COMARCA DE PORTO ALEGRE
VARA CÍVEL DO FORO REGIONAL PARTENON
AV. Cel. Aparício Borges, 2025
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Processo nº:
Natureza:
Autor:
Réu:
001/1.14.0018887-4 (CNJ:.0000861-57.2014.8.21.3001)
Indenizatória
Silvarina Rocha dos Santos
Altayr Venzon
Maria Angélica Queiroz Rodrigues
Juiz Prolator:
Data:
Juíza de Direito - Dra. Nelita Teresa Davoglio
17/10/2014
Vistos etc.
SILVARINA ROCHA DOS SANTOS ajuizou AÇÃO INDENIZATÓRIA C/C
RESTITUIÇÃO DE VALORES em face de ALTAYR VENZON E MARIA ANGÉLICA
QUEIROZ RODRIGUES, narrando que contratou verbalmente os réus para a prestação de
serviços advocatícios, consistente em propositura e acompanhamento de inventário de seu
falecido marido. Afirmou que o inventário deveria ter sido aberto em 2006, mas somente
houve início dos trabalhos em 2011, tendo a autora adiantado valores durante todos esses
anos, que somaram a quantia de R$ 53.000,00, não havendo contraprestação dos serviços
contratados. Sustentou que os réus apossaram-se dos valores pagos e renunciaram o
mandato no processo de inventário. Requereu a condenação dos réus ao pagamento de
indenização a título de dano moral e a restituição dos valores pagos a títulos de honorários
advocatícios e despesas processuais referentes ao inventário. Por fim, pediu a procedência
da ação, com a condenação dos réus aos ônus sucumbenciais. Pediu o benefício da
gratuidade. Juntou procuração e documentos (fls. 08/66).
Emendou a inicial à fl. 69.
Deferida a Assistência Judiciária Gratuita e retificado o valor da causa para R$
85.600,59 (fl. 79).
O corréu Altayr contestou a ação às fls. 86/89, negando qualquer relação com a
autora ou com a corré, asseverando não ter atuado no processo referido na inicial. Aduziu
que não são suas as assinaturas constantes dos recibos juntados pela autora, as quais
foram falsificadas pela corré, que esta nuca trabalhou em seu escritório, bem como teve sua
inscrição na OAB suspensa por mais de sete anos. Disse que um dos procuradores da
autora não firmou a inicial. Juntou documentos (fls. 90/98).
A corré Maria Angélica contestou às fls. 114/116, alegando, preliminarmente, ser
parte ilegítima para figurar no polo passivo da demanda, pois era apenas funcionária do
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corréu, sem qualquer relação com a cobrança de honorários advocatícios. No mérito,
afirmou que trabalhava para o corréu, não tendo poderes para cobrar os clientes do
escritório, discorrendo sobre a relação entre os réus. Pediu o acolhimento da preliminar de
ilegitimidade passiva e a improcedência dos pedidos da inicial, e a condenação do corréu
em litigância de má-fé. Juntou documentos (fls. 117/130).
A autora replicou (fls. 100/102 e 131/133).
Intimadas sobre a produção de provas, a autora e o corréu manifestaram não ter
interesse (fls.136/137), silenciando a corré (fl. 137v).
Vieram os autos conclusos para sentença.
É O RELATO.
PASSO A DECIDIR.
Primeiramente, a representação processual da autora está regular, bem como a
inicial, que foi assinada por um dos procuradores constituídos, dispensável ser firmada por
todos os advogados.
As preliminares de ilegitimidade passiva suscitadas pelos réus confundem-se com
o mérito e com este serão examinadas.
Da análise dos autos observo que a autora contratou os réus, ambos advogados,
para dar abertura do inventário dos bens deixados por seu marido, Milton Cunha da Rocha.
Aduziu que o inventário deveria ter sido aberto em 2006, mas a ação somente foi ajuizada
em 2011, muito embora os réus tenham exigido pagamentos desde 2006, supostamente
para pagar custas do inventário, totalizando R$ 52.247,00.
Os réus, na defesa, limitaram-se a alegar ilegitimidade passiva, atribuindo-se
reciprocamente a responsabilidade pelo inventário. O réu alegou que a corré nunca
trabalhou em seu escritório e que teria falsificado sua assinatura nos recibos. A corré, por
sua vez, disse que era apenas funcionário do réu, sem qualquer responsabilidade pelos
valores recebidos.
Os réus não negam o recebimento dos valores referidos na inicial, nem impugnam
os documentos juntados pela autora, bem como não se defenderam da alegação de
apropriação indébita de ditos valores. A defesa de ambos está centrada na alegação de
ilegitimidade passiva, que desde logo adianto, vai afastada.
Com efeito, através do documento de fl. 60 é possível constatar que o inventário foi
ajuizado em 29/11/2011 e que ambos os réus atuaram como procuradores da
autora/inventariante, como se vê na movimentação do Sistema Themis, onde consta o
nome de ambos na nota de expediente. Além disso, o réu renunciou à procuração
outorgada pela autora no inventário em 09/08/13 (fl.13), o que afasta qualquer dúvida
acerca de sua atuação no feito.
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Além disso, embora o réu assegure nunca ter trabalhado em conjunto com a ré,
há comprovação nos autos de que a ré trabalhava em seu escritório, como sua funcionária,
no período de nov/2007 a junho/2011, como comprova a CTPS de fl.119, o que deu ensejo
a uma demanda trabalhista movida pela ré contra o réu (fl.114). Não obstante ter
aparentemente cessado o vínculo empregatício, os réus continuaram a trabalhar juntos, vez
que a ação de inventário foi movida em 29/11/2011, após o encerramento do contrato de
trabalho. Ademais, a ré informou que os réus tinham uma união estável desde 1998 (fl.14),
finda recentemente de forma traumática, pelo que se depreende das acusações recíprocas
por eles proferidas nos autos.
