UNIVERSIDADE FEDERAL DE CAMPINA GRANDE
CENTRO DE HUMANIDADES
UNIDADE ACADÊMICA DE LETRAS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LINGUAGEM E ENSINO
LEITURAS E LEITORES DE “CORAÇÕES SOLITÁRIOS”- alternativas para a
abordagem do conto em sala de aula
Luciana Maria Moura Rodrigues
CAMPINA GRANDE
FEVEREIRO DE 2012
LUCIANA MARIA MOURA RODRIGUES
LEITURAS E LEITORES DE “CORAÇÕES SOLITÁRIOS”- alternativas para a
abordagem do conto em sala de aula
Dissertação apresentada ao Programa de PósGraduação em Letras da Universidade Federal de
Campina Grande, como pré-requisito para a
obtenção do grau de Mestre em Linguagem e
Ensino.
Orientador: Prof. Dr. José Hélder Pinheiro Alves
CAMPINA GRANDE
2012
FICHA CATALOGRÁFICA ELABORADA PELA BIBLIOTECA CENTRAL DA UFCG
R696l
Rodrigues, Luciana Maria
Moura.
Leituras e leitores de "Corações Solitários" - alternativas para a
abordagem do conto em sala de aula / Luciana Maria Moura
Rodrigues. - Campina Grande, 2012.
128f.: il., color.
Dissertação (Mestrado em Letras) - Universidade Federal de Campina
Grande, Centro de Humanidades.
Orientador: Prof. Dr. José Hélder Pinheiro
Alves. Referências.
1. Literatura. 2. Recepção. 3. Ensino. 4. Conto. 5. Corações
Solitários. I. Título.
CDU 82(043)
FOLHA DE APROVAÇÃO
________________________________
Prof. Dr.José Hélder Pinheiro Alves
Orientador (UFCG)
________________________________
Prof. Drª. Fernanda Aquino Sylvestre
Examinadora Interna (UFCG)
________________________________
Prof. Drª. Maria Analice Pereira da Silva
Examinadora Externa (IFPB)
________________________________
Prof. Dr. Márcia Tavares Silva
Examinadora Interna (UFCG) Suplente
AGRADECIMENTOS
A Deus pela coragem de continuar;
Aos meus pais pelo incentivo;
Aos meus irmãos pelo apoio;
Ao meu namorado, Fabrício Macedo, pelo companheirismo;
A Hélder Pinheiro, pela generosidade na orientação e confiança neste trabalho;
Aos professores e alunos que contribuíram de modo decisivo para a realização
desta pesquisa;
A Edilson Amorim e Fernanda Sylvestre, examinadores da banca de
qualificação, que sugeriram, criticaram e aguçaram nossa reflexão;
À CAPES, pelo indispensável suporte financeiro.
DEDICATÓRIA
A minha mãe, Lúcia Moura, professora de toda a minha vida.
RESUMO
Nosso intuito neste trabalho é descrever e analisar aspectos relevantes da
recepção do texto literário, em duas turmas do 3º ano do Ensino Médio, uma da
rede pública e a outra da rede particular de ensino, ambas situadas na cidade
de Campina Grande-PB. Comparamos dados da recepção dos educandos das
duas instâncias em relação a alguns aspectos tematizados no conto “Corações
Solitários”, de Rubem Fonseca. Entre os pressupostos teóricos fundamentais
para a realização da nossa pesquisa, destacamos, tomados da Estética da
Recepção, Experiência Estética, Horizonte de Expectativas e o conceito de
vazios, sendo os dois primeiros conceitos atribuídos a Jauss(1979;1994) e esta
última noção descrita em Iser (1979) . No que tange à metodologia de ensino
de literatura, recuperamos a noção de letramento literário, defendida por
Cosson (2006), além de algumas das reflexões evidenciadas em
Campos(1999), Colomer (2007); Jouve(2002), Mello (1998),bem como as
recomendações presentes nas OCEM (2006) e nos Referenciais curriculares
para o ensino médio da Paraíba (2007). Nossa abordagem do texto literário no
contexto escolar comprovou a necessidade de se investir na formação de
leitores críticos através do contato efetivo com as obras literárias. Propusemos
uma abordagem que partiu da leitura do texto literário, através da qual o
convívio com a obra literária teve centralidade.Os resultados alcançados em
nossa pesquisa revelaram que os alunos se envolvem e se interessam mais
por textos literários, quando utilizamos uma metodologia que privilegia o
diálogo e a negociação de sentidos entre os alunos-leitores e as obras.
PALAVRAS-CHAVE:Literatura;Recepção;Ensino; Conto; Corações Solitários.
RÉSUMÉ
Cette étude vise à décrire et à analyser les principaux aspects de la réception
du texte littéraire dans deux classes qui ont été tenuées à la troisième année
du Lycée, la première dans une école publique et la deuxième dans une école
privée, les deux, dans la ville de Campina Grande-PB. Nous avons comparé la
réception des étudiants/lecteurs des deux Lycées en rélation à quelques
aspects thématisés par le conte « Corações Solitários », écrit par Rubem
Fonseca. Comme références théoriques fondamentaux pour guider
l'expérience, nous avons mis en évidence les concepts pris de l’Esthétique de
la Réception, l'Expérience Esthétique, l'Horizon d'Attentes et la notion de
Vides ; les deux premiers concepts sont attribuées à Jauss (1979, 1994) et
cette dernière notion est décrite par Iser (1979). À propos de la méthodologie
de l’enseignement de la littérature choisie, nous avons récupéré la notion de
« letramento literário » défendue par Cosson (2006), ainsi que les réflexions
développées par Campos (1999), Colomer (2007), Jouve (2002), Mello (1998),
et les recommandations des OCEM (2006) et des Referenciais Curriculares
para o Ensino Médio da Paraíba (2007). Notre approche du texte littéraire dans
le contexte scolaire a prouvé la nécessité de s’investir dans la formation des
lecteurs critiques par le biais du contact efficace avec les œuvres littéraires.
Nous avons proposé une approche qui commence par la lecture du texte, par
lequel l’expérience avec l’œuvre littéraire est le point principal. Les résultats
obtenus dans nos recherches ont montré que les élèves ont été engagés et
sont plus intéressés à des textes littéraires, lorsque nous utilisons une
méthodologie qui encourage le dialogue et la négociation de sens entre les
étudiants-lecteurs et les livres.
Mots-clé: Littérature ;Réception ;Enseignement; Conte; Corações Solitários.
“Não se ensina literatura para que todos os cidadãos sejam
escritores, mas para que nenhum seja escravo” Gianni Rodari
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ................................................................................................ 11
CAPÍTULO I: LITERATURA E ENSINO- DOS EMBATES TEÓRICOS E
ENTRAVES METODOLÓGICOS
1.1-APONTAMENTOS SOBRE A ESCOLARIZAÇÃO DA LEITURA
LITERÁRIA...................................................................................................... 14
1.1.1- A “EDUCAÇÃO LITERÁRIA” uma alternativa para formar
leitores................................................................................................... 20
1.2- A AÇÃO DO LEITOR DIANTE DO TEXTO................................................26
1.2.1- EXPERIÊNCIA ESTÉTICA: da identificação dos leitores à emancipação
de sujeitos.........................................................................................................28
1.2.2- TEORIA DO EFEITO: formulações de Wolfgang. Iser...........................31
CAPÍTULO II: O CONTO DE RUBEM FONSECA
2.1- TÓPICOS SOBRE O CONTO....................................................................34
2.2- RUBEM FONSECA: Temáticas recorrentes e traços estilísticos...............40
2.2.1-A PRODUÇÃO FONSEQUIANA E OLHAR DA CRÍTICA.......................44
2.3- FELIZ ANO NOVO.....................................................................................46
2.3.1- CORAÇÕES SOLITÁRIOS.....................................................................50
2.3.1.1- REFLEXÕES SOBRE O CONTO........................................................52
2.3.1.1-OS VAZIOS:UMA VIA DE INTERPRETAÇÃO DO CONTO................57
CAPÍTULO III: LEITURAS E LEITORES DE “CORAÇÕES SOLITÁRIOS”..63
3.1- A OBSERVAÇÃO PARTICIPANTE...........................................................64
3.1.1-TURMA A..................................................................................... 65
3.1.2-TURMA B......................................................................................69
3.2- QUESTIONÁRIOS.....................................................................................76
3.3-INTERVENÇÃO DIDÁTICA - primeiro momento........................................87
3.3.1-REAÇÕES PÓS-LEITURA......................................................................88
3.3.2- INTERVENÇÃO DIDÁTICA - segundo momento...................................98
3.3.3QUESTÕES
SOBRE
A
LEITURA
DE
“CORAÇÕES
SOLITÁRIOS”..................................................................................................102
CONSIDERAÇÕES FINAIS.............................................................................113
REFERÊNCIAS...............................................................................................116
ANEXOS..........................................................................................................119
ANEXO A.........................................................................................................120
ANEXO B.........................................................................................................122
ANEXO C.........................................................................................................125
ANEXO D.........................................................................................................128
11
INTRODUÇÃO
Nosso trabalho se propõe a repensar alternativas metodológicas para o
estudo do gênero conto no Ensino Médio, a partir da experiência de leitura de
“Corações Solitários”, vivenciada em duas turmas de terceiro ano. Com o
intuito de propor abordagens mais produtivas para o texto literário na sala de
aula, visamos aproximar, de forma mais expressiva, o texto literário dos alunos
do Ensino Médio, atendendo, deste modo, ao propósito de contribuir para a
formação de leitores de literatura.
Consideramos a leitura de contos de Rubem Fonseca bastante viável
em turmas do ensino médio, tanto pela atualidade da obra do autor, quanto
pela possibilidade de leitura integral dos textos, face à própria extensão de
grande parte dos exemplares do gênero, que facilita, também por este aspecto,
sua leitura no contexto escolar. Entre outras justificativas para trabalhar contos
de Rubem Fonseca em sala de aula, podemos destacar a pluralidade temática
existente em suas narrativas.
No primeiro capítulo, essencialmente teórico, situaremos a questão da
escolarização da leitura literária, tomando por base principalmente as
contribuições de Soares (1999) e a pesquisa realizada por Campos (1999) no
tocante ao tratamento conferido à literatura no contexto escolar. Além disso,
recuperaremos as recomendações presentes nas Orientações Curriculares
para o Ensino Médio (2006) e a reflexão de Colomer (2007) acerca da
educação literária como uma alternativa para o projeto de formar leitores.
Em seguida, ainda no capítulo I, apresentaremos alguns dos
pressupostos teóricos para a realização da nossa pesquisa, tomados da
Estética da Recepção, Experiência Estética, Horizonte de Expectativas,
destacando a noção de vazios, advinda da Teoria do efeito estético. Os dois
primeiros conceitos são atribuídos a Jauss (1979;1994), esta última descrita em
Iser (1979). No que tange à metodologia de ensino de literatura,
consideraremos a noção de letramento literário, defendida por Cosson (2006).
No segundo capítulo, abordamos a obra de Rubem Fonseca a partir de
um enfoque crítico, exporemos, em um primeiro momento, uma síntese da
produção literária do ficcionista, seguida da explanação sobre as temáticas
12
recorrentes e traços estilísticos que marcam a produção ficcional do referido
autor. Adiante, evidenciaremos o olhar de parte da crítica literária nacional em
relação à obra fonsequiana; neste ponto, comentaremos, sobretudo, a
proibição da obra Feliz Ano Novo e a relação entre o Estado e o escritor na
década de 1970. Entretanto, no início desse capítulo, que trata da produção de
Rubem Fonseca, exporemos as dificuldades de definição e delimitação do
conto enquanto
gênero
literário.
Adiante, de modo mais específico,
examinaremos as temáticas recorrentes e traços estilísticos do autor,
considerando, sobretudo, seus contos. Nessa perspectiva, destacaremos a
obra Feliz Ano Novo, publicada em 1975, da qual faz parte o conto “Corações
Solitários”.
Analisamos o referido conto, explorando, sobretudo, a ironia
enquanto um vazio dessa narrativa. Antes, entretanto, recuperaremos as
reflexões de Adorno (2002) acerca da cultura de massa e Hall(1999) sobre a
identidade fragmentada do sujeito pós-moderno.
No terceiro capítulo deste trabalho, descrevemos e analisamos
aspectos relevantes da recepção do conto em questão, em duas turmas do 3º
ano do Ensino Médio, uma da rede pública e a outra da rede particular de
ensino, ambas situadas na cidade de Campina Grande-PB. Em seguida,
compararmos dados da recepção dos educandos das duas instâncias em
relação a alguns aspectos tematizados em “Corações Solitários”. Nas duas
turmas, a experiência de leitura, através da nossa intervenção didática, foi
realizada em dois encontros de aproximadamente 90 minutos.
Entretanto,
antes
de
refletirmos
sobre
a
intervenção
didática,
descreveremos o processo, que a precedeu, qual seja: a observação
participante. Analisaremos também o questionário respondido pelos envolvidos
na experiência de leitura. Refletiremos sobre dados coligidos nas duas turmas
no primeiro encontro, enfatizando as reações dos estudantes durante e após a
leitura integral do conto.
Comentamos, ainda, as percepções dos alunos das duas turmas sobre a
relação título/enredo, a atualidade de “Corações Solitários”, e sobre a
credibilidade da imprensa tematizada no conto. No tocante ao segundo
encontro, descrevemos as etapas de realização da aula e refletimos sobre os
dados coligidos nos dois ambientes, além de confrontarmos as respostas dos
educandos, obtidas nas duas turmas, para as três questões discursivas.
13
É válido destacar que os capítulos apresentam uma noção de unidade,
já que para a realização da Intervenção didática fomos constantemente
influenciados por nosso referencial teórico-metodológico e a experiência de
leitura realizada no contexto escolar é ponto culminante das reflexões
anteriores.
14
CAPÍTULO I -LITERATURA E ENSINO- DOS EMBATES TEÓRICOS E
ENTRAVES METODOLÓGICOS
1.1-APONTAMENTOS SOBRE A ESCOLARIZAÇÃO DA LEITURA LITERÁRIA
As reflexões sobre a escolarização da leitura literária apontam problemas
diversos, alguns atinentes aos conteúdos, por exemplo, questões relativas à
seleção de gêneros e autores, além da fragmentação dos textos recorrente no
contexto escolar, outros ligados à metodologia e às práticas de ensino. Diante
desses impasses parece cada vez mais relevante observar a condição do
aluno-leitor enquanto sujeito que interage com os textos literários, negociando
sentidos.
Nessa perspectiva, julgamos ser tarefa do professor desenvolver
atividades capazes de redimensionar o papel e a relevância da leitura literária
no domínio escolar, de modo que a literatura, concomitantemente, desperte a
sensibilidade dos educandos e esteja vinculada às suas necessidades fora da
escola, nos usos sociais.
Destarte, em consonância com a Lei de Diretrizes e Bases da Educação
Brasileira1, a escola deverá ter como objetivos o aprimoramento do educando
como pessoa humana, incluindo a formação ética, o desenvolvimento da
autonomia intelectual e do pensamento crítico, não importando se o educando
continuará os estudos ou ingressará no mundo do trabalho (BRASIL/SEMTEC,
2006). Entretanto, para cumprir tais objetivos o ensino de literatura não pode
estar pautado na mera veiculação de informações sobre épocas, estilos e
características de escolas literárias, deve, ao contrário disto, priorizar a
formação do leitor literário, propiciando aos educandos o contato com as mais
diversas formas de expressão literária.
Nessa direção, partindo da constatação de que a abordagem
exclusivamente historicista da literatura é insuficiente para formar leitores
críticos,
as
Orientações
Curriculares
para
o
Ensino
Médio(2006),
fundamentadas teoricamente, dentre outros, em pressupostos norteadores da
1
Cf: LDBEN 9394/96, especificamente o inciso III do artigo 35.
15
Estética da Recepção, recomendam a centralidade das obras literárias
enquanto objeto precípuo de ensino-aprendizagem nas aulas de literatura,
observemos:
Quando propomos a centralidade da obra literária, não
estamos descartando a importância do contexto histórico-social
e cultural em que ela foi produzida, particularidades de quem a
produziu mas apenas tomando – para o ensino da Literatura
um caminho inverso: o estudo das condições de produção
estaria subordinado à apreensão do discurso literário. Estamos,
assim, privilegiando o contato direto com a obra, a experiência
literária, e considerando a história da Literatura uma espécie de
aprofundamento do estudo literário, devendo, pois, ficar
reservado para a última etapa do ensino médio. (BRASIL,2006,
p.76-7)
Entretanto, apesar de o documento ter sido publicado em 2006, o ensino
de literatura proposto em muitas escolas, que permanecem presas aos livros
didáticos adotados, continua distante da leitura e do estudo detido das obras
literárias. Alguns professores continuam ministrando aulas exclusivamente
sobre história da literatura, fundamentando-as em quadros estáticos e bem
delimitados de cada período literário.
Em relação às situações de ensino, Alves (2009) adverte que “as
práticas se repetem, sempre enfatizando a apreensão de conteúdos, de
informações ou teorias. Esquecemos de que, ao trabalhar com uma arte, há
peculiaridades que devem ser observadas.” (p.132). Portanto, a preocupação
excessiva em transmitir conteúdos e conceitos se configura como uma das
problemáticas ligadas ao ensino de literatura.
Ainda em relação à problemática da transmissão de conceitos, Tzvetan
Todorov, em A literatura em perigo2, critica a inversão operada no domínio
escolar, a partir da qual os alunos não entram em contato com a literatura
mediante a leitura dos textos literários propriamente ditos, mas com uma forma
de crítica, de teoria ou de história literária. Nesse esteio o crítico búlgaro
arremata a questão do seguinte modo:
No ensino superior é legítimo ensinar (também) as abordagens,
os conceitos postos em prática e as técnicas. O ensino médio,
2
Recomendamos a leitura desse livro. Há três capítulos que trazem reflexões diretamente
relacionadas ao ensino de literatura: “A LITERATURA REDUZIDA AO ABSURDO”; “ALÉM DA
ESCOLA” e “UMA COMUNICAÇÃO INESGOTÁVEL”
16
que não se dirige aos especialistas em literatura, mas a todos,
não pode ter o mesmo alvo; o que se destina a todos é a
literatura, não os estudos literários, é preciso então ensinar
aquela e não estes últimos. (TODOROV,2009,p.41)
Outra problemática diz respeito à metodologia utilizada nas aulas de
literatura no nível médio. Cereja (2005)3 demonstra que existe uma certa
tendência por parte dos professores de tentarem adotar na aula de literatura os
procedimentos metodológicos tais quais a sequência proposta por grande parte
dos livros didáticos, constituída dos seguintes passos: comentários sucintos
sobre a escola literária, com datas limítrofes e indicação de seus principais
autores, além dos principais fatos do contexto histórico.
Quanto à forma de transmissão desses conteúdos, Cereja (2005, p.25)
ressalta que geralmente ela é feita de modo oral e expositivo pelo professor,
que, às vezes, faz a mediação entre o autor do manual didático adotado e o
aluno. Os livros didáticos, por sua vez, no tocante à quantidade e à qualidade
dos textos literários veiculados, são alvos de críticas pertinentes desde o fim da
década de 19704. Entretanto, ainda hoje se mostram aquém5 da necessidade
de formar leitores.
No tocante às atividades propostas nos livros didáticos, durante décadas
as atividades de “interpretação textual” foram marcadas pelo predomínio de
perguntas que demandavam leituras, através das quais os alunos não tinham
oportunidade de inferir, refletir e, de fato, interpretar os textos literários. Nessa
direção Silva (2005) conclui que em face desse tipo de atividade “o aluno não
consegue interagir com o texto, pois o papel dinâmico do leitor é subestimado,
sufocado pela leitura imposta pelo professor e pelos roteiros de interpretação
dos manuais didáticos.” (SILVA, 2005, p.19)
3
Trata-se de uma pesquisa de amostragem, realizada no mês de junho de 2002 com alunos e
professores de algumas escolas da rede pública e particular da cidade de São Paulo. Embora a
pesquisa tenha sido realizada em outra região do país, acreditamos que ela expõe um quadro
geral do ensino de literatura no Brasil. (Cf. CEREJA,Wiliam Roberto.Ensino de Literatura:uma
proposta para o trabalho com a Literatura.São Paulo:Atual, 2005)
4
Cf LINS, Osman Do ideal e da glória: problemas inculturais brasileiros. São Paulo:
Summus,1977.
5
Outra questão problemática é a da fragmentação dos textos, sinalizada, entre outros
estudiosos, por Alves (2006), compreensível no caso das narrativas mais longas, mas que
também ocorre na apresentação de poemas, cujos excertos são utilizados simplesmente para
ilustrar traços de estilos de época.
17
Outra questão agravante é que embora o ensino de literatura, bem como
o convívio com os gêneros literários devam ser iniciados no nível fundamental,
é só no nível médio que ela se constitui como disciplina escolar. Contudo,
conforme aponta Andrade (2003), a leitura literária não é concretizada nem nas
turmas de Ensino Médio, uma vez que, em detrimento da experiência de leitura
e de sua socialização, é comum a escola se limitar ao trabalho,
exclusivamente, das obras indicadas para o Exame Vestibular6 a partir de
fichas de resumo que contemplam, também, as características estilísticas da
obra, a biografia do autor e a descrição da escola literária.
Deste modo, as aulas, em função dos conteúdos selecionados e das
metodologias empregadas, fazem com que os alunos desenvolvam uma
compreensão limitada do fenômeno literário. Não raro os discentes passam a
acreditar que a literatura é uma disciplina decorativa e que suas aulas são
irrelevantes para a sua formação. Nesse contexto de atividades e práticas
marcadas pelo artificialismo, os estudantes muitas vezes tendem a transferir o
mesmo descrédito à literatura de um modo mais amplo.
No tocante à distância entre a necessidade de formação do leitor crítico
e as práticas tradicionalmente utilizadas na escola, as Orientações Curriculares
Nacionais para o Ensino Médio advertem:
[...]quando os jovens não são ainda leitores (na nossa escola, é
essa a situação da maior parte dos alunos), é difícil fazê-los se
interessarem por atividades de metaleitura7 , além do que, se
não leram os textos, o trabalho apresenta-se inteiramente inútil,
resultando em desinteresse não só pelas atividades como pela
própria leitura do texto, a qual lhes parecerá apenas um pretexto
para realizar exercícios enfadonhos. [...] Se o objetivo é, pois,
motivar para a leitura literária e criar um saber sobre a literatura,
é preciso considerar a natureza dos textos e propor atividades
que não sejam arbitrárias a essa mesma natureza. (BRASIL,
2006,p.70-71)
6
Apesar de desde 2010 o ENEM (Exame Nacional do Ensino Médio) ter substituído a maioria
dos Vestibulares das Instituições Federais do país, o Vestibular ainda é uma realidade da
educação brasileira,e, consequentemente, a prática de “aulões” e resumos de obras ainda
persiste. No caso da Paraíba, o Vestibular 2011 da Universidade Estadual da Paraíba teve
mais de 25 mil inscritos. Para o Vestibular 2012 da mesma instituição foram 31.215 inscritos.
7
Atividades de metaleitura são aquelas atividades que priorizam no estudo do texto (ainda que
a leitura não tenha ocorrido), aspectos da história literária, características de estilo etc,
deixando em segundo plano a leitura do texto literário, substituindo-o por simulacros ou
simplesmente ignorando-o" (BRASIL 2006,p.70)
18
Diante das alterações no contexto social de ensino, bem como da
própria concepção de aprendizagem, fez-se absolutamente necessário que a
escola redefinisse tanto os objetivos, quanto os conteúdos e metodologias do
ensino de literatura. Em decorrência disso, nas últimas décadas, pesquisadores
têm debatido questões relativas ao papel da literatura enquanto disciplina
escolar, e aos impasses metodológicos para sua abordagem, visando à
formação de leitores. Entre os estudiosos, destacaremos as reflexões de
Magda Soares (1999) e de Maria Inês Campos (1999).
Em meados da década de 1990, Maria Inês Campos realizou uma
pesquisa junto a alunos e professores de 2º grau em escolas particulares de
São Paulo, com o intuito de analisar as práticas metodológicas do ensino do
texto
literário,
a
pesquisadora
apresentou
uma
proposta
de
leitura
literária,visando uma experiência prazerosa, baseada na Estética da Recepção.
Na percepção de Campos(1999) havia três problemas centrais que se
configuravam
obstáculos
no intento de tornar a leitura uma atividade
prazerosa no âmbito escolar. Em primeiro lugar estaria o enfoque das obras
numa organização linear seguindo o paradigma grandes autores-obras-estilos
que valoriza o cânone da obras primas do século XIX; o segundo seria a falta
de perspectiva estética do ensino, que distancia a abordagem da necessidade
de formar o leitor como um sujeito capaz de atualizar o texto. O terceiro seria o
uso de uma metodologia que desconsidera a literatura como texto e seu ensino
como espaço em que o aluno constrói seu conhecimento numa percepção
estética.
Os resultados da pesquisa realizada por Campos (1999) revelam que,
ao entrar na escola, muitas vezes a obra literária perde a sua autonomia de
objeto estético e os alunos mantêm com ela uma relação pragmática. Segundo
a autora, diante da obra não se manifesta um sujeito que lê e constrói imagens
interligadas e complementares, mas um aluno que cumpre uma tarefa
impositiva e formal. Recuperemos a constatação de Campos(1999):
A determinação do prazer estético como prazer-de-si-no-outro
pressupõe a unidade primária do prazer cognoscente e da
compreensão prazerosa,restituindo à experiência estética o
significado da apropriação. O ensino convencional de literatura
não cria essa aproximação com o texto literário e, assim, as
possibilidades decorrentes desse prazer se dissipam em outros
19
objetivos. Perde-se a possibilidade de, através da identificação
com o texto, o aluno participar de experiências alheias,que ele
não se julgaria capaz de fazer ou viver em sua realidade
cotidiana. (CAMPOS,1999,p.136)
Desse modo, a pesquisa de Campos evidencia que os problemas no
ensino de literatura residem, sobretudo, nas questões metodológicas. A autora
sinalizava, há mais de uma década, a necessidade de revisar as práticas e os
modos de abordagem do texto literário no domínio escolar. Na mesma direção,
Magda Soares no fim da década de 90, debatendo este tema, mencionou a
existência de dois tipos de escolarização da leitura literária, uma adequada e
outra inadequada.
A abordagem adequada da literatura conduziria eficazmente às práticas
de leitura presentes no contexto social. De acordo com a estudiosa, designa-se
escolarização o processo que inclui desde a ordenação de tarefas e ações até
os “procedimentos formalizados de ensino, tratamento peculiar dos saberes
pela seleção, e consequente exclusão, de conteúdos, pelo modo de ensinar e
fazer aprender esses conteúdos” SOARES(1999,p.21 ).
Na percepção de Soares (op cit.) há quatro aspectos principais a serem
considerados quando se tem em vista a escolarização adequada da literatura,
a saber: a seleção dos textos, que inclui a opção por gêneros, autores e obras,
visando à compreensão do literário e ao gosto pela literatura; a seleção de
fragmentos, de modo a desenvolver nos alunos os conceitos de autoria, de
obra e de fragmento de obra; a transferência do suporte literário para o suporte
didático, que deve sempre preservar a essência do literário e o mais relevante
aspecto, as intenções e os objetivos da leitura e estudo dos textos literários.
Relativamente a este último aspecto, a autora acrescenta que tais
objetivos devem privilegiar aqueles conhecimentos, habilidades e atitudes
necessárias à formação de um bom leitor de literatura. Retomando as palavras
de Soares(1999) tais competências estariam relacionadas, entre outros
aspectos, com a análise do gênero do texto, das figuras autor-narrador,
personagem, ponto de vista (no caso da narrativa), a interpretação de
20
analogias, além da “identificação de recursos estilísticos e poéticos 8, enfim, o
‘estudo’ daquilo que é textual e daquilo que é literário.” (SOARES, op.cit,p.44)
Tendo em vista alcançar a escolarização adequada, faz-se necessário,
primeiramente, adequar os textos às capacidades e aos interesses dos
educandos, evitando a abordagem de conteúdos desconectados com a vida
dos estudantes. Além disso, consideramos pertinente promover o contato dos
aprendizes, no ambiente escolar, com os mais diversos gêneros literários sobre
temáticas variadas e de diferentes épocas, a fim de que a partir desse contato
o aluno possa compreender a literatura enquanto fenômeno cultural, histórico e
social, dado que:
O texto literário ostenta a capacidade de reconfigurar a
atividade humana e oferece instrumentos para compreendê-la,
posto que, ao verbalizá-la, cria-se um espaço específico no
qual se constroem e negociam os valores e o sistema estético
de uma cultura. (COLOMER, 2007, p. 27)
Portanto, a abordagem escolar das obras literárias deverá orientar os
educandos para a negociação de sentidos, face à estrutura simbólica dos
textos literários. Desse modo, a literatura propiciará a oportunidade de o
aprendiz vivenciar uma experiência individual significativa, ampliando sua
capacidade de compreensão do real, de modo a estabelecer, ainda que
inconscientemente, na interação com as obras lidas, um diálogo com a cultura.
1.1.1-“EDUCAÇÃO LITERÁRIA” uma alternativa para formar leitores
Conforme destacamos anteriormente, o documento que baliza a
educação nacional situa a relevância da experiência literária no contexto
escolar. Além disso, as OCEM (2006) evidenciam a necessidade e urgência de
investirmos no letramento literário dos estudantes, isto é, unir esforços no
sentido de dotar o educando da capacidade de se apropriar da literatura, tendo
dela a experiência literária. Observemos o trecho das Orientações que elucida
o alcance da experiência literária no domínio escolar:
8
Apesar das contribuições de Soares (1999), é necessário destacar que nesse ponto persiste o
enfoque conteudista.
