ESTADO DE MATO GROSSO
DEFENSORIA PÚBLICA
Missão: Promover assistência jurídica aos necessitados com excelência e efetivar a inclusão social, respaldada na
ética e na moralidade.
A DURAÇÃO RAZOÁVEL DO PROCESSO
Bruno Lima Barcellos
Assistente Jurídico da Defensoria Pública do Estado de Mato Grosso.
1. Introdução
O presente artigo tem por objetivo estabelecer
algumas considerações acerca da Emenda Constitucional n. 45/2004,
mormente com relação ao princípio da duração razoável do processo.
O que se percebe é o aprimoramento do sistema
processual, com o intuito de tornar mais ágil e célere a prestação jurisdicional,
com a inclusão do princípio em voga dentro do rol dos direitos fundamentais.
Introduzindo no ordenamento jurídico brasileiro com
status de princípio fundamental, como inciso LXXVIII do art. 5º, tendo em vista
ser a sua lavra do Poder Constituinte Derivado Reformador, o princípio
denominado "duração razoável do processo", visa assegurar a razoável
duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação
com vistas à efetividade da prestação jurisdicional.
Essa mudança, entretanto, não pode comprometer a
segurança jurídica. Os princípios da celeridade e da duração do processo
devem ser aplicados com observação dos princípios da razoabilidade e da
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proporcionalidade, assegurando que o processo não se estenda além do prazo
razoável e tampouco venha a comprometer a plena defesa e o contraditório.
Essa concepção aplica-se ao tempo no processo,
uma vez que a prestação jurisdicional apressada pode significar verdadeira
injustiça, pois a jurisdição exige reflexão. Com razão, Miguel Reale Júnior[1]
aduz que não há nada pior que a injustiça célere, que é a pior forma de
denegação de justiça. Por outro lado, o excesso de tempo na prestação
jurisdicional pode-se tornar até mesmo injustiça; como ensina Rui Barbosa[2], a
justiça atrasada não é justiça, senão injustiça qualificada e manifesta.
2. A efetividade da prestação jurisdicional e as reformas anteriores à
Emenda Constitucional n. 45/2004
A possibilidade de se obter a tutela jurisdicional em
tempo razoável confunde-se em grande parte com a efetividade do processo. A
morosidade processual apresenta-se como uma das principais causas de
descrédito do Judiciário. É notório o entendimento de que "justiça tardia não é
justiça". Cidadãos que buscam a tutela jurisdicional sentem-se, em muitos
casos, desprestigiados, inclusive com a sensação de injustiça.
A
respeitabilidade
e
confiabilidade
no
Poder
Judiciário estão ligadas a uma resposta rápida e eficaz nas lides ajuizadas.
Humberto Theodoro Júnior ensina: "A primeira grande conquista do Estado
Democrático é justamente a de oferecer a todos uma justiça confiável,
independente, imparcial e dotada de meios que a faça respeitada e acatada
pela sociedade"[3].
Adiante, o mesmo e festejado autor acrescenta: "O
processo,
instrumento
de
atuação
de
uma
das
principais
garantias
constitucionais - a tutela jurisdicional -, teve de ser repensado. É claro que, nos
tempos atuais, não basta mais ao processualista dominar os conceitos e
categoriais básicos do direito processual, como a ação, o processo e a
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jurisdição, em seu estado de inércia. O processo tem, sobretudo, função
política no Estado Social de Direito. Deve ser, destarte, organizado, entendido
e aplicado como instrumento de efetivação de uma garantia constitucional,
assegurando a todos o pleno acesso à tutela jurisdicional, que há de se
manifestar sempre como atributo de uma tutela justa"[4].
Com o intuito de tornar mais célere e efetiva essa
prestação, foram ao longo dos anos promovidas reformas processuais, dentre
as quais pode-se destacar a publicação das Leis n. 10.352 e 10.358, de 2001,
e 10.444, de 2002. A edição da Lei n, 10.352, de 26 de dezembro de 2001, é
um exemplo, pois promoveu alterações consideráveis nos recursos, tornando
mais simples, rápida e eficiente a resposta do Judiciário, sem olvidar da
segurança e justiça da decisão a ser prolatada.
