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Educação
para a paz
Obediência e moralidade
na relação pais e filhos:
educando para a paz
Obedience and morality in the
parent-child relationship:
educating for peace
Luciana Maria Caetano
Mestre em Educação – Unicamp
Coordenadora no Colégio Metodista de São Bernardo do Campo
[email protected]
R e s u m o
O artigo discute o conceito de obediência no âmbito da relação pais e filhos, à luz da teoria do Juízo Moral de
Jean Piaget, refletindo sobre a necessidade de uma educação para a moralidade que tenha como objetivo a
formação de pessoas autônomas. O tema da educação para a paz é abordado como uma forma de busca da
excelência e utopia nas relações interpessoais, sejam elas, entre pais e filhos, entre alunos e mestres, ou ainda
entre as diferentes nações, conforme propôs Jean Piaget.
Unitermos: educação; paz; moral.
S y n o p s i s
The article discusses the concept of obedience within the scope of parent-child relationships, in light of Jean Piaget’s
theory on Moral Judgment, reflecting on the need for an education in morality which should have as its objective the
forming of autonomous individuals. The theme of education for peace is approached as a manner of searching for
excellence and utopia in interpersonal relations, be they between parents and children, students and teachers, or even
between different nations, as was proposed by Jean Piaget.
Terms: education; peace; morals.
Resumen
El artículo discute el concepto de obediencia en el ámbito de la relación padres e hijos, a la luz de la teoría del Juicio
Moral de Jean Piaget, reflexionando sobre la necesidad de una educación para la moralidad que tenga como
objetivo la formación de personas autónomas. El tema de la educación para la paz es abordado como una forma
de búsqueda de la excelencia y utopía en las relaciones interpersonales, sean ellas entre padres e hijos, entre
alumnos y docentes, o aún entre las diferentes naciones, conforme propone Jean Piaget.
Términos: educación; paz; moral.
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Sobre a relação pais e
filhos
E
xiste um significativo desconforto social no que concerne a esta temática da relação
entre pais e filhos. O discurso do
senso comum mais uma vez afirma, com um saudosismo exacerbado, que os pais de hoje não sabem mais educar os filhos, não
lhes transmitem valores, não disciplinam as crianças, daí os grandes problemas vivenciados em
casa, na escola e na sociedade.
La Taille (1996), expondo um
diálogo comparativo entre dois
autores que contribuíram de forma significativa para tal temática,
Kant e Piaget, afirma que “a
questão do lugar da disciplina
ainda inquieta pais e educadores” (p. 174), entretanto,
segundo ele, tal discussão não é
apenas nostálgica, naquela
tendência de acreditar que os
pais autoritários do passado
seriam providentes na definição e
cobrança das regras e limites dos
filhos.
Segundo o autor, os problemas realmente existem e são no
mínimo, três. O primeiro ele intitula como um “desequilíbrio na
convivência entre pais e filhos”,
no qual uma inversão de valores
faz com que a família antes adultocêntrica, apresente-se atualmente puericêntrica, ou seja, não é
mais a criança e o adolescente
que têm que se adaptar a uma
organização de valores, atitudes e
prazeres dos adultos, mas esses
últimos é que têm se adaptado ao
Revista de Educação do Cogeime
Uma inversão de
valores faz com
que a família
antes adultocêntrica, apresente-se
atualmente
puericêntrica, ou
seja, não é mais a
criança e o
adolescente
que têm que se
adaptar a uma
organização de
valores, atitudes e
prazeres dos
adultos
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mundo adolescente e infantil:
“Os filhos são ‘os reis’ da casa,
ouvem as músicas que querem,
assistem a seus programas etc. E
são, pensam alguns, facilmente
‘traumatizáveis’” (LA TAILLE,
1996, p. 175).
Esse primeiro problema se
amplia quando esse adolescente
acostumado à liberdade e ao
espaço que possui na casa dos
pais, não busca libertar-se do
mundo das regras do adulto pois,
na verdade, esse mundo ficou infantilizado, e sair de casa significa
perder a liberdade e não alcançála. Assim, tais jovens não se
incorporam no meio do trabalho e
nem conseguem formar unidade
familiar própria. Toda essa questão é ainda reforçada pelas dificuldades financeiras, sociais e
econômicas do mundo atual. Conforme as palavras de De Souza
(2000, p. 37):
Há adolescentes que se acomodam
a esse status quo infantilizado e
não buscam superar as dificuldades. Em todos os casos, isso
dificultará o desenvolvimento de
uma nova identidade, fundamental para o desenvolvimento da
personalidade nessa fase. (...)