21
Estamos entendendo por experiência literária o contato efetivo
com o texto. Só assim será possível experimentar a sensação
de estranhamento que a elaboração peculiar do texto literário,
pelo uso incomum de linguagem, consegue produzir no leitor, o
qual, por sua vez, estimulado, contribui com sua própria visão
de mundo para a fruição estética. A experiência construída a
partir dessa troca de significados possibilita, pois, a ampliação
de horizontes, o questionamento do já dado, o encontro da
sensibilidade, a reflexão, enfim, um tipo de conhecimento
diferente do científico, já que objetivamente não pode ser
medido. O prazer estético é, então, compreendido aqui como
conhecimento, participação, fruição. (BRASIL,op.cit,p.55) (grifo
nosso)
Portanto, para que a literatura como disciplina escolar desempenhe seu
papel na formação reflexiva dos educandos, além de cumprir a sua função
social, devem ser repensadas práticas suscetíveis de formar sujeitos capazes
de, através da leitura, construir uma perspectiva pessoal e crítica sobre os mais
diversos assuntos que os rodeiam, no seu cotidiano. Nesse sentido, é
pertinente deslocar os estudantes da condição de meros decodificadores
textuais, a fim de que eles possam desenvolver sua criatividade, a capacidade
de vivenciar uma experiência estética, a partir de um diálogo reflexivo
estabelecido entre ele e o texto literário.
Entretanto, para empreender tal diálogo reflexivo deve-se afinar a
escolarização da Literatura com a proposta metodológica do letramento
literário, posto que a abertura dialógica possibilita “as condições para que o
encontro do aluno com a literatura seja uma busca plena de sentido para o
texto literário, para o próprio aluno e para a sociedade em que todos estão
inseridos” (COSSON, 2006, p.29), conforme nos lembra Rildo Cosson em
Letramento Literário.
A proposta metodológica do letramento literário caracteriza-se por ser,
recuperando as palavras de Cosson (2006), o processo de letramento “que se
faz via textos literários que compreende não apenas uma dimensão
diferenciada do uso social da escrita, mas também, e, sobretudo, do seu efetivo
domínio.” (COSSON,op.cit, p.12) Ou seja, investir no letramento literário
pressupõe possibilitar o contato direto e constante dos alunos com textos
literários.
Para promover satisfatoriamente a referida metodologia, há urgência de
tornar a aula de literatura um espaço verdadeiramente dialógico. Apenas em
22
um espaço de interação, de leituras plurais, de negociação de sentidos, os
alunos exercitarão habilidades de reflexão e interpretação, suscitadas em meio
à experiência de leitura e estudo dos textos literários; efetivando, destarte, o
que postula Jauss(1979) “à medida que o prazer estético libera da obrigação
prática do trabalho e das necessidades naturais do cotidiano, funda uma
função social que sempre caracterizou a experiência estética” (JAUSS, op.cit,
p. 95).
Nesse contexto, cabe ao professor assumir uma postura que incentive o
debate, que possibilite questionamentos na aula. Além da assunção do papel
de mediador, cabe ao professor, tendo em vista a proposta do letramento
literário, reconhecer que a Literatura revela um modo discursivo peculiar, dado
que, diferentemente dos demais, decorre de uma organização estrutural
diferente das elaborações linguísticas usuais, presentes, por exemplo, na
comunicação diária.
Portanto, o trabalho com o discurso literário demanda do docente tanto
conhecimentos relativos à teoria da literatura quanto uma vasta experiência
com a leitura literária. Entre outras exigências, é imprescindível que o professor
seja consciente das especificidades deste modo discursivo, que é o menos
pragmático, o que menos visa a aplicações práticas. Campos (1999), por seu
turno, salienta que para promover a experiência literária são imprescindíveis
mudanças na seleção dos conteúdos e nas práticas pedagógicas frente a
esses conteúdos.
De acordo com a pesquisadora, ensinar literatura não seria mais
sobrecarregar os alunos com informações, mas desenvolver nos alunos
habilidades de leitura e sensibilizá-los para a fruição face aos textos literários9.
Ensinar implica, nesse contexto, atingir a sensibilidade dos alunos e possibilitar
o reconhecimento de sentidos. De tal maneira que, de acordo com a estudiosa
“desloca-se o foco do ensino para a aprendizagem e o professor precisa
trabalhar integradamente com a razão e emoção, levando em conta a
subjetividade do aluno.” (CAMPOS,op cit,p.48)
Em conformidade com os Referenciais Curriculares para o Ensino Médio
9
Apesar de Campos(1999) destacar a fruição como um dos objetivos do ensino de literatura,
através do apelo à sensibilidade dos alunos, a pesquisadora não desconsidera o pensamento,
a razão dos educandos, posto que a autora sinaliza a necessidade de desenvolver habilidades
de leitura.
23
da Paraíba (2007), “a leitura literária é uma experiência a ser realizada fora do
ritmo alucinante dos meios de comunicação de massa” (p.82). Dessa forma, a
sala de aula, ambiente propício para construir conhecimentos e suscitar
habilidades, é, em nossa percepção, um lugar adequado para vivenciar e
estimular esse tipo de experiência de leitura.
Portanto, a escola tem um papel decisivo como espaço social onde deve
estar o mediador (professor) que levará o texto literário considerando os
conhecimentos de mundo, as capacidades cognitivas e os interesses dos seus
alunos. Ainda relativamente à responsabilidade dos docentes de articular um
projeto para a formação de leitores, Mello (1998) adverte-nos sobre a dinâmica
que deve perpassar o planejamento de ensino de literatura; segundo a autora:
A integração didáctica realiza-se na conjugação entre teoria e
prática, num processo aberto à interrogação da própria noção
de integração, que obriga o professor que ensina literatura a
considerar a especificidade didáctica das situações de ensino,
sem perder de vista questões teóricas, modalidades de
leitura,níveis escolares e estratégias didáctico-pedagógicas.
(MELLO, 1998, p. 319-20)
As palavras de Mello ratificam a relevância do papel desempenhado pelo
professor no processo de formação de leitores, não apenas pelo fato de ser
reservada ao docente a tarefa de adequar a seleção dos textos às capacidades
e aos interesses de seus alunos, mas, sobretudo, em razão de caber ao
professor estimular e contribuir, através de metodologias viáveis atreladas a
objetivos bem definidos, para a formação de sujeitos leitores. Por isso, torna-se
ainda mais evidente a premência de que o professor articule paradigmas
didáticos e literários.
Tal qual Bordini & Aguiar (1988), consideramos que o texto literário
veicula uma modalidade de conhecimento peculiar, que se distancia da mera
transmissão de conteúdos e da simples profusão de conceitos. Por isso, no
âmbito escolar, a leitura literária, não pode ser impositiva e meramente formal,
em vista da polissemia que é própria do seu discurso. Como os sentidos
literários são múltiplos, o ensino não deve destacar um conjunto deles como
meta a ser alcançada pelo aluno. Nesse sentido, partilhamos da opinião de
Colomer (2007) acerca da necessidade de substituir o conhecimento
24
enciclopédico pelo desenvolvimento da competência literária dos alunos
através da leitura e dos instrumentos interpretativos.
Tratando da leitura literária na escola, Teresa Colomer (2007), em Andar
entre Livros, apresenta reflexões e sugestões metodológicas para a abordagem
da literatura no contexto escolar. Apesar de a indicação de atividades,
instrumentos de avaliação, metodologias e objetivos para leitura estarem
voltadas sobremodo para etapa de ensino que no Brasil constitui o ensino
fundamental, julgamos muito pertinentes para a nossa pesquisa
as
contribuições teórico-metodológicas presentes nesse livro. Destacaremos,
entre as reflexões dessa estudiosa, a noção de “leitura compartilhada”.
Na primeira parte do livro, estabelecendo uma ponte entre as práticas
docentes e os pressupostos teóricos que lhes são subjacentes, a autora
destaca três aspectos que interagem no processo da formação de leitores, a
saber: a escola, os leitores e os livros. Em defesa da educação literária,
Colomer (2007) sugere que estimular a leitura e planejar o desenvolvimento
das competências infantis deve ser o eixo da tarefa escolar no acesso à
literatura. O objetivo central dessa proposta seria, no dizer da autora, “contribuir
para
a
formação
da
pessoa,
uma
formação
que
aparece
ligada
indissoluvelmente à construção da sociabilidade” (COLOMER, 2007, p. 31).
A segunda parte da obra, particularmente a que mais nos interessa, se
destina
a
orientações
encaminhamentos
das
para
o
planejamento
práticas
pedagógicas,
das
atividades
atentando
para
e
a
as
especificidades da leitura em funcionamento na escola. Para tanto, a autora se
ocupa desde a análise dos critérios utilizados para seleção das obras até a
reflexão sobre as possibilidades de expandir os conhecimentos literários em
direção a áreas distintas do conhecimento. A pesquisadora espanhola discute
ainda modos de socialização da leitura.
Defendendo a aprendizagem social e afetiva da leitura, Colomer assinala
que “pode-se afirmar cada vez com maior segurança e de maneira cada vez
mais pormenorizada, que a leitura compartilhada10 é a base da formação de
leitores.” (COLOMER,op cit,p.106). A autora afirma que a socialização das
10
Compartilhar a leitura significa socializá-la,ou seja, estabelecer um caminho a partir da
recepção individual até a recepção no sentido de uma comunidade cultural que a interpreta e
avalia.” (COLOMER, 2007,p.147)
25
leituras é relevante, à medida que, no domínio escolar, faculta ao aluno
beneficiar-se da competência dos outros para construir o sentido e
experimentar do prazer de compreender melhor os livros, através de uma ponte
que vai do individual ao coletivo.
Nessa perspectiva, comparar a leitura individual com a realizada por
outros é o instrumento por excelência para construir o itinerário entre a
recepção individual das obras e sua valorização social, através das redes
verticais11. Partindo do pressuposto de que cada aluno-leitor se encontra
inscrito em uma comunidade cultural, organizada pelo fato de compartilhar
alguns pontos de vista, interesses e critérios de valores fundamentais, cada
interpretação é fruto de um processo de negociação e persuasão. É o que
ratifica Colomer (2007), quando afirma:
[...] se o acesso à leitura implica fazer entrar em jogo a
avaliação pessoal, a necessidade de formação interpretativa
lembra que a ressonância de uma obra no leitor se produz
sempre no interior de uma coletividade. Não se trata, pois, de
abandonar os alunos ao desfrute subjetivo do texto, a uma
interpretação empobrecedoramente incomunicável, a uma
constatação empírica de se o efeito da leitura foi prazeroso ou
não. (op cit,p.146 (grifo nosso)).
Nesse caso, a interpretação depende do que escreveu o autor, do que
leu o leitor e das convenções que regulam a leitura em uma determinada
sociedade. Ou seja, interpretar é dialogar com o texto tendo por limite o
contexto. Portanto, realizar atividades de leitura compartilhada faculta, de
imediato, a compreensão das obras, possibilitando ainda uma aprendizagem
relevante de estratégias leitoras, já que os educandos têm a oportunidade de
vislumbrar o modo como seus colegas conseguem entender as obras.
Além disso, a leitura compartilhada favorece o reconhecimento do outro
e do mundo que são proporcionados pela experiência literária, defendida entre
outros pelas OCEM (2006), como modo de apropriar-se da literatura como
construção de sentidos. Esse diálogo promove, com efeito, o desenvolvimento
11
Além das redes verticais Colomer (2007), indica a necessidade de propor, no âmbito escolar,
redes horizontais, as quais estariam ligadas à criação de sistemas conceituais em relação aos
quais os alunos-leitores pudessem estabelecer possibilidades de situar seu repertório de
leituras,através de comparações, por exemplo.
26
ético e cultural dos educandos tão relevantes para o convívio social dentro e
fora da escola.
1.2- A AÇÃO DO LEITOR DIANTE DO TEXTO
A Estética da Recepção, vertente da crítica literária oriunda da tradição
reflexiva alemã, teve suas bases teóricas explicitadas durante a conferência “O
que é e com que fim se estuda História da Literatura?”, proferida no ano de
1967 na Universidade de Constança. Nesta ocasião, em que a história da
literatura vivia um período de decadência, Hans Robert Jauss discutiu as
limitações dos enfoques marxistas e formalistas no âmbito da história da
literatura. O professor destacou a necessidade de considerar a relação entre a
obra e o público, pois, sob a ótica de Jauss, sem refletir acerca do fenômeno
da recepção não havia como compreender a permanência e valor das obras
literárias.
Em relação às perspectivas teóricas anteriormente citadas, Jauss (1994)
lembra-nos de que o formalismo defendia o texto como objeto autônomo de
investigação, ao passo que a escola marxista analisava as obras, buscando
revelar as influências de ordem econômicas e sociais. Tais enfoques
compreendiam a literatura enquanto uma estética da produção e da
representação, respectivamente. Retomando o dizer do estudioso alemão,
“ambas privam a literatura de uma dimensão que é componente imprescindível
tanto de seu caráter estético quanto de sua função social: a dimensão de sua
recepção e de seu efeito.” (JAUSS,1994,p.22)
Tendo em vista superar o abismo entre literatura e história e entre o
conhecimento histórico e o estético, Jauss argumenta que a relação entre
literatura e leitor possui implicações tanto estéticas quanto históricas:
A implicação estética reside no fato de já a recepção primária
de uma obra pelo leitor encerrar uma avaliação de seu valor
estético pela comparação com outras obras já lidas. A
implicação histórica manifesta-se na possibilidade de, numa
cadeia de recepções, a compreensão dos primeiros leitores ter
continuidade e enriquecer-se de geração em geração,
decidindo, assim, o próprio significado histórico de uma obra e
tornando visível sua qualidade estética. Se, pois, se contempla
a literatura na dimensão de sua recepção e de seu efeito,então
27
a oposição entre seu aspecto estético e seu aspecto histórico
vê-se constantemente mediada.” (JAUSS,1994,p.23)
Além de sinalizarem a relevância da figura do leitor no domínio da
estética da recepção, essas palavras do teórico alemão apontam sua posição
na defesa de uma hermenêutica literária voltada para o estudo da comunicação
na experiência estética, fato este que permite considerar o leitor como uma
figura histórica que respeita a história do signo que lê, mas que
concomitantemente promove uma ruptura com as leituras feitas até aquele
momento, produzindo interpretações e significações válidas. O estudioso em
questão expõe sete teses, visando discutir como se poderia fundamentar
metodologicamente e reescrever a história da literatura.
Em linhas gerais, na primeira tese, Jauss afirma que a natureza histórica
da literatura é manifestada durante o processo da recepção, no dizer do
teórico, “a historicidade da literatura consiste no experienciar dinâmico da obra
literária por parte dos seus leitores.” (JAUSS,1994,p.24). A segunda tese revela
que a experiência literária do leitor pode ser descrita por meio de um sistema
objetivo de expectativas que ele tem em relação à obra, pois a obra que surge
não se apresenta como novidade absoluta.
Se a segunda tese já aponta para a noção de horizonte de expectativas,
a terceira e a quarta teses desenvolvem a referida noção. Jauss acredita que é
através deste conceito que se pode determinar o caráter artístico da obra em
análise: "a distância entre o horizonte de expectativa e a obra, entre o já
conhecido da experiência estética anterior e a "mudança de horizonte" evocada
pelo contato com a nova obra, determina o caráter artístico de uma obra
literária". (JAUSS,1994,p.31). A terceira tese adverte que a reconstituição do
horizonte visa determinar o caráter artístico de uma obra, de acordo com o
efeito causado no leitor, ao passo que a quarta tese indica que o texto literário
responde a necessidades do público com o qual dialoga.
Na quinta tese, segundo a qual para situar uma obra no decurso da
história é fundamental considerar a história de seus efeitos, o estudioso alemão
assevera
que
o
fundamento
estético-recepcional
permite
observar
a
profundidade temporal da experiência literária, revelando a distância variável
entre o significado atual e o significado virtual de uma obra. A sexta tese
sugere o desenvolvimento de uma nova história da literatura, pautada na noção
28
de historicidade da literatura que articule historicamente o caráter processual
da “evolução literária”, traçando pontos de interseção entre sincronia e
diacronia.
Na sétima e última tese Jauss tenta desvendar a função socialmente
constitutiva da literatura. Para o professor de Constança, a função social só é
capaz de atingir de modo pleno suas possibilidades: “quando a experiência
literária do leitor adentra o horizonte de expectativa de sua vida prática, préformando seu entendimento do mundo, e assim, retroagindo sobre seu
comportamento social.” (JAUSS, op cit, p.51).
Tal qual Jauss cremos que a literatura, por influenciar a visão de mundo
do leitor, possibilita alterações em seu comportamento e em suas práticas
sociais. Reconhecemos, portanto, que a reflexão sobre o papel do leitor em
face da Experiência Estética consiste em um dos principais progressos dessa
teoria, firmada na segunda metade do século XX.
1.2.1- EXPERIÊNCIA ESTÉTICA: da identificação dos leitores à
emancipação de sujeitos
Um dos conceitos fundamentais da Estética da Recepção, desenvolvido
sobretudo na segunda, terceira e quarta teses de Hans Robert Jauss, é o de
Horizonte de Expectativa, o qual, embora provenha da hermenêutica de
Gadamer, adquiriu grande repercussão a partir dos estudos acerca da
recepção das obras literárias.
Jauss (1979) recupera a noção de horizonte, conferindo-lhe o sentido de
um parâmetro para dimensionar as possibilidades de recepção dos virtuais
leitores de uma determinada obra em uma dada época, já que a recepção,
como o aponta Jauss, é um fato social. Para o teórico em questão o horizonte
de expectativa da literatura distingue-se daquele da práxis principalmente pelo
fato de, além de considerar as experiências vividas e antecipar possibilidades
não concretizadas, “expandir o espaço limitado do comportamento social rumo
a novos desejos, pretensões e objetivos, abrindo, assim novos caminhos para
a experiência futura.”(JAUSS,op cit, p.52)
Em síntese, poderíamos concluir que o Horizonte de Expectativa consiste
nas experiências de leitura acumuladas, isto é, seria um sistema de referências
29
em relação ao qual o leitor reconstrói sua leitura e suas expectativas, no
momento em que uma nova obra lhe é apresentada. Outro conceito de Jauss
concernente à recepção do texto literário bastante relevante para a nossa
pesquisa é o de experiência estética, que seria o resultado da interação entre a
obra e o leitor. Ainda de acordo com Jauss(1979), a conduta de prazer estético,
se potencializa em três categorias básicas, a saber:
[...](poiesis) para consciência produtora, pela criação do mundo
como sua própria obra; (aisthesis) para a consciência
receptora, pela possibilidade de renovar a sua percepção, tanto
na realidade externa, quanto da interna ; e, por fim, [katharsis]
para que a experiência subjetiva se transforme em intersubjetiva, pela anuência ao juízo exigido pela obra, ou pela
identificação com normas de ação predeterminadas e a serem
explicitadas. (JAUSS, 1979,p. 81).
Em outras palavras, a poíesis, corresponderia à participação do leitor no
processo de construção de sentidos do texto, à medida que lê; a aisthesis, que
consiste no texto ampliar o conhecimento que o leitor possui do mundo e a
katharsis, durante a qual ocorre o processo de identificação, que pode afetar as
possibilidades existenciais do leitor. Retomando a caracterização do referido
teórico sobre a experiência estética, observamos que o estudioso elucida o
motivo de ser lícito compreendermos tal experiência como propiciadora da
emancipação do sujeito:
Em primeiro lugar, ela liberta o ser humano dos
constrangimentos e da rotina cotidiana; estabelece uma
distância entre o sujeito e a realidade convertida em
espetáculo; pode preceder a experiência, implicando então a
incorporação de novas normas, fundamentais para a atuação
na e compreensão da vida prática; e, enfim é
concomitantemente antecipação utópica, quando projeta
vivências futuras, e reconhecimento retrospectivo, ao preservar
o passado e permitir a redescoberta de acontecimentos
enterrados.(JAUSS, 1979, apud ZILBERMAN, 2004,p.54)
Em face do exposto, compactuamos com a tese de que o leitor, no ato da
experiência literária, contempla e interage com uma nova realidade e com uma
visão de mundo, as quais são confrontadas com suas experiências de vida,
suas concepções anteriores, propiciando, de fato, a emancipação do sujeito em
meio à dinâmica de atribuição de sentidos. Ainda em relação ao caráter
30
emancipador da literatura, estamos conscientes de que a literatura por fazer
pensar e refletir tem papel formador da personalidade, por isso, concordamos
com a reflexão de Candido (1995):
Toda obra literária é antes de mais nada uma espécie de
objeto, de objeto construído; e é grande o poder humanizador
desta construção. (...) Quer percebamos claramente ou não, o
caráter de coisa organizada da obra literária torna-se um fator
que nos deixa mais capazes de ordenar nossa própria mente e
sentimentos; e em consequência, mais capazes de organizar a
visão que temos do mundo. (CANDIDO,op cit, 245)
Também acreditando no caráter emancipador da literatura, no fim da
década de 1980, Bordini & Aguiar(1988), tendo em vista a formação de leitores,
propuseram um método a partir de pressupostos teóricos da Estética da
Recepção. O método é composto de cinco etapas: a determinação do horizonte
de expectativas; o atendimento do horizonte de expectativas; a ruptura do
horizonte de expectativas; o questionamento do horizonte de expectativas; e,
por fim, a ampliação do horizonte de expectativas 12.
Na primeira, o professor faria um trabalho diagnóstico, através do qual
sondaria os interesses dos alunos, suas preferências temáticas e de gênero,
seus conhecimentos prévios; na segunda, visando atender aos interesses dos
educandos, proporcionaria leituras literárias que atendessem às questões
levantadas no contato inicial. Na terceira etapa, o professor apresentaria textos
com alguns elementos novos. Nesse ponto, as autoras sugerem a transição
para uma literatura mais exigente, mas estabelecendo diálogo com aspectos
destacados pelos alunos nas obras lidas na segunda fase.
Na quarta etapa, promovendo um comentário coletivo, os alunos
deverão comparar as duas experiências de leitura realizadas nas fases
anteriores, discutindo as semelhanças e diferenças dos textos lidos. Na última
etapa, visando à ampliação do horizonte de expectativas, o professor deve
promover uma discussão em torno das aquisições dos alunos a partir das
leituras realizadas, a fim de que adiante os próprios alunos indiquem outras
leituras aos colegas e o professor sugira novos textos à turma.
12
Reconhecemos a validade da proposta de Bordini & Aguiar(1988),entretanto, face ao tempo
limitado que tivemos para a intervenção didática nas duas turmas, em nossa experiência de
leitura não vivenciamos as cinco etapas sugeridas pelas autoras.
31
Partindo do pressuposto de que as possibilidades de diálogo do alunoleitor com as obras dependem do grau de identificação ou de distanciamento
dos educandos em relação aos textos, Bordini & Aguiar(1988) delimitam alguns
objetivos pretendidos em relação aos alunos. Na abordagem do método
recepcional, espera-se que os alunos se tornem receptivos a outros textos e a
leituras de outrem, além de efetuarem leituras críticas e questionarem as
leituras efetuadas em relação ao seu horizonte cultural.
A abordagem inspirada na teoria da Recepção no contexto escolar está
embasada na relatividade dos fenômenos culturais e históricos, reconhecendo
que as obras literárias não possuem uma significação única, mas sim que seus
sentidos podem ser construídos a cada leitura, de acordo com as experiências
individuais e coletivas dos leitores. Portanto, a ênfase no aluno-leitor como
agente da produção do conhecimento parece ser a grande contribuição da
transposição da teoria para o âmbito escolar.
1.2.2- TEORIA DO EFEITO: formulações de Wolfgang Iser
Através de uma descrição da fenomenologia da leitura, Iser(1979),
visando compreender a literatura no momento em que o leitor com ela interage,
elabora uma rede de conceitos, cuja terminologia adquire relevância no âmbito
da teoria da estética da recepção. Entre as contribuições do referido teórico,
ressaltamos, além do conceito de leitor implícito, a constatação durante suas
formulações de que o texto literário só se realiza mediante a ação do leitor.
Outra percepção relevante desse estudioso refere-se ao reconhecimento
de que tanto o texto quanto o leitor trazem um repertório de conhecimentos e
normas sociais, éticas e culturais que interagem no momento da leitura.
Conforme nos lembra Maria Antonieta Borba, em sua leitura da teoria do efeito
estético:
A condição intrínseca à estrutura comunicativa da ficção
implica que sua organização dê margem a múltiplas interrelações, no que se refere a valores, normas, convenções. Por
isso mesmo, cabe ao leitor em implicitude fazer projeções sob
a orientação das perspectivas do texto,sendo que tal atitude de
preenchimento resulta na constituição dos códigos atribuídos
ao universo ficcional, já que eles se encontram fragmentados
no texto. (BORBA,op cit,p.105)
32
Nesse sentido, as perspectivas do texto visam, certamente, a um ponto
comum de referências, se constituindo deste modo instruções, pistas textuais.
O ponto de referência, todavia, não se manifesta enquanto tal e deve ser, face
à omissão, imaginado pelo leitor. Nesse momento, a ação do leitor, requerida
pela estrutura do texto se consolida, o leitor adquire nesse contexto função
precípua. Nessa direção, conforme assevera Todorov(2009), escrevendo
literatura, “o autor não faz a imposição de uma tese, mas incita o leitor a
formulá-la: em vez de impor, ele propõe, deixando portanto seu leitor livre ao
mesmo tempo que o incita a se tornar mais ativo.” (TODOROV, op.cit.,p.78)
Os textos ficcionais são, de acordo com Iser, discursos marcados por
indeterminações, designados “vazios”, que demandam uma intensificação da
atividade imaginativa do leitor. Ou seja, o texto, através dos seus vazios, de
seus pontos de indeterminação, impele o leitor a estabelecer um diálogo
produtivo. Recuperando as palavras desse teórico alemão, temos:
Os vazios e as negações contribuem de diversos modos para o
processo de comunicação que se desenrola, mas, em conjunto,
tem como efeito final aparecerem como instâncias de controle.
Os vazios possibilitam as relações entre as perspectivas de
representação do texto e incitam o leitor a coordenar estas
perspectivas. (ISER, 1979, p.91)
Tal assertiva corrobora a ideia de que o processo de comunicação se
realiza não por meio de um código, mas através da dialética movida e regulada
pelo que se mostra e se cala no decurso dessa influência recíproca, descrita
por Iser como interação. Nessa perspectiva, defendemos que a obra literária é
potencialmente comunicativa desde sua estrutura e, por isso, depende da ação
do leitor para a atualização dos seus sentidos.
Os vazios ocorrem em todos os tipos de texto, contudo, especificamente
no caso dos textos ficcionais esses pontos de indeterminação são elementos
estruturantes, dado que, no texto literário as omissões e os implícitos são
completamente motivados. De tal maneira que para Iser, a qualidade de um
texto ficcional está intimamente relacionada, entre outros aspectos, ao modo
como o autor estrutura e organiza os vazios no interior do texto.
Nesse ponto, julgamos prudente ressaltar que apesar da relevância
atribuída ao papel do leitor nas formulações teóricas da estética da recepção, a
33
interpretação do texto não é um ato deliberadamente subjetivo, livre de
condicionamentos textuais. Conforme pondera Iser, “como o vazio é
estruturado pela sequência de posições no fluxo temporal da leitura, o ponto de
vista do leitor não pode proceder arbitrariamente” (op cit, p.130).
Destarte, durante a leitura, o leitor deve estabelecer conexões, exercendo
um papel ativo, confirmando ou negando hipóteses, mas sempre respeitando
os limites impostos pelo texto. Na mesma linha de reflexão, Umberto Eco
adverte, em sua obra Interpretação e Superinterpretação, sobre a necessidade
de ter em vista que entre a intenção do autor e o propósito do intérprete
sempre há as intenções do texto. Nesta direção, o crítico italiano, arremata
“aceito a afirmação de um texto ter muitos sentidos. Recuso a afirmação de
que um texto pode ter qualquer sentido.” (ECO,2005,p.165)
Isto posto, tratemos, pois, da noção elaborada por Iser, que permite
projetar os efeitos do ato da leitura, a saber:
Este conceito [o de leitor implícito] é, portanto, uma estrutura
textual que prevê a presença de um receptor sem
necessariamente defini-lo: este conceito pré-estrutura o papel a
ser assumido por cada receptor, sendo isso válido mesmo
quando os textos deliberadamente parecem ignorar seu
possível receptor ou efetivamente o excluem. Assim, o conceito
de leitor implícito aponta para uma rede de estruturas, que
demandam respostas, impelindo o leitor a compreender o texto.
(ISER,1978, apud BORBA,2003,p.29)
O leitor implícito não tem, portanto, existência real, já que é uma
estrutura do texto, oferecendo orientações prévias quanto às formas de ler e
quanto ao significado a ser apreendido, através da projeção da presença do
receptor. Dessa forma, o leitor implícito não é mera abstração, uma vez que
situa determinados papéis aos possíveis receptores. Portanto, tal conceito não
reduz o leitor a um sujeito passivo em busca de uma mensagem do autor, mas
confere a este o direito de estabelecer inúmeras interpretações e imprimir na
obra lida, sua marca criativa.
Através da concepção do leitor implícito, o leitor real atualiza o universo
de representações textuais. Ao delinear um horizonte de sentido para a obra,
um leitor não apenas organiza as várias perspectivas do texto, mas estabelece
o ponto de vista a partir do qual compreende a sua situação no mundo. O
sentido do texto é, assim, apenas imaginável na experiência do leitor, que
34
busca correspondência entre o seu ponto de vista e o da estrutura da obra, por
meio da tensão entre o atendimento e a ruptura de seus horizontes de
expectativas. Dessa forma, acontece a recepção da obra, que não se esgota
em si mesma, visto que cada leitor é único e que cada leitura corresponde a
uma maneira reorganizar a ficção.