O agravo de instrumento, com a publicação da lei
supramencionada, teve as hipóteses de cabimento reduzidas e, em certos
casos, somente possibilitou ao recorrente a interposição do agravo na forma
retido, tendo a possibilidade de o juiz converter o agravo de instrumento em
agravo retido, de acordo com a análise do caso em concreto.
Além disso, a reforma também minimizou o papel do
duplo grau de jurisdição, possibilitando ao juiz conhecer do mérito da demanda
nos casos de reforma da decisão que no juízo a quo extinguiu o processo sem
o exame do mérito, nos termos do § 3º do art. 515 do Código de Processo Civil,
acrescentado pela reforma.
Também se reduziram as hipóteses de cabimento
dos embargos infringentes, tendo por objetivo a celeridade do processo.
O ordenamento também foi modificado com a
entrada em vigor do art. 461-A do CPC, que possibilitou ao juiz criar condições,
dentro do processo, para que ao réu pareça mais vantajoso cumprir a
obrigação in natura do que submeter-se às sanções decorrentes de sua
omissão. No caso de não-cumprimento da obrigação no prazo estabelecido
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expedir-se-á mandado de busca e apreensão ou imissão na posse, em se
tratando de coisa móvel ou imóvel.
Ainda com a reforma, a intervenção de terceiros foi
limitada nos processos de procedimento sumário, salvo os casos de
assistência, o recurso de terceiro prejudicado e a intervenção fundada em
contrato de seguro. Possibilitou, ainda, no caso de a parte requerer, a título de
antecipação de tutela, e estando ausente os requisitos ensejadores para a
concessão, o deferimento, pelo juiz, da providência cautelar em caráter
incidental no processo.
A hodierna ciência jurídico-processual vislumbra a
instrumentalidade do processo, sem, contudo, negar sua autonomia científica,
percebendo a sua importância no cenário jurídico de segurança para a
sociedade, e ainda mais porque é através do processo que se assegura a
aplicação do direito material.
Luiz Guilherme Marinoni e Sérgio Cruz Arenhart
ensinam que "o direito de acesso à justiça exige que o Estado preste a
adequada tutela jurisdicional que, para esses autores, significa, também, a
tutela estatal tempestiva e efetiva". Segundo sustentam "há tutela adequada
quando, para determinado caso concreto, há procedimento que pode ser dito
adequado, porque hábil para atender determinada situação concreta, que é
peculiar ou não a uma situação de direito material" [5].
ADA
PELLEGRINI
GRINOVER
e
MAURO
CAPPELLETTI destacam que o acesso à justiça pode ser considerado o direito
mais importante, "na medida em que dele depende a viabilização dos
demais"[6].
Para LUIZ RODRIGUES WAMBIER, a efetividade
que se requer das decisões emanadas da atividade jurisdicional do Estado
"vale dizer que o direito ao processo significa direito a um processo cujo
resultado seja útil em relação à realidade dos fatos. Não se trata, é claro, de
um processo fantasioso, que não desemboque numa efetiva prestação do
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serviço tutelar jurisdicional. O processo sem efetividade desrespeita o princípio
do due processo of law" [7].
Sem dúvida, as reformas anteriores estabelecidas
pelas leis citadas contribuíram para dar maior efetividade ao processo,
preparando o campo para que se reduzisse o tempo gasto até a efetiva
prestação jurisdicional.
3. Natureza jurídica
É de suma importância a descoberta da natureza
jurídica de um instituto, uma vez que orienta o aplicador do direito em sua
conduta, ou seja, a natureza jurídica de um instituto jurídico busca o que ele
representa no mundo jurídico, qual a sua essência.