Os consultórios de psicoterapeutas recebem com muita freqüência pacientes jovens, os
quais necessitam menos de
tratamento do que suas famílias,
as quais não se adaptam ao
novo status de seus filhos.
O segundo problema que La
Taille (1996, p. 176) aponta diz
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respeito à liberdade excessiva
garantida desde muito cedo, o
que impede as crianças de construírem o chamado “sentimento
de obrigatoriedade que nasce das
relações que Piaget chamou de
coação”, ou seja, da exterioridade
das regras transmitidas pelos
adultos, em certo momento do
desenvolvimento moral do sujeito. A criança habitua-se a ter
os seus desejos satisfeitos desde
muito cedo, com isso não
constrói a capacidade de lidar
com as perdas, as frustrações,
entre tantas outras dificuldades.
Conforme afirma La Taille sobre
o que pensam determinados pais:
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Tudo é passageiro
e descartável,
como se pode
pensar em
conservação de
valores?
Talvez, por medo de ser tirânico,
tenha-se evitado dar ordens e
modelos, esquecendo-se que
cumprem um papel no desenvolvimento moral. Em suma,
talvez se tenha ‘pulado’ (ou
tentado pular) uma fase de
educação moral na qual a
autoridade adulta cumpre papel
estruturante do universo moral e
afetivo da criança (LA TAILLE,
1996, p. 177).
E, finalmente, o último aspecto que o autor aponta como
problema na questão da educação moral, diz respeito ao fato de
que a moral humana tem que ser
pensada em função da sociedade
como um todo e a vivência atual
da sociedade é a conservação de
quase nada. A tecnologia transforma com rapidez os objetos
mais modernos em sucatas. Os
progenitores não possuem o arRevista de Educação do Cogeime
Exagerada
ansiedade em
garantir a
felicidade das
crianças, ao invés
de preocuparemse com a formação esmerada do
caráter de seus
filhos
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gumento de que sabem o que é
melhor para seus filhos, pois não
sabem sequer o que é melhor
para si mesmos. Tudo é passageiro e descartável, como se
pode pensar em conservação de
valores? (p. 177).
Tais pensamentos evidenciam
que o problema dos conflitos entre pais e filhos é, um problema,
em primeiro lugar, de ordem moral, mas também uma questão
que reflete sobre as dificuldades
iminentes dos pais em bem educarem os seus filhos. Sobre esta
última questão, talvez o que esteja presente nos dias atuais,
quando livros de auto-ajuda, com
o propósito maior de dar orientações sobre como educar crianças e adolescentes, ganham os
lugares mais evidentes nas prateleiras das livrarias, seja o reflexo de que os pais não sabem
exatamente como agir para bem
formarem seus filhos. Há uma hipótese de que os pais estejam
realizando uma possível confusão,
quando revelam uma exagerada
ansiedade em garantir a felicidade
das crianças, ao invés de preocuparem-se com a formação esmerada do caráter de seus filhos.
La Taille (1998) comenta que
“os pais de hoje não têm mais
tanta certeza de que sabem mais
que seus filhos quais os caminhos
que levam à felicidade, portanto,
colocam bem menos limites” (p.
64). Afirma que muitos deles não
querem repetir os erros dos seus
próprios pais que, imbuídos de um
autoritarismo, justificavam suas
intervenções e restrições diante
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dos comportamentos dos filhos a
partir da imaturidade dos mesmos,
sendo que, portanto, os pais é que
saberiam quais os caminhos
adequados para os filhos trilharem
a fim de alcançarem a felicidade.
Porém, tal justificativa quando
interpretada como uma hipocrisia,
segundo o mesmo autor, pode
conduzir a um outro extremo: uma
indiferença dos pais em relação aos
comportamentos dos filhos, delegando-lhes plena liberdade, o que
bem se sabe, termina por significar
ausência e rejeição.
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Sobre a obediência
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A obediência,
de fato, não é,
nem uma
imitação
simples, nem
uma ejeção: a
obediência cria
um novo ‘eu’,
uma fração do
‘eu’ que domina
as outras
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A obediência, de fato, não é, nem
uma imitação simples, nem uma
ejeção: a obediência cria um novo
‘eu’, uma fração do ‘eu’ que
domina as outras.Com efeito,
aprendendo a obedecer, a criança
constrói, por si mesma, o que
Baldwin chama um ‘eu ideal’,
um ‘eu’ submisso às decisões dos
adultos, isto é, um ‘eu’ calcado
sobre o ‘eu’ superior deles (1932/
2000, p. 289).