Iser diferencia o conceito de concretização da obra, formulado por
Roman Ingarden, do processo de interação texto e leitor, caracterizando o
primeiro enquanto atualização de aspectos potencialmente contidos no texto no
processo da leitura. Teríamos, de um lado, o efeito que toda obra provoca em
seu leitor, que corresponderia a um fato individual. De outra parte, estaria a
recepção, processo histórico que se institui a partir das diferentes
interpretações que cada leitor lhe impõe.
CAPÍTULO II: O CONTO DE RUBEM FONSECA
Eu gostaria de poder dizer que a literatura é
inútil, mas não é, num mundo em que
pululam cada vez mais técnicos. Para cada
Central Nuclear é preciso uma porção de
poetas e artistas, do contrário estamos
fudidos antes mesmo da bomba explodir
(FONSECA, 1994, p.468).
2.1- TÓPICOS SOBRE O CONTO
As origens são incertas, já que não é possível determinar precisamente
quando e onde surgiram as primeiras expressões deste gênero literário. Por
outro lado, sabe-se que seu aparecimento está ligado à tradição oral. No
tocante à origem, R Magalhães Jr. (1972), remetendo à relevância do conto,
sinaliza que “além de ser a mais antiga expressão da literatura de ficção, é
também a mais generalizada, existindo mesmo entre povos sem o
conhecimento da linguagem escrita.” (MAGALHÃES JR,1972,p.09)
Ainda tratando da origem do conto, em consonância com Jolles (apud
D’Onófrio,1995) os contos folclóricos, de natureza eminentemente oral,
consistiam em formas simples do ato de narrar. Nesse sentido, essa forma de
expressão atendia ao registro oral de acontecimentos cotidianos, através de
35
uma linguagem permanentemente fluida, aberta, marcada pela mobilidade e
capacidade de renovação constante. Não raro, as formas simples visavam ao
entretenimento, a transmissão de valores, bem como a divulgação de traços
culturais e modelos comportamentais, de modo a preservar a identidade de
determinados grupos.
Adiante, Jolles (apud D’Onófrio,1995) propõe a diferenciação entre
formas simples e formas artísticas de narrativas. Para o estudioso holandês, as
formas simples são aquelas narrativas que não possuem autor conhecido,
brotam de uma coletividade, manifestando, via de regra, anseios e temores de
um grupo. Tais formas podem ser exemplificadas pelo mito, a lenda, a
adivinhação, o conto popular. O que há em comum entre as formas simples
são as características de antiguidade, oralidade, anonimato e persistência.
As formas artísticas se configuram enquanto elaborações individuais de
arte, a saber: poesia épica, romance, conto erudito, entre outros. No dizer de
Jolles:
São as formas literárias que sejam precisamente
condicionadas pelas opções e intervenções individuais, formas
que pressupõem uma fixação definitiva na linguagem, que já
não são o lugar onde algo se cristaliza e se cria na linguagem,
mas o lugar onde a coesão interna se realiza ao máximo numa
atividade artística não repetível. (JOLLES,1976,p.153,apud
Silva)
Nessa perspectiva, distanciando-se do anonimato, da ênfase à coletividade e
de traços essencialmente orais, o burilamento das formas simples redundaria
nas formas artísticas, atividades literárias pautadas na singularidade.
De acordo com Salvatore D’Onófrio(1995), em relação às proposituras
de André Jolles, há duas características essenciais que diferenciam o conto
literário do conto popular, quais sejam: o fato daquele ser produzido por um
autor historicamente conhecido, bem como a possibilidade de referir-se a um
episódio da vida real, não verdadeiro porque ficcional, mas verossímil.
Nota-se que a distinção estabelecida por Salvatore D’Onófrio alude
apenas à questão da autoria e à noção de verossimilhança 13. Todavia, sabe-se
que, no tocante à estrutura narrativa, o conto popular apresenta elementos
13
Verdade interna ao texto narrativo, isto é, a lógica interna do enredo, provocada pela
causalidade (causa e consequência) que estrutura os fatos da história.
36
formais e temáticos constantes; no conto erudito, por sua vez, ocorre mais
variação de tais elementos.
Traçando um histórico do conto, Moisés(1997) sinaliza que, em virtude
dos seus aspectos estruturais,“o conto parece ter-se constituído em verdadeira
matriz das demais formas literárias. Se não de tudo quanto veio a ser gênero,
espécie e forma literária, ao menos deve ter sido matriz da prosa de ficção.”
(MOISÉS,1997, p.16). Partindo desse pressuposto, o crítico em questão
lembra-nos de que alguns estudiosos apontam que o surgimento do conto
ocorrera há milhares de anos antes de Cristo, destacando o conflito de Caim e
Abel como um exemplar do gênero.
Entretanto, somente a partir do século XIX, o conto conhece um período
de ascensão, assumindo, de fato, o status de expressão literária legitimada.
Relativamente à consolidação do gênero enquanto produção literária no
cenário mundial, Moisés (2004) acrescenta que:
No século XIX, autonomizando-se da novela e do romance, o
conto se define e conhece uma época de esplendor. Ganha
categoria literária, estrutura diferenciada e passa a ser
amplamente cultivado. Em toda a parte, despontam escritores
de talento, não raro voltados única ou notadamente para a
narrativa breve e concisa: Maupassant, na França, Edgar Allan
Poe, nos EUA, Anton Tcheckhov, na Rússia, Hoffmann, na
Alemanha, são alguns dos luminares oitocentistas no gênero.
Portugal e Brasil não ficaram à margem, como atestam o
volume e a qualidade das obras criadas por Eça de Queirós,
Fialho de Almeida, Machado de Assis, Coelho Neto, entre
outros. (MOISÉS,op.cit.,p.87)
Em consonância com Bosi (1977), o conto, gênero de forma tão variável,
é capaz de além de abarcar as temáticas do romance, “colocar em jogo os
princípios de composição que regem a escrita moderna em busca do texto
sintético e do convívio dos tons, gêneros e significados.” (BOSI,1977,p.07). Já
no século XX, o conto desenvolve especificidades, que acentuando a
fisionomia estética, o aproximam de uma cena do cotidiano “poeticamente
surpreendida”14.
14
Expressão utilizada por MOISÉS (2004,p.87)
37
Bader (apud GOTLIB) contesta o fato de a estrutura do gênero ter sido
modificada, ao longo dos anos. O estudioso em questão propõe que tenha
havido uma mudança de técnica quanto ao modo de narrar. Sob essa ótica,
segundo o modo tradicional, a ação e o conflito passam pelo desenvolvimento
até o desfecho, com crise e resolução final. Segundo o modo moderno de
narrar, conforme assevera Gotlib (1985), a narrativa desmonta este esquema e
fragmenta-se numa estrutura invertebrada.
De nossa parte, compreendemos que o conto tido por moderno, apesar
de respeitar certas características essenciais do gênero, sofreu tanto
modificações relativas à estrutura, quanto do ponto de vista temático. No dizer
de Moisés (2004), o conto moderno “sublinha a atmosfera poética na procura
do desenlace enigmático e condensa o enredo num mínimo indispensável,
busca a retratação de cenas intimistas ou introspectivas.” (MOISÉS,2004,p.90)
Teóricos há muito relatam a dificuldade de definição deste gênero. De
fato, o conto é um tanto avesso a delimitações. Diante de tal impasse, o teórico
e contista Julio Cortázar, afirma que o conto é “um gênero de difícil definição,
esquivo nos seus múltiplos e antagônicos aspectos”. (CORTAZAR, 2008, p.
150). Contudo, à parte a dificuldade de definição, apresentaremos algumas
concepções e reflexões desenvolvidas por alguns dos principais teóricos do
gênero, Poe e Cortázar, além de críticos, se dedicaram à produção contística.
Edgar Allan Poe foi um dos primeiros contistas a se ocupar dos limites
estruturais do gênero, propondo um estudo acerca das especificidades do
conto, diferenciando-o, por exemplo, de um capítulo de romance. O conto é,
em consonância com Poe (2004), uma narração capaz de extrapolar os limites
significativos do texto, sem, todavia, ultrapassar os limites formais. De tal
maneira que o contista deve escolher a palavra mais apropriada, a expressão
mais significativa, aquela que traduz com mais profundidade e economia de
vocábulos o sentido desejado.
Relativamente à extensão, no que tange aos limites formais do conto e à
recepção do leitor, temos a seguinte asserção do contista em questão:
Se alguma obra literária é demasiado longa para ser lida em
uma só assentada, deveremos contentar-nos com dispensar o
efeito extremamente importante que deriva da unidade de
impressão. Porque, se são precisas duas sessões de leitura, as
38
coisas do mundo interferem, e algo como a totalidade fica
imediatamente destruído. (POE,2004,p.36)
Notadamente, o comentário acima ratifica a noção de Poe segundo a
qual o conto adéqua-se completamente às categorias de brevidade, totalidade
e intensidade. Da leitura de “A Filosofia da Composição”15, depreende-se,
ainda, que o contista norte-americano acredita na eficácia do conto enquanto
decorrente da sua “intensidade como acontecimento puro”. Nessa direção, Poe
recomenda aos contistas eliminar, no processo de composição, comentários
acessórios, diálogos marginais, que em um romance podem ser toleráveis, mas
que numa narrativa curta findam por comprometer a estrutura.
Outro ponto relevante da argumentação de Poe, acerca do gênero, diz
respeito à consciência revelada pelo contista da importância do narratário 16,
compreendido como um elemento do enredo constituído. De acordo com Poe,
no momento da leitura “a alma do leitor está sob controle do escritor. Não há
influências externas ou extrínsecas.” POE (2004, p.43). Nessa perspectiva, o
escritor, concentrando-se no estudo dos limites formais do gênero e nos efeitos
provocados nos leitores reitera sua teoria da unidade de efeito e os modos
adequados para alcançar tal unidade.
Note-se a validade da reflexão de Poe, ainda na primeira metade do
século XIX, que revela a influência dos leitores virtuais no seu processo de
composição. Para Poe, os efeitos a serem alcançados nos leitores norteiam o
escritor no momento da produção de um texto literário, dado que as narrativas
curtas exigem respostas mais rápidas dos leitores. Ainda hoje, entre outros
aspectos, há quem atribua o sucesso do conto com o público leitor ao fato
desse gênero corresponder à exigência de celeridade do mundo globalizado.
Do mesmo modo, tratando da relação do gênero em questão com o
leitor, o contista e crítico argentino, Júlio Cortázar assevera que se o romance
acumula progressivamente seus efeitos no leitor, o conto o faz de forma
incisiva e sem trégua. Tomando por analogia expressões do boxe, o escritor
15
POE, Edgar Allan. Poética (textos teóricos). Trad Helena Banha. Fundação Calouste
Gulbenkian. Lisboa,2004 (pp.31-52)
16
De acordo com Reuter(2002), “o narratário- aparente ou não- só existe no texto e mediante
o texto, por meio de suas palavras ou daquelas que o designam. Ele é quem, no texto, escuta
ou lê a história. O narratário é fundamentalmente constituído pelo conjunto dos signos
lingüísticos (o “tu” ou o “você”,por exemplo) que dão uma forma mais ou menos aparente a
quem ‘recebe’ a história.”(REUTER,2002,p.20)
39
argentino propõe que no combate entre texto e receptor, o romance ganharia
sempre por pontos, ao passo que o conto venceria invariavelmente por
nocaute.
Em Teoria do conto, Nádia Battella Gotlib(1985), agrega algumas
concepções acerca das características constitutivas do gênero, baseando-se
na recuperação de conceitos dos principais teóricos do conto. Unindo
considerações de Poe e Cortázar, a autora oferece o depoimento abaixo sobre
os efeitos provocados no leitor e a essência do gênero:
O segredo do conto é promover o sequestro do leitor,
prendendo-o num efeito que lhe permite a visão em conjunto
da obra, desde que todos os elementos do conto são
incorporados tendo em vista a construção deste efeito. Neste
sequestro temporário existe uma força de tensão num sistema
de relações entre elementos do conto, em que cada detalhe é
significativo. O conto centra-se num conflito dramático em que
cada gesto, cada olhar são até mesmo teatralmente utilizados
pelo narrador. Não lhe falta a construção simétrica de um
episódio, num espaço determinado. (GOTLIB, 1985, p. 35)
Nessa direção, partindo da noção de conflito dramático, em sua reflexão
sobre o conto, Cortázar (2008) faz referência ao tema, à tensão e à intensidade
de um conto. Quanto ao primeiro, o crítico esclarece que em literatura não há
temas bons ou ruins, o que há são tratamentos bons ou ruins daqueles.
Adiante, Cortázar afirma que um tema atrai todo um sistema de relações
conexas, “coagula no autor, e mais tarde no leitor, uma imensa quantidade de
noções, sentimentos e até ideias que lhe flutuavam virtualmente na memória ou
na sensibilidade.” CORTÁZAR (2008, p.154)
Ao abordar as noções de tensão e intensidade, Cortázar aponta que tais
aspectos facultam uma aproximação à própria estrutura dos contos. É neste
ponto que, segundo ele, se configura a diferença entre o bom e mau contista. A
intensidade, no dizer do escritor argentino, “consiste na eliminação de todas as
idéias ou situações intermédias, de todos os recheios ou fases de transição
que o romance permite e mesmo exige.” CORTÁZAR (2008, p.157) Já a tensão
é caracterizada como um tipo de intensidade representada no modo através do
qual o autor vai aproximando lentamente o leitor do que conta.
Relativamente à dificuldade de definição do gênero, sabe-se que tanto a
concisão quanto a objetividade podem ser aceitas como uma tendência,
40
conquanto insuficientes à generalização. Entre outras limitações, é possível
sinalizar a do enredo, que, geralmente dispõe de reduzido elenco de
personagens, esquema de tempo restrito e a ação transcorrendo em poucos
núcleos, em contraposição ao romance e à novela, que podem apresentar
vários núcleos de ação paralelos na composição da trama. No tocante à ação
estruturada no conto, esta costuma ser fechada e desenvolver apenas um
conflito.
2.2- RUBEM FONSECA: Temáticas recorrentes e traços estilísticos
Em 1963 Rubem Fonseca surgiu no campo das letras, com a publicação
do livro de contos Os prisioneiros. Desde então, o autor publicou mais treze
livros de contos, sendo o mais recente Axilas e outras histórias indecorosas, de
2011. O primeiro romance desse autor mineiro, radicado no Rio de Janeiro
desde os oito anos, data de 1973, O Caso Morel. O mais recente é O
seminarista, de 2009. Em 1990, publicou Agosto, que, retrata ficcionalmente as
conspirações que resultaram no suicídio de Getúlio Vargas em Agosto de 1954.
Talvez, este último seja o livro mais conhecido de Fonseca, visto que em 1993
foi televisionada uma minissérie homônima, baseada no romance.
Nesse quase meio século de atividade literária, outras obras foram
adaptadas para televisão e para o cinema. Além dos romances e da produção
contística, Fonseca escreveu duas novelas e em 2007 publicou O romance
morreu, reunião de crônicas que sinalizam, de certo modo, sua trajetória de
leitor, sem, contudo, desprezar suas temáticas recorrentes, quais sejam: o
corpo humano, as viagens, a mente criminosa, o futebol e o erotismo.
Alguns críticos reconhecem nos primeiros livros de Fonseca um caráter
mais subjetivo, abarcando temas como a solidão e o tempo, conforme aponta
Vidal(2000).Esta fase terminaria em 1967, com a publicação de Lúcia
McCartney. Desta obra em diante observa-se uma prosa marcada por
objetividade, na qual, notadamente, a realidade social vigora. São exploradas
ficcionalmente pelo escritor questões vinculadas à dependência cultural e
41
econômica do Brasil, bem como a violência que circunda os grandes núcleos
urbanos, já na década de 1970.
No tocante à forma de expressão, a ficção de Rubem Fonseca agrega,
entre outras técnicas narrativas, algumas das inovações do romance do século
XX, tais quais: a utilização de múltiplos pontos de vista, ruptura da linearidade
temporal e ágil alternância de espaços, além da apropriação da linguagem
cinematográfica para a utilização no domínio literário 17. Fonseca é capaz de
equilibrar objetividade de linguagem e plasticidade em suas descrições.
Deonísio da Silva, estudioso da ficção fonsequiana desde a década de
80, aponta entre os eixos temáticos privilegiados pelo autor: “A sexualidade, a
repressão, a violência, o recurso ao braço armado como solução de conflitos,
problemas sociais e psicológicos gerados e alimentados pelas mazelas dos
grandes núcleos urbanos.” (SILVA,1996,p.11). Além dessas temáticas caras ao
autor, podemos destacar que Fonseca problematiza, em alguns de seus textos,
o papel das artes, incluindo em suas obras desde a discussão acerca do
estético e anti-estético até a reflexão sobre a cultura de massa e a literatura de
consumo18. Tal abordagem ocorre, por exemplo, no romance A grande Arte, de
1983.
Godoy (2009), por seu turno, caracteriza o enfoque temático presente na
ficção fonsequiana como permeado por uma “moderna visão trágica do
mundo”, da qual resulta uma visão negativa, fatalista e aporética da existência
humana. Tal visão corresponderia, de acordo com o estudioso, ao reflexo do
desencontro do sujeito em meio à sociedade. Nesse esteio, concordamos com
Godoy (2009) em relação à percepção da passagem do tempo como
angustiante, encarada apenas enquanto agente de destruição do indivíduo,
posto que a passagem do tempo nada acrescenta ao sujeito, somente o
consome.
Esse desencontro entre o indivíduo e o meio produz o sujeito pósmoderno, o qual não apresenta uma identidade fixa, essencial ou permanente.
17
Domício Proença Filho(1995), tratando do pós-modernismo, sinaliza que ao
multifragmentado mundo contemporâneo corresponde também uma literatura em que se
presentifica mais fortemente o fragmentarismo textual. Muitas vezes, o leitor chega ao sentido
associando fragmentos de texto,a partir de traços semânticos comuns. Para o crítico, esta é
uma “técnica próxima da montagem cinematográfica”. (PROENÇA FILHO,op cit.,p.43)
18
Trataremos desse tema no tópico seguinte.
42
A identidade torna-se, de acordo com Stuart Hall (1999), uma "celebração
móvel", transformada continuamente em relação às formas pelas quais somos
representados ou interpelados nos sistemas culturais que nos rodeiam. E
definida historicamente, e não biologicamente. Para Hall (1999), o sujeito
assume identidades que não são unificadas ao redor de um "eu" coerente.
Segundo ele, “dentro de nós há identidades contraditórias, empurrando em
diferentes direções, de tal modo que nossas identificações estão sendo
continuamente deslocadas.” (HALL, 1999,p.13)
Já Bosi (1977), tratando da situação e das formas do conto brasileiro, no
fim da década de setenta do século passado, ressalta o fato de o referido
gênero ter assumido formas de surpreendente variedade, figurando, no tocante
à estruturação, entre as exigências da narração realista, os apelos da fantasia
e as seduções do jogo verbal. Versando especificamente sobre a produção
contística de Rubem Fonseca, Bosi(op.cit.,p.18) assevera que esta reflete a
imagem do caos, da agonia de valores que a tecnocracia produz num país de
Terceiro Mundo. No dizer do crítico, “a dicção que se faz no interior desse
mundo é rápida, às vezes compulsiva; impura se não obscena; direta tocando o
gestual; dissonante quase ruído.” (BOSI, 1977, p18)
Com efeito, estamos em consonância com os críticos anteriormente
mencionados, pois os contos de Rubem Fonseca conferem destaque à
caracterização das crises do homem contemporâneo, seus medos, angústias, e
aflições. O escritor notadamente inspira-se nas mazelas da sociedade, bem
como nos seus respectivos efeitos nos homens, transfigurando-as através da
descrição minuciosa das violências cotidianas.
Ainda tratando da violência na ficção de Rubem Fonseca, estamos em
conformidade com a leitura que Oliva (2004) empreende acerca do estilo do
escritor em relação às temáticas recorrentes nos seus contos.
A descrição da realidade é violenta e crua porque o homem que
se faz representar não pode ser seccionado do seu meio
natural, pois ele está emaranhado numa rede de relações
político- socioeconômicas, em crise ou em uma espécie de
estágio de degeneração, por isso, escrever sobre o homem
comum, às margens da sociedade, é também escrever sobre
seus traumas, medos, paixões, sentimentos e relações de
perdas e danos. (OLIVA,2004,p.48)
43
Nos contos de Rubem Fonseca a narrativa em primeira pessoa é
preponderante; sob a perspectiva desses narradores, muitas vezes, em tom
trágico ou irônico, são apresentadas aos leitores personagens violentas,
embrutecidas e insatisfeitas com o rumo de suas vidas. As situações de
violência tematizadas correntemente são também evidenciadas na seleção
lexical e materializadas através da violência como linguagem19, o estilo do
autor é chocante. É inegável a relevância das peculiaridades da linguagem
fonsequiana, bem como não podemos desconsiderar a repercussão da sua
produção na crítica, todavia, julgamos injusto limitar a singularidade de sua
obra à sua linguagem.
Ainda relativamente às particularidades do estilo do autor, muitos críticos
ocuparam-se em tentar defini-lo através de várias categorias e adjetivos, entre
as quais figuram o “realismo feroz”, “o grotesco”, “o pós-moderno”20. Vidal
(2000), por sua vez, pondera, que, apesar de haver uma relação entre a obra
de Fonseca e essas tendências, incidiríamos em grave equívoco, caso
reduzíssemos a obra do contista em questão a um modismo em detrimento do
rico imaginário do narrador fonsequiano.
Nessa
perspectiva,
somamos
à
opinião
de
Vidal
o
fato
de
reconhecermos que Rubem Fonseca foi capaz de elaborar um conjunto de
obras que, em geral, se revelaram singulares, principalmente pela associação
de recursos literários tradicionais a novos procedimentos e técnicas narrativas.
Portanto, pontuamos a especificidade da linguagem como um dos tantos
elementos estruturantes do conto de Fonseca, que suscitam reflexão e
despertam a inquietação de seu leitor.
19
Apresentaremos, no tópico 2.3, fragmentos de contos de Fonseca, que ilustram a referida
tendência.
20
De acordo com Terry Eagleton (1998), a expressão pós-modernismo geralmente se refere a
uma forma de cultura contemporânea. Seria, portanto, um estilo de cultura que reflete as
mudanças de uma época, numa arte pluralista, superficial, descentralizada, autorreflexiva,
divertida, derivativa, eclética, que torna indistintas as fronteiras entre cultura erudita e a
popular, bem como entre arte e experiência cotidiana. Por isso, o pós-modernismo é também
marcado pela diluição da fronteira entre a alta cultura e a chamada cultura comercial ou de
massa.
44
2.2.1-A PRODUÇÃO FONSEQUIANA E OLHAR DA CRÍTICA
Em meados da década de 1970, a crítica literária brasileira reconheceu
na produção contística de autores como Osman Lins, Dalton Trevisan, Moacyr
Scliar, Luiz Vilela e Rubem Fonseca a possibilidade de renovação estrutural da
ficção brasileira em forma e conteúdo. Observaremos, adiante, a repercussão e
olhar da crítica especificamente sobre o caso Rubem Fonseca.
Há críticos que apontam a obra de Fonseca como representativa do que
seria a transição do modernismo para uma nova dimensão da produção
literária brasileira, tanto na renovação estrutural do gênero na ficção brasileira,
quanto no que diz respeito às temáticas abordadas21. Candido (2007) destaca
a aproximação da oralidade nas narrativas e o fato de em muitos contos o
tempo narrativo se confundir com o tempo narrado, em relação à linguagem
dos contos de Fonseca. De fato, há, correntemente, nos contos desse autor a
estruturação de ideias em frases truncadas, separadas na escrita por vírgulas,
que explicitam textualmente essa aproximação do registro oral.
Além disso, o referido crítico ressalta na obra fonsequiana o modo como
a violência da linguagem se afina à violência dos assuntos tematizados.
Recuperando o dizer do próprio Candido sobre a linguagem empregada por
Rubem Fonseca, “numa sociedade brutal como a nossa, onde as diferenças
econômicas são máximas e é monstruosa a presença da miséria, o escritor
reage adotando quase iconicamente uma escrita adequada.” (Candido, 2007,
p.124).
O aspecto da obra fonsequiana que adquiriu maior destaque ao longo da
sua produção literária foi, com efeito, a partir de Feliz Ano Novo22 (1975), o
emprego intermitente, por parte do ficcionista, de temas relacionados à
violência e ao erotismo23. O contista preteriu personagens sonhadoras e
heróicas, para tratar de personagens marginalizados, que viviam em meio aos
problemas dos grandes núcleos populacionais brasileiros. Corroborando o
21
De acordo com Merquior (apud Proença Filho,1995,p.42), entre as características do pósmodernismo na ficção de Rubem Fonseca, o texto literário configura-se numa figuração
alegórica de tipo hiper-real e metonímico.
22
A obra foi censurada, em 1976, pelo então ministro da Justiça, Armando Falcão, quando já
tinha vendido cerca de 30 mil exemplares, sob o argumento de "exteriorizar matéria contrária à
moral e aos bons costumes". Entretanto, tal proibição teve efeito contrário do previsto pelos
censores, pois tanto a obra censurada, quanto o seu autor passaram a ser mais procurados
pelos leitores.
23
Aprofundaremos a questão da violência e do erotismo na seção 2.3 FELIZ ANO NOVO;
45
exposto, temos o depoimento de Boris Schnaiderman, segundo o qual:
Os contos de Rubem Fonseca, quando surgiram, causaram
impacto com a brutalidade do submundo que expressavam.
Por mais que numerosos autores tivessem tratado do tema,
esses contos impressionavam. Não havia neles uma
observação de fora para dentro, não tinham nada a ver com
uma anotação “etnográfica”, mas, sobretudo, aquela
brutalidade era algo cotidiano e corrente, a própria linguagem
ficava marcada por ela.[...] À medida que a obra de Fonseca
progredia,passava-se a perceber melhor que aquela violência,
que tanto impressionara os primeiros leitores, não só era um
elemento importante, mas fazia parte de um conjunto muito
mais rico e mutável. (FONSECA,1994,p.773)24
Em relação ao erotismo, uma das principais forças motoras da obra de
Fonseca, há alguns anos essa temática vem sendo explorada pelos críticos e
estudiosos como via de acesso à obra do escritor em questão. Nessa
perspectiva, Godoy(2009) aponta que a prosa fonsequiana pode ser
considerada uma das primeiras na ficção brasileira a romper com muitos tabus,
“submetendo a linguagem a uma despudorada crueza, assimilando tanto
palavras chulas quanto descrições explícitas.” (GODOY,2009,p.21).
Acerca do erotismo na ficção fonsequiana, Sabrina Amorim (2007),
ratificando o pensamento de Godoy(2009), arremata que:
O erotismo nos textos de Rubem Fonseca tem também uma
veia transgressora. A sua expressão priva o texto de uma
linguagem repleta de eufemismos, quebrando o tabu do bemescrever que se instaurou na tradição literária. A quebra de
tabus vai ainda mais longe: ela significa a desvalorização de
uma importante instituição social – o casamento, o qual é
substituído por relações efêmeras, cheias de erotismo e com
pouco ou nenhum amor. Também se quebra o tabu da posição
em que o corpo e os prazeres carnais eram colocados quando
comparados ao espírito, ou seja, eram sempre rebaixados. Nos
textos fonsequianos elevam-se o corpo e o sexo, os quais são
colocados num patamar superior ou igual a tudo o que é
espiritual. (AMORIM,2007,p.23)
24
Cf: VOZES DE BARBÁRIE, VOZES DE CULTURA uma leitura dos contos de Rubem
Fonseca (posfácio) IN: FONSECA, Rubem. Corações Solitários. In: Contos Reunidos. São
Paulo: Companhia das Letras,1994,(pp.773-777)
46
2.3- FELIZ ANO NOVO
[...]Quem eram eles? Os caras que editavam os
livros, os suplementos literários, os jornais de letras.
Eles queriam os negrinhos do pastoreio, os guaranis,
os sertões da vida. Eu morava num edifício de
apartamentos no centro da cidade e da janela do meu
quarto via anúncios coloridos em gás néon e ouvia
barulho de motores de automóveis. (FONSECA,
1994, p. 461).
Com efeito, determinados períodos da história são marcados pelo
autoritarismo e pela repressão às manifestações literárias e artísticas no
conjunto de uma perseguição mais ampla que se dirige às atividades culturais
em determinadas épocas. No âmbito da literatura, essa repressão se
materializa através da proibição de circulação das obras e perseguição aos
seus respectivos autores.
O argumento de que seria apenas a suposta “obscenidade”, presente na
obra, a responsável pela proibição não se sustenta, pois Silva(1996) advertenos de que no romance O caso Morel, de 1973, Fonseca fora muito mais
ousado tanto no uso do palavrão quanto no tratamento conferido à
sexualidade.
Na percepção de Deonísio da Silva, com a qual concordamos, a
proibição de Feliz Ano Novo, reflete tanto mais o desejo do Estado de controlar
a produção artística, por excelência, transgressora da ordem, do que o desejo
do governo autoritário de silenciar o uso desabrido do palavrão ou a veiculação
de imoralidades.
Cremos que a representação da violência presente na coletânea de
contos censurada pudesse incomodar as autoridades somente por tratar do
assunto, pois, apesar de divergência de propósitos, algumas personagens dos
contos de Fonseca se valiam de crueldade semelhante à utilizada pelo Estado
sob o argumento de manter a ordem e a integridade nacional. A obra é
indiscutivelmente o livro mais polêmico de Fonseca, como já mencionamos,
pois evidencia sem atenuantes a violência, a brutalidade e a crueldade
presentes no cotidiano das grandes cidades.