Por estar catalogada dentro do rol do art. 5º da
CRFB/88, LXXVIII, a razoável duração do processo, com certeza, é um direito
fundamental, além de ser um verdadeiro direito público subjetivo, autônomo, de
índole constitucional.
4. Efetividade e segurança jurídica
A segurança jurídica é um dos principais institutos
que fazem com que a marcha do processo fique limitada. Para afastar a
possibilidade da prática de uma injustiça, impõe-se um procedimento
essencialmente lento e entremeado de incidentes que o desvia do curso
normal. A crítica que se faz é que a maioria desses incidentes é inoportuna e
visam emperrar a marcha regular do processo; todavia as normas processuais
atuais permitem ao julgador afastar aqueles que têm apenas o fito de
procrastinar a prestação jurisdicional final.
A lentidão do resultado pretendido com a prestação
da tutela jurisdicional é expediente alcançado por aqueles que exploram
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indevidamente as possibilidades oferecidas pelo sistema para esquivar-se da
aplicação concreta da lei, e, sem dúvida, o desnaturamento das finalidades
instrumentalistas de institutos de âmbito processual acaba por transformar-se
em fator de insegurança jurídica.
Assim, cada vez mais se exige do Juiz - a título de
bem conduzir o processo - indeferir diligências desnecessárias, bem como ao
Tribunal o não-conhecimento de recursos meramente protelatórios.
Os princípios da celeridade e da duração razoável
do processo devem ser aplicados concomitantemente aos princípios da
razoabilidade e da proporcionalidade, de modo que o trâmite do processo não
se estenda além do razoável, e tampouco se agilize a ponto de comprometer a
ampla defesa e o contraditório, o que provavelmente poderá trazer prejuízos a
uma das partes.
Desta feita, as legislações mais modernas deverão
ser criadas tendo como paradigma a observação do princípio constitucional do
devido processo legal.
Segundo FRANCISCO FERNANDES DE ARAÚJO,
a razoabilidade do prazo "deve estar vinculada com a emergência que toda
pessoa tem de uma imediata ou breve certeza sobre a sua situação jurídica.
(...) O ideal seria obedecer aos prazos previstos pela própria lei, pois se o
legislador os adotou já foi de caso pensado e não aleatoriamente. Contudo,
considerando determinados fatores surgidos posteriormente à edição da lei, é
possível que venham a dificultar um pouco mais a entrega da prestação
jurisdicional nos prazos fixados, nascendo, então, uma certa dificuldade para
fixar o que seria um prazo razoável para cada caso concreto" [8].
5. Direito fundamental à duração razoável do processo
5.1. Duração razoável do processo e devido processo legal
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Inserto entre os direitos e garantias fundamentais
(CF, art. 5.º, LIV), o devido processo legal é o princípio fundamental do
processo, entendido como a base sobre a qual todos os outros se
sustentam[9].
Uma das "projeções" do due process of law é o
princípio da celeridade ou o direito fundamental à duração razoável do
processo, reconhecido primordialmente na "Convenção Européia para
Salvaguarda dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais",
subscrita em Roma, em 4 de novembro de 1950[10].
Reza o art. 6° da Convenção Européia: "Direito a um
processo equitativo. 1. Qualquer pessoa tem direito a que a sua causa seja
examinada, equitativa e publicamente, num prazo razoável por um tribunal
independente e imparcial, estabelecido pela lei, o qual decidirá, quer sobre a
determinação dos seus direitos e obrigações de carácter civil, quer sobre o
fundamento de qualquer acusação em matéria penal dirigida contra ela".