Uma indiferença
dos pais em
relação aos
comportamentos
dos filhos,
delegando-lhes
plena liberdade,
o que bem se
sabe, termina
por significar
ausência e
rejeição
Piaget não estudou o conceito
de obediência, especificadamente,
mas chamava assim a uma das
fases do desenvolvimento moral
humano: a heteronomia. A teoria
afirma que a hetoromomia “implica uma coação inevitável do
superior sobre o inferior; característico de uma primeira forma de
relação social, que nós chamaremos relação de coação” (PIAGET,
1930/1996, p. 5). O governo é exercido de fora para dentro, sendo
que para esta criança, o dever é
obedecer ao adulto e a boa regra é
aquela imposta pelo seu superior, e
é mau todo ato não conforme às
regras. “Então, o bem se define
rigorosamente pela obediência”
(PIAGET, 1932/2000, p. 93).
Piaget (1954/1994) cita a teoria do psicólogo Baldwin, para
explicar o surgimento dos primeiros sentimentos morais nas relações interindividuais. Segundo
suas próprias palavras, referindose a tal teoria:
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Baldwin se refere à construção
do “eu ideal”, que segundo ele,
origina-se da imitação dos gestos
do outro, o que providencia a
tomada de consciência de si a
partir da tomada de consciência
das semelhanças com os outros.
Piaget observa a pertinência de tais
concepções do autor e considera o
conceito de “eu ideal” análogo ao
conceito de “superego” freudiano,
nas características que dizem
respeito à explicação da obediência
(PIAGET, 1954/1994, p. 259).
Porém, para o autor genebrino, tal
afirmação também não é suficiente
para explicar o sentimento de
obrigação que leva o sujeito a agir
moralmente, isto é, a obediência é
para Baldwin inicialmente uma
conduta de submissão aceita, que
tenderá a um julgamento racional
por parte do indivíduo, em estágios superiores. Porém, isto ainda
não basta para Piaget, embora
concorde e reconheça a importância de tal teoria naquilo que diz
respeito a “admitir que o eu somente se conhece por referência
àquele dos outros” (PIAGET,
1932/2000, p. 292).
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Piaget encontrará em
Pierre Bovet a explicação que
adotará para justificar os sentimentos de obrigação que
conduzem o sujeito a agir
moralmente, ou, especialmente
na fase da construção dos
primeiros sentimentos morais,
obedecer aos seus pais. Piaget
assume de Bovet o conceito de
respeito, e assim o enuncia:
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mentos de afeto (os pais são os
que lhe acarinham, cuidam dela,
provêem a sua proteção e sobrevivência) e medo (são os que castigam, punem, repreendem), que
Bovet denomina respeito. Portanto, “o respeito pelas pessoas não é
então a conseqüência, mas a condição prévia da lei moral”
(PIAGET, 1954/1994, p. 260).
Retomando Baldwin, percebe-se a veracidade da sua concepção da imitação como primícia dos sentimentos morais,
pois, conforme relata Piaget,
A relação entre duas
pessoas é suficiente
para que haja o
sentimento de
respeito entre elas
(...) a criança em presença de
seus pais, tem espontaneamente a impressão de ser
ultrapassada por algo superior a ela. Logo, o respeito
mergulha suas raízes em
certos sentimentos inatos e
resulta de uma mistura sui
generis de medo e afeição,
que se desenvolve em função
das relações da criança com
seu ambiente adulto (1932/
2002, p. 279).
Bovet primeiramente afirma que a relação entre duas
pessoas é suficiente para que
haja o sentimento de respeito
entre elas. Assim, é preciso
que um indivíduo dê uma ordem e o outro confie nesse
primeiro, e o respeite para
que o conceba como “boa pessoa”, e a tal ordem enquanto
uma “boa regra”, conforme
La Taille, “a criança acredita
serem boas (regras) porque
impostas por seres vistos
como poderosos e amorosos
(os pais)” (1994/2000, p. 18),
ou seja, a obrigatoriedade
advém da mistura dos senti-
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o pequeno descobre no grande
um ser ao mesmo tempo semelhante a ele e ultrapassando-o
infinitamente: as impressões
misturadas de simpatia e medo
que resultam desta situação
explicam, exatamente, porque a
criança aceita os exemplos e,
quando sabe falar, as ordens
que emanam dos pais, e porque,
à simples imitação se junta tão
precocemente o sentimento da
regra e da obrigação (1932/
2000, p. 281).
O respeito pelas
pessoas não é então a
conseqüência, mas a
condição prévia
da lei moral”
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Piaget mostra-se de acordo,
conforme já anotado acima, com
ambos os autores, Baldwim e
Bovet, no que se refere à gênese
da moral infantil, porém, retomando este último autor, Piaget
reclama uma explicação para a
evolução dos sentimentos morais, pois, para ele o sentimento
interindividual de respeito que
Bovet enuncia, somente se
aplica à moral heterônoma da
obediência.