Rubem Fonseca traz em Feliz Ano Novo recursos da oralidade
empregada na linguagem utilizada por seus personagens, gírias, palavrões,
clichês, frases curtas aparecem não raro nos contos. Segundo Carvalho
47
(2007), o autor problematiza a linguagem dos contos da coletânea em questão
através da opção por uma modalidade vocabular composta por um léxico que
se a aproxima de elementos referenciais, caracterizadores de uma época e
espaço específicos. Outra inovação da obra consiste em praticamente não
haver marcas gráficas para introduzir o discurso direto, tais quais: os dois
pontos, as aspas e os travessões. O discurso surge como se estivéssemos
diante de cenas.
Entre os quinze contos que compõem Feliz Ano Novo, doze são
narrados em primeira pessoa, ratificando a tendência da ficção fonsequiana de
contar enredos através de narradores-personagens. Constituem exceções: “O
pedido”, narrado em 3ª pessoa; “Entrevista”, cuja base é o diálogo, através do
qual “M” e “H” alternam seus discursos e “74 Degraus”, narrado por três
personagens, que se alternam na narração, impondo cada um a sua
perspectiva aos fatos narrados.
Entre as particularidades de 74 Degraus, no tocante à estruturação, está
a inovação das múltiplas perspectivas. Rubem Fonseca demonstra habilidade
técnica ao compor uma história através da perspectiva de vários personagens,
promovendo um rodízio entre eles na narração da história. A alternância dos
narradores é dinâmica e permite vislumbrar informações que vão além da fala e
das expressões corporais, chegando ao recôndito dos pensamentos de Elisa,
Tereza e Pedro.
No tocante à temática, também ocorre a confirmação de tendências
recorrentes na produção desse escritor. Destacamos quatro temáticas centrais
da obra Feliz Ano Novo, a saber: a violência; a frustração; a escrita e a
sexualidade. Nos contos “Feliz Ano Novo”; “Passeio Noturno parte I”, “Passeio
Noturno parte II”, “O outro”; “Botando pra quebrar”; “Entrevista”; “Nau Catinetra”
e em “74 Degraus” prepondera o tema da violência. Outro eixo temático
explorado é o da frustração presente em “O pedido”; “Abril, no Rio, em 1970”;
“Botando pra quebrar”; “Dia dos Namorados”. A sexualidade, por seu turno, é a
força motriz de “O Campeonato”. Enquanto em “Intestino Grosso”; “Agruras de
um jovem escritor” e “Corações Solitários” a questão da escrita e de seus
ofícios ganha relevo.
48
É válido pontuar que questões como a prostituição, o homossexualismo,
a traição e o preconceito também perpassam alguns contos25. Mais relevante
ainda é dizer que como é típico da ficção de Fonseca, os temas não são
estanques, isto é, um conto que retrata a questão da escrita não nos poupa de
passagens violentas e mesmo de um assassinato. Do mesmo modo, um conto
como “O Campeonato”, que narra uma grande competição de “conjunção
carnal”, destacando o esvaziamento emocional das relações eróticas, além da
reificação26 do homem, não nos poupa através de uma personagem de
formação clássica de diversas citações de Shakespeare em inglês.
Relativamente à violência, Coronel (1998) lembra-nos de que esta
temática é levada às últimas consequências por Rubem Fonseca, mas em Feliz
Ano Novo combina-se com um tratamento rigoroso da linguagem, que, através
de sua aparente simplicidade, esconde um nível de elaboração textual sempre
elevado. De acordo com a estudiosa em questão, “a precisão vocabular e a
técnica que torna a escrita crua e rápida denunciam a presença do escritor, que
abdica dos requintes estilísticos com a intenção de dinamitar a dimensão
elevada da arte.” (CORONEL,1998,p.90)
É possível observar tal intenção principalmente no conto homônimo à
obra, o qual narra a história de bandidos que assaltam uma mansão nas
últimas horas do ano. Desde o primeiro parágrafo, o conto já sinaliza a
existência de dois polos sociais: um representado pelas madames e outro, do
qual faz parte o narrador, “que vai ter que esperar o dia raiar e apanhar
cachaça, galinha morta e farofa dos macumbeiros.” (FONSECA,1994,p.365)
A violência tematizada incide na forma e na linguagem do conto, observemos
um trecho, à guisa de exemplificação:
O quarto da gordinha tinha as paredes forradas de couro. A
banheira era um buraco quadrado grande de mármore branco,
enfiado no chão. A parede toda de espelhos. Tudo perfumado.
25
É o caso do conto “Dia dos namorados”, por exemplo; que retrata as duas temáticas
mencionadas.
26
Segundo Georg Lukács (1885-1971), alargando e enriquecendo um conceito de Karl Marx
(1818-1883), processo histórico inerente às sociedades capitalistas, caracterizado por uma
transformação experimentada pela atividade produtiva, pelas relações sociais e pela própria
subjetividade humana, sujeitadas e identificadas cada vez mais ao caráter inanimado,
quantitativo e automático dos objetos ou mercadorias circulantes no mercado. In: LUKÁCS, G.
História e consciência de classe. Estudos sobre a dialética marxista. Trad. Rodnei Nascimento.
São Paulo: Martins Fontes, 2003.
49
Voltei para o quarto, empurrei a gordinha para o chão, arrumei
a colcha de cetim da cama com cuidado, ela ficou lisinha,
brilhando. Tirei as calças e caguei em cima da colcha. Foi um
alívio, muito legal. Depois limpei o cu na colcha, botei as calças
e desci.(FONSECA,1994,p.369) (grifos nossos)
As frases curtas, em nosso entendimento, reforçam a agilidade da ação,
a linguagem é de fato chocante. A cena narrada adquire um caráter plástico, de
tal maneira que as características físicas e psicológicas das personagens são
evidenciadas para o leitor unicamente através de suas ações. É possível
depreender da leitura do conto que os bandidos, sob o argumento da
sobrevivência, buscam na festa dos ricos muito mais do que alimentos e
recursos, eles querem vingança. Nesse sentido, note-se o alívio e a sensação,
próxima a um prazer, que a personagem Pereba demonstra ao sujar o
ambiente de riqueza do quarto de uma das vítimas do assalto.
Sob a perspectiva parcial do narrador-personagem, que também
participa do assalto, é que os dois espaços sociais surgem como opostos.
Desse modo, o conto não contempla apenas uma descrição das desigualdades
sociais presentes no Rio de Janeiro da década de 1970, mas sobretudo,
através de uma recriação literária faz refletir sobre o conflito de classes e a
violência decorrente desse conflito.
Por sua vez, a perspectiva narrativa instaurada nos contos “Passeio
Noturno I e II”, e “Nau Catrineta” indica o enfoque não mais do sujeito
socialmente excluído como ocorrera em “Feliz Ano Novo”, ou “Botando pra
quebrar”, narrado por um ex-presidiário, por exemplo. Os narradorespersonagens desses contos são respectivamente um industrial bem-sucedido
financeiramente e um jovem rico, ambos são frios e assassinam cruelmente,
não demonstram sequer remorso de suas ações violentas. A naturalidade com
que a violência é tratada, como se fosse algo bastante corriqueiro, torna as
ações ainda mais cruéis.
Isso confirma a tese de Lafetá (2000), segundo a qual a violência nos
enredos fonsequianos ultrapassa a questão das diferenças entre classes
sociais, de tal modo que “qualquer ser humano, independente do seu nível
sócio-econômico, pode desenvolver sua disposição para a crueldade,
intrínseca à condição humana”. (LAFETÁ, 2000,p.131)
50
2.3.1- CORAÇÕES SOLITÁRIOS
O conto “Corações Solitários”, segundo de Feliz Ano Novo, narra em
primeira pessoa a história de um repórter de polícia, que, segundo ele, diante
da ausência de crimes interessantes na sua cidade27, foi demitido e encontrou
como oportunidade de trabalho uma vaga no tabloide feminino, Mulher. Apesar
de possuir muitas das características de uma publicação deste gênero, a
revista em questão apresentava a particularidade de apenas homens
escreverem as suas seções, ainda que sob pseudônimos femininos 28.
Tratava-se, segundo Oswaldo Peçanha, editor-chefe e dono do tablóide,
de uma estratégia de marketing. Neste sentido, Peçanha, argumenta que, pelo
fato de “Mulher” ser uma revista feminina para leitoras da classe C era
fundamental que as leitoras confiassem nas colunistas como se todas fossem
suas comadres, por isso todos assinavam suas seções com codinomes
femininos.
Mesmo a contragosto do dono da revista, o ex-repórter de polícia passa
a escrever o “consultório sentimental” do jornal com o pseudônimo de Dr.
Nathanael Lessa. Ao indagar sobre as cartas da seção “De mulher para
mulher” a um colega de expediente, o narrador foi surpreendido pelo fato de
as cartas não chegarem pelo correio e serem, ao contrário disso, produzidas
ali mesmo no próprio expediente.
O Dr. Nathanael Lessa teria a partir daquele momento que criar toda a
falsa correspondência do consultório sentimental. A princípio, o fez da forma
que julgava mais adequada, mas logo foi advertido pelo proprietário do jornal
para colocar alegria, esperança, tranquilidade e segurança nas cartas. Tão logo
atendeu às ordens do patrão, prontamente recebeu o convite para escrever
também as fotonovelas, as quais assinaria por opção com o pseudônimo de
Clarice Simone.
Pairava sobre as fotonovelas de Clarice Simone um ar trágico, pois para
27
O motivo pelo qual o narrador justifica sua demissão é ironicamente a falta de crimes e
ocorrências violentas. Seguida a tal afirmação, o narrador acrescenta que: “Só tem pequeno
comerciante matando sócio, pequeno bandido matando pequeno comerciante, polícia matando
pequeno bandido.” (FONSECA,1994,p.372)
28
Comentaremos esta questão de forma mais detalhada na seção 2.3.1.2
51
escrever a “papa”, o ex-repórter de polícia sempre buscava inspiração em
alguma tragédia da literatura universal, a partir das quais recuperava temas
para adaptar em suas histórias. Muitas vezes ele apenas mesclava o conteúdo
de alguns trágicos para produzir a fotonovela em quinze minutos; apesar de
constantemente afirmar que seu conhecimento da alma humana dispensava
qualquer grego velho para lhe inspirar. No dizer dele próprio: “para um homem
da
minha
inteligência
e
sensibilidade
basta
olhar
em
volta”. (FONSECA,1994,p.380)
À certa altura do conto o Dr Nathanael Lessa começa a receber cartas
assinadas por Pedro Redgrave, essas são as únicas cartas verdadeiras da
seção “De mulher para mulher”. O dono do jornal em um primeiro momento diz
que todas as cartas devem ser assinadas por mulheres, mas pouco tempo
depois ele sugere que o Dr. Nathanael Lessa, em resposta a Pedro Redgrave,
o incentive, através de frases animadoras, a escrever mais.
Assim, incentivado a abrir seu coração e a confessar as suas angústias,
Pedro Redgrave se torna um correspondente fiel do Dr. Nathanael Lessa.
Enquanto nas cartas fictícias o contato se limitava a pergunta e resposta; no
caso de Pedro Redgrave houve o envio de três cartas, todas elas prontamente
respondidas, cheias de mensagens encorajadoras. Até que, em um momento
de lapso, possivelmente motivado por todo o transtorno gerado pela visita do
Dr. Pontecorvo, Oswaldo Peçanha entrega ao ex-repórter de polícia uma carta
inacabada de Pedro Redgrave.
Tão logo percebido o engano, o Dr. Nathanael Lessa associa a
identidade do seu patrão à sensível figura escondida sob o heterônimo de
Pedro Redgrave, desvelando, portanto, o segredo do seu patrão. Pedro
Redgrave era a outra identidade de Oswaldo Peçanha, homem autoritário e até
mesmo grosseiro, revela ao fim do conto que sua vida dá um romance.
Em suas “Teses sobre o conto”, o escritor argentino, Ricardo Píglia
(2004), esclarece que o conto narra, em primeiro plano, uma história aparente,
ocultando, em seu interior, uma história cifrada. Para Píglia, uma história visível
esconde uma história secreta, contada de modo fragmentário e elíptico.
Segundo Píglia(2004), “o efeito de surpresa se produz quando o final da
história secreta aparece na superfície.” (PÍGLIA,2004,p.90). Podemos confirmar
52
a validade da hipótese de Píglia, pensando no desfecho surpreendente de
Oswaldo Peçanha admitir ser Pedro Redgrave.
2.3.1.1- REFLEXÕES SOBRE O CONTO
Entre as temáticas presentes no conto merece destaque o fato de o
narrador ser um profissional de suposta formação culta, servindo à cultura de
massa; sua frustração profissional é evidente tanto no tom trágico que
perpassa todas as fotonovelas escritas sob o pseudônimo de Clarice Simone
quanto na sua excessiva necessidade de demonstrar os conhecimentos que
acumulou no decorrer da sua formação.
É interessante pontuarmos a repercussão do surgimento do personagem
Dr. Pontecorvo, o qual, representando a utilização de métodos científicos em
sua pesquisa, refuta a convicção de Peçanha em relação ao público leitor da
revista Mulher, constituído, de acordo com a pesquisa, mormente de homens
da classe B e não de mulheres da classe C, conforme asseverava o dono da
revista.
Notadamente, a abrangência da cultura de massa na sociedade de
consumo aparece como consequência das tecnologias de comunicação
surgidas no século XX e das circunstâncias configuradas nessa mesma época.
A cultura de massa desenvolve-se em um ritmo ainda mais vertiginoso no
contexto do mundo globalizado. Adorno(2002)
discute o impacto que a
indústria cultural produziu na arte e na sociedade. Nessa direção, o teórico
defende que o desenvolvimento da comunicação de massa teve um impacto
crucial na natureza da cultura e nas ideologias das sociedades modernas.
Na percepção de Adorno (2002,p.25) a indústria cultural pode ser
definida como uma rede de comunicação de que fazem parte o cinema, o rádio,
a televisão, algumas revistas, que formam uma cadeia poderosa para gerar
lucros. Por serem mais acessíveis às camadas populares, exercem um tipo de
manipulação e controle social, isto é, “ela não só propõe a mercantilização da
cultura, mas legitima a demanda desses produtos.” (ADORNO,2002,p.25)
A despeito de sua postura aparentemente democrática e liberal, a
cultura de massa articula um sistema de dominação econômica e cultural,
padronizando, inclusive, o gosto dos indivíduos. De modo que, para a indústria
53
cultural é comum encarar o consumidor não como um sujeito, mas como um
simples número. No dizer de Adorno (2002):
Sob o poder do monopólio, toda cultura de massa é idêntica, e
seu esqueleto, a ossatura conceitual fabricada por aquele,
começa a se delinear. Os dirigentes não estão mais sequer
muito interessados em encobri-lo, seu poder se fortalece
quanto mais brutalmente ele se confessa de público. O cinema
e o rádio não precisam mais se apresentar como arte. A
verdade de que não passam de um negócio, eles a utilizam
como uma ideologia destinada a legitimar o lixo que
propositadamente produzem. Eles se definem a si mesmos
como indústrias, e as cifras publicadas dos rendimentos de
seus diretores gerais suprimem toda dúvida quanto à
necessidade social de seus produtos. (ADORNO,2002,p.0809).
Portanto, entre as características da indústria cultural temos o fato de
além de converter arte em mercadoria, a qualidade do conteúdo muitas vezes
é preterida. O que ocorre, de fato, é a reprodução de modo vertiginoso modelos
que alcançam êxito nas vendas, embora tais produtos possam, muitas vezes,
trazer mensagens de significado duvidoso. Um desses modelos é autoajuda,
evidente no conto através da correspondência forjada, do consultório
sentimental da revista Mulher. Embora a trama tenha sido escrita na década de
1970, ainda suscita reflexões pertinentes acerca dessa produção tão explorada
neste princípio do século XXI.
Ainda tratando do consumo dos bens simbólicos, da cultura de massa e
de suas estratégias mercadológicas tematizadas nesse conto, temos a
correspondência forjada como índice de denúncia da pouca, ou melhor, da nula
credibilidade que deve ser atribuída aos produtos desses veículos de
comunicação, que pretendem ser vendidos como amuletos psicológicos e
visam tão somente à lucratividade, preenchendo além dos corações solitários,
uma gama de supostas identidades esvaziadas.
Outro ponto de destaque na construção do enredo de “Corações
Solitários” é a apresentação das pequenas histórias criadas pelo narrador que
se misturam ao eixo central da narrativa. Conforme dito anteriormente,
sobrepesam nestas pequenas histórias um pessimismo mordaz, bem típico da
escrita de Rubem Fonseca, mesmo quando elas se pretendem ironicamente
alentadoras, é o caso, por exemplo, da mensagem de força moral enviada por
54
uma ceguinha, “que também é paralítica”. (FONSECA,1994, p.379).
A presença efetiva de outros textos nesse conto faz com que a
intertextualidade seja ao mesmo tempo aspecto temático e um dos elementos
estruturantes de sua composição. Os dados intertextuais presentes nas
fotonovelas produzidas pelo narrador do conto são também estruturantes do
tom trágico e melancólico, que perpassa a narrativa principal.
Essa co-presença de outras vozes no conto “Corações Solitários” vem
expressa através das citações, alusões diretas e remissões indiretas. A
formação do narrador enquanto leitor parece mesmo tender para o trágico,
tanto que em dado momento do conto ele afirma ter lido “todos os trágicos
gregos, os ibsens, os o'neals, os beckets, os tcheckhovs, os shakepeares, as
four hundred best television plays.” (FONSECA,1994, p.376)
Tal qual Sant’Anna (1985), acreditamos que a paródia é uma forma da
linguagem se voltar sobre si mesma, dialogando não com a realidade aparente,
mas com a realidade da própria linguagem. Por isso, não são gratuitos os
investimentos intertextuais presentes no referido conto de Rubem Fonseca. O
narrador faz ainda uma recuperação parodística mais direta do Romeu e
Julieta, de Shakespeare, do Édipo Rei, de Sófocles, da obra Hipólito, de
Eurípedes, entre outros clássicos da Literatura Dramática Universal.
A paródia, sempre inauguradora de um novo paradigma, propõe um
desarranjo do sentido original do texto ao qual faz referência. Desse modo,
quando o autor das fotonovelas mistura conteúdos de tragédias distintas, o que
era originalmente trágico, através do procedimento de pastiche,29, adquire certo
ar cômico, inclusive, pelo efeito de montagem. A própria denominação da
fotonovela, nos bastidores da revista Mulher, denota a banalização do sentido
original das tragédias parodiadas, “a papa”, “o dramalhão”.
Observemos a primeira fotonovela presente no conto:
Um menino rico é roubado pelos ciganos e dado por morto. O
menino cresce pensando que é um cigano verdadeiro. Um dia
ele encontra uma moça riquíssima e os dois se apaixonam. Ela
mora numa rica mansão e tem muitos automóveis. O ciganinho
mora numa carroça. As duas famílias não querem que eles se
casem. Surgem conflitos. Os milionários mandam a
polícia
29
De acordo com MOISÉS (2004), o pastiche consiste em “uma obra literária imitar servilmente
uma outra, ou misturar canhestramente trechos de várias procedências” MOISÉS (2004,
p.342).
55
prender os ciganos. Um dos ciganos é morto pela polícia. Um
primo rico da moça é assassinado pelos ciganos. Mas o amor
dos dois jovens apaixonados é maior do que todas essas
vicissitudes. Eles resolvem fugir, romper com suas famílias. Na
fuga encontram um monge piedoso e sábio que sacramenta a
união dos dois em um antigo, pitoresco e romântico convento
no meio de um bosque florido. Os dois jovens se retiram para
a câmara nupcial. Eles são lindos, esbeltos, louros de olhos
azuis. Tiram a roupa. Oh, diz a moça, que cordão de ouro com
medalha cravejada de brilhantes é esse que tens no peito? Ela
tem uma medalha igual! Eles são irmãos! Tu és o meu irmão
desaparecido, grita a moça. Os dois se abraçam.
(FONSECA,1994, p.376)
O
narrador,
ou
melhor,
Clarice
Simone
mescla
o
tema
do
desconhecimento da identidade que culmina na união incestuosa, inspirado no
Édipo Rei, de Sófocles, com o tema da interdição amorosa de Romeu e Julieta,
de Shakespeare. A rivalidade entre as duas famílias é atualizada em um
conflito de classes e de famílias, a jovem milionária e o ciganinho da carroça.
Um monge piedoso sacramenta a união dos dois, como em Romeu e Julieta.
Para concluir a primeira fotonovela, o narrador sinaliza a possibilidade
de realizar um final ambíguo, fazendo aparecer na face dos dois irmãos um
êxtase não-fraternal. Clarice Simone aponta também a possibilidade de tornar
o final mais sofocleano: “os dois só descobrem que são irmãos depois do fato
consumado; desesperada a moça pula da janela do convento se arrebentando
lá em baixo.” (FONSECA,1994, p.377)
Vejamos a segunda fotonovela presente no conto:
Roberto e Betty estão noivos e vão se casar. Roberto, que é
muito trabalhador, economizou dinheiro para comprar um
apartamento e mobiliá-lo, com televisão a cores, aparelho de
som, geladeira, máquina de lavar roupa, enceradeira,
liquidificador, batedeira, máquina de lavar pratos, torradeira,
ferro elétrico e secador de cabelos. Betty também trabalha.
Ambos são castos. O casamento é marcado. Um amigo de
Roberto, Tiago, pergunta a ele, vais casar virgem? Precisas ser
iniciado nos mistérios do sexo. Tiago, então, leva Roberto na
casa da Superputa Betatron. (Atenção, Mônica Tutsi, o nome é
uma pitada de ficção científica). Quando Roberto chega lá
verifica que a Superputa é Betty, sua noivinha. Oh! céus!
surpresa terrível! Alguém dirá, talvez um porteiro, crescer é
sofrer!
Fim
da
novela.
(FONSECA,op.cit,
p.377)
56
Note-se o tom debochado com o qual é tratado o tema da traição, além
disso, há nessa fotonovela a noção de reconhecimento, recorrente nas
tragédias gregas, a partir da qual, conforme nos lembra Hegel (1964), como
indica o próprio significado da palavra, “é a passagem do ignorar ao conhecer,
que se faz para amizade ou inimizade das personagens que estão destinadas
para a dita ou para a desdita”. (HEGEL,1964,p.382) É justamente o que ocorre
com Roberto em relação à noiva.
Já na terceira fotonovela de Clarice Simone o autor revela que o
“tempero” advém de Eurípides, pecado e morte. Entretanto, sob o argumento
de que cita os clássicos apenas para mostrar o seu conhecimento, o exrepórter de polícia, consegue, quando no alto da sua criatividade, apenas
“chupar ideias” dos clássicos que já leu. Nessa terceira, e última fotonovela
presente no conto, os nomes das personagens lembram os nomes do original
grego, na paródia Fedra é Frederica; Teseu é Tésio, e o Hipólito permanece
nas duas versões. Acompanhemos as adaptações:
Tésio, bancário, morador na Boca do Mato, em Lins de
Vasconcelos, casado em segundas núpcias com Frederica,
tem um filho, Hipólito, do primeiro matrimônio. Frederica se
apaixona por Hipólito. Tésio descobre o amor pecaminoso
entre os dois. Frederica se enforca no pé de manga do quintal
da casa. Hipólito pede perdão ao pai, foge de casa e vagueia
desesperado pelas ruas da cidade cruel até ser atropelado e
morto na Avenida Brasil. (FONSECA,op.cit., p.380)
Analisando especificamente o desenlace das fotonovelas transcritas,
notaremos como o elemento que Hegel (1964) considerou essencial do trágico
é completamente pervertido pela atualização contextual e pelo investimento na
seleção lexical. Notemos,“Frederica se enforca no pé de manga do quintal.
(FONSECA,1994, p.380) e “desesperada a moça pula da janela do convento se
arrebentando lá em baixo.”(FONSECA,1994, p.377) . A linguagem acima
transcrita é muito trivial face à solenidade requerida pelo gênero tragédia ou
mesmo pelo tom trágico.
Na Poética, Aristóteles(1993) assevera que as Tragédias desenvolvem
certos
temas,
desencadeados,
como
as
paixões
humanas
e
os
conflitos por
elas
apresentando personagens nobres e heróicas (deuses,
semideuses ou membros da aristocracia). O filósofo também esclarece que o
57
objetivo da encenação de uma tragédia é desencadear, no público, terror ou
piedade, de modo que os sentimentos da platéia sejam purificados, através de
uma experiência catártica.
No tocante à definição do termo, Aristóteles afirma que “a Tragédia é a
imitação de uma ação de caráter elevado, completa e de certa extensão, em
linguagem ornamentada” (ARISTÓTELES,1993, p. 41), que, suscitando o terror
e a piedade, tem por efeito a purificação das emoções humanas. Ao contrário
da linguagem ornamentada, preconizada por Aristóteles, as fotonovelas do
conto são escritas em linguagem bastante trivial.
Além disso, os personagens dessas novelas são pessoas comuns,
diferentemente
dos
semideuses,
deuses,
membros
da
realeza
que
protagonizam as ações de caráter elevado, mencionadas por Aristóteles. Tanto
a trivialidade da linguagem quanto a origem comum dos personagens reforçam
o nosso argumento de que nesse conto, a paródia e o emprego irônico do
elemento trágico denotam, por exemplo, o distanciamento das reflexões
empreendidas por Aristóteles acerca da Tragédia, e, por seu turno, ratificam a
deturpação do conceito de trágico no conto em questão.
2.3.1.2- Os vazios30: uma via de interpretação do conto
Wolfgang Iser (1979) postula que o texto é um sistema de combinações
e por isso deve haver, dentro do sistema, um lugar para aquele a quem cabe
realizar a combinação. Este lugar, segundo Iser, é dado pelos vazios no texto,
que se oferecem para ocupação pelo leitor. Como eles não podem ser
preenchidos pelo próprio sistema, só o podem ser através da interação com o
leitor. Tratando especificamente dos vazios existentes no conto “Corações
Solitários”,
de
Rubem
Fonseca,
destacaremos,
sobretudo,
os
vazios
intertextuais subjacentes à criação das fotonovelas, além da ironia,
procedimento constante no enredo.
Esclarecido o conceito de vazio, passaremos à definição do conceito de
ironia. De acordo com Massaud Moisés, em seu Dicionário de termos literários,
“a ironia poderia chamar-se, no sentido próprio do termo, uma alegoria, ou
30
Conforme dito anteriormente, os vazios possibilitam as relações entre as perspectivas de
representação do texto e incitam o leitor a coordenar estas perspectivas. (ISER, 1979, p.91)
58
melhor, uma pseudologia, pois ela pensa uma coisa e, à sua maneira, diz
outra” MOISÉS (2004,p.246). Para o verbete ironia, o dicionário Houaiss traz a
seguinte definição: “consiste na figura por meio da qual se diz o contrário do
que se quer dar a entender; uso de palavra ou frase de sentido diverso ou
oposto ao que deveria ser empregado, para definir ou denominar algo.”
HOUAISS(2001)
Muecke(1995), por sua vez, em estudo mais aprofundado sobre a
temática, traça um histórico do conceito, desde seu primeiro registro como
eironia, atribuído a Platão, na República. Após fazer o recorte diacrônico do
termo, o autor comenta suas características básicas, bem como as variantes da
ironia, a fim de destacar dois tipos principais, em consonância com a
perspectiva romântica, a saber: a ironia instrumental, alguém sendo irônico e a
ironia observável, coisas vistas ou apresentadas como irônicas.
Em consonância com Muecke(1995), a ironia é a forma da escritura
destinada a deixar aberta a questão do que pode significar o significado literal:
há um perpétuo diferimento da significância. De tal maneira que se valer da
ironia é “dizer algo que ative não uma, mas uma série infindável de
interpretações subversivas” Muecke(1995,p.48)
Por isso, compreender a ironia, segundo Muecke(1995), exige além de
uma larga experiência de vida e um grau de sabedoria mundana, uma
habilidade associada a engenho, que “implica ver semelhanças em coisas
diferentes, distinguir entre coisas que parecem as mesmas, eliminar
irrelevâncias e estar atento a conotações e ecos verbais.” MUECKE(1995,p.61)
Ou seja, a ironia depende de um receptor perspicaz para ser compreendida,
por isso a consideramos um vazio no texto ficcional.
No tocante aos vazios presentes na escolha dos pseudônimos do
narrador, as homenagens estão inseridas na proposta de construção do texto
fonsequiano pela perspectiva polifônica31. Pensando primeiramente no nome
31
A polifonia, noção bakhitiniana, revela a impossibilidade de contar com as palavras como se
fossem signos neutros, transparentes, já que elas são afetadas pelos conflitos históricos e
sociais que sofrem os falantes de uma língua e, por isso, permanecem impregnadas de suas
vozes, seus valores, seus desejos. Assim, a polifonia se refere às outras vozes que
condicionam o discurso do sujeito.IN: BRAIT, B.; In: BRAIT, B. (Org.). Bakhtin : conceitoschave. 2. ed. São Paulo: Contexto, 2005.
59
Nathanael Lessa, faz-se necessário esclarecer as relações entre o conto
“Corações solitários” e a novela Miss Lonelyhearts, do escritor norte-americano
Nathanael West. Por meio da intertextualidade, Rubem Fonseca recupera
alguns elementos da obra de West revestindo-os de um novo significado, de
modo que uma história originalmente de cunho dramático, que traz conflitos de
ordem existencial, é utilizada para a elaboração de um enredo com várias
passagens cômicas.