(grifamos)
Influenciada pelo pacto europeu, a "Convenção
Americana sobre Direitos Humanos"[11] também cuidou do devido processo e
da celeridade em seu art. 8º, in verbis: "Toda pessoa tem direito a ser ouvida,
com as devidas garantias e dentro de um prazo razoável, por um juiz ou
tribunal competente, independente e imparcial, estabelecido anteriormente por
lei, na apuração de qualquer acusação penal formulada contra ela, ou para que
se determinem seus direitos ou obrigações de natureza civil, trabalhista, fiscal
ou de qualquer outra natureza". (grifamos)
A doutrina processualista já se ocupava da agilidade
na prestação jurisdicional a partir do devido processo legal ao tratar do
princípio da brevidade, de acordo com as lições de Moacyr Amaral Santos, "o
interesse público é o de que as demandas terminem o mais rapidamente
possível, mas que também sejam suficientemente instruídas para que sejam
decididas com acerto"[12].
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5.2. O caráter dúplice do direito fundamental à duração razoável do
processo
Observa-se que a duração razoável do processo é
conceito vago e que depende da análise de critérios tais como "a complexidade
da causa, o comportamento das partes e a atuação dos órgãos estatais, não só
os órgãos jurisdicionais diretamente envolvidos em um dado processo, mas
também, de um modo geral, as autoridades administrativas e legislativas, a
quem incumbe a responsabilidade de criar um sistema judicial ágil, inclusive
dotado de aparato material necessário"[13].
Disto
resulta
o
caráter
dúplice
desse
direito
fundamental, pois se manifesta como direito individual e, simultaneamente,
prestacional, conforme a dicção do inciso LXXVIII, acrescentado pela Emenda
n. 45 ao art. 5º da Constituição Federal: "a todos, no âmbito judicial e
administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios
que garantam a celeridade de sua tramitação". (grifamos)
6. A concretização do direito fundamental à duração razoável do processo
6.1. A atuação do órgão jurisdicional
Conforme se demonstrou, a característica essencial
dos direitos fundamentais é a sua aplicabilidade imediata, com o que se vincula
a atuação dos órgãos do Estado. Daí por que a concretização do direito
fundamental à duração razoável do processo prescinde da edição de novos
diplomas legislativos e se impõe em face da legislação infraconstitucional
contrária às garantias por ele asseguradas.
A proteção ao direito fundamental à duração
razoável do processo depende, portanto, de medidas judiciais destinadas a
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garantir sua realização, especialmente aquelas baseadas no poder diretivo do
magistrado, além das medidas ressarcitórias, ligadas à reparação de danos
ocasionados por sua violação[14].
6.2. O sistema de proteção internacional de direitos humanos
Como alternativa, quando a lentidão processual
resultar em danos significativos à parte, restará ainda aos jurisdicionados
recorrer ao sistema de proteção internacional dos direitos humanos, por meio
da Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), da Organização dos
Estados Americanos (OEA), com base no art. 8º do Pacto de San Jose da
Costa Rica.
Foi o que ocorreu no Brasil, onde um credor de
precatório alimentar do Estado de São Paulo denunciou à CIDH a violação aos
seus direitos fundamentais, especialmente ao direito à duração razoável do
processo. Essa denúncia, que poderá resultar na condenação do País pela
Corte Interamericana de Direitos Humanos, já produziu relevantes efeitos
políticos através da mídia.
7. Princípio do prazo razoável do processo - considerações gerais
Com a entrada em vigor da Emenda Constitucional
n. 45/2004 a efetiva prestação jurisdicional foi erigida a princípio fundamental,
pois foi acrescentado o inciso LXXVIII ao art. 5º da Carta Magna - o princípio
do prazo razoável do processo -, verbis: "a todos, no âmbito judicial e
administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios
que garantam a celeridade de sua tramitação".
Entretanto, há quem entenda que já havia no
ordenamento jurídico pátrio a previsão, não expressa, dos institutos da
razoável duração do processo bem como da celeridade processual. Alexandre
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de Moraes[15] afirma que "essas previsões - razoável duração do processo e
celeridade processual -, em nosso entender, já estavam contempladas no texto
constitucional, seja na consagração do princípio do devido processo legal, seja
na previsão do princípio da eficiência aplicável à Administração Pública (CF,
art. 37, caput)".