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Desta forma, os estudos realizados por Piaget confirmam a
existência de duas morais, sendo
que cada uma delas se constrói
sob o fundamento de um tipo de
respeito, por ele denominado
respeito unilateral (derivado do
conceito de respeito de Bovet),
que caracteriza a moral da obediência (moral do dever), e o
respeito mútuo, condição para a
construção da moral autônoma
(moral do bem). A primeira,
resultado das relações de coação e
a segunda, resultado das relações
de cooperação:
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nas quais o respeito aos costumes
encarnados nos Anciãos prima
sobre toda manifestação da personalidade. A moral da cooperação, ao contrário, é produto relativamente recente, da diferenciação
social e do individualismo que
resulta do tipo ‘civilizado’ de
solidariedade (p. 9).
Ser pai e mãe é
exatamente ser o
adulto da relação.
Espera-se que tais
pessoas sejam ao
menos exemplo
para as crianças
com as quais
convivem
Ser pai e mãe é exatamente
ser o adulto da relação. Esperase que tais pessoas sejam ao
menos exemplo para as crianças
com as quais convivem. Conforme já anotado anteriormente,
a criança pequena imita o comportamento dos adultos com os
quais convive e por isso:
(...) a educação moral fundada
sobre o respeito exclusivo ao
adulto ou às regras adultas
desconhece este dado essencial da
psicologia de que existe na criança não uma, mas duas morais
presentes; assim os procedimentos educativos fundados
somente no respeito unilateral
negligenciam a metade, e não a
menos importante, dos profundos recursos da alma infantil
(PIAGET, 1930/1996, p. 12).
Pais e professores que querem
uma educação para a autonomia
devem primeiramente considerar
seus próprios comportamentos e
julgamentos morais. A sua
autonomia será modelo para as
crianças pequenas, a ausência
dela, também (MENIN, 1996,
p. 101).
Logo, a maneira como o adulto vier a conceber essa sua “vantagem de superioridade” frente à
criança significará muito para o
desenvolvimento dela. Sobre os
procedimentos da educação moral, Piaget (1996) comenta que
A evolução da
moralidade
depende das
relações que se
estabelecem com
o outro
A moral da heteronomia e do respeito unilateral parece corresponder
à moral das prescrições e das
interdições rituais (tabus), próprias
das sociedades ditas ‘primitivas’,
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A evolução da moralidade
depende das relações que se
estabelecem com o outro. Isso
explica porque se encontram
tantos adultos arbitrários, incapazes de se colocar no lugar do
outro. Uns necessitam mandarem para se sentirem felizes,
enquanto outros, mostram-se
incapazes de iniciativa e argumentação, submetendo-se àqueles que julgam superiores a si
mesmo.
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Por que existem essas diferenças entre adultos? Uma resposta pode ser encontrada na
Teoria de Jean Piaget. Esta teoria
nos ajuda a entender porque as
crianças tornam-se responsáveis e
íntegras se os adultos agem com
elas, seguindo determinados
caminhos (KAMII,1991, p. 38).
As palavras de Kamii suscitam o estudo do conceito de
obediência de tais adultos. Para
Piaget, e outros autores que
pesquisaram e pesquisam o desenvolvimento moral da criança,
a obediência heterônoma não
basta à formação de uma personalidade moral, pois se trata de
uma moral amparada pelo outro,
um sistema aberto que depende
de algo exterior.
As crianças pequenas têm
dificuldades para considerar diferentes perspectivas que lhe
permitem “a comparação mútua
das intenções íntimas e das
regras que cada um adota”
(PIAGET, 1932/1994, p. 300).
Portanto, dizemos que tais
pequenos são heterônomos, isto
é, obedecem aos mais velhos com
os quais convivem, mas ainda
não alcançaram a descentração e
a reciprocidade que lhes
permitirão obedecer a princípios
de justiça pois, segundo o autor,
somente a vivência do respeito
mútuo, garantida pelas relações
de cooperação, pode construir a
consciência moral autônoma.
Piaget (1932/1994, p. 152)
afirma que quando os adultos
agem com as crianças em freqüente estado de tensão, perRevista de Educação do Cogeime
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petuando as relações de coação, as
crianças são vencidas interiormente pelo poder exacerbado do
adulto, e não podem desta forma
construir os seus próprios pontos
de vista, não distinguem o que é
certo e criticável na atitude dos
pais, o que as manterá heterônomas, obedientes a pessoas e não a
princípios de justiça.