A primeira semelhança entre as duas narrativas está sinalizada já nos
títulos, dado que “Miss Lonelyhearts” significa em português “Miss corações
solitários”. Os enredos possuem algumas convergências, como é possível
perceber em um fragmento do texto de West no qual o protagonista do conto,
conversando com sua namorada, Betty, rememora sua chegada ao jornal:
Um sujeito é contratado pra dar conselhos aos leitores de um
consultório sentimental. É um negócio só pra aumentar as
vendas do jornal, todo mundo da redação leva a coluna na
brincadeira. O sujeito acha que é um bom emprego, porque
talvez dali ele passe pra uma coluna social, e além disso ele já
está cansado de correr atrás de notícia. Ele também leva o
emprego na brincadeira, só que depois de uns meses não
consegue mais achar graça naquilo. Vê que a maioria das
cartas são pedidos de conselhos morais e espirituais feitos com
profunda humildade; que elas exprimem, ainda que de um
modo confuso, um sofrimento verdadeiro. Ele descobre
também que seus correspondentes o levam a sério. Pela
primeira vez na vida, é obrigado a questionar seus próprios
valores, e ao fazer isso percebe que é vítima de tal brincadeira,
e não autor dela. (WEST, 1994, p.46)
Nas duas tramas há um jornalista, responsável pelo consultório
sentimental do tablóide. Na novela de West, no entanto, a correspondência
com o público existe de fato e as cartas dos leitores revelam os sofrimentos e
as angústias de homens e mulheres que leem o editorial. No enredo do conto,
por sua vez, o ex-repórter de polícia cria cartas nas quais a representação
feminina é bastante caricatural, marcada pela ingenuidade e superficialidade,
fato este que confere maior sustentação ao discurso irônico do conto.
Ainda tratando das homenagens prestadas na escolha do nome para
assinar a seção “De Mulher para Mulher”, acreditamos que a segunda seja
60
dirigida a Ivan Lessa, jornalista e escritor32, contemporâneo de Rubem
Fonseca, editor e um dos principais colaboradores do jornal O Pasquim33, no
qual escrevia as seções Gip-Gip-Nheco-Nheco, Fotonovelas e "Os Diários de
Londres". Do mesmo modo que o narrador do conto, Ivan assinava suas
seções com heterônimos34.
Outras duas homenagens são sinalizadas pelo narrador, agora para
assinar as fotonovelas, Clarice Simone foi o pseudônimo eleito, provavelmente
as homenagens dirigem-se, desta vez, à Clarice Lispector e à Simone de
Beauvoir. Esta última, escritora, filósofa e feminista francesa. Entre seus
ensaios críticos cabe destacar O Segundo Sexo (1949), que consiste numa
análise sobre o papel das mulheres na sociedade.
Clarice Lispector, por sua vez, foi uma importante escritora brasileira,
cujo primeiro romance Perto do Coração Selvagem data de 1943, suas
primeiras obras, de acordo com Bosi (2006), tem como características: o uso
intensivo da metáfora insólita, a entrega ao fluxo de consciência; além da
ruptura com o enredo factual” BOSI (2006, p.424). Pelo fato de sua obra
apresentar principalmente personagens femininas como protagonistas recebeu
o rótulo de feminista.
Se considerarmos a representação feminina nas fotonovelas assinadas
por Clarice Simone, observaremos a distorção do discurso feminista, o que
corrobora a ironia e o sentido dessacralizador do conto. Mais do que a
igualdade de direitos, as fotonovelas sinalizam a inversão de papeis entre
homens e mulheres, dado que a noivinha Betty, cujo noivo pretende casar
virgem, é a superputa Betatron, portanto tão adúltera quanto Frederica, que trai
o marido, Tésio, com o filho dele, Hipólito. Todavia, o desfecho trágico das
fotonovelas revela, com o suicídio de Frederica e a descoberta de Roberto da
farsa da noiva, que a sociedade ainda é influenciada pelo machismo.
Em “Corações Solitários” a ironia se instaura, dentre outros meios,
através das contradições sinalizadas tanto no fato de apenas homens
trabalharem numa revista chamada Mulher, quanto na relação entre os dramas
32
Disponível em: http://empilhandopalavras.blogspot.com/2010/12/biografia-ivan-lessa.html
(acesso em 11/09/2011)
33
Publicação semanal brasileira, editada entre 26 de junho de 1969 e 11 de novembro de 1991,
reconhecido, sobretudo, por seu papel de oposição ao regime militar.
34
Um dos heterônimos utilizados por Ivan Lessa era Edélsio Tavares.
61
anunciados nas cartas e a assinatura de seus pseudorremetentes, entre outros:
Virgem Louca, Ceguinha Feliz e Odontos Silva. Outro dado contraditório
corresponde ao fato de o único consulente verdadeiro do Dr Nathanael Lessa
ser o editor-proprietário da revista. Sob o heterônimo de Pedro Redgrave,
Peçanha escreve para partilhar o drama de ser homossexual e precisar
esconder sua opção sexual da sociedade preconceituosa.
Conforme
expusemos
anteriormente,
a
recuperação
intertextual
empreendida na produção das fotonovelas ocorre, sobretudo, por meio da
paródia e do pastiche, de modo que o tom solene requerido pelo gênero
dramático é substituído pela trivialidade da linguagem. A composição das
fotonovelas evidencia a subversão do que era originalmente trágico de tal
maneira que alguns trechos adquirem traços cômicos.
Outro aspecto no tocante à linguagem, que também corrobora o tom
irônico da narrativa é evidenciada na seleção lexical, algumas vezes, pomposa
das respostas assinadas pelo Dr. Nathanael Lessa, tendo em vista o públicoalvo da revista, mulheres da classe C. Observemos atentamente o conteúdo da
correspondência forjada, a fim de ilustrar a presença da ironia no consultório
sentimental :
Querido Nathanael. Eu não posso ler o que você escreve.
Minha avozinha adorada lê para mim. Mas não pense que eu
sou analfabeta. Eu sou é ceguinha. Minha querida avozinha
está escrevendo a carta para mim, mas as palavras são
minhas. Quero enviar uma palavra de conforto aos seus
leitores, para que eles, que sofrem tanto com pequenas
desgraças, se mirem no meu espelho. Sou cega mas sou feliz,
estou em paz, com Deus e com os meus semelhantes.
Felicidades para todos. Viva o Brasil e o seu Povo. Ceguinha
Feliz, Estrada do Unicórnio, Nova Iguaçu. P.S: Esqueci de dizer
que também sou paralítica. (FONSECA,1994, p.379)
Resposta: Ceguinha Feliz, parabéns por sua força moral, por
sua fé inquebrantável na felicidade, no bem, no povo e no
Brasil. As almas daqueles que se desesperam na adversidade
deviam se nutrir do seu edificante exemplo, um facho de luz
nas noites de tormenta. (FONSECA,1994, p.379-80)
A mensagem de “força moral” supostamente enviada por uma “ceguinha
feliz” sinaliza, primeiramente, o intuito do jornal de proporcionar a evasão dos
problemas aos seus leitores, sugerindo um mundo fantasioso no qual, a
62
desgraça do outro serve de consolo e mesmo de escape para os dramas reais
do cotidiano. Além disso, o otimismo exagerado de alguém em situação tão
adversa soa bastante irônico. A ironia é reforçada, quando lemos o postscriptum anunciando que além de cega, a falsa remetente é também paralítica.
É válido ressaltar ainda a ironia subjacente ao discurso ufanista, que diante da
realidade atroz vigente na época da ditadura, só poderia ser proferido por
alguém impossibilitado de enxergar a realidade.
Outra passagem do enredo em que sobrepesa a ironia é o momento em
que o Dr. Pontecorvo, pesquisador motivacional, surge para revelar que os
leitores do periódico Mulher não são mulheres da classe C, mas, homens da
classe B, como o próprio Peçanha, por exemplo. Diante dessa informação,
Peçanha fica completamente perturbado, por ter suas convicções postas em
crise. Após expulsar o pesquisador da sua sala, Peçanha, que vive à base de
mentiras, afirma: “É a esse tipo de gente que o Brasil está entregue,
manipuladores de estatísticas, falsificadores de informações, empulhadores
com
seus
computadores,
todos
criando
a
Grande
Mentira.”
(FONSECA,1994,p.384)
Durante a leitura de “Corações Solitários”, somos provocados a
mobilizar conhecimentos prévios sobre o estilo do autor, sobre o contexto de
publicação do conto para preencher vazios, negociar sentidos e compreender
implícitos. Tal negociação mais do que estruturar a narrativa, provoca
diferentes percepções na recepção dos leitores, evidenciando a riqueza da
narrativa nos diferentes vazios. Por isso, há quem leia o conto e o considere
apenas engraçado, ao passo que outros o consideram dramático e até mesmo
trágico. Como compreender a ironia pressupõe a experiência do leitor, nesse
enredo a ironia nos parece o grande vazio para a interpretação do conto.
63
CAPÍTULO
III
-
LEITURAS
E
LEITORES
DE
“CORAÇÕES
SOLITÁRIOS”
Nossa pesquisa reclamou uma abordagem qualitativa do corpus, que
tendesse ao exame de aspectos mais profundos e subjetivos da recepção do
texto literário por alunos de ensino médio, das instâncias pública e particular. A
propósito desse tipo de abordagem dos dados, Gressler (2004) afirma que o
pesquisador parte de questões amplas, focos de interesse ou recortes de uma
determinada realidade, permitindo que categorias interpretativas surjam,
durante os processos de coleta e análise de dados.
Outro traço fundamental da pesquisa qualitativa, que se coaduna com o
enfoque do nosso estudo, destacado tanto por Gressler (2004), quanto por
Bortoni-Ricardo(2008), é o fato de ela ser fundamentalmente interpretativa, ou
seja, a interpretação dos resultados despontará como a totalidade de uma
especulação que tem por base a descrição de um fenômeno em um contexto.
No tocante à natureza da abordagem da pesquisa, vivenciamos duas
etapas estreitamente relacionadas, a saber: a primeira, marcada, sobretudo,
pelo caráter bibliográfico; a segunda, intervencionista. Todavia, a distinção das
etapas ocorre apenas pela necessidade de sistematização, já que, o referencial
teórico influenciou nossa atuação em todos os momentos da etapa seguinte.
Portanto,
a
pesquisa-ação
predominou
nesta
pesquisa,
visto
que,
convencionalmente, ela é definida como “uma intervenção em pequena escala
no mundo real e um exame muito de perto dos efeitos dessa intervenção”
(MOREIRA & CALEFFE, 2006, pp. 89-90).
A segunda etapa da nossa pesquisa foi composta por três momentos
principais, quais sejam: primeiramente, a Observação participante; em seguida,
a Intervenção didática e, por fim, a Análise dos dados. Durante a observação
participante, acompanhamos dez aulas de Literatura em cada uma das turmas
nas quais empreendemos nossa intervenção didática.
Em relação à definição dos métodos de registro da experiência,
recorremos além dos questionários de sondagem, respondidos pelos alunos e
pelos professores titulares, aos registros feitos durante as aulas, a anotações e
observações colhidas no período de observação participante. Já no momento
da nossa intervenção didática, gravamos todas as aulas ministradas e nos
64
valemos de anotações, além dos registros da produção escrita dos alunos,
preservando, contudo, sua identidade.
Conforme sinalizamos anteriormente, o segundo momento da pesquisaação foi destinado à realização da experiência em sala de aula, dispusemos de
quatro aulas de 50 minutos para a nossa atuação em cada turma. Utilizamos
em ambas as turmas os mesmos materiais, tendo em vista o fato de o foco do
nosso trabalho ser o estudo do texto literário e, que para empreendermos tal
estudo, o único material imprescindível era a cópia do conto, que foi lido em
sala.
Nossa intervenção didática foi norteada, sobretudo, pela assunção da
condição de mediador entre o conto e os educandos. Para tanto, procuramos
tornar a aula de literatura um espaço verdadeiramente dialógico, por
conseguinte um momento de interação, de leituras plurais, de descoberta de
sentidos. Propusemos uma abordagem que partiu da leitura do texto literário,
através da qual o convívio com a obra literária teve centralidade, dado que
consideramos este percurso fundamental no processo de formação de leitores.
3.1- A OBSERVAÇÃO PARTICIPANTE
Acerca da observação participante, Martins e Theóphilo (2007)
esclarecem que: “trata-se de se alocar o investigador no contexto a ser
estudado, e de criar condições para a coleta de informações, dados e
evidências através dos olhos e percepções do pesquisador.” MARTINS &
THEÓPHILO (2007,p.85) Por isso, a condição de observador participante
requer, ao mesmo tempo, desprendimento e envolvimento pessoal.
A
relevância dessa técnica consiste no fato de captar uma variedade de
situações ou fenômenos que não são alcançados mediante perguntas,
entrevistas ou questionários, uma vez que, saltam das especificidades
observadas diretamente do próprio contexto.
No caso da nossa pesquisa a observação de algumas aulas nas turmas
de 3º ano tinha por objetivo a aproximação dos sujeitos da pesquisa e de suas
vivências nas práticas escolares. Além disso, precisávamos observar como
ocorriam as aulas de literatura, bem como a performance dos educandos nas
aulas. Conhecer as necessidades e interesses da turma com a qual iríamos
65
interagir e de acordo com o perfil dos alunos era necessário para planejarmos
nossa sequência didática para abordagem do conto.
3.1.1- TURMA A
Designaremos de “A” a primeira turma em que realizamos nossa
intervenção didática. No período compreendido entre 24 de Setembro a 19 de
Novembro de 2010, realizamos a observação participante na turma de 3º ano
do Ensino Médio, da rede particular35 de Campina Grande-PB. As aulas de
literatura, ministradas pelo professor específico da disciplina, aconteciam às
sextas-feiras nos dois últimos horários da manhã, das 10:50 às 12:20h.
Aproximadamente 30 alunos compunham a turma em questão; a faixa etária
compreendida entre 16 e 20 anos, sendo que mais da metade da turma tinha
17 anos no 4º bimestre de 2010, época em que realizamos a intervenção.
No período da observação participante acompanhamos dez aulas de 50
minutos, que aconteceram nos dias 24 de Setembro, 22 de Outubro;05,12 e 19
de Novembro de 2010. Comentaremos brevemente os conteúdos e práticas
desenvolvidas nesse período. No primeiro encontro, o professor titular nos
apresentou
à
turma
e
nós
explicitamos
os
motivos
pelos
quais
acompanharíamos algumas aulas de literatura. Os alunos pareceram bastante
receptivos, a aula teve início normalmente. Como as cadeiras dos alunos
estavam dispostas em forma de círculo, sentamos na extremidade que ficava
em frente à lousa.
O conteúdo da primeira aula era o filme “Macunaíma”, de Joaquim Pedro
de Andrade, que constava na lista de indicações do Vestibular 2011, da
Universidade Estadual da Paraíba. Os alunos haviam assistido ao filme em
outra ocasião; ficou nítido o esforço do professor de recuperar passagens
relevantes do filme, de acordo com a percepção dos alunos. Além disso, o
professor relacionou diversas vezes cenas do filme a passagens da obra
homônima de Mário de Andrade. Adiante, um aluno questionou o professor a
respeito da obra As Velhas, de Lourdes Ramalho, também indicada para o
exame, no tocante à problematização das questões sociais.
35
A escola está situada no bairro do Cruzeiro, há mais de 10 anos oferta vagas no Ensino
Médio, a mensalidade cobrada na época de nossa intervenção para o 3º ano era de R$:226,00.
66
Ainda nessa aula o professor comenta o processo de formação do povo
brasileiro, enquanto os alunos recapitulavam passagens do filme. O professor
caminha na sala, faz uso da lousa, aproveita os comentários dos alunos,
incitando a participação dos demais. Cerca de doze alunos participaram
ativamente da discussão sobre o filme, mas a turma de um modo geral
mostrou-se envolvida com a aula, copiando as informações da lousa, atenta,
sobretudo, nos momentos de exposição do professor.
No dia 22 de outubro o professor iniciou a aula entregando cópias do
livro A educação pela pedra, de João Cabral de Melo Neto aos alunos que
haviam solicitado anteriormente. Em seguida, o docente sinalizou para a turma
que alguns poemas da obra de Cabral seriam trabalhados na aula seguinte.
Novamente, as cadeiras estavam dispostas em círculo. No quinto horário, de
10:50 às 11:35 foram resolvidas em sala quatro questões do ENEM 2009. Os
alunos liam silenciosamente as questões e resolviam; adiante, o professor
solicitava que alguém lesse a questão em voz alta, e os alunos manifestavam
suas respostas e defendiam suas escolhas até o momento em que o professor
revelava o gabarito.
Na sexta aula, nos dirigimos junto com a turma ao auditório da escola
para a exibição de um documentário sobre o filme Macunaíma. Em
aproximadamente 25 minutos o vídeo, disponível na internet, intercala cenas
do filme e a leitura de algumas passagens mais relevantes da obra de Mário de
Andrade. Além disso, o vídeo, indicado por um dos alunos da classe, apresenta
depoimentos de pesquisadores e professores universitários sobre o livro de
Mário de Andrade e a relação entre literatura e cinema. Ao término da exibição,
dois alunos fizeram observações sobre a pertinência do documentário e o
professor encerrou a aula recomendando aos poucos alunos que não haviam
assistido ao filme que o fizessem o quanto antes.
No dia 05 de Novembro, véspera da realização do Exame Nacional do
Ensino Médio,36 houve apenas uma aula de literatura, pois o professor de
matemática solicitou o 6º horário para concluir a resolução de alguns
exercícios. Foram resolvidas questões do ENEM 2009, os alunos participaram
satisfatoriamente, lendo e comentando as questões. O professor lembrou os
36
Em 2010 as provas foram aplicadas nos dias 06 e 07 de Novembro.
67
alunos de que havia novas postagens no blog da turma, a mais recente, na
ocasião, era de poemas de João Cabral de Melo Neto. Nessa ocasião, o
professor titular sugeriu que na aula seguinte nós participássemos mais
ativamente comentando um dos poemas a ser estudado em sala.
No dia 12 de Novembro, a aula teve início com comentários sobre a
prova do ENEM. Antes de iniciar a leitura dos poemas, o professor titular situa
a obra historicamente e faz um breve comentário sobre a 3ª fase do
Modernismo Brasileiro. Em seguida, o docente solicita que um aluno leia o
poema “Tecendo a manhã”, logo após a leitura alguns alunos permanecem em
silêncio, outros se encontravam bastante dispersos, apenas cinco dos 27
alunos estavam envolvidos, de fato, com a interpretação discussão do poema.
O professor comenta o forte caráter metalinguístico da poesia de Cabral.
Dando prosseguimento à aula, o poema “A educação pela pedra” foi lido, o
docente incentivou os alunos a demonstrarem suas impressões iniciais sobre o
poema, mas poucos participaram. Quando indagados se gostaríamos de
comentar algo, destacamos os jogos fonéticos e as relações de oposição no
interior do poema. Nessa aula particularmente os alunos mostraram-se
inquietos e pouco atentos ao conteúdo e à leitura dos poemas. Ao fim da aula,
o professor comentou que na aula seguinte traria dez questões de vestibular,
todas relacionadas à obra O Cortiço37.
No dia 19 de Novembro, ao entrar na sala, o professor pediu que a
turma se organizasse em círculo. Após a movimentação das cadeiras, o
docente anunciou que na véspera do vestibular da UEPB postaria no blog da
turma uma série de dicas38 relativas às obras indicadas, os 19 alunos
presentes ficaram bastante satisfeitos com o comunicado. Em seguida, um
aluno questionou o professor sobre a diferença entre onisciência e
37
Livro de Aluísio Azevedo, também indicado para o Vestibular 2011 da UEPB, realizado nos
dias 28,29 e 30 de Novembro de 2010.
38
É bastante comum, sobretudo, entre as escolas particulares os professores fornecerem
“dicas”, que incluem desde o resumo das obras indicadas para os vestibulares até questões
objetivas acerca das obras. De nossa parte, discordamos desse tipo de prática, pois
acreditamos que ela afasta os alunos dos textos literários e das reflexões que o contato efetivo
com a literatura pode propiciar, dado que muitos alunos acreditam que a leitura dessas dicas
substitui a leitura das obras. Essa crença, entre outros, fomentada por cursinhos, inclusive,
desvirtua o propósito das indicações de leitura feitas pelas Universidades para os alunos
concluintes do Ensino Médio.
68
onipresença, após esclarecer a dúvida, o docente expõe sobre o romance de
tese.
Os alunos se alternaram na leitura de questões e participaram
ativamente da resolução. Durante a aula algumas dúvidas sobre a obra foram
tiradas, metade dos presentes havia lido o romance na íntegra. Comentamos
duas das questões selecionadas pelo professor. No fim da aula o professor leu
para a turma o penúltimo capítulo de O Cortiço. Indagado sobre a avaliação do
4º bimestre, o professor sinalizou que esta ocorreria durante as aulas que
ministraríamos nos dias 27 de Novembro e 03 de Dezembro, inclusive, por
meio de atividade escrita.
O professor titular da turma A ensina há 16 anos, concluiu a graduação
em Letras em 1996, atua em turmas do 1º ano do ensino médio ao prévestibular tanto em escolas públicas quanto em particulares. Acompanhava a
turma em questão desde o 1º ano (2008), indagado sobre as leituras literárias
realizadas em sala que mais despertaram o envolvimento dos alunos, o
professor destacou as seguintes: contos: “A cartomante”, “O enfermeiro”, “O
segredo do Bonzo”, “Pai contra mãe”, de Machado de Assis, poemas: “Um
beijo”, de Olavo Bilac, “Soneto de contrição”, de Vinicius de Moraes,
“Desenganos da vida humana metaforicamente”, de Gregório de Matos), além
de algumas músicas e dos romances: Bom Crioulo, de Adolfo Caminha Cinco
minutos, de José de Alencar e Vidas secas, de Graciliano Ramos.
Em relação à metodologia utilizada para a leitura de textos literários em
sala, o professor afirma que frequentemente, começa pela leitura em voz alta.
O segundo passo é, segundo ele, a discussão a partir do levantamento de
aspectos temáticos, lingüísticos, formais, passagens ou imagens que chamam
atenção. O docente explica que, muitas vezes, a discussão ocorre
paralelamente ao ato da leitura, quando ocorre a leitura do parágrafo ou da
estrofe e imediata discussão. De acordo com ele a sequência depende muito
do texto.
No tocante às suas práticas pedagógicas, o professor sinaliza, ainda,
que pensa a leitura do texto na íntegra como ponto central para discussão.
Nessa direção, ele argumenta que mesmo estudando as escolas literárias,
mescla a perspectiva histórica com leituras diversificadas, envolvendo os
gêneros lírico, narrativo e dramático.” O docente indica ainda que faz o possível
69
para criar um ambiente favorável ao debate, pois para ele os alunos devem
estar envolvidos na leitura e, por conseguinte, na discussão39.
3.1.2-TURMA B
Designaremos de “B” a segunda40 turma em que realizamos nossa
intervenção didática. No período compreendido entre 01 a 10 de Junho de
2011, realizamos a observação participante nessa turma de 3º ano da Rede
Estadual de Ensino41. A referida turma era composta por 14 alunos, cuja faixa
etária variava entre 16 e 34 anos. Na época intervenção, metade da turma
tinha 17 anos, há dois alunos fora de faixa, um com 26 e outro com 34 anos.
Por se tratar de uma turma da escola pública, um mesmo professor é
responsável pelos conteúdos de língua portuguesa e literatura, dispondo de
cinco aulas de 45 minutos para ministrar tais conteúdos. As cinco aulas
semanais, ministradas pela professora de Língua Portuguesa, aconteciam nos
seguintes horários: quartas-feiras de 13:00h às 14:30h, quintas-feiras de 6:15h
às 17:45h e às sextas-feiras de 15:30h às 16:15h.
Do mesmo modo que o professor da turma A, a professora acompanha a
turma desde o 1º ano, cursado em 2009, mantendo com os alunos uma relação
de respeito e amizade. Em conversa informal, a professora titular nos adiantou
que desde 2009 três pesquisadores tinham acompanhado aulas e desenvolvido
experiências didáticas naquela turma e os alunos costumavam agir com
naturalidade tanto durante o período de observação quanto nas aulas dos
professores-pesquisadores.
A docente da turma B trabalhava apenas na Rede Pública, atuava há
três
anos
como
professora
de
língua
portuguesa,
é
pós-graduada,
acompanhava a turma na qual realizamos a intervenção didática desde
2009,quando os alunos ingressaram no Ensino Médio. Entre as leituras que
mais despertaram o envolvimento dos alunos, a professora destacou os
39
Os professores responderam a um questionário com 21 perguntas, a partir do questionário
obtivemos alguns dados. Conferir questionário Anexo II
40
A princípio, desejávamos realizar a intervenção didática concomitantemente em uma turma
da Escola Pública e outra da Escola Particular, no entanto, apenas na terceira tentativa de
escola pública conseguimos realizar nossa intervenção didática.
41
A referida turma será a primeira a concluir o Ensino Médio nessa Escola Estadual, situada no
bairro das Malvinas.
70
seguintes textos: “Piabinha”, de Luis Vilela; “O apólogo”, de Machado de Assis;
“A última crônica”, de Fernando Sabino e alguns poemas de Vinicius de
Moraes, além de músicas da MPB. Relativamente às práticas da professora, ao
sondarmos sua definição de planejamento de aula, constatamos que sua
reflexão se aproxima do que deduzimos nos momentos de observação,
mesclando conhecimentos linguísticos e literários, relacionando, sempre que
possível a literatura às outras artes.
Em relação à metodologia utilizada para a leitura de textos literários em
sala, a professora afirmou que geralmente inicia a abordagem de textos
literários questionando os alunos sobre algo que tem a ver com a história a ser
trabalhada. Ela indicou que reproduz oralmente uma situação indagando como
eles agiriam; o que pensariam sobre tal acontecimento; como julgariam.
Em seguida, a docente apresenta o título, e especula por que um título
como aquele; do que pode se tratar, e as hipóteses vão sendo listadas no
quadro. Feito isso, ela inicia a leitura oral da obra fazendo algumas pausas. Na
maioria das vezes, os alunos só ouvem a história, não são entregues cópias.
De acordo com a professora, os alunos apreciam bastante a leitura de
narrativas curtas em sala. É comum se concentrarem de tal modo durante esse
tipo de atividade que surpreendem a professora, ao final da leitura,
comentando detalhes de imagens e características de personagens e
paisagens.
Comentaremos brevemente os conteúdos e práticas desenvolvidas nas
oito aulas42. Os alunos pareceram bastante receptivos e a aula teve início
normalmente. Durante todas as aulas, as cadeiras estiveram dispostas em
filas, os alunos sentavam-se principalmente nas três últimas fileiras, a
professora sempre escolhia uma carteira que facilitasse a visualização da
totalidade da turma.
No dia 1º de junho, primeiro encontro com a turma, 12 alunos estavam
em sala. Fomos apresentados pela professora titular e explicitamos os motivos
pelos quais acompanharíamos algumas aulas. Em seguida, a professora
42
Acompanhamos duas aulas de Língua Portuguesa no primeiro encontro, realizado em 01-062011, duas aulas em 08-06 e outras duas aulas em 09-06-2011. No dia 10-06, sexta-feira,
havia apenas a 4ª aula de português, mas acompanhamos, a convite do professor de
Sociologia, a 3ª aula da turma.
71
comentou sobre a taxa de isenção do Vestibular da UEPB, motivando-os a
participarem do processo. Após o comentário, a professora escreve no quadro
negro as obras literárias indicadas para o Vestibular 2012 da UEPB 43,
sinalizando a possibilidade daquela turma realizar um “círculo de leitura” com
as obras indicadas, que estivessem disponíveis na biblioteca da escola.
Adiante, retoma a correção de questões do ENEM 2010, solicitando que
os alunos defendam suas escolhas, argumentando sobre as alternativas
escolhidas. A correção acontecia na seguinte sequência: um aluno lia o
enunciado da questão em voz alta, os alunos sinalizavam qual resposta haviam
escolhido, a professora comenta com os alunos alternativa por alternativa. Os
alunos participam da aula ativamente, manifestando dúvidas, levantando
questionamentos, argumentando a favor de suas escolhas.
No primeiro encontro foram comentadas sete questões, mais da metade
da turma se envolve diretamente na resolução da prova azul do Exame
Nacional. Enquanto respondiam à questão 105 sobre o impressionismo, os
alunos revelaram aguçado senso crítico e senso de humor, criticando a
desfiguração da tela de Monet na Xerox da prova. Como quase ninguém havia
resolvido essa questão, a professora resgatava os conhecimentos prévios dos
alunos acerca das vanguardas europeias, a fim de resolver a questão.
Após a leitura da questão 106, sobre danças folclóricas brasileiras, a
professora orientou os alunos sobre a necessidade de estar atento ao que o
enunciado solicita, já que no caso dessa pergunta a indagação surgia através
da expressão “deixa-se de identificar”. A professora lembrou também a
possibilidade de eliminação das alternativas. Uma aluna destacou que resolveu
a questão, pois havia lido sobre folclore em uma apostila do concurso da
prefeitura, essa aluna esclareceu para os colegas que o congado era uma
dança brasileira de influência africana.
Resolvendo a questão 10844, na qual deveriam fazer a análise dos
conteúdos verbal e não-verbal de dois textos, relativos ao lançamento do livro
digital no Brasil. Um dos textos era a capa da revista época de 12 de Outubro
43
ANTOLOGIA POÉTICA, de Carlos Drummond de Andrade; CONTOS NEGREIROS, de
Marcelino Freire, MARIAS, de Janaina Azevedo e OS RATOS, de Dyonélio Machado.
44
Optamos por comentar, entre as sete questões resolvidas em sala, as que revelaram, em
nosso entendimento, impressões significativas a respeito dos alunos e de seu comportamento
em sala.