Mas, cabe aqui acrescentar que o referido princípio
foi introduzido expressamente pelo Pacto Internacional dos Direitos Civis e
Políticos que entrou em vigor em 24 de abril de 1992. O Pacto Internacional foi
adotado pela XXI Sessão da Assembléia Geral das Nações Unidas em 16 de
dezembro de 1966. O Congresso brasileiro aprovou o texto do diploma
internacional (Pacto) por meio do Decreto Legislativo n. 226/91, sendo a carta
de adesão depositada em 24 de janeiro de 1992; é o que prescreve o Decreto
presidencialista n. 592, de 6 de julho de 1992, passando a vigorar três meses
após, ou seja, em 24 de abril de 1992. Sabe-se que o Tratado foi recepcionado
pelo ordenamento jurídico como lei ordinária e, desta feita, não teve muita
efetividade.
Seguindo a esteira do nobre doutrinador acima
mencionado, tem-se a posição de André Luiz Nicolitt[16], que afirma: "Desta
forma, percebe-se que o direito a um processo em tempo razoável é um direito
correlato ao direito do devido processo ou ao processo justo e eqüitativo. Em
outras palavras, o processo com duração razoável nada mais é do que uma
conseqüência lógica do devido processo, ou mesmo um aspecto deste".
Percebe-se que o princípio da duração razoável do
processo era corolário do princípio do devido processo legal; contudo, após a
Reforma do Judiciário (EC n. 45/2004) o que houve foi o atingimento do
primeiro, tema deste artigo, à categoria de princípio constitucional fundamental,
que ganha sem dúvida novo realce.
Os motivos que levaram o legislador a erigir a
questão do tempo do processo ao nível de garantia fundamental demonstram a
insatisfação da sociedade com a prestação da tutela jurisdicional e o
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entendimento de que a jurisdição não deve ser apenas "prestada" pelo Estado
como decorrência do direito de ação, mas que a tutela jurisdicional deve ser
efetiva, tempestiva e adequada, sendo atribuição do Estado alcançar esse
objetivo.
Cumpre registrar, ademais, que não basta a tutela
formal do direito. É necessário que sejam colocados à disposição os meios
concretos que permitam que a norma venha a atingir o efeito desejado - a
efetividade do processo - com a conseqüente redução do prazo de duração
entre o ajuizamento do pedido e a eficaz prestação jurisdicional.
As recentes alterações no cenário social da
atualidade caracterizam-se pelo surgimento de novos e outros direitos e,
portanto, novas demandas, exigindo que o Estado esteja suficientemente
preparado para enfrentar os desafios da sociedade contemporânea, de forma a
garantir a plena efetivação dos direitos consagrados.
Nesse sentido, SILVA PACHECO afirma que, "após
a Carta das Nações Unidas de 1945 e a Declaração Universal dos Direitos de
1948, vem crescentemente se concretizando a tendência de convenções
internacionais e processos de integração global e regional como incremento
dos direitos sociais, econômicos, culturais, ecológicos, indispensáveis à
dignidade e ao livre desenvolvimento da personalidade humana. A doutrina,
cada vez mais intercomunicante, passou a focalizar novas nuances do
fenômeno jurídico e os ordenamentos dos países, inclusive do nosso,
ampliaram a previsão de direitos, com o reconhecimento de todos eles,
inclusive dos transindividuais, coletivos ou difusos e de interesses individuais
homogêneos, além dos tradicionais. Para a sua defesa, tornou-se preciso
permitir
o
acesso
à
justiça
de
legitimados
autônomos,
alargando,
racionalmente, o campo da legitimidade, principalmente na esfera processual e,
outrossim, dilatando o conceito de direito subjetivo, para abranger não só o
direito que tenha um sujeito determinado como também o sujeito indeterminado
e, ademais, estendendo o próprio conceito de sujeito de direito. Se existem
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direitos difusos, de que sejam titulares pessoas indeterminadas e ligadas por
circunstâncias de fato, ou direitos coletivos, de que seja titular grupo, categoria
ou classe de pessoas vinculadas por uma relação jurídica básica, há de se
admitir, necessariamente, que exista quem os defenda. Assim, atualmente,
pode-se pleitear a tutela jurisdicional quando houver ameaça ou lesão a direito
de qualquer natureza, que seja direito subjetivo, no sentido tradicional, de
interesse legitimamente protegido de sujeito determinado, quer seja de direito
individual homogêneo, direito transindividual, coletivo, ou difuso"[17].