Educar moralmente para
educar para a paz
o sujeito constrói
as suas estruturas
cognitivas,
afetivas e também
os valores morais
ao entrar em contato com o outro
Somente a
vivência do
respeito mútuo,
garantida pelas
relações de cooperação, pode
construir a consciência moral
autônoma
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Para Piaget a finalidade da
educação é a autonomia. Quando
em seu livro, “Para onde vai a
Educação” (2000), discute sobre o
que significa ter direito à educação, diz exatamente desse ‘selfgovernment’, que significa a autonomia. Da mesma forma, o grande
desejo expresso, ao menos nos
discursos
dos
educadores,
psicopedagogos e demais adultos
que se responsabilizam pela
formação de crianças, é que seus
alunos e ou filhos se transformem
em pessoas autônomas.
Porém, uma grande dicotomia se interpõe, visto que conforme prevê a teoria piagetiana, o
sujeito constrói as suas estruturas
cognitivas, afetivas e também os
valores morais ao entrar em contato com o outro. Portanto, o
sujeito é ativo na construção do
seu desenvolvimento e a moralidade não é algo que possa ser
ensinado ou transmitido, por
meio de lições de moral, sermões
e histórias; tampouco se pode
aprender a ser justo, honesto,
solidário, tolerante, senão por
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meio de situações em que experienciem possibilidades de exercitarem tais virtudes (VINHA,
1999; TOGNETTA, 2002; MENIN,
1996; DE LA TAILLE, 2002).
Piaget (1934/1998, citado
por Parrat-Dayan, p. 132), ao se
remeter à questão da educação
para a paz, discutindo o processo da colaboração internacional na construção deste tipo
de educação, observa que um
dos problemas que ela enfrenta
é exatamente esse, ou seja, a
maior dificuldade que os educadores têm é de “encontrar um
interesse real que possa levar
cada um a compreender o outro,
em particular a compreender o
adversário” (p. 133).
Aparentemente simples, entretanto, na maioria das vezes,
conforme afirma o próprio autor,
o risco que se corre ao educar é
exatamente o de buscar objetivos
contrários à idéia da educação
para a paz, sem a tomada da
consciência de que tal educação
envolve uma amplitude considerável de problemas psicológicos
e pedagógicos. Conforme suas
próprias palavras:
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O risco que se
corre ao educar é
exatamente o de
buscar objetivos
contrários à idéia
da educação
para a paz
Os adultos precisam
assumir o seu papel
na educação das
crianças
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Quando se pensa na educação oferecida às crianças em seus
próprios lares, a idéia não difere
muito. Quando as crianças não
estão ouvindo monólogos estéreis
a respeito de como ser crianças
boazinhas, acabam expostas, infinitas vezes, ao abuso da autoridade com relações de coação
traduzidas principalmente por
sanções expiatórias. Outras vezes
são tratadas como juízes absolutos, sendo-lhes permitido fazer
o que bem entenderem. São, de
todas essas maneiras, impedidas
de agir sobre o objeto do conhecimento da educação moral, ou
seja, tomar conhecimento das regras de convivência, trocar
pontos de vistas, fazer escolhas,
assumir a responsabilidade sobre
os seus próprios atos.
Porém, os adultos precisam
assumir o seu papel na educação
das crianças, pois, são para eles o
modelo e exemplo e, portanto,
precisam ser coerentes com os
menores, auxiliando-os a reconhecerem a função e a necessidade das regras de convivência.
Conforme nos explica Menin
(1996, p. 100):
Se os professores e pais forem,
como modelos, pessoas heterônomas que obedecem as regras
por controles externos, que julgam os atos por seus resultados
aparentes, que avaliam os erros
pelas suas possibilidades de punição (...) não se pode esperar
que alunos e filhos tenham um
desenvolvimento moral diferente.
É bem mais fácil, com efeito,
falar durante aulas inteiras
sobre um assunto teórico e artificial do que penetrar no próprio espírito do ensino uma
única idéia elementar, quando
essa idéia vincula-se a uma
atitude profunda e essencial do
espírito (PIAGET, 1934/1998,
citado por Parrat-Dayan, p.
135).
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A citação de Menin acima exposta acaba por justificar, pelo
menos naquilo que concerne à
moral, os tristes relatos que Marques (1996), em seu artigo sobre
“Abuso psicológico de crianças e
adolescentes”, aponta sobre o tratamento desdenhoso, terrorista,
de exploração ou corrupção, de
negação da reciprocidade emocional em relação aos filhos, enquanto espécies de comportamentos considerados abusivos.