72
de 2009 na qual Paulo Coelho aparece com um livro digital cobrindo parte do
seu rosto, os alunos reconheceram de imediato a figura do escritor. Um dos
alunos chegou a comentar com o colega: “Eu gosto de Raul, meu filho, também
gosto de Paulo Coelho”. Ao término da aula, a professora lembrou à turma de
entregar na aula seguinte uma redação atendendo à proposta do ENEM
201045.
No dia 02 de Junho, quinta-feira a professora fez comentários sobre os
textos dos alunos na primeira aula e na segunda, iniciou a abordagem do
gênero notícia, apresentando um exemplar veiculado na internet. Na sexta 03
de Junho não houve aula. Na quarta seguinte, dia 08 de Junho,
acompanhamos mais duas aulas de Língua Portuguesa. A aula teve início às
13:10h com apenas quatro alunos em sala. No quadro, a professora titular
escreveu: “GÊNEROS TEXTUAIS X TIPOS TEXTUAIS”. Por volta de 13:25h,
como os demais alunos ainda não haviam chegado, a professora retomou a
notícia lida na aula anterior, com o intuito de explicar as vozes presentes no
texto.
Os alunos releem silenciosamente a notícia intitulada: “João Pessoa
(PB) comemora dia da prostituta com corrida de calcinhas”46, em seguida a
professora estimula-os, primeiramente, a comentarem o uso das aspas em
algumas passagens da notícia. Prontamente um aluno responde que o uso era
intencional e ocorria para o autor não se comprometer com a fala de outras
pessoas. Dando prosseguimento à aula, a docente solicita que os alunos
destaquem as vozes presentes no texto. Um aluno expõe que a notícia traz
vozes com opiniões diferentes, segundo ele, umas pessoas representadas no
texto são contra e outras favoráveis à corrida.
Em seguida, outro educando defende que na notícia há três perspectivas
diferentes sobre o mesmo fato. A professora, copiando no quadro, pede que os
alunos destaquem argumentos contrários e a favoráveis manifestados na
notícia. A professora aproveita ao máximo as contribuições dos quatro
estudantes, estimulando-os a acrescentarem outros comentários. Às 13:45h,
45
Com base na leitura de dois textos motivadores e nos conhecimentos construídos ao longo
de sua formação, o candidato deveria redigir um texto dissertativo-argumentativo em norma
culta escrita da língua portuguesa sobre o tema: O trabalho na Construção da Dignidade
Humana, apresentando experiência ou proposta de ação social, que respeite os direitos
humanos.
46
Notícia disponível em http://www.24horasnews.com.br/index.php?mat=330480
73
assim que tocou o sinal da segunda aula, entraram em sala mais sete alunos.
A professora retoma o que está escrito no quadro e explica o que foi feito na
primeira aula. Em seguida, indaga aos que chegaram por último quais as
principais características da notícia.
Os alunos respondem satisfatoriamente e pegam a cópia do texto,
retirado da internet, para acompanhar a aula. Um aluno recém-chegado
comenta que uma das regras do jornalismo é ser imparcial, mas aqui no Brasil
está difícil. Todos na sala riem e acabam concordando com a opinião do aluno.
Outro aluno constata que há mais espaço para os argumentos favoráveis à
corrida na notícia. A turma concorda e a professora sinaliza que voltará às
questões do ENEM.
Antes, no entanto, ela apaga o quadro e escreve novamente:
“GÊNEROS TEXTUAIS X TIPOS TEXTUAIS, indicando que estes últimos
podem também receber o nome de sequências tipológicas, ordem tipológicas.
Adiante, a docente indica exemplos de sequências narrativas, injuntivas,
descritivas e argumentativas. Retomando a prova, um aluno lê em voz alta o
enunciado da questão 109, cujo texto trata do chat e sua linguagem virtual.
Na leitura das alternativas os alunos riram bastante, principalmente as
meninas. A professora indagou se eles costumavam frequentar chats e as
alunas comentaram brevemente algumas de suas experiências. Ao toque do
sinal, a professora se despediu da turma e sinalizou que na aula seguinte
continuaria com a questão 110.
Na quinta-feira, 09 de Junho, a professora iniciou a aula perguntando a
cada um dos alunos se já havia feito o pedido de isenção da inscrição do
Vestibular; aos poucos que demonstravam dúvida sobre fazer o concurso ela
incentivou afirmando que este era o momento e que eles deveriam passar por
essa experiência. Ela comentou também que somente este ano eles teriam a
possibilidade de fazer a prova gratuitamente e quando se afasta da escola se
torna mais difícil acompanhar as datas e os prazos de inscrição. A professora
pediu nossa opinião a respeito e nós corroboramos o seu discurso, motivando
os alunos a realizarem as provas.
Em seguida, a docente retoma a prova do ENEM, os alunos acharam a
questão 110 muito óbvia, por isso, quiseram apenas confirmar o gabarito e
adiantar a leitura da questão 111. Uma aluna se dispõe a ler, antes dela iniciar,
74
entretanto, a professora sinaliza a necessidade de na leitura do enunciado
perceber os seus detalhes. Na questão havia dois textos, o primeiro intitulado
“Sob o olhar do twitter” e o segundo, “Dicas para usar melhor o twitter”.
Nenhum aluno acertou esta questão, pois houve confusão na
compreensão do enunciado. Diante disso, a professora leu e comentou
detalhadamente cada alternativa e novamente recomendou atenção na leitura
do enunciado, instruindo-os a observar as pistas sobre a resposta na
formulação da pergunta. Algumas alunas se alternaram na leitura dos
enunciados e até o fim da aula foram resolvidas e comentadas mais cinco
questões.
Na aula seguinte, realizada na sexta-feira, 10 de Junho, a professora
pede que os alunos peguem suas cópias da prova para continuar a correção.
A questão 117, sobre um soneto de Álvares de Azevedo foi lida por uma aluna.
Um aluno argumenta que marcou letra “D”, porque o autor é da segunda
geração romântica. A professora pede que outro aluno releia o soneto, após a
releitura, ela comenta minuciosamente as alternativas de “E” até a “A” e pede
que o soneto seja lido novamente.
Antes de iniciar a leitura da questão 118, a professora solicitou que uma
aluna busque no dicionário o significado da palavra trapiche e leia para a
turma. Feito isso, um aluno inicia a leitura da questão sobre espaço, que
apresenta como texto I um fragmento do romance Capitães da areia, de Jorge
Amado e como texto II um excerto de um conto de Dalton Trevisan. A
professora vai ao quadro, solicitando que os alunos apontem as temáticas
presentes no texto I, os alunos indicam a exclusão como temática central do
primeiro fragmento. A professora pede dois fragmentos que confirmem a
temático e os alunos indicam: “debaixo da ponte onde dormiam” e “Tinham
entre nove e dezesseis anos”.
A professora pediu o mesmo destaque temático em relação ao texto
dois, um aluno destaca o trecho: “contentam-se com as sobras do mercado.”,
indicando que o fragmento também retratava uma situação de pobreza e
precariedade. Em seguida, a professora convida os alunos à reflexão,
perguntando se há linguagem afetiva ou tom irônico nos fragmentos; um aluno
responde que a linguagem é mais descritiva mesmo. As alternativas são lidas e
os alunos vão manifestando suas escolhas. A maioria indicou a resposta
75
correta e os próprios alunos explicaram porque as demais alternativas estavam
incorretas. Por fim, resolveram a questão 119, que apresentava um texto sobre
a Wikipédia, a resolução foi mais rápida, pois o professor da aula seguinte já
esperava na porta. A professora se despediu anunciando que na aula seguinte
nós estudaríamos um conto de Rubem Fonseca com a turma.
Reconhecemos a validade desse período de acompanhamento das aulas,
pois, nos dois ambientes, conseguimos nos aproximar dos alunos e adquirir a
confiança necessária para realizarmos a nossa intervenção didática. Esse
período foi relevante, inclusive, para aprendermos mais sobre a prática de
ensino, conhecer a metodologia utilizada pelos professores.
De acordo com Barbier (2002), “o pesquisador deve saber sentir o
universo afetivo, imaginário e cognitivo do outro para compreender as atitudes
e os comportamentos, o sistema de ideias, de valores e de mitos.” (BARBIER
2002,p.94). Partindo desse pressuposto, nosso primeiro contato com as duas
turmas permitiu através da escuta sensível 47 captar comportamentos e práticas
no âmbito da sala de aula, para adiante tentarmos entender os seus processos
e compreender as suas causas. Nesse contato inicial ficou evidente a relação
amistosa e respeitosa que os professores mantinham com seus alunos.
Os docentes das turmas A e B mostravam-se bastante envolvidos, ficou
nítido nos dois ambientes que havia preparação e planejamento para as aulas.
Além disso, era comum na prática dos dois professores incentivar a
participação dos alunos, as aulas eram dinâmicas e estavam sempre pautadas
no diálogo. Portanto, a observação participante foi decisiva, inclusive, para a
nossa reflexão sobre o tratamento conferido à literatura nas aulas e
planejarmos a condução das aulas sobre o conto de Rubem Fonseca.
47
Para Barbier(2002) é um tipo de escuta próprio do pesquisador-educador.
76
3.2–QUESTIONÁRIOS
Solicitamos, nas duas turmas, que os alunos respondessem a um
questionário, composto de onze questões. Nosso intuito era obter a partir
dessas respostas elementos indicativos do nível de experiência com a leitura
literária daqueles alunos. Não analisaremos as onze respostas de cada um dos
alunos. Entretanto, destacaremos aquelas que chamaram mais nossa atenção,
tendo em vista as especificidades reveladas nas respostas relativas às
experiências de leitura e ao gosto dos alunos.
Priorizaremos, deste modo, a apreciação qualitativa das respostas. Ao
término do primeiro encontro da nossa intervenção didática na turma A 48,
distribuímos os questionários para os 26 alunos. Lemos para a turma as
informações que antecediam as perguntas, comentamos brevemente as
questões, além de alertarmos que eles não precisavam se identificar.
Solicitamos apenas, na questão 1, que fossem indicados a idade e o sexo dos
alunos49.
A segunda pergunta era “Você gosta de ler?”, os alunos tinham que
escolher entre quatro possibilidades, obtivemos o resultado seguinte na turma
A: 6 responderam que sim,1 respondeu que não, outros 6 responderam um
pouco e a maioria, 13 alunos respondeu que depende da leitura. Na turma B 50,
alcançamos o resultado: 5 responderam que sim,0 respondeu que não, outros
6 responderam um pouco e 03 alunos responderam que depende da leitura.
Esses últimos dados revelaram que, em B, ao contrário da turma A,
ninguém demonstrou não gostar de ler. Além disso, se considerarmos os que
marcaram gostar de ler dependendo da leitura e os que afirmaram gostar de ler
temos a maioria da turma revelando seu gosto pela leitura. Isso nos pareceu
bastante positivo, por outro lado, parcela significativa da turma manifestou-se
pouco interessada pela leitura.
48
Houve divergência quanto à aplicação do questionário, pois na turma “B” o fizemos em dois
momentos. Aproveitando uma aula vaga, no período da observação participante, solicitamos
que os alunos respondessem apenas as questões de 01 a 09. As duas últimas questões
seriam respondidas somente após a primeira aula da nossa intervenção.
49
Na turma A, 14 alunas e 12 alunos responderam o questionário de sondagem.
50
10 alunas, cuja faixa etária variava de 16 a 18, a exceção de duas, com 26 e 34 anos, e 04
alunos, todos com idade entre 17 e 18 anos, responderam ao questionário na turma B;
77
Na terceira questão, quando sondamos o(s) “tipo(s) de leitura51” que mais
os agradava, conseguimos, na Turma A, os dados: poesia: 07; narrativas
(romance, novela, conto, crônica):21;história em quadrinhos:17,dramaturgia:06,
cordel:05, jornal:05, revistas: 14, conteúdos das disciplinas nos livros
didáticos:02; outros:02
(matérias sobre polícia e esportes) e (tutoriais na
internet e charges.
Na
turma
B,
poesia:
10;
narrativas
(romance,
novela,
conto,
crônica):08;história em quadrinhos:07,dramaturgia:04, cordel:04, jornal:04,
revistas: 06, conteúdos das disciplinas nos livros didáticos:02; outros:03
(Bíblia,livros bíblicos, revistas de moda). Dos 14 alunos questionados em B,
mais da metade, cerca de 60% admitiram que a leitura de narrativa agradavalhes. O gosto pela poesia encontrou proporcionalmente mais adeptos na turma
B do que na turma A, tendo em vista que naquela mais de 70% indicaram o
interesse pelo gênero lírico. Outro gênero que se revelou da preferência dos
jovens, assim como na turma A, foi o das histórias em quadrinhos, destacado
por metade dos alunos da turma B.
Ao indagarmos na questão de número 4, primeira questão subjetiva 52,
sobre a frequência de leitura, obtivemos, na Turma A, desde respostas como
“poucas vezes”, no caso do aluno que admitiu não gostar de ler até outras
como: “sempre que tenho tempo e quando é solicitado na minha escola”.
Houve também quem manifestasse assiduidade na leitura: “diariamente” e no
outro extremo, um aluno revelou que lê sempre que está desocupado e sem
internet.”53
Obtivemos, na Turma B, desde respostas como “nem sempre”, no caso
de uma aluna que admitiu gostar de ler “um pouco” até outras como: “procuro
dias da semana com tempo livre e leio um pouco de cada 54”. Três alunos
indicaram que leem “de vez em quando”, também recebemos três indicações
51
Utilizamos a expressão “tipo de leitura” ao invés de gêneros porque queríamos incluir os
suportes “jornal” e “revista”, com o intuito de abarcar além dos gêneros, alguns suportes, como
é o caso de revistas e jornais.
52
Após a aplicação do questionário, reconhecemos que esta questão também deveria ter sido
objetiva para alcançarmos respostas menos imprecisas sobre a periodicidade com que os
alunos leem.
53
Em nosso entendimento, a resposta do aluno, do modo que foi formulada, revela descrédito
e falta de compromisso em relação à leitura, relegando-a a uma atividade secundária.
54
Provavelmente a aluna se referiu aos gêneros que havia marcado na questão anterior. Ela
havia destacado: poesia,narrativas e jornal.
78
de alunos que leem diariamente. A resposta de Rafael, que respondeu sim,
quando indagado se gostava de ler, acerca da sua assiduidade em relação à
leitura sinaliza o seu interesse pela leitura: “Já li com mais frequência, mas
atualmente a frequência anda pouca. Nesse segundo semestre pretendo
aumentar essa frequência.”
Na quinta questão, perguntamos se os estudantes costumavam
frequentar bibliotecas, pedir livros emprestados ou ler textos na internet.
Metade dos alunos revelou que lê exclusivamente na internet. Os gêneros lidos
são bem diversos, desde piadas, resumos de novelas até livros completos.
Alguns estudantes sinalizaram, inclusive, que na internet leem diariamente.
Apenas uma aluna indicou que, apesar de pouco, frequenta bibliotecas e faz
mais empréstimos e leituras na internet.
Cerca de 15% respondeu apenas “não” à questão. Dois alunos indicaram
que pedem empréstimos apenas, 23% afirmam que, além de lerem na internet,
pedem empréstimos. A resposta de um aluno chamou atenção por sinalizar os
motivos pelos quais tantos alunos preferem a internet entre as opções
elencadas na pergunta, vejamos a resposta de Diego 55: “Geralmente leio mais
textos na internet, pois se torna mais acessível ler na internet, mas não
dispenso uma boa leitura de um bom livro, nem que seja emprestado.56”
Metade dos alunos da turma B revelou que, entre as três fontes,lê
preferencialmente na internet. Apenas uma aluna indicou o gênero que busca
com mais frequência no suporte digital, ela costuma procurar poemas57. Além
disso, uma aluna revelou que costuma pedir revistas e livros emprestados às
amigas mais próximas.
Diferentemente da turma A, na B, quatro alunos revelaram que costumam
ir à biblioteca da escola, dentre os quais apenas um não leva os livros para
casa. Uma aluna da turma B indicou que, não pede livros emprestados,
preferindo comprá-los. Em contrapartida, outra estudante destacou que
ultimamente não tem procurado nenhuma das três vias, entretanto, segundo
55
Os nomes citados não correspondem aos verdadeiros nomes dos alunos. Utilizamos este
recurso para preservar a identidade dos estudantes, sem nos tornamos impessoais em
excesso.
56
O aluno foi um dos que respondeu que gostava de ler dependendo da leitura.
57
Quando indagada sobre sua leitura mais recente, Gisela respondeu que havia lido, na
semana em que respondeu o questionário, poemas de Mário Quintana.
79
Beatriz, ela vai começar a ler mais “até pra ajudar na hora de escrever uma
redação ou discutir um tema.”
Um comparativo das respostas obtidas nas duas turmas permite
afirmarmos, com efeito, que as vantagens do meio digital tem atraído um
número cada vez mais significativo de leitores, dado que na turma A 50%
recorrem exclusivamente à internet, entre os três meios indicados no
enunciado da questão, e na B 50% recorrem preferencialmente à internet. Há
divergências quanto à busca por bibliotecas, na turma A é praticamente
inexistente, na turma B ainda encontra assiduidade de quase 30% dos alunos.
Com relação à sexta questão, indagamos qual era a leitura mais recente
dos alunos e quando havia ocorrido. Na Turma A, um aluno indicou que havia
lido O Cortiço no mês anterior, quatro alunos apontaram a leitura de As Velhas,
de Lourdes Ramalho, também no mês anterior. Outros quatro alunos
sinalizaram que haviam lido A Educação pela pedra recentemente. Seis alunos
destacaram a leitura do conto “Corações Solitários”, realizada em sala na
semana anterior. Entre estes a resposta de Ágatha merece destaque:
Por eu estar no 3º ano Médio, minha leitura mais recente foi
das obras literárias do Vestibular (O cortiço, As velhas e A
educação pela pedra) e o conto “Coração solitários” visto em
sala de aula. Obs: sem contar com revista e jornal que leio
diariamente. Ágatha (TURMA A)
A resposta da aluna é bastante representativa da influência de leitura
que os exames vestibulares ainda exercem em turmas do Ensino Médio, tanto
que, além dela mais nove alunos da turma A mencionam como leituras
recentes obras indicadas para o Vestibular 2010 da UEPB. Em contrapartida,
dez alunos indicaram leituras diferentes das indicadas para o referido concurso.
Entre as leituras mencionadas constam as seguintes: A melancolia de
Suzumija Horuji, lido no dia anterior; um livro de Sigmund Freud, naquela
semana; na semana anterior, o livro Quando a brisa vem; A revolução dos
anônimos, ainda está lendo, Amanhecer, há quinze dias; Crepúsculo, mês
passado; O símbolo perdido, há três meses, Che, há dois meses, dois alunos
apontaram a leitura de O Código Da Vinci, há dois meses. Um aluno
mencionou ter lido uma matéria em um site esportivo.
80
Na turma B, três alunas indicaram que haviam lido um trecho da Bíblia
na noite anterior. Outra aluna indicou que havia lido o conteúdo “Cadeias
carbônicas”, de Química. Um aluno destacou que havia lido o cordel Vitalino,
no dia anterior, na aula de Química. Além dele, outro colega havia lido
recentemente um cordel As ignorâncias de Seu Lunga. Uma aluna destacou
como última leitura Espelho mágico, de Mário Quintana, além dela Gisela
afirmou ter lido recentemente poemas de Quintana, mas não indicou a obra.
Ainda no domínio da poesia, um aluno destacou ter lido poemas recentemente,
mas não especificou nem os títulos nem o autor.
Ainda na Turma B, outra aluna destacou que na semana anterior havia
lido Ágape, de Pe. Marcelo Rossi; Também na semana anterior, uma aluna leu
uma história da turma da Mônica, outra aluna iniciou no mês de Junho a leitura
de Mulher, tu estás livre! Um aluno indicou que atualmente está lendo o
romance O mundo de Sofia, de Jostein Gaarder. Por fim, outra estudante
revelou como última leitura uma revista sobre moda, no entanto, não destacou
o nome da publicação tampouco quando ocorreu.
Comparando as leituras mais recentes realizadas nas duas turmas alguns
dados sobressaltam. Enquanto em “A” parcela significativa da turma apontou
obras indicadas para o Vestibular da UEPB, na turma B nenhum aluno o fez.
Provavelmente, essa diferença se deva ao fato de termos aplicado o
questionário em meses diferentes58 nas duas turmas.
Outro fato que cabe destacar é que ao contrário dos dados coletados na
turma A, na turma B não houve indicação de livros de Dan Brown e Stephenie
Meyer59. Além disso, enquanto em A nenhum aluno havia mencionado leituras
de ordem religiosa, na turma B alguns alunos destacaram a leitura recente da
Bíblia, outra aluna indicou a leitura recente de uma obra de caráter religioso.
A sétima questão tinha por objetivo sondar as principais motivações dos
alunos para ler. Entre os comentários da Turma A, um aluno indicou ler para
aprimorar o vocabulário, outro indicou ler para estar bem informado, quatro
leem por obrigação associada à rotina escolar. Nove alunos apontaram a
aquisição de novos conhecimentos como principal motivação para a leitura.
58
Na turma A o questionário foi respondido na última semana de Novembro, ao passo que na
turma B o fizemos, ainda no primeiro semestre, em junho.
59
Autores estrangeiros de Best sellers bastante em voga entre os adolescentes.
81
Todas essas opiniões podem ser arroladas num grupo cujas motivações
atendem a razões pragmáticas, isto é quase 58% dos respondentes admite ler
com objetivos práticos.
Ainda em A, outros onze indicam motivações mais ligadas aos aspectos
lúdicos da leitura, por curiosidade, por diversão, interesse por novas histórias.
Ricardo argumenta que: “minha maior motivação para ler é satisfação, ou seja,
ler algo que se gosta muitas vezes para passar o tempo, exceção prévestibular.” Renata apresenta uma opinião que intercala um objetivo prático à
necessidade de fabulação60, sobre a qual Antônio Candido se manifestou,
vejamos o depoimento da aluna: “Quem ler mais, escreve e se expressa
melhor, além de nos transmitir mensagens, lições e histórias de vida, através
dos personagens”.
Na Turma B, uma estudante indicou ler por conta do incentivo de seus
pais, outras duas afirmaram ler para se manterem atualizadas, dois destacaram
a
curiosidade
como
grande
motivação
para
a
leitura.
Além
disso,
diferentemente do que ocorreu em A, ninguém associou a leitura à obrigação
associada à rotina escolar.
Entretanto, apesar de não associarem a leitura à rotina escolar, como
fizeram alguns alunos da Turma A, alguns alunos da turma B destacaram a
leitura como fonte de novos conhecimentos, acompanhemos os argumentos de
Rafael e Alice:
Em relação à Bíblia, minha maior motivação para ler é o
conhecimento e a orientação que o livro nos proporciona. Já os
outros livros ou textos me motivam a os lê devido ao enredo e
ao conhecimento que consigo adquirir. Rafael (TURMA B) (sic)
Leitura é sempre bom ajuda no desenvolvimento da escrita,
você aprende a se expressar melhor até porque você tem um
conhecimento do assunto. Quando se ler acontece isso
aprendemos a discutir e entender o assunto gerando um
conhecimento. Alice (TURMA B)
60
Em “O direito à literatura”, Candido (1995, p.242) lembra-nos de que “não há povo e não há
homem que possa viver sem ela, isto é, sem a possibilidade de entrar em contato com alguma
espécie de fabulação”.
82
Note-se que entre as duas respostas a de Alice parece ser a mais ligada
a razões pragmáticas. Rafael, por seu turno, sinaliza em sua resposta que
além dos novos conhecimentos, o enredo das histórias são mencionados como
atrativos para a leitura, de modo que o aspecto lúdico também é considerado
na resposta. Sob este enfoque lúdico, mais dois leem principalmente pelo
interesse por novas histórias e outros dois indicam que leitura é um
passatempo.
A oitava questão pretendia saber se algum texto literário já havia
emocionado os alunos, provocando tristeza, melancolia, alegria, felicidade ou
outro sentimento. Caso a resposta fosse afirmativa, o aluno deveria explicitar
em que ocasião o fato ocorreu e qual era o texto. Em A, metade dos alunos
respondeu que não. Uma dessas alunas respondeu que só filmes a
emocionavam. Josefa respondeu o seguinte: “Já li muitos textos literários,
porém nenhum chegou a me emocionar, mas em alguns momentos eu cheguei
a retirar lições de vida deles e isso me fez muito bem.61”
Entre a outra metade que respondeu afirmativamente apenas uma aluna
indicou a ocasião em que a leitura havia acontecido, leiamos o depoimento de
Marta62:
Sim, li em sala de aula com colegas e o professor. O texto que
mais gostei foi “Doutor por correspondência”, pois ele trata de
vários aspectos e deixa no fim uma lição de moral. Mostra um
personagem que queria vencer na vida por cima das outras
pessoas, por isso nada dá certo para ele.
Ainda entre os que responderam afirmativamente, dois alunos indicaram
A botija, de Clotilde Tavares63, segundo Jorge, “era uma leitura onde você
interagia com a alegria e com a tristeza dos personagens”. Diana, por sua vez,
destacou que depois de ler A Cabana, aprendeu a valorizar mais sua vida e
61
A resposta de Josefa, apesar de ter sido negativa, salienta que sua experiência literária
muitas vezes a fez aprender com as experiências do outro, o que lhe provocou satisfação e
aprendizado.
62
O conto ao qual a aluna se refere é de Marcos Rey, apesar de envolver o protagonista em
diversas situações engraçadas e de não ter cunho moralizante a aluna encontra no desfecho
do enredo uma lição para a própria vida.
29
Nasceu em Campina Grande, Paraíba, e mora em Natal desde 1970. Professora da
Universidade Federal do Rio Grande do Norte desde 1976,trabalhou inicialmente no campo da
Saúde Pública. Em 1993, passou a ministrar na UFRN a disciplina de Folclore Brasileiro e
várias matérias ligadas a Teatro. Além de atriz e autora de livros, peças teatrais e folhetos de
cordel, colabora em jornais, mantém sites na Internet e desenvolve estudos na área da cultura
popular.
83
não deixar as boas oportunidades passarem. Gisele sinaliza que muitos livros
provocaram alegria e às vezes até raiva de ter que ler, segundo ela, O Cortiço
é um exemplo do último caso. Outra aluna acrescentou que sente raiva diante
de um desfecho inesperado.
Por outro lado, Denise destaca que sentiu um certo tipo de alegria ao ler
Contos brasileiros I, principalmente na história “A velha contrabandista”. Já
Tiago sente alegria sempre que lê os cordéis de Seu Lunga, pois se diverte
achando os “causos” engraçados. Isis afirma que em todas as suas leituras é
tocada por algum tipo de emoção, mas não destacou o sentimento despertado
em nenhuma leitura especificamente.
Se em A metade dos alunos respondeu que não, em B, apenas um
afirmou que não lembrava. Duas alunas afirmaram que já haviam se
emocionado diante de algum texto, no entanto elas não lembravam dos seus
respectivos títulos. Outras duas indicaram que sentiram tristeza durante uma
representação, baseada na obra Iracema, de José de Alencar. Dois alunos
destacaram que a leitura de cordéis lhes proporciona felicidade, pois dão
muitas gargalhadas lendo exemplares deste gênero.
Em contraponto, um aluno mencionou ter sentido tristeza ao ler o poema
“Feliz Aniversário”64, de Fernando Pessoa e uma aluna destacou que ao ler um
poema de Mário Quintana sentiu uma certa tristeza, ela não lembrava do título.
Uma aluna afirmou ter se emocionado a ponto de chorar durante a leitura de
um poema que falava de Deus. Outra aluna destacou ter gostado muito da
leitura do poema “Felicidade”, de Fernando Pessoa, realizada na aula de
português.
As respostas de Rafael e Raul, ambos da Turma B, revelam vivências
significativas com textos literários, vejamos:
Vários livros já me emocionaram, mas lembro claramente da
leitura de Harry Potter e o enigma do príncipe, que ocorreu há
4 anos atrás e me provocou um sentimento de tristeza e
melancolia. (Rafael)
Quando eu li a cartomante e o poema de Fernando Pessoa “No
túmulo de Cristian Rosenkreutz”. Essas obras causaram em
mim certos questionamentos complicados, principalmente no
64
O mesmo aluno destacou que sentiu alegria e tristeza durante a leitura de A Moreninha, de
Joaquim Manuel de Macedo.
84
poema de Fernando Pessoa “No túmulo de Cristian
Rosenkreutz”, fico até agora pensando o que realmente ele
quis transmitir. (Raul)
A nona questão65 tratava das práticas de leitura vivenciadas na escola,
indagamos se nas aulas de Literatura era comum ler textos literários na íntegra.
Em caso afirmativo, os alunos deveriam destacar quais gêneros eram lidos em
sala. Na turma A, dois alunos responderam apenas que não, os outros 22
responderam que sim, eles apontaram a leitura de exemplares dos gêneros:
poesia, crônica e conto como as que ocorrem com mais frequência. Dois
desses alunos mencionaram que a leitura mais recente em sala havia sido “a
da peça teatral66 que também está presente em livro, As Velhas”. Em B, todos
os alunos afirmaram que leem textos literários com frequência em sala, eles
destacaram principalmente a leitura de poesias, contos e crônicas. Alguns
destacaram que no 1º ano haviam lido alguns romances, entre os quais
figuravam: A moreninha e Iracema.
A resposta dos alunos, em ambas as turmas, a essa questão confirma o
depoimento dos professores titulares acerca da necessidade de abordagem
integral das obras literárias no contexto escolar. Mesmo que as obras lidas
sejam exclusivamente as indicadas pelos Exames Vestibulares, como no caso
da Turma A, considerar a obra como ponto de partida para o ensino, em nosso
entendimento, já se caracteriza como um avanço.