Nessa nova perspectiva o Estado deve preparar-se
a fim de que possa atender às novas demandas que lhe são impostas, vindo a
obter êxito no atendimento das lides que lhe são direcionadas e tendo como
tarefa essencial garantir o pleno acesso à justiça.
Cumpre registrar que não há fixado o que seria
exatamente o prazo razoável de um processo. Segundo FRANCISCO
FERNANDES DE ARAÚJO, seria a correta observação dos prazos, evitando as
etapas mortas do processo, verbis: "Dilações indevidas, aqui, devem ser
entendidas como ‘atrasos ou delongas que se produzem no processo por nãoobservância dos prazos estabelecidos, por injustificados prolongamentos das
etapas mortas que separam a realização de um ato processual do outro, sem
subordinação a um lapso temporal previamente fixado, e, sempre, sem que
aludidas dilações dependam da vontade das partes ou de seus mandatários’
"[18].
Para
RUBENS
CASARA
e
MYLÈNE
G.
P.
VASSAL[19], há necessidade de se fixar um prazo em lei. Afirmam: "O dever
legal de se fixar por lei o prazo de duração razoável da relação jurídica deriva
da própria natureza do Estado Democrático de Direito. Assim, somente após a
manifestação dos representantes do povo, e em obediência aos princípios da
legalidade e do devido processo legal se estará dando integral cumprimento ao
estabelecido no diploma de direitos humanos".
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Outro autor que se envereda por este mesmo
caminho é AURY LOPES JR.[20], que afirma: "as pessoas têm direito de saber,
de antemão e com precisão, qual o tempo máximo que poderá durar um
processo concreto... É inerente às regras do jogo... é uma questão de
reconhecimento de uma dimensão democrática da qual não podemos abrir
mão".
Concluindo,
HUMBERTO
THEODORO
JÚNIOR
adverte: "A lentidão da resposta da Justiça, que quase sempre a torna
inadequada para realizar a composição justa da controvérsia. Mesmo saindo
vitoriosa no pleito judicial, a parte se sente, em grande número de vezes,
injustiçada, porque justiça tardia não é justiça e, sim, denegação de justiça"[21].
8. Conclusão
Com a introdução do prazo razoável na prestação
jurisdicional como princípio constitucional surge o compromisso do Estado para
com o cidadão, a fim de dar maior efetividade ao processo, em respeito ao
direito fundamental de acesso à justiça, que merece ser festejado. Sua
importância destaca-se como pressuposto para o exercício pleno da cidadania
nos Estados Democráticos de Direito, garantindo aos cidadãos a concretização
dos direitos que lhes são constitucionalmente assegurados.
A demora na prestação jurisdicional causa às partes
envolvidas ansiedade e prejuízos de ordem material a exigir a justa e adequada
solução em tempo aceitável. Algumas modificações recentes promovidas no
Código de Processo Civil já tiveram por objetivo tornar mais célere e efetiva a
prestação jurisdicional.
Entretanto, para que o princípio do prazo razoável
do processo tenha a aplicação efetiva é necessária sua regulamentação, e
espera-se uma estruturação do Estado, com a destinação de verbas para
investimento de ordem estrutural no Poder Judiciário, com a aquisição de
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equipamentos e a contratação de pessoal suficiente para atender de forma
satisfatória aos cidadãos.
A Reforma do Judiciário inclina-se à necessidade de
mudanças nas legislações vigentes a fim de adaptar-se ao novo rumo que o
princípio do prazo razoável do processo requer.