Segundo a mesma autora, a
inconsistência paterna (variação
do comportamento dos pais de
acordo com tempo e situação), a
produção de expectativas irreais
ou extremas exigências sobre seu
rendimento escolar,intelectual e
outros, bem como o fato de
“mimar a criança”, também são
considerados abusos, pois tais
atitudes “dificultam o desenvolvimento das necessidades emocionais básicas da criança” (p.
205), causando “sérias desordens
cognitivas, mentais, emocionais e
de comportamento” (p. 205).
Marques (1996) ainda relata,
por meio da citação de várias pesquisas que comprovam estatisticamente os dados descritos a seguir, que pais controladores e
restritivos, pais permissivos, pais
hostis, agressores, negligentes e ou
indiferentes (ambas formas de
rejeição), providenciam a formação
de crianças “que internalizam suas
ansiedades e raivas, podendo
tornarem-se depressivas, submissas, autodestrutivas, suicidas,
passivas, introvertidas, tímidas,
desenvolverem hábitos nervosos,
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Portanto,
compreender
pontos de vista
diferentes do seu
próprio é ponto de
partida para
educar para a paz
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terem pesadelos e apresentarem
sintomas psicossomáticos” (p. 215),
ou “crianças rejeitadas, que
externam sua raiva, podendo
tornarem-se impulsivas, com
hiperatividade, perdendo o
autocontrole e reagindo agressivamente contra os outros” (p. 215).
A autora apresenta estudos
que comprovam que as crianças
que conviveram com pais abusivos podem desenvolver determinados hábitos sociais, como o uso
de drogas ilegais ou alcoolismo.
Com certeza, os problemas
abordados por Marques são
exemplos reais do quanto o
mundo ainda se encontra distante da educação para a paz.
Quando esses dados são apresentados em palestras para pais,
é nítida a surpresa estampada nos
rostos da maioria. Da mesma forma, quando os pais escutam pela
primeira vez os conceitos de heteronomia e autonomia de Piaget e suas
principais características, compreendendo o caráter evolutivo do
desenvolvimento moral da criança,
sentem-se novamente envolvidos e
entusiasmados.
Piaget aponta como o ponto
de partida da educação para a
paz “o conhecimento dos outros
como condição de sobrevivência
e de segurança nacionais e como
meio de expansão para a ideologia que defendemos”(PIAGET,
1934/1998, citado por PARRATDAYAN, p. 134). Portanto, compreender pontos de vista diferentes do seu próprio é ponto de
partida para educar para a paz.
Entretanto, a maioria dos pais
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pouco conhece a respeito dos
pontos de vista de seus filhos,
simplesmente por não se dispor a
dialogar com eles. Muitos não
reconhecem os sentimentos das
crianças e dos adolescentes, e
desconhecem o fato de que o
raciocínio das crianças é diferente
do raciocínio de um adulto e
educam de acordo com o único
modelo que vivenciaram, isto é, a
própria educação que receberam
de seus pais.
De La Taille (2002) afirma
que “os adultos que sofreram humilhações na sua infância tenderão a ‘descontá-las’ nos mais
fracos, notadamente nos filhos”
(p. 41). Tal autor também descreverá as conseqüências dolorosas
para os sujeitos humilhados pelo
excesso de mimo, ou impotentes
diante do sentimento de inferioridade criado pelo desprezo dos
pais. Segundo Puig (1998), “com
os processos comunicativos mecanismos psicológicos entram em
funcionamento e vão ajudando os
aprendizes a ampliarem seus conhecimentos e suas capacidades
morais” (p. 239). O autor afirma
que as interações entre iguais e
entre os adultos, que deveriam
atuar com os pequenos como “tutores experientes”, é que auxiliarão o sujeito a construir a sua
personalidade moral.
A construção dos valores morais implica, segundo La Taille
(1998), em dimensões que aqui
ousamos resumir em três palavras: exemplo, cooperação e afetividade. Segundo o autor, o
sujeito precisará vivenciar a exRevista de Educação do Cogeime
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periência de uma “educação moral que encarne os valores que se
quer ensinar” (p. 103), ou seja, os
educadores precisam ser espelho
para seus educandos: as palavras
precisam ser correspondentes
com as suas próprias atitudes.
Não adianta gritar para a criança,
pedindo-lhe que pare de falar
alto com seu irmãozinho.
Quanto à cooperação, pode-se
resumidamente afirmar que as
crianças necessitam de oportunidades para refletirem sobre as
regras e sobre o porquê da existência das mesmas, compreendendo a sua função, além de que
devem vivenciar oportunidades
onde as mesmas “possam decidir, entre elas, as regras de seu
convívio”. E, finalmente, as crianças necessitam desejar agir adequadamente, exatamente por
compreenderem que isso é bom
para si mesmas e para aqueles
com os quais convivem. Conforme as palavras de La Taille, “a
criança precisa perceber que o
‘bem’ e o ‘mal’ incendeiam os
corações das pessoas e envolvem
sua personalidade em favor do
primeiro e contra o segundo”
(1998, p. 103).