Conforme mencionamos anteriormente as duas últimas questões
tratavam especificamente do contato com o conto de Rubem Fonseca, a
primeira delas tinha por objetivo saber o que os alunos tinham achado do estilo
do autor e se eles pretendiam ler outros textos desse autor. Na turma A,
obtivemos os seguintes dados três alunos responderam que talvez67, dois
responderam que não. Entretanto, em relação ao estilo esses dois alunos
manifestaram as opiniões abaixo:
Foi uma leitura interessante, que desenvolveu curiosidade para
o término da leitura, pois a forma em que o texto foi
65
Na turma A, dois alunos não responderam as questões, 9, 10 e 11, da terceira página do
questionário. Consideraremos para as três últimas questões o universo de 24 alunos.
66
Transcrevemos a expressão utilizada pela aluna para designar o exemplar do gênero dramático.
A respeito do estilo dois desses alunos responderam que acharam engraçado e um afirmou ter achado
interessante.
67
85
desenvolvido está em uma escrita bem atualizada e por ser
também um texto de época. Letícia
É um conto que vem de encontro aos jovens, principalmente,
pelo fato de mover erotismo e palavrões em sua narrativa. Não
pretendo ler outros textos dele. 68José
Entre os dezenove alunos que manifestaram o desejo de ler outros
textos de Fonseca, cinco destacaram a surpresa de ser uma leitura longa e não
ser cansativa. Mateus, por exemplo, afirma que achou muito divertido. Ele
destacou ainda que com certeza pretende ler outros textos do autor. Na mesma
direção, Karina revela que: “apesar de parecer cansativo por ser longo, é um
texto muito bom e fácil de ser interpretado. Pretendo ler outros textos dele.”
Tendo em vista o universo de 24 alunos, constatamos que 79% dos
estudantes pretende ler outros textos de Rubem Fonseca. Esse dado é
bastante positivo, sobretudo, pelo fato de o contato inicial com a obra do autor
ter instigado a curiosidade para a leitura de outros textos.
Na turma B, a maioria dos estudantes qualificou o conto como “muito
interessante”, destacando os aspectos que mais chamaram a atenção na
leitura. Alguns ressaltaram o apelo dramático presente no conto, outros
manifestaram surpresa diante de alguns palavrões. Dois alunos sinalizaram
que talvez, em outra oportunidade, leiam outros textos do autor, os demais
expressaram o desejo de ler outras obras de Fonseca. Em nenhuma das
turmas houve recusa absoluta ao conto ou ao estilo do escritor, já que os
menos envolvidos com o conto, não desconsideraram de todo a possibilidade
de realizar outras leituras.
Entre os que se sentiram motivados para ler outros textos, conseguimos
alguns depoimentos pontuais relativos ao estilo do autor. Tomemos
conhecimento das opiniões de Diego e Luana, da turma A e de Denise e Raul,
da turma B:
O texto de Rubem Fonseca é bastante atrativo por sua
linguagem solta, descontraída, levando esse aspecto para o
cotidiano e, além disso, seu texto é divertido com seu desfecho
inusitado. Após a leitura de Corações Solitários pretendo sim
continuar a ler seus textos.69 Diego (A)
68
A resposta de José deixa mais evidente que a de Letícia que a linguagem, aspecto que
chamou a atenção da maioria da turma para a obra de Fonseca, repele outros leitores.
69
Em todas as transcrições, recuperamos as palavras dos alunos tais quais apareciam nas
respostas dos questionários.
86
O conto é grande, porém, sua história chamava a atenção do
leitor para todas as passagens do texto e principalmente pela
liberdade que o autor utiliza. Pretendo sim ler outros contos
dele. Luana(A)
Achei interessante porque menciona coisas vividas tanto na
atualidade quanto antigamente como o preconceito, o
machismo. Pretendo sim fiquei curiosa pra conhecer novas
histórias contadas por esse autor, já que “Corações solitários”,
foi o primeiro que li escrito por Rubem Fonseca. Denise (B)
Achei muito bom, principalmente, a criatividade do personagem
principal em suas cartas e respostas falsas e as fotonovelas
que ele publicava. Também achei bom que o conto possui uma
intertextualização de outras obras famosas. Se as outras obras
desse autor for tão cativante como essa possa ser que eu leia
no futuro. Raul (B)
Em ambas as turmas as respostas formuladas pelos alunos refletiram a
reação da maioria durante a leitura do conto, dado que nos dois contextos os
alunos acompanharam atentamente a leitura do conto do início ao fim. Os
alunos riram em várias passagens, demonstraram surpresa em outras,
principalmente no desfecho. Durante a aula após a leitura, os alunos revelaram
interesse e envolvimento e destacaram, de modo geral, em seus comentários a
linguagem e o enredo da narrativa como atrativos para conhecer mais a obra
desse autor.
A última questão tinha por intuito descobrir se além do conto “Corações
Solitários”, lido em sala, os alunos conheciam outro conto de Rubem Fonseca.
Em caso afirmativo, os alunos deveriam revelar em que circunstância ocorrera
tal contato e qual o(s) conto(s). Tanto na turma A quanto em B, o primeiro
contato dos alunos com a ficção de Rubem Fonseca ocorreu em sala de aula
através da leitura do conto “Corações Solitários”. Uma aluna da turma A,
Daniele, revelou que, após a experiência de leitura em sala, procurou outros
contos do autor e respondeu o seguinte:
87
À questão anterior Daniele havia respondido :
As respostas de Daniele reforçam a validade de momentos de leitura literária
no contexto escolar, já que a escola pode intermediar um primeiro contato com
diversos autores contemporâneos de qualidade.
3.3-INTERVENÇÃO DIDÁTICA - primeiro momento
Estabelecemos como objetivo para a realização do primeiro encontro, a
partir da leitura do conto “Corações Solitários”, reconhecer algumas das
especificidades tanto temáticas quanto relativas ao estilo de Rubem Fonseca.
Desse modo, no contato inaugural com o conto foram requeridas dos
educandos, principalmente, as habilidades de leitura e compreensão do texto
literário, além do trabalho com a oralidade, através das suas estratégias de
argumentação, persuasão e refutação manifestadas durante a discussão sobre
o conto lido.
Planejamos dois momentos para esse primeiro encontro, a saber: a
leitura oral de “Corações Solitários”, para a qual destinamos 35 minutos e a
etapa de sondagem das leituras cuja duração foi de aproximadamente 45
minutos. No segundo momento, instigamos os alunos a comentarem suas
impressões sobre o conto lido. Entretanto, antes de iniciar a leitura oral,
solicitamos, nas duas turmas, aos educandos que destacassem, no decorrer da
leitura, em suas cópias do conto, fragmentos que lhes parecessem relevantes,
para que, no momento seguinte, eles direcionassem o debate fundamentando
seus argumentos a partir de fragmentos do texto lido.
A ocorrência de aulas geminadas nas duas escolas facultou a adoção de
procedimentos metodológicos semelhantes; deste modo, foi possível realizar
os dois momentos da aula em cada uma das turmas. Além disso, utilizamos
nos dois contextos os mesmos materiais indistintamente, tendo em vista o fato
88
de o foco do nosso trabalho ser o estudo do texto literário.
É válido ressaltar que na etapa de leitura houve apenas uma divergência
na execução do planejamento70, pois na turma “A” dividimos a leitura oral do
conto com o professor titular da disciplina de literatura. Já na turma “B”
convocamos a participação de alguns leitores voluntários, que, conforme
esperávamos, foram dois alunos que habitualmente liam textos literários e nãoliterários nas aulas de Língua.
Nos dois contextos todos os alunos presentes em sala acompanharam
atentamente a leitura do conto. Um dado merece destaque nas duas
abordagens: Na turma A, durante a leitura das 13 páginas do conto, muitos
alunos riram diversas vezes, em algumas passagens do conto quase toda a
turma sorria. Já na turma B, a expressão do riso durante a leitura foi bastante
contida, as manifestações eram sempre isoladas.
Nas duas turmas nossa intervenção didática foi norteada, sobretudo,
pela assunção da condição de mediador entre o conto e os educandos. Para
tanto, procuramos tornar a aula de literatura um espaço verdadeiramente
dialógico, por conseguinte um momento de interação, de leituras plurais, de
descoberta
de
sentidos.
Nessa
perspectiva,
adotamos
uma
atitude
metodológica que incitou o debate, mediando e facilitando a interação entre os
alunos no processo de interpretação e discussão do conto lido.
3.3.1-REAÇÕES PÓS-LEITURA
Na turma A, a primeira reação após a conclusão da leitura foi um
comentário debochado do aluno A2 “Pedro dá o caneco”, em relação à
orientação sexual de uma das personagens, revelada no desfecho do conto.
Quando indagados se haviam selecionado algum fragmento do conto para
comentar, a princípio, responderam que não. Questionamos sobre o que havia
chamado mais atenção na leitura, a maioria dos alunos afirmou que o conto era
engraçado. Em seguida, perguntamos o que mais havia mexido com eles
durante a leitura desse conto, eis algumas respostas:
A1: é uma leitura boa, interessante.
A2:a linguagem é bem normal, fala palavrão: “uma trepadinha”;
“porra” ; é bem cotidiana mesmo.
70
Cf: anexo II.
89
Adiante, indagamos se haviam gostado da leitura, ouvimos um sonoro
sim como resposta. Provocamos perguntando se eles haviam gostado do conto
por causa do vocabulário utilizado. O aluno A2 respondeu que sim, mas uma
aluna confrontou sua resposta, observemos:
A3: Não é só por causa da linguagem, é porque a história em si
é boa. Apesar de ser longa, ela não é cansativa.
A4: é porque não é uma história só, tem várias histórias nessa
história. Não é cansativa porque prende a nossa atenção.
Já na turma B, assim que a leitura foi concluída os alunos
permaneceram em silêncio até nosso primeiro questionamento: “O que vocês
acharam do conto, além de ser longo?” Obtivemos as seguintes respostas:
B1: é legal!
B2 : ele tem preconceito com mulher, com a mulher gorda.
B3: há preconceito não só com isso, mas com vários aspectos.
A primeira reação coletiva manifestada foi relativa ao preconceito
presente no conto. Em seguida, questionamos sobre o que havia chamado
mais atenção na leitura, eis algumas respostas:
B1: Eu acho que em geral o texto é bem de fácil compreensão,
a linguagem é de fácil entendimento também. E eu gostei
porque a trama é envolvente e interessante.
B2: Eu também gostei. Assim, ele é também bem engraçado,
eu me segurei em muitas partes para não rir.
B3: tem um pouco de suspense também.
B4: tem a carta da ceguinha, tem palavrão.
B5: é interessante e engraçado.
B1: é bem engraçada aquela parte do Odontos Silva, eu tive
que me controlar para não rir.
B6: eu gostei mais da parte das novelas.
A transcrição das falas dos alunos revela que na turma A os alunos se
apegaram mais ao aspecto “cômico” presente no conto de Rubem Fonseca. As
manifestações coletivas de riso durante a leitura sinalizavam o envolvimento
dos alunos com a leitura, sobretudo, nas passagens cômicas do texto. Além
disso, a linguagem do conto também se constituiu um atrativo para a leitura.
Outro dado relevante é que apesar de “Corações Solitários” ser um
exemplar não tão curto do gênero, consideramos pertinente preservar a
90
totalidade do conto, lendo-o integralmente de uma só vez. No que tange aos
limites formais do conto e à recepção do leitor, preservamos no contexto
escolar a unidade de efeito defendida por Edgar Allan Poe, realizando a leitura
integral do conto sem interrupções.
Os argumentos dos educandos confirmam a tese do contista e teórico
norte-americano acerca do efeito alcançado após a leitura na íntegra, atingindo
as dimensões de intensidade, totalidade indispensáveis a um bom conto,
segundo Poe(2004). A reação inicial obtida no contexto escolar em ambas as
turmas foi de envolvimento e interesse pela trama.
Como afirmou A3 , “é
porque a história em si é boa. Apesar de ser longa, ela não é cansativa.”, ou
retomando o dizer de B1 “E eu gostei porque a trama é envolvente e
interessante”.
A abertura dialógica é imprescindível no processo de formação de
leitores. Nessa direção, facultamos o exercício da autonomia do aluno-leitor
diante do conto em questão, recuperando suas impressões em relação ao texto
lido, favorecendo o diálogo do educando com as dimensões estilísticas,
histórica e social das obras literárias.
Relativamente à percepção da relação título-enredo, na turma A, um
aluno que até então não havia se manifestado comentou:
A5: Eu acho que todos os que estão aqui na trama tem os
corações solitários e buscam alguma maneira de se satisfazer.
P: exatamente, mas quem compra uma revista dessa também
tem coração solitário? Busca preencher de algum modo?
A2: Sim, porque busca na história dos outros uma inspiração
para sua vida. È só lembrar o exemplo que a ceguinha feliz
quer dar.
Com o intuito de fomentar a discussão sobre os temas presentes no
conto, incitamos a participação dos alunos, na qualidade de mediador do
debate, estivemos atentos para evitar divagações. No decorrer da aula,
buscamos estimular a argumentação dos alunos, de modo que estes se
posicionassem criticamente e não apenas respondessem às questões orais
com monossilábicos “sim” e “não”.
Se no momento da leitura o riso contido da turma B nos surpreendeu, a
retomada de suas impressões sobre o texto foi bastante reveladora. Mais da
metade da turma se envolveu diretamente na discussão sobre o conto lido,
91
argumentando, revelando impressões sobre o conto, refutando a opinião de
colegas é o que veremos a seguir nos comentários sobre a relação título x
enredo do conto.
Na turma B, após o comentário da Aluna B2, o aluno B3 contrapõe um
argumento e justifica a relação título-enredo do seguinte modo:
B2: Professora, eu achei Peçanha meio bisbilhoteiro,
fofoqueiro, ele queria saber de tudo que se passava.
B3:Não, eu não achei isso. Eu achei que Peçanha era mais um
que queria ter uma resposta para as suas perguntas.
B2: Ele era bisbilhoteiro, né?
B3: Não. Eu acho que ele era mais um duvidoso, dentro desse
quesito aí de “corações solitários”.
P: Peçanha, tava meio desencontrado na vida dele, era isso?
B2: Ele tava com problemas íntimos na vida dele.
B3: Ele precisava da opinião de uma outra pessoa, de um
especialista que ajudasse a ele a definir o que ele devia fazer,
a tomar um rumo na sua vida. Corações Solitários, resume bem
isso.
Na turma B, um dado de recepção que chamou atenção está ligado à
percepção de B3 da relação entre o título e o desfecho do conto, antes mesmo
que houvéssemos formulado oralmente uma questão a respeito disso. A
habilidade argumentativa do educando nesse ponto também merece destaque,
pois ele refuta o argumento da colega, justificando em seguida seu
posicionamento acerca da questão.
Conforme mencionamos anteriormente, os textos ficcionais são, de
acordo com Iser (1979), discursos marcados por indeterminações, designadas
“vazios”, que demandam uma intensificação da atividade imaginativa do leitor.
Ou seja, o texto, através dos seus vazios, de seus pontos de indeterminação,
impele o leitor a estabelecer um diálogo produtivo.
No tocante à relação título x enredo, as percepções dos alunos das duas
turmas são bem próximas. Em ambos os contextos os educandos são capazes
de estabelecer uma relação pertinente entre a parte e o todo da obra. É
interessante notar como alunos das duas turmas estabelecem um diálogo
produtivo com o conto, respeitando os limites impostos pelo texto no tocante à
interpretação.
No que diz respeito à atualidade do conto lido, merece destaque o nível
de elaboração da percepção de A4. A participação desse aluno foi bastante
92
pontual durante a aula, ele fez observações pertinentes, revelando argúcia
interpretativa e familiaridade com outros textos literários mencionados no conto:
P- Apesar de ter sido publicado em 1975, esse conto tem muita
coisa parecida com a vida da gente agora?
A2- tem sim, por isso que eu achei que ele era recente.
A6- Hoje em dia ainda tem muito preconceito com o
homossexual.
A1- Pela fotonovela ele é velho
A2- Pela linguagem ele é atual.
A4- Eu acho que ele estava à frente da sua época. As histórias
que ele posta tem atualidade, mas a época em que foi
produzido é antiga.
A1- A linguagem é bem coloquial.
Na turma B, a polêmica foi ainda maior, perguntamos a uma aluna
especificamente se ela achava que o conto tratava de questões atuais.
Acompanhemos trechos da discussão:
P: Vocês acham que esse conto é atual?
B7: Eu acho que é mais ou menos atual. Retrata muito do que
a gente vive hoje, no começo fala em mortes, violência,
escândalos. Ele é atual.
B1: é atual, mas nem tanto.
B3: eu vou chutar, acho que é da década de 90,
P: Década de 1990, mas porque vocês acham?
B3:em 1994 foi reunido71. (muitos risos)
B8: Ele fala de Hitler e de Mussolini e Hitler morreu em 45.
B3: Mas tá com a “mulesta” de ser de 1950.
B6: Oxe, ele não é um ancião não.
B1: Mas ele fala em Shakespeare e não é da época de
Shakespeare.
P: Você tá falando do autor do conto? Você disse que ele não é
um ancião, sabe quantos anos ele tem?
B1: Quantos?
P:tem 86 anos e ainda escreve! Mas voltando à atualidade, ele
foi publicado em 1975, foi escrito antes de 1975 e ainda é
atual. Por quais motivos, quais temas são atuais ainda hoje?
B2: Um ano antes de quando eu nasci.
B3: A violência ainda é atual.
B2: A violência, o preconceito.
B1: O homossexualismo.
B2: Quem disser que hoje em dia não tem mais preconceito tá
mentindo.
B6: eu nunca tive preconceito.
71
Na cópia do conto havia referência à obra da qual xerocamos o conto: FONSECA, Rubem. Corações
Solitários. In: Contos Reunidos. São Paulo: Companhia das Letras,1994 (pp.372 a 385)
93
B2: tem preconceito contra gay, contra as pessoas gordas,
contra negro, contra quem conserva a virgindade pra depois do
casamento.
Os comentários dos alunos tanto da turma A quanto da turma B revelam
a dimensão de seus conhecimentos prévios e de suas vivências. Os dados
ratificam ainda que cada aluno-leitor se encontra inscrito em uma comunidade
cultural, organizada pelo fato de compartilhar alguns pontos de vista, interesses
e critérios de valores fundamentais. Notadamente, durante a discussão sobre o
conto lido, cada interpretação surge como fruto de um processo de negociação
e persuasão.
Nas duas turmas sondamos a opinião dos alunos sobre a credibilidade
da Revista Mulher e se eles teriam interesse em comprar esse tipo de
publicação. Acompanhemos os dados obtidos na turma A:
P- Eu queria que vocês me dissessem o que acham dessa
Revista. Vocês teriam coragem72 de comprar?
A1- eu teria/A2- teria sim!
P O nome da Revista é Mulher mas na verdade quem escreve?
A4- só é homem.
P- Isso não é um pouco contraditório? Vocês acham que isso é
válido?
A4- É estranho porque a mulher conhece melhor a mulher.
A1- O homem falando da mulher é diferente, mas não dá pra
perceber que são homens escrevendo.
A4- Mas tem os palavrõesA1- Que nada! Hoje em dia homem e mulher estão falando
tudo do mesmo jeito.
A4- Mas nessa época as mulheres não tinham a vez que têm
hoje. Era homem no comando.
A3- Mesmo assim acho que pra fazer o consultório sentimental
tinha que ser uma mulher.(...)
P- Veja que mesmo tendo sido publicado em 1975, tem muita
coisa atual nesse conto.
A1- É por isso que eu pensei que era recente a história.
P- Bem,vocês comprariam essa revista?
A4-Quem compra essa revista é porque também tá com
coração solitário, porque pode tá procurando algum consolo ou
querendo um conselho.
P- Então, você compraria essa revista, A4?
A4- Não, porque é revista de autoajuda e eu não compro esse
tipo de revista.
P- Alguém compraria?
A1- Sinceramente, não vejo problema, compraria sim!
A3- Só se fosse pra ler por distração mesmo.
72
Reconhecemos que o emprego da palavra “coragem” nesse contexto foi inadequado porque
poderia influenciar a resposta dos alunos.
94
Na turma A, a princípio, entre os alunos que participaram ativamente da
discussão sobre o conto, somente A4 estranhou o fato de apenas homens
trabalharem na revista Mulher. A1 e A2 responderam prontamente que
comprariam a revista. Reformulamos a pergunta com o intuito de sondar se os
alunos consideravam que aquele tipo de revista merecia credibilidade. Nesse
momento, tivemos o cuidado de não direcionar a leitura dos alunos, não fomos
tão explícitos na indagação, perguntamos apenas se o fato de apenas homens
escreverem na revista Mulher lhes parecia estranho e se essa estratégia era
válida.
Conforme é possível observar, a discussão toma um rumo inesperado
por nós. É provável que o fato de a formulação do questionamento não ter sido
tão explícita tenha contribuído para o dispersar das opiniões. A1 lembra que
lendo o consultório sentimental não percebe que são homens escrevendo. Por
sua vez, A4 rebate o argumento do colega, questionando o uso de palavrões.
Em seguida, ele pondera a afirmação de A1, lembrando as diferenças de
comportamento entre o contexto de produção e de recepção do conto.
Encerrando essa etapa da discussão, A3 parece concordar com A4
assumindo que seria mais adequado mulheres escreverem para o público
feminino, já que A4 desde o início havia manifestado estranhamento em
relação ao assunto. Apesar disso, nesse primeiro momento da discussão a
maioria dos alunos aceitou o conteúdo da revista, sem perceber a ironia no fato
de apenas homens escreverem para uma publicação. Quando retomamos a
temática da credibilidade, indagando aos alunos de A se comprariam a revista,
A4 fez observações bastante pertinentes.
Entre os argumentos de A4, ele sugere que o título do conto, “Corações
Solitários”, pode, inclusive, se relacionar a uma característica do possível
público-leitor da revista, o qual, segundo ele, busca consolo e conselhos. Sem
que houvéssemos mencionado tal nomenclatura, o aluno rotula a revista
Mulher como uma publicação de autoajuda. Enquanto A4 recusa esse tipo de
conteúdo, uma aluna revela que não vê problema e que até compraria. Entre
os dois extremos, temos o comentário de A3, que leria apenas com o intuito de
se distrair.
95
É interessante o modo como os alunos evocam seu repertório de leitura
no momento em que aproximam o texto literário de suas vivências, negociando
ao mesmo tempo valores estéticos e culturais. Por isso, o professor deve
cotidianamente sondar o universo de expectativas de seus alunos, atentando
para os seus gostos e suas recusas, a fim de conhecer cada vez mais as
aspirações desses leitores em formação.
Na turma B, inicialmente, a recusa à revista foi evidenciada sob o
argumento machista de que esse tipo de revista é “coisa de mulher”.
Acompanhemos a discussão:
P- Vamos pensar agora na Revista Mulher. Vocês acham que
ainda hoje há publicações dessa natureza? Com os mesmos
objetivos da Revista Mulher?
B1- tem, tem muita revista de horóscopo com pôster do
Restart.
P- como é?
B2- O que é que tem a ver a revista de horóscopo com pôster
do Restart.
B1- Isso é para mulher ler, ou tu lê aquilo B3?
(Risos)
B3-Eu não!
B1-É tudo voltado para o público de mulher.
B3- Tem revista de receita que é para mulher.
B2- mas tem todo tipo de revista, eu leio!
P- Calma, gente! Do modo como é apresentada para a gente
esse tipo de revista merece credibilidade?
B1- como assim credibilidade?
P- a gente pode confiar no que lê nessa revista?
B2- Eu acredito que não, né, professora, ali é o ponto de vista
de quem escreve.
P- Se a gente pensa nessa questão de que não há
correspondência.
B2- A única correspondência que existe é a de Pedro
Redgrave.
B3- E mesmo assim é de alguém que trabalha na mesma
empresa.
P-Exatamente, do próprio editorial.
B1- é o dono da revista que manda as cartas.
P- Então a gente acredita nisso? Como é, merece crédito?
Vários alunos- Não/ não!
B3- Não são histórias reais.
B1- A de Pedro Redgrave é real!
B3- Mas de todo jeito não chega a carta pelo correio.
Na turma B, iniciamos a discussão sobre a atualidade da revista e suas
estratégias de venda. Indagamos se ainda hoje é possível encontrar
96
publicações dessa natureza. Alguns alunos, desde o início, manifestaram
recusa a este tipo de publicação, ainda bastante comercial nos dias de hoje.
Propusemos um novo questionamento, dessa vez, fomos mais diretos do que
na turma A, perguntamos se a revista merecia credibilidade, se os leitores
podiam confiar no que liam em Mulher.
Diferentemente do que ocorrera na turma A, logo no início da discussão
sobre o que havia chamado atenção no conto, um aluno da turma B destacou o
fato de os textos do consultório sentimental serem todos escritos no editorial da
revista e não haver correspondência com os possíveis leitores do tabloide.
Falou-se em um público entre aspas, por isso, recuperamos essa informação
no momento em que tratávamos da credibilidade da revista.
No decorrer da discussão, o fato de a revista não merecer credibilidade
foi admitido como unanimidade pelos alunos da turma B. Até uma aluna, que
revelou interesse por “revistas de horóscopos”, se posicionou de forma crítica
diante do conteúdo veiculado em Mulher, distinguindo seu gosto particular e a
interpretação de fatos do conto.
Ainda no primeiro encontro sondamos nas duas turmas se os alunos
haviam percebido ironia em outro trecho do conto, nos dois ambientes alunos
releram a carta da ceguinha feliz.
Querido Nathanael. Eu não posso ler o que você escreve.
Minha avozinha adorada lê para mim. Mas não pense que eu
sou analfabeta. Eu sou é ceguinha. Minha querida avozinha
está escrevendo a carta para mim, mas as palavras são
minhas. Quero enviar uma palavra de conforto aos seus
leitores, para que eles, que sofrem tanto com pequenas
desgraças, se mirem no meu espelho. Sou cega mas sou feliz,
estou em paz, com Deus e com os meus semelhantes.
Felicidades para todos. Viva o Brasil e o seu Povo. Ceguinha
Feliz, Estrada do Unicórnio, Nova Iguaçu. P.S. Esqueci de dizer
que
também
sou
paralítica.
Peçanha acendeu um charuto. Comovente, mas Estrada do
Unicórnio soa falso. Acho melhor você colocar Estrada do
Catavento, ou coisa assim. Vejamos agora sua resposta:
Ceguinha Feliz, parabéns por sua força moral, por sua fé
inquebrantável na felicidade, no bem, no povo e no Brasil. As
almas daqueles que se desesperam na adversidade deviam se
nutrir do seu edificante exemplo, um facho de luz nas noites de
tormenta.(FONSECA,1994,p.379)
97
Após a leitura do trecho abaixo transcrito, coligimos as seguintes
reações na turma A:
P- O quê vocês acham dessa cega paralítica, que ama o Brasil
e o seu povo?
A1- Na minha opinião, isso é pra incentivar os prováveis
leitores da revista. E mostrar que a vida tem altos e baixos. É
mais mesmo(...) um tipo de motivação mesmo.
A2- Acho que na verdade essa ceguinha é brasileira mesmo,
porque ela não desiste nunca. (risos)
P- Quem concorda com A1?
A3- Pode ser pra agradar o público ou fazer a pessoa se
convencer que a desgraça do outro é maior que a sua. Pode
ser uma forma de ajudar, uma luz no fim do túnel.
Na turma B, excetuando a opinião de B1, o comentário geral foi bem
próximo ao que obtivemos em A, acompanhemos:
P- E aí o que vocês acham desse trecho da ceguinha feliz?
B1- Tem uma breve mensagem subliminar do governo
brasileiro.
P- Como é, B1?
B1- É, acho que é, uma mensagem subliminar do governo
militar. Esse viva o Brasil e o seu povo. Naquela época, a
propaganda do governo era: “Ame o Brasil ou deixe-o!” Aí você
sabe né, queria agradar o governo.
P- Quando B6 leu o P.S, ela deu uma risadinha...
B6- É que eu vi que ela era paralítica também.
P- O que é que vocês acham desse PS ela além de ser cega,
ser paralítica e contar isso só no final?
B3- É dramático!
B4- É triste!
B6- Professora, o que é P.S?
B3- É quando você esquece de dizer e depois quer acrescentar
algo.
P- Exatamente,o q B3 disse, B6.
P- Quero saber o que vocês acham desse P.S...
B1- Acho que ela é uma idiota alienada.
B3- Eu acho que não é isso, o P.S era só para comover os
leitores mesmo.
Nossa intenção em retomar o trecho da carta da ceguinha paralítica era
sondar se nesse ponto os alunos tinham percebido a presença da ironia. Os
alunos não comentaram nada relacionado a esse aspecto. Em ambas as
turmas eles exploraram principalmente o conteúdo motivacional do trecho. De
fato, eles pareciam convencidos de que uma das características das cartas
98
publicadas em Mulher era tentar comover seu público, sensibilizando-o através
de histórias tristes.
Embora houvesse um planejamento e algumas questões orais sobre a
leitura previamente formuladas, nas duas turmas fizemos o possível para não
direcionar e delimitar a leitura dos educandos. Tentamos, ao contrário disso,
estimular a discussão e os comentários livres dos alunos. Nos dois contextos a
leitura do conto despertou o interesse dos discentes, eles estabeleceram um
diálogo produtivo com o texto literário, negociando sentidos e construindo
coletivamente uma experiência estética.