Assim, entende-se que a reforma produzida pela
Emenda Constitucional n. 45/2004, no que se refere ao princípio do prazo
razoável do processo, apenas apontou o caminho para se pensar em um novo
processo, mais célere e efetivo. Muitas mudanças ainda serão necessárias
para a sua completa aplicação pelos operadores do direito, de forma coerente,
com observação do princípio implícito da razoabilidade e proporcionalidade.
9. Referências bibliográficas
ARAÚJO,
Francisco Fernandes de.
Do
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razoável na prestação jurisdicional.
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[2] Apud (dentre outras citações) GOMES, Vitor
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Disponível
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[3] Revista Síntese de Direito Civil e Processual Civil,
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[4] Revista Síntese, cit., p. 22-23.
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[5] MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio
Cruz. Manual do processo de conhecimento, São Paulo: Revista dos Tribunais,
2001.
[6] GRINOVER, Ada Pellegrini. Novas tendências do
direito processual. São Paulo: Forense Universitária, 1990, p. 244.
[7] WAMBIER, Luiz Rodrigues. Liminares: alguns
aspectos polêmicos. In: Repertório de Jurisprudência e Doutrina sobre
Liminares. Coordenação de Teresa Arruda Alvim Wambier. São Paulo: Revista
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[8] ARAÚJO, Francisco Fernandes de. Do prazo
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[9] NERY JUNIOR, Nelson. Princípios do processo
civil na Constituição Federal. 7. ed. rev. e atual. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2002, p. 32.
[10] Convenção Européia para Salvaguarda dos
Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais: subscrita em Roma, em 4
de novembro de 1950: com as modificações introduzidas pelo Protocolo n. 11.
Disponível
em:
<http://www.echr.coe.int/Convention/webConvenPOR.pdf>.
Acesso em: 27 jul. 2004.
[11] Pacto de San José da Costa Rica (Promulgado
pelo Decreto n. 678, de 9 de novembro de 1992).
[12] SANTOS, Moacyr Amaral. Primeiras linhas de
direito processual civil, p. 298.
[13] Critérios definidos pela Corte Européia dos
Direitos do Homem (European Court of Human Rights). Disponível em:
<http://www.echr.coe.int/>. Acesso em: 27 jul. 2004.
ESTADO DE MATO GROSSO
DEFENSORIA PÚBLICA
Missão: Promover assistência jurídica aos necessitados com excelência e efetivar a inclusão social, respaldada na
ética e na moralidade.
[14] GUERRA, Marcelo Lima. Direitos fundamentais
e a proteção do credor na execução civil. São Paulo: Revista dos Tribunais,
2003, p. 82.
[15] MORAES, Alexandre de. Constituição do Brasil
interpretada. 6. ed. São Paulo: Atlas, p. 456.
[16] LUIZ NICOLITT, André. A duração razoável do
processo. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006.
[17] PACHECO, José da Silva. Evolução do
processo civil brasileiro. 2. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 1998.
[18] ARAÚJO, Francisco Fernandes de. Do prazo
razoável
na
prestação
jurisdicional.
Disponível
em:
<http://kplus.cosmo.com.br/materia.asp?co=15&rv=Direito>. Acesso em: 17
out. 2005.
[19] CASARA, Rubens; VASSAL, Mylène G. P. O
ônus do tempo no processamento: uma abordagem à luz do devido processo
legal interamericano. Radicalização Democrática - Revista do Movimento da
Magistratura Fluminense pela Democracia, Rio de Janeiro: Lumen Juris, n. 1, p.
127-128, 2004.
[20] LOPES
JR., Aury.
Introdução
crítica
ao
processo penal: fundamentos da instrumentalidade garantista. Rio de Janeiro:
Lumen Juris, 2004, p. 113.
[21]
THEODORO
JÚNIOR,
Humberto,
Síntese de Direito Civil e Processual Civil, ano VI, n. 36, jul./ago. 2005.
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