O convívio com a família, isto
é, os diferentes caminhos que os
pais podem percorrer para formarem seus filhos, conduzirão à
possibilidade feliz ou não, de
construção da personalidade de
maneira equilibrada. Turiel
(citado por LA TAILLE, 1998, p.
94), psicólogo americano e especialista em desenvolvimento, é o
autor de uma pesquisa direcio-
A criança precisa
perceber que o
‘bem’ e o ‘mal’
incendeiam os
corações das
pessoas e
envolvem sua
personalidade em
favor do primeiro
e contra
o segundo”
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nada à comparação de diferentes formas de educação
familiar, cujos resultados são
também por ele discutidos: “a
educação autoritária”, “a educação por retirada do amor”, e a
“educação elucidativa”.
Segundo ele, a forma de educação “elucidativa” diz respeito
às repreensões ou ordens dadas
pelo adulto, acompanhadas de
uma respectiva explicação que
sugere à criança e ao adolescente,
a razão de ser da correção. E,
conforme as afirmações de La
Taille (1998, p. 96), trata-se da
forma de educação mais eficaz
para aqueles que desejam formar
pessoas autônomas, uma vez que
auxilia na legitimação das regras
e dos valores.
Para que se possa entender o
porquê da eficácia da educação
elucidativa faz-se necessário que
se conheçam os inconvenientes
dos dois primeiros tipos de educação. O primeiro apela para o
autoritarismo e nele a obediência
é garantida mediante punições,
ameaças e castigos impostos pela
autoridade. A criança obedece
porque tem alguém superior e
poderoso que está mandando, ou
seja, não há reflexão a respeito
das regras e tampouco dos valores. O resultado deste tipo de
educação é discutido por La
Taille (1998, p. 96):
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Repreensões ou
ordens dadas
pelo adulto,
acompanhadas de
uma respectiva
explicação que
sugere à criança e
ao adolescente, a
razão de ser
da correção
Digo que esse método “pode”
gerar um indivíduo extremamente submisso porque nenhum
método pedagógico é bastante
forte para garantir seus resulRevista de Educação do Cogeime
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tados; não faltam exemplos de
pessoas educadas de forma extremamente autoritária que,
revoltadas com esse exercício do
poder, conquistaram a autonomia. Mas tais casos não representam, infelizmente, a
maioria e o fato é que métodos
que insistem na obediência cega
da criança em relação ao adulto
são um excelente começo para
gerar indivíduos que acham que
tal conformismo traduz a postura moral mais adequada.
O estudo do juízo moral, segundo Jean Piaget, também
apresentou os resultados de uma
educação autoritária, pautada na
coação social, no respeito unilateral e nas sanções expiatórias,
isto é, personalidades conformistas, revoltadas ou que calculam o risco, o que significa,
sujeitos distantes da autonomia
moral. Para ilustrar os resultados
da educação pautada sobre o
argumento da autoridade, o
estudioso da psicologia social,
Milgran (1974, citado por La
Taille, 2002, p. 36-37), realizou
uma pesquisa sobre o conformismo e a obediência. Trata-se
de uma “combinação ou farsa”,
onde cidadãos comuns são
orientados a ministrar choques
em um aluno-ator durante
sessões de aprendizagem.
A grande surpresa da pesquisa diz respeito ao fato de que,
conforme os choques ministrados, o resultado poderia ser o
óbito do aluno, e mesmo ciente
disso, os sujeitos pesquisados (joAno
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vens universitários), em obediência a uma autoridade (também ator), aplicavam tais choques violentos. A conclusão a que
este experimento conduz fica
afirmada nas palavras de La
Taille (2002, p. 37): “Entre as
várias definições possíveis de
homem, os experimentos de
Milgram nos levam a escolher a
de ‘animal obediente’”.
Aqui faz-se necessária a abertura de um parêntese nas explicações das formas de educação
segundo Turiel, para que se
possa refletir a respeito da idéia
do homem enquanto ser obediente. Retomando as idéias de
Piaget sobre a educação para a
paz, observamos que, conforme
as reflexões expostas até agora, o
homem obediente, isto é, aquele
que se submete aos superiores
sem questionamento, argumentação ou troca de pontos de vista,
terá dificuldades para vivenciar
uma participação ativa na educação para a paz. Tal afirmação é
legitimada pelas próprias palavras do autor: “A idéia que
defendemos é bem mais concreta:
trata-se apenas de criar em cada
pessoa um método de compreensão e de reciprocidade”
(PIAGET, 1934/1998, citado por
PARRAT-DAYAN, p. 135).