Diante disso, não é possível afastar responsabilidade dos réus, porquanto ambos
atuaram como procuradores da autora no inventário, o que os torna responsáveis pelos
valores por ela pagos.
Com relação aos pagamentos efetuados pela autora, não foram impugnados pelos
réus nem foram apresentadas justificativas para a exigência de ditos valores a contar de
2006, quando o inventário somente foi ajuizado em 2011. Além disso, não esclareceram os
réus o valor que cobrariam da autora a título de honorários pela prestação de serviço, o
que é, no mínimo, inusitado. De resto, os réus somente efetuaram a abertura do inventário,
sem, no entanto concluí-lo, como se vê nas fls. 59/65, obrigando a autora a contratar outro
procurador para dar continuidade ao processo.
Examinado os recibos, observo que são pouco esclarecedores acerca da
destinação dos pagamentos. Não obstante, considerando que houve o ajuizamento do
inventário, os valores efetivamente destinado ao pagamento de custas judiciais e impostos
relacionados com o inventário não deverão ser devolvidos pelos réus. A apuração desses
valores deverá ser feita através de levantamento das custas e impostos pagos nos autos
inventário.
Embora não concluído o inventário, é certo que houve o ajuizamento da ação.
Deste modo, inexistindo informação nos autos acerca do valor dos honorários cobrados
pelos réus, tenho que a importância de R$ 1.730,00 paga pela autora a título de honorários
e constante dos recibos de fls.56/58 remunera a prestação de serviços dos réus no
inventário e como tal não comporta devolução.
Os demais valores, por óbvio, foram exigidos ilicitamente da autora. Basta observar
que há valores expressivos supostamente pagos para custas de citação, tendo a autora
efetuado o pagamento de diversas parcelas de R$ 495,00 e uma de R$ 964,00 a título de
“pagamento de citação” (fls.30 e 32 e 34), bem como ainda em 2010, antes de ajuizaram a
ação, cobraram da autora a importância de R$ 3.400,00 como “ pagamento de inventário,
formais”(fl.44). Além disso, os recibos de fls.52 e 53, no valor de R$ 1.350,00 e R$ 458,00,
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comprovam que os réus exigiram da autora quase R$ 2.000,00, em 2008 e 2009, para
pagamento de custas de oficial de justiça na intimação de testemunhas, quando sequer
havia um processo em andamento.
Lamentável a conduta dos réus, ambos advogados, que se apropriaram
indevidamente das economias da autora, viúva e idosa, atualmente com 80 anos de
idade, abusando da confiança, da boa fé e do desconhecimento do processo de inventário
para exigir valores que sabidamente não eram necessários para promover o inventário.
Diante disso, excetuando os valores efetivamente
despedidos nos autos do
inventário, os quais serão apurados através de simples soma das custas e impostos pagos
pelos réus nos autos, bem com excetuando os valores recebidos a título de honorários
advocatícios, de fls.56/58, deverão ser devolvidos à autora os demais valores constantes
dos recibos de fls.20/55, corrigidos pelo IGP-M e acrescidos de juros de 1% ao mês a
contar do efetivo desembolso.
O pedido de reparação por danos morais também prospera, vez que a conduta dos
réus causou, à evidência, grande sofrimento à autora, pessoa idosa, com 80 anos, que
procurou os réus para abertura do inventário do falecido marido e por anos foi enganada e
extorquida por eles, que se valeram da sua boa fé e desconhecimento do processo de
inventário para enganá-la.
Diante disso, deverão arcar com a reparação dos danos extrapatrimoniais, que fixo
em
R$ 15.000,00, atentando para ao fato dos réus terem, durante anos, exigido
indevidamente valores da autora, o que demostra extrema má-fé.
Por fim, considerando que a conduta dos réus deu-se no exercício da profissão,
oficie-se à OAB/RS e ao MP, encaminhando cópia da presente, para serem tomadas
providências que entenderem pertinentes ao caso.
Ante o exposto, julgo parcialmente procedente a AÇÃO INDENIZATÓRIA C/C
RESTITUIÇÃO DE VALORES ajuizada por SILVARINA ROCHA DOS SANTOS em face de
ALTAYR VENZON E MARIA ANGÉLICA QUEIROZ RODRIGUES, para condenar os réus à
devolução dos valores referidos na fundamentação, corrigidos pelo IGP-M e acrescidos de
juros de 1% ao mês a contar do efetivo desembolso; e ao pagamento dos danos morais,
fixados em R$ 15.000,00, corrigidos pelo IGP-M e acrescidos de juros legais a contar
desta data.
Tendo a autora sucumbido minimamente, deixo de lhe impor os ônus da
sucumbência. Condeno os réus ao pagamento das custas processuais e honorários
advocatícios, que fixo em 20% sobre o valor da condenação, forte no art. 20, § 3º, CPC.
Oficie-se à OAB/RS e Ministério Público, como acima determinado.
Publique-se. Registre-se. Intimem-se.
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001/1.14.0018887-4 (CNJ:.0000861-57.2014.8.21.3001)
Porto Alegre, 17 de outubro de 2014.
Nelita Teresa Davoglio,
Juíza de Direito
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001/1.14.0018887-4 (CNJ:.0000861-57.2014.8.21.3001)
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