que é fundamental para uma posição de liderança”. “As
mulheres são mais sensíveis, são mais detalhistas, são mais humanas”, “de uma maneira geral
eu sinto que elas são mais organizadas”. “Elas têm uma visão um pouco diferente do homem”,
“têm alguma vantagem porque conseguem lidar com as questões emocionais de uma forma
muito mais natural que os homens”. “As mulheres, no geral, são mais abertas, elas ouvem
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mais”, mas “A mulher acaba tendo que ter um esforço maior pra mostrar que ela tem
condições similares ao homem”.
A representação dos homens pelas mulheres gerentes entrevistadas mostra que “em gerências
exercidas por homens já começa a complicar e não aceita, às vezes, opinião feminina”, além
de “o homem ganhar no grito, na imposição. Se impõe”. “Às vezes os homens costumam ser
mais racionais e mais práticos. São menos delicados que a mulher”, “força física o homem
tem”. Desta forma, “a tendência é achar que na liderança deve estar um homem”. Enfim, “eu
acho que com o homem é mais fácil. Ele pode ter mil falhas e não vai ser testado”.
As representações do homem gerente na percepção dos próprios homens entrevistados
mostram que “o homem talvez tenha um pouco mais de dificuldade talvez em tratar algumas
situações pessoais, comportamentais, etc”, “é muito mais impessoal, já tem muito menos
aquele negócio de sentimento, já é muito mais profissional no tratamento”. Dos “homens, eu
não sei se deve aí a uma questão particular, se é devido só à sua própria formação social,
familiar, educacional, é exigida uma posição muito mais assertiva nas suas decisões”, “o
homem tem mais facilidade de entrar no mercado de trabalho”, mas ele “já é uma coisa mais
largada”. Assim, se a mulher gerente “tiver o mesmo perfil do homem, de termos de
capacitação, de liderança, é indiferente”, reforçando a representação da gerência como um
espaço masculino.
Essas representações dos gêneros, muitas vezes ratificadas por ambos, além de manifestarem
as prerrogativas de ocupação de cargos de gerência, exprimem pensamentos estereotipados de
mulheres e homem, refletindo em atitudes provocadas e advindas dessa ideologia, por vezes
através dos discursos, outras, da práxis gerencial.
5. Conclusões e considerações finais
No decorrer deste estudo pode-se observar uma variedade de respostas dadas pelos gerentes
entrevistados em relação às representações do feminino e masculino no exercício da função
gerencial. Não obstante, os relatos delinearam que as mulheres, pouco a pouco estão
ocupando um espaço no mercado de trabalho, conquistando posições de destaque, além de
apresentarem características importantes e essenciais às exigências das organizações atuais.
As distintas formas da imagem do masculino e do feminino que foram sendo construídas,
sinalizaram a inexistência de uma fronteira de separação bem definida, mas que se cruzam e
possuem pontos em comum, e que ao mesmo tempo, persiste sob os resquícios das bases da
antiga estrutura patriarcalista.
Em alguns desses momentos observou-se que a imagem da mulher teve como referência, o
comportamento do homem. Isso ocorreu na visão de ambos os gerentes, homens e mulheres,
pondo em evidência a representatividade da mulher enquanto ser que já tem previamente
destinado um comportamento: diferente do masculino, dotado de sabedoria. A mulher neste
caso deve basear-se nos feitos do homem, para “compreender e apreender”, como deve se
comportar para ser uma profissional reconhecida. Essa equiparação, entre a mulher e o
homem, além de conduzir a uma maior inserção da mulher nas organizações, pois valorizam
suas peculiaridades, vêm sinalizando que elas são capazes de desempenhar, em igualdade de
condições, as mesmas funções do homem.
O contraste de homem racional e prático versus a mulher emocional e indutiva, foi uma das
representações percebidas. Ao homem foi delegada uma imagem de frio e à mulher, de
emotiva, perpassando o imaginário de gênero dos gerentes. A representação da mulher como
sendo menos racional e mais emotiva que o homem, foi considerada uma justificativa para o
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melhor relacionamento das mulheres, que se preocupa mais e compreende melhor as pessoas,
conquistando-as e propondo melhores soluções.
Os gerentes entrevistados descrevem as mulheres como tendo o lado emocional mais
desenvolvido que o próprio lado profissional, além de mencionarem a representação da
mulher descontrolada e susceptível a variações de humor a qualquer momento. Outro
momento apontado como crítico para as mulheres, foi no período para realizar uma demissão.
Esta prática da função gerencial foi apresentada como a mulher com tendência para se
emocionar não tratando o assunto com tanto profissionalismo quanto um homem. Ainda com
essa mesma projeção da imagem feminina, percebeu-se uma tendência de indexação da
mulher a intrigas, fofocas e confusões, contribuindo para uma imagem diferenciada da
masculina.
A carreira foi considerada para o homem com aspectos de competitividade e ambição, ao
contrário da mulher que pensa em exercer suas funções com excelência. Isso apontou que a
mulher precisa legitimar a sua liderança a cada instante, e quem sabe se ocupe menos em
planejar o seu futuro na organização e mais em se estabelecer e firmar na função exercida. A
representação da mulher como mais concentrada nos objetivos de seu cargo foi identificada
quando algumas características femininas foram citadas, como exemplo a capacidade de lidar
com muitas variáveis simultaneamente e o fato de a mulher ser detalhista e perfeccionista.
Estas características colocaram a mulher ligada ao cargo, sem projeções mais ambiciosas,
colaborando na formação, de forma reducionista, da imagem feminina formada pelos
gerentes.
Outra representação percebida a respeito do feminino e do masculino é a do homem provedor
de recursos para a casa e da mulher dona de casa não habituada à vida pública. Essa
representação evoca alguns dos preceitos mais antigos da forma de organização social, que
considera “natural” a presença masculina num cargo de gerência, sinalizando resquícios
persistentes da antiga estrutura patriarcalista. Essa representação é ratificada pelas declarações
que expressam prerrogativa de ocupação de cargos de gerência por parte de homens como
sendo o “normal”. Dessa forma a liderança e a autoridade masculinas são legitimadas sem
dificuldades, a despeito da feminina.
Ressaltou-se que, apesar das mulheres estarem cada vez mais inseridas no mercado de
trabalho, demonstrando uma evolução na trajetória histórica e cultural, as representações
existentes acerca do trabalho feminino ainda promovem e reforçam o discurso machista
presente em grande parte das organizações. As imagens incorporadas às representações atuais,
muitas vezes, justificaram as atividades, ações, comportamentos, entre outros aspectos, das
mulheres, tanto para os homens, quanto para elas próprias, conduzindo a uma divisão
generificada do espaço social. Confirmando, que as imagens do feminino estão ancoradas na
memória discursiva de uma sociedade e, abarcam todo o discurso social construído
historicamente ao longo da formação dessa sociedade (SWAIN, 2001).
Tudo isso, de certo modo, conduz para uma reafirmação de dependência da imagem da
mulher, frente às representações sociais do feminino, em relação à imagem do masculino, por
ora, evidenciada por uma inferioridade física, social, incapacidade intelectual, passividade e
emotividade.
Finalmente, ao realçar as contribuições dos estudos de gênero para o reconhecimento e
aceitação das diferenças que marcam homens e mulheres, viu-se aqui, conforme delineado por
Peters (1998, p.6), uma evolução do “feminismo da igualdade” para o “feminismo da
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diferença” onde, as mulheres se distanciaram da busca pela igualdade e semelhanças entre
homens e mulheres, aproximando-se do reconhecimento e valorização de suas singularidades.
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