Retomando as formas de
educação segundo Turiel, carece
ainda dizer sobre a “educação
por retirada do amor”. Há uma
diferença principal entre as duas
formas de educar: a autoritária e
a educação por retirada de amor.
Enquanto a primeira forma conRevista de Educação do Cogeime
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Aquele que se
submete aos
superiores sem
questionamento,
argumentação ou
troca de pontos de
vista, terá
dificuldades para
vivenciar uma
participação ativa
na educação
para a paz
O educar para a
paz implica
também na
legitimação dos
sentimentos
individuais e no
respeito aos
sentimentos
alheios, auxiliando
o homem a se
situar no conjunto
dos outros homens
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segue a obediência das crianças
por meio do medo do castigo, a
segunda, a obtém mediante o
medo de perder o amor e o carinho dos pais. “O medo muda
de objeto: o medo do abandono
substitui o medo da punição”
(LA TAILLE, 1998, p. 97).
Por outro lado, La Taille também explica que esse tipo de
educação pode provocar alguns
comportamentos inadequados,
além de não ser suficiente para
que as crianças construam a
autonomia moral, pois este método acentua o sentimento de
culpa dos filhos, conduz a um
forte medo da perda de amor dos
pais, sentimento que quando
enfatizado pode criar um desequilíbrio afetivo, além de que as
crianças aprendem por meio
desta forma de educação a fazer
chantagem emocional sempre que
desejarem algo (1998, p. 98-99).
Também esse tipo de educação não pode encaminhar para a
idéia da educação para a paz.
Pois o educar para a paz implica
também na legitimação dos sentimentos individuais e no respeito aos sentimentos alheios,
auxiliando o homem a se situar
no conjunto dos outros homens.
Assim afirma Piaget ao falar a
respeito da necessidade da consideração dos afetos na educação
moral e intelectual voltada para a
edificação da educação para a
paz: “onde intervêm as nossas
paixões e o nosso egocentrismo,
compreender o outro e respeitálo são uma e mesma coisa,
implicando a objetividade o mesAno
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mo desinteresse que o próprio
altruísmo” (PIAGET, citado por
Xypas, 1997, p. 131).
Portanto, segundo as palavras de La Taille (1998), “... a
tendência natural da criança a se
tornar adulta pode ser ajudada
ou dificultada pela influência
dos adultos e da sociedade como
um todo, também a busca da
excelência pode encontrar, nas
interações sociais, terreno fértil
ou não” (p. 38), e remetendo-se
aos estudos de Alfred Adler,
psicanalista, continua, “... Aliás,
toda a teoria adleriana sobre
patologias psíquicas gira em
torno desse feliz e infeliz encontro” (p. 38).
Quando La Taille (1998) diz
a respeito da busca da excelência, refere-se a um aspecto da
educação moral que de fato
constitua-se muito mais do que
na imposição de regras às crianças por meio da coação e dos
limites pré-determinados, mas
em uma moral que auxilie os pequenos a, exatamente, transporem limites; onde a busca da
excelência signifique “procurar
ir além de si mesmo, tornar-se
melhor do que se é” (p. 34), o
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que o autor compreende entre
tantas outras possibilidades,
como a construção de uma moral
aperfeiçoada, e que assim sendo,
“não pode dispensar as virtudes”
(p. 48), pois “podemos, por lei,
obrigar as pessoas a não serem
injustas e não limitarem a liberdade alheia, mas dificilmente podemos obrigá-las a serem fraternas ou generosas” (p. 49).
A educação para a paz é o que
se pode esperar e desejar da busca
da excelência na educação. Seja
com os seus pais ou na escola, a
criança deve encontrar oportunidades que lhe garantam a
vivência do respeito mútuo e das
relações de cooperação, para que se
possa construir a troca de pontos
de vista. Nas palavras de Piaget:
A criança deve
encontrar
oportunidades
que lhe
garantam a
vivência do
respeito mútuo e
das relações de
cooperação
Todo ensino objetivo das relações
internacionais prepara os indivíduos para se libertarem da
ilusão egocêntrica, na qual permanecem presos enquanto só
conhecerem o seu próprio meio, e
a adquirir essa atitude de reciprocidade, que é o princípio da
colaboração pacífica (PIAGET,
1934/1998, citado por PARRATDAYAN, p. 136).
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Obediência e moralidade na relação pais e filhos: educando para a