Por fim, devemos destacar que a relação estabelecida pelo aluno B1
entre dados presentes no conto lido e aspectos históricos relativos à época em
que o conto foi publicado é bastante pertinente. Note-se que as informações do
contexto sócio-político brasileiro são evocadas pelo próprio estudante, surgem,
portanto, a partir do diálogo produtivo que o leitor realiza da obra. Esse dado
revela, conforme preveem as OCEM (2006,p.77) a possibilidade de o estudo
das condições de produção das obras estar devidamente subordinado à
apreensão do discurso literário.
3.3.2- INTERVENÇÃO DIDÁTICA - segundo momento
O segundo momento da nossa intervenção didática ocorreu uma
semana após a leitura do conto, na turma A73 e na turma B , no dia seguinte à
leitura. Para os dois contextos, planejamos duas etapas para o segundo
encontro, a saber: na primeira parte da aula, destinamos 35 minutos para a
recuperação da leitura de “Corações Solitários”; no segundo, aplicamos a
atividade escrita, composta por três questões discursivas cuja duração foi de
aproximadamente 45 minutos.
Na primeira etapa do segundo encontro tanto em A como na turma B,
incitando a participação dos alunos, retomamos comentários sobre aspectos
temáticos e estruturais relevantes do conto. Além disso, esclarecemos algumas
questões relativas aos elementos estruturais, principalmente: foco narrativo e
alternância de perspectivas, aspectos que seriam contemplados nas questões
73
Na turma A o segundo encontro aconteceu em 03 de Dezembro de 2010 e na turma B
ocorreu no dia 16 de Junho de 2011.
99
discursivas. Na turma A, apenas três alunos haviam relido o conto para o
segundo encontro, já na turma B sete alunos confessaram ter relido o conto74.
Na turma A, os alunos destacaram a partir de suas percepções os
aspectos a seguir75:
Preconceito; Tentativa de levantar a autoestima, descrição do
perfil dos personagens76; não há correspondência entre revista
e leitores é tudo inventado; Uso de pseudônimos para criar a
ideia de realidade; relação título/enredo do conto: vários
corações solitários; credibilidade da revista; intertexto com
escritores; desfecho das fotonovelas: todas com final
triste;fotonovelas: resultam da leitura de outros livros: colagens;
narrativa dinâmica: ações e situações rápidas. Narrativa linear,
apesar das histórias dentro da história; narrador-personagem;
alternância de perspectiva dos fatos; Linguagem inadequada
do narrador com o leitor (muito culto); A linguagem é próxima
da oralidade quando o narrador está falando, não quando
escreve.
É possível constatar que na turma A os alunos mobilizaram conceitos
relativos tanto a aspectos temáticos quanto aos elementos estruturais do conto.
Com exceção da menção à descrição de perfil dos personagens, os aspectos
destacados são bastante pertinentes na leitura do conto. Note-se, entretanto,
que em nenhum momento os alunos mencionaram a presença de ironia no
conto.
Observemos agora os dados do conto destacados na turma B:
Carta da ceguinha feliz; História dos ciganos; Odontos Silva;
crítica a alguns comportamentos; homossexualismo de
Peçanha; homenagem aos escritores; crítica política77;
linguagem vulgar78; suspense; romance; humor, preconceito;
machismo; drama das fotonovelas; Peçanha mal-humorado
(autoritário); pseudônimos femininos; tem linearidade; confusão
no começo da leitura, por conta da mudança de vozes79.
Como podemos notar, em B, houve menos aspectos destacados do que
em A. Inicialmente as observações da turma se dirigiram principalmente a
74
O número de alunos que releram o conto em B é muito significativo, já que havia apenas 14
estudantes naquela turma.
75
Nos dois casos utilizamos o quadro/ lousa para topicalizar aspectos temáticos salientes,
segundo a percepção dos alunos
76
No conto em questão, não há descrição detalhada dos personagens, os personagens são
mostradas a partir de suas ações.
77
Mencionado pelo aluno B1.
78
A presença de palavrões no conto parece ter incomodado bem mais algumas leitoras da
turma B do que ocorrera na turma A.
79
Retomaremos o fato de o início do conto ter parecido confuso no início, quando tratarmos
das questões discursivas.
100
comentários sobre as pequenas histórias presentes no enredo. Entretanto,
como houve vários aspectos relevantes percebidos nos dois contextos,
destacaremos dois apontados exclusivamente em B, a saber: o machismo e o
humor. Com relação ao machismo, talvez pela maioria feminina na turma B,
este aspecto tenha sido percebido com mais clareza em B. Na turma B, as
alunas contestaram com veemência a representação feminina no conto. No
tocante ao humor80, percepção ficou clara nas duas turmas, embora tenha sido
destacada apenas em B.
No segundo encontro da nossa intervenção, um comentário em especial,
de um aluno da turma B, chamou a nossa atenção. Acompanhemos o trecho
abaixo:
B-Professora, eu tenho algumas observações, posso dizer?
P-Claro, pode começar.
B- Primeiro é sobre Peçanha. Depois que eu reli o conto ontem
eu fiquei pensando no modo como ele se comporta na revista.
Eu acho que o autoritarismo de Peçanha pode ser associado
ao Regime, porque ele funciona como uma espécie de
censura. Tudo antes de ser publicado tem que passar por ele.
P- B1, eu não tinha pensado ainda sobre essa relação mas ela
pode existir sim. Diga mais, você disse que primeiro ia falar de
Peçanha, e depois...
B1- Tem outra coisa na página 384 no começo. Posso ler?
P- Pode sim, vamos acompanhar pessoal, na página 384, ele
vai ler.
- O aluno lê o trecho: “É a esse tipo de gente que o Brasil está
entregue, manipuladores de estatísticas, falsificadores de
informações, empulhadores com seus computadores, todos
criando a Grande Mentira. Mas comigo eles não têm vez”
(FONSECA,1994,p.384)
B1- Eu acho que Peçanha não tem moral pra falar em mentira,
porque tudo no jornal dele também é mentira.
Vocês concordam com o que o colega disse?
Vários alunos: Sim!
P-Eu, também, concordo plenamente com B1! (...)
B1- Eu tô lendo uma tese de doutorado de um professor de
história, que fala sobre o tempo da ditadura. Eu fiquei
pensando que essa cega feliz podia ser o povo brasileiro. Será
que não era o povo brasileiro que era cego.
P- Realmente, o conformismo da suposta Ceguinha Feliz é
algo que incomoda.
B1- E tem mais ela não podia ser mover... o povo inerte,
aceitando tudo. Só alguém muito alienado pra aceitar tudo.
Será que dá pra associar?
80
Talvez a expressão mais adequada fosse cômica, diante de algumas passagens presentes
no conto, que provocam o riso nos alunos das duas turmas.
101
P- O que você está dizendo é completamente válido, porque
você está se apoiando em informações presentes no conto. E
outra coisa, o contexto de publicação em diálogo com o conto
pode realmente permitir essa associação. Muito bem, viu!
Após observações de outros colegas sobre outros aspectos do conto, o
aluno B1 menciona ainda a carta da ceguinha feliz. Embora não mencione
conceitos como alegoria e mesmo ironia, o aluno, ao mencionar que Peçanha
não tinha direito de falar em Grande Mentira, sente que há algo de errado neste
ponto. Ele percebe a incoerência entre o discurso de Peçanha e as suas
atitudes. Mobilizando seus conhecimentos sobre história, seu senso crítico e
sua habilidade enquanto leitor, ele sugere que a ceguinha feliz representa o
conformismo do povo brasileiro, inerte, para usar uma expressão do próprio
estudante.
Diante da elaboração desse aluno, após a releitura do conto em casa,
após refletir sobre o que leu, somos incitados a confirmar o que sugeriu
Colomer (2007) quando diz que: “Ler de maneira mais sutil é importante não
porque permite impor e generalizar uma interpretação, mas porque suscita
interrogações e problemas que fazem os leitores refletir e os leva a
descobertas muito mais gratificantes sobre suas leituras.” (COLOMER,
2007,p.181)
Note-se que, ao fim de sua exposição, o educando espontaneamente
relaciona a leitura do conto a outro texto lido fora dos limites da escola,
provando que quanto mais amplo o universo de leitura maior é a capacidade de
o leitor mobilizar sentidos, intercambiar experiências. Nessa direção, primar
pela interação entre o leitor em formação e as obras literárias possibilita além
da vivência estética, um exercício de reflexão, como confirmam as Orientações
Curriculares para o Ensino Médio (2006):
A experiência construída a partir dessa troca de significados
possibilita, pois, a ampliação de horizontes, o questionamento
do já dado, o encontro da sensibilidade, a reflexão, enfim, um
tipo de conhecimento diferente do científico, já que
objetivamente não pode ser medido. (OCEM,2006,p.55)
102
3.3.3- QUESTÕES SOBRE A LEITURA DE “CORAÇÕES SOLITÁRIOS”
Conforme foi dito anteriormente, reservamos 45 minutos do nosso
segundo encontro, nas duas turmas, para a realização de uma atividade
escrita. Entretanto, antes de distribuir cópias da atividade escrita, nas duas
turmas, lemos as três questões em voz alta, a fim de esclarecer quaisquer
dúvidas sobre o que era solicitado no enunciado.
O enunciado da primeira questão indagava o tipo de relação que poderia
ser estabelecida entre o título, “Corações Solitários” e o desfecho do conto.
Observemos a formulação do enunciado:
1- Que tipo de relação pode ser estabelecida entre o título
“Corações Solitários” e o desfecho do enredo do
conto? Argumente, fundamentando sua opinião com a
retomada de fragmentos presentes no texto de Rubem
Fonseca.
O aluno deveria, portanto, argumentar, apresentando fragmentos do
enredo. Na turma A, vinte e um alunos sinalizaram em suas respostas a
pertinência
do
argumentação
título
com
em
relação
fragmentos
do
ao
desfecho,
conto.
Cinco
fundamentando
alunos,
apesar
sua
de
responderem adequadamente sobre a relação título/enredo, não apresentaram
fragmentos do texto para corroborar sua argumentação. Apenas dois alunos
fugiram do solicitado. Na turma B, não houve fuga ao que foi requerido na
questão, nove alunos atenderam completamente ao enunciado e cinco não
referendaram a argumentação com excertos do texto de Rubem Fonseca.
Acompanhemos a resposta formulada por uma aluna da turma A:
103
A Aluna justifica de forma coerente o título do conto em relação ao
enredo como um todo. Ela chega, inclusive, ampliando a percepção sobre o
conto, a sinalizar a adequação do título ao suposto público da revista. A aluna
não delimita a questão a Oswaldo Peçanha, pois percebe que a
insatisfação/solidão é uma constante entre as personagens do conto. Apesar
de não apresentar fragmento do conto, a aluna retextualiza trechos de cartas
enviadas por Oswaldo Peçanha sob o heterônimo de Pedro Redgrave que
confirmam a argumentação por ela construída e atendem à solicitação de
relacionar o título ao desfecho do enredo.
Respondendo ao mesmo enunciado, uma aluna da turma B no início da
resposta aponta para a existência de outras histórias de pessoas que são
solitárias, ou seja, ela compreende que o título se adéqua a várias histórias
existentes na narrativa. No entanto, o fragmento escolhido pela aluna apesar
de bastante expressivo e completamente pertinente em relação ao título, não
está relacionado ao desfecho do conto. Após a citação, a aluna reitera de modo
coerente seu argumento no tocante à relação título/enredo. Vejamos abaixo:
104
Diante das respostas obtidas nas duas turmas ficou evidente que não houve
dificuldade quanto à compreensão do enunciado, visto que, nos dois contextos,
os alunos alcançaram melhor desempenho nesta questão. O desempenho
positivo dos alunos ao responderem essa questão revela o diálogo produtivo
que empreenderam no processo de leitura do conto.
Passemos ao enunciado da segunda questão:
2)Leia os fragmentos abaixo transcritos, a fim de discutir a
credibilidade da revista Mulher enquanto mídia impressa. Em
seguida, aponte a atualidade de “Corações Solitários” no que
diz respeito às estratégias mercadológicas tematizadas nesse
conto.
Você não acha que um nome masculino dá mais credibilidade
às respostas? Pai, marido, médico, sacerdote, patrão - só tem
homem dizendo o que elas devem fazer. Nathanael Lessa
pega melhor do que Elisa Gabriela. É isso mesmo que eu não
quero. Aqui elas se sentem donas do seu nariz, confiam na
gente,
como
se
fôssemos
todas
comadres.
(FONSECA,1994:373)
[...] Perguntei a ele se alguém trazia as cartas dos leitores na
minha mesa. Ele me disse para falar com Jacqueline, na
expedição. Jacqueline era um crioulo grande de dentes muito
brancos. Pega mal eu ser o único aqui dentro que não tem
nome de mulher, vão pensar que eu sou bicha. As cartas? Não
tem carta nenhuma. Você acha que mulher da Classe C
escreve
cartas?
A
Elisa
inventava
todas.(FONSECA,1994:374)
[...]Peçanha, novamente sentado atrás de sua escrivaninha me
disse: É a esse tipo de gente que o Brasil está entregue,
manipuladores de estatísticas, falsificadores de informações,
empulhadores com seus computadores, todos criando a
Grande Mentira. (FONSECA,1994:384)
105
Para responder à segunda questão, os alunos deveriam ler os três
fragmentos do conto para discutir a credibilidade da revista Mulher. Além disso,
deveriam apontar a atualidade de “Corações solitários”, considerando as
estratégias mercadológicas da imprensa presentes no texto de Rubem
Fonseca que permanecem atuais. Na turma A, quatro alunos não atenderam
ao que foi requerido nessa questão. Por sua vez, nove alunos atenderam
adequadamente às duas partes do enunciado. Entretanto, a maioria da turma,
quinze alunos, se concentrou na primeira parte do enunciado, deixando de
relacionar as estratégias de mercado do editorial da revista Mulher e a
imprensa atual.
Em B cinco alunos deixaram de estabelecer tal relação com a
atualidade. A maior parte da turma, oito alunos, discutiu a credibilidade da
revista e associou algumas das estratégias da revista Mulher à determinada
parcela da imprensa de hoje. Apenas um aluno da turma B se afastou
completamente do que fora solicitado.
Refletindo sobre a quantidade significativa de alunos de ambos os
contextos que atendeu apenas à primeira parte do enunciado, reconhecemos
que a extensão do enunciado, devido à quantidade e ao tamanho dos
fragmentos pode ter dispersado a atenção dos alunos para o que era de fato
solicitado.
À parte o comentário que tecemos quanto à extensão desse enunciado,
confirmamos a necessidade de propor questões que mobilizem nos educandos
as habilidades de inferência. Também consideramos pertinente requerer dos
alunos que associem informações presentes no texto a outras que façam parte
de seu conhecimento de mundo, solicitando desde a opinião deles sobre
determinado assunto até que eles estabeleçam relação entre alguns dos
elementos presentes nos textos com o contexto atual.
Leiamos uma das respostas à segunda questão obtida na turma A:
106
Note-se que apesar de discutir a credibilidade da revista Mulher, o aluno
se apega exclusivamente ao argumento enfatizado no primeiro fragmento, qual
seja, o da contradição entre o nome da Revista e seu suposto público-alvo e o
fato de apenas homens trabalharem naquela publicação. O aluno reconhece
que as histórias motivadoras têm um enfoque mercadológico, no entanto, não
relaciona esta estratégia a setores da imprensa atual. Vejamos outra resposta
de aluno da turma A:
Nesta resposta o aluno, além de destacar a relação entre a revista
Mulher e a imprensa atual, discute a credibilidade de Mulher, apontando a
“manipulação das leitoras” como estratégia da imprensa que persiste ainda
hoje. Embora a resposta tenha sido curta, ela atende ao enunciado, inclusive,
articulando informações contidas em outras passagens do conto para
referendar seu comentário.
A resposta abaixo, de uma aluna da turma B, merece destaque pelo fato
de ter sido a única das duas turmas que associou informações dos três
fragmentos presentes no enunciado da questão. No decorrer de sua resposta a
aluna vai elencando argumentos que comprometem a credibilidade da revista.
O conto é rodeado de mentiras, em primeiro lugar não são
mulheres que escrevem as cartas e as fotonovelas e sim
homens que se passam por mulher. Inventam nomes, inventam
107
tudo. Como uma revista pode ter credibilidade se é rodeada de
mentiras e Peçanha ainda tem a cara de pau de reclamar de
Pontecorvo dizendo que: “É a esse tipo de gente que o país
está entregue, manipuladores de estatísticas, falsificadores de
informações, empulhadores com seus computadores todos
criando a Grande Mentira”. Será que o que eles estavam
fazendo não era a mesma coisa. Ele não tinha nenhuma
autoridade para reclamar.81
Note-se que a escolha das palavras e o próprio encadeamento dos
argumentos em gradação revelam a insatisfação dessa aluna com o modo de
agir dos que trabalham no editorial. Após concluir que os funcionários
“inventam nomes, inventam tudo”, a estudante indaga como poderia haver
credibilidade se tudo que cerca a revista é mentira. Em seguida, ela transcreve
o terceiro fragmento do enunciado e contesta, segundo ela, a “cara de pau” de
Peçanha ao reclamar dos dados apresentados por Pontecorvo.
Apesar de ter formulado uma argumentação coerente, discutindo os
fragmentos destacados no enunciado, e de ter demonstrado bastante senso
crítico, a aluna deixou de estabelecer a atualidade das estratégias de mercado
de Mulher. Nessa resposta percebemos o grau de envolvimento da aluna com
o texto, confirmando que a leitura suscita emoções no leitor, pois este se
identifica com alguma personagem ou determinadas situações que lhe
provocam reações, tais como, simpatia, revolta, admiração, piedade, fazendo
com que o leitor se envolva afetivamente com o texto.
As reações da estudante confirmam a tese de Iser (apud LOIS, 2010),
transcrita na citação abaixo:
O autor e o leitor participam de um jogo de fantasia, jogo que
sequer se iniciaria se o texto pretendesse ser mais do que uma
regra do jogo. É que a leitura só se torna um prazer no
momento em que nossa produtividade entra em jogo, ou seja,
quando os textos nos oferecem a possibilidade de exercer
nossas capacidades. (ISER,1996, apud LOIS, 2010,p.74)
Ao abordar o aspecto da produtividade do leitor durante o ato da leitura, Iser o
faz contemplando o processo em si, que não pode ser limitado à cobrança de
uma interpretação ou mesmo de uma compreensão. Para que o leitor chegue a
81
A aluna havia respondido o exercício de leitura a lápis, como tiramos cópia e devolvemos o
original aos alunos, alguns trechos da resposta ficaram praticamente ilegíveis. Cf anexo D.
108
tais resultados é imprescindível, como nos lembra Lois(2010), que antes esse
sujeito-leitor se perceba produzindo com um autor sentidos e significados para
aquela obra.
A seguir temos outra resposta coligida na turma B, observemos:
O estudante82 atende de forma satisfatória à totalidade do enunciado.
Expõe com clareza os motivos pelos quais a revista não merece credibilidade,
retomando o fato de enganarem os leitores de forjarem correspondências para
o “consultório sentimental” da revista. Além disso, ao comentar a atualidade
das notícias “inventadas” como estratégia de ampliar o lucro, o aluno explicita
sua reflexão. Em sua conclusão, amplia o alcance da crítica, sugerindo um
alerta, inclusive, sobre a credibilidade de outros meios de comunicação.
Observemos, por fim, o enunciado da terceira questão:
3)Alguns críticos literários costumam destacar, entre as
características recorrentes na ficção de Rubem Fonseca, a
alternância ágil de perspectiva, que oferece ao leitor a
sensação de que um ponto de vista cinematográfico conduz o
fio narrativo. Discuta este argumento crítico, relacionando-o ao
modo de narrar presente em “Corações Solitários”.
Na última questão, o aluno deveria comentar como a alternância ágil de
perspectiva, que oferece ao leitor a sensação de que um ponto de vista
82
No início do segundo encontro, esse aluno havia exposto oralmente, entre outras
percepções, que Peçanha não tinha autoridade para criticar Pontecorvo.
109
cinematográfico conduz a narrativa, pode ser relacionada ao modo de narrar do
conto lido. Na turma A, 17 alunos se limitaram a, em poucas linhas, parafrasear
trechos do próprio enunciado. Quatro estudantes fugiram completamente do
solicitado nessa questão. Sete alunos responderam de modo satisfatório. Na
turma B, cinco atenderam ao enunciado, sete atenderam parcialmente, e dois
deixaram em branco.
Entre as questões propostas, a última apresentava maior grau de
complexidade, sobretudo, pelo fato de, diferentemente das anteriores, mobilizar
conhecimentos prévios sobre elementos estruturais da narrativa. Mencionamos
no enunciado as expressões “modo de narrar”, “ágil alternância de
perspectiva”, “ponto de vista cinematográfico” e poucos alunos demonstraram
familiaridade com esses conceitos.
A resposta abaixo de uma aluna da turma A ilustra a tendência
dominante de em poucas linhas parafrasear trechos do próprio enunciado. Em
muitas respostas as paráfrases foram acrescidas de comentários sobre
aspectos temáticos relevantes da narrativa em questão.
Embora também tenha sido curta, a resposta abaixo trata de dois
aspectos pontuais para a resolução da questão, a saber: parte do modo de
narrar e sinaliza a troca de cenas, tal qual ocorre no domínio cinematográfico.
Na percepção da aluna, na narrativa de Fonseca essa troca acontece de modo
surpreendente e ágil. Percebe-se, portanto, que ao contrário da resposta
anterior, houve empenho em atender ao enunciado e comentar suas reações
de leitora.
A resposta a seguir ilustra a tendência dominante da turma B para esta
questão, a saber, os alunos expressaram muito mais os efeitos decorrentes do
110
modo de narrar e da alternância de perspectiva como obstáculos à
compreensão do texto. É interessante frisar que tanto nos questionários quanto
nos comentários orais apenas uma aluna havia mencionado tais dificuldades.
Observemos o depoimento de outra estudante:
Inicialmente ela destaca as mudanças frequentes e a necessidade de o
leitor manter-se bastante atento ao que o “autor” quer nos dizer, isto é,
utilizando o referido termo ao invés de “narrador”, a aluna demonstra pouca
familiaridade com conceitos e termos relativos à teoria da narrativa. Ao fim das
suas constatações a aluna revela, ainda, desconhecer outra “serventia” da
técnica narrativa, além de, segundo ela, confundir o leitor.
Pela participação ativa dessa aluna nos momentos anteriores à
resolução das questões discursivas, reconhecemos que o fato de não dominar
conceitos de teoria da narrativa não a impediu de estabelecer um diálogo
produtivo com o texto, além de não ter criado obstáculos à compreensão do
conto.
O comentário bastante sincero da estudante nos fornece dados
importantes sobre a recepção do conto, até então ocultados 83 nos dois
contextos. A recepção não fora exclusivamente prazerosa e divertida; para
alguns o modo de narrar e a alternância de perspectiva se constituíram
obstáculo à compreensão. Por isso, é provável que o estranhamento face à
peculiaridade do modo de narrar tenha sido motivador da recusa inicial do texto
para alguns estudantes.
83
Durante a recuperação de aspectos significativos da leitura, uma aluna confessou que no
início da leitura ela ficou meio perdida e alguns colegas admitiram a mesma dificuldade inicial.
Entretanto, segundo eles isso não foi um obstáculo para a compreensão do enredo.
111
Entretanto, reconhecemos a recusa inicial como uma etapa da fruição
estética, que pode muitas vezes contribuir de forma significativa para um
avanço como leitor, já que o aluno-leitor pode se sentir desafiado mediante
essa recusa inicial. Cabe lembrar que através da aisthesis, em consonância
com Jauss(1979), “o observador pode considerar o objeto estético como
incompleto, sair de sua atitude contemplativa e converter-se em co-criador da
obra, à medida que conclui a concretização da sua forma e de seu significado.”
(JAUSS,1979,p.82)
É pertinente retomar, neste ponto, a contribuição de Jouve (2002) acerca
das dimensões da leitura. Segundo o estudioso, a leitura é um processo que
inclui cinco dimensões: neurofisiológica, cognitiva, afetiva, argumentativa e
simbólica. Enquanto processo cognitivo, a leitura pressupõe uma certa
competência por parte do leitor para atribuir significados ao texto, tendo em
vista que este “coloca em jogo um saber mínimo que o leitor deve possuir se
quiser prosseguir a leitura” (JOUVE,2002,p. 19).
Passemos à outra resposta:
Diferentemente da anterior, este aluno da turma B demonstra
conhecimentos de conceitos da teoria narrativa. Por outro lado, ele também
comenta a “difícil compreensão dos fatos” ocasionada pela ausência de
sinalização e alternância rápida dos fatos. É interessante a analogia proposta
ao fim da argumentação do aluno em relação à alternância de perspectiva dos
fatos narrados e a mudança de canais de televisão.
No enunciado mencionamos o ponto de vista cinematográfico, mas o
aluno prefere comentar algo mais próximo à sua vivência, o efeito obtido pelo
modo de narrar é, de fato, semelhante entre à mudança de canais sugerida de
112
modo pertinente pelo aluno. No fim da resposta ele reitera a dificuldade
mencionada por outra colega. Essa dificuldade foi experimentada por alunos
dos dois contextos em que atuamos. Entretanto, na turma A talvez por ter mais
prática em responder a questões discursivas os alunos tenham preferido a
paráfrase a deixar a questão sem resposta ou a responder de modo mais
subjetivo como o fizeram na turma B.
Nas respostas às questões discursivas, os alunos das duas turmas
revelam que a discussão oral sobre o conto lido em sala foi de suma
importância para o bom desempenho na resolução das questões discursivas.
A leitura compartilhada, pautada no incentivo à voz dos alunos, consiste,
portanto, em um caminho propício para o projeto de formar leitores.
113
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ao ser apresentada como uma teoria cujo foco passou a ser o leitor, a
estética da recepção procura privilegiar o diálogo efetivado a partir da relação
entre o leitor e a obra. Nessa direção, a concretização da obra só ocorre
mediante a ação do leitor, visto ser este o responsável pelo preenchimento dos
espaços de indeterminação contidos na obra, recorrendo a certos códigos e
contextos sociais para compreendê-la.
Entre os ganhos dos reflexos dessas proposições teóricas no contexto
escolar, destacamos o reconhecimento de que o ensino de literatura pautado
exclusivamente na perspectiva historicista das obras literárias tem sido ineficaz
quando se tem em vista a necessidade de formar leitores críticos. Pesquisas
recentes, além de documentos oficiais como as Orientações Curriculares para
o Ensino Médio (2006) e os Referenciais Curriculares para o Ensino Médio
(2006) alertam os educadores para a necessidade de os textos literários serem
centro nas aulas de literatura.
Por isso, propusemos uma abordagem que partiu da leitura do texto
literário, através da qual o convívio com a obra literária teve centralidade, dado
que consideramos este percurso fundamental no processo de formação de
leitores. Nossa pesquisa foi norteada pela assunção da condição de mediador
entre o conto e os educandos. Para tanto, procuramos fazer da aula de
literatura um espaço verdadeiramente dialógico, propiciando, no contexto
escolar, momentos de interação, de leituras plurais, de descoberta de sentidos.
Por isso, adotamos uma atitude metodológica que incitou o debate,
mediando e facilitando a interação entre os alunos no processo de
interpretação e discussão do conto lido. Acreditamos que assumindo tal
postura facultamos durante nossa intervenção que o aluno-leitor tivesse
condições de discutir questões diversas que o contato efetivo com o conto
“Corações Solitários” suscitou.
É importante pontuar que, nos dois contextos, os professores
acompanhavam a turma desde o 1º ano Médio. Durante esse período foram
vivenciadas diversas experiências significativas de leitura, destacadas tanto
pelos docentes quanto pelos estudantes em seus questionários. Com efeito,
114
durante o ensino médio esses docentes facultaram o contato com uma
multiplicidade de gêneros literários e de seus respectivos exemplares. Houve,
portanto, um convívio profícuo com a literatura. Encontramos nos dois
ambientes alunos preparados para ler de forma crítica, prontos para expressar
suas opiniões.
Esta pesquisa nos permitiu que sentíssemos na prática como o leitor é
um elemento crucial no processo de concretização das obras literárias, pois é
ele quem preenche os vazios programados nos textos. Essa constatação
empírica do que está previsto na teoria sinaliza para a necessidade de o
professor de língua e literatura encarar seus alunos não como receptores
passivos de um conteúdo, de conceitos, mas como sujeitos ativos no processo
de preenchimento de sentidos dos textos literários ou não.
Nossa experiência de leitura, nas duas turmas de 3º ano do ensino
médio, revela o quão eficaz é a proposta pautada na leitura das obras,
suscitando inquietações coletivas e despertando percepções individuais. Além
disso, nossa abordagem comprovou que não precisamos partir dos conceitos,
os alunos relacionam fatos, conhecimentos e experiências diversas aos
universos de sentido oferecidos através da linguagem literária.
Se no início havia uma expectativa sobre a possibilidade de leituras
divergentes nas duas turmas, a etapa de observação participante e mesmo os
questionários indiciaram que alcançaríamos resultados positivos com as duas
turmas. Os alunos foram receptivos e agiram naturalmente durante todas as
etapas da intervenção, nos sentimos completamente motivados para a etapa
de intervenção. O modo de receber a obra, de com ela dialogar foi bastante
próximo nas duas turmas. Em ambos os contextos, os alunos se sentiram
envolvidos na leitura e negociação de sentidos com o texto lido.
De acordo com os pressupostos teóricos da Estética da Recepção, a
obra literária orienta a sua recepção, à medida que fornece orientações a seus
destinatários, evocando, deste modo, seus Horizontes de Expectativas. Apesar
de termos atuado em contextos diferentes, as percepções dos educandos em
relação ao texto lido são bastante próximas. Nossa aproximação dos dados
coletados corrobora o que postula Jauss (1994) “embora a interpretação seja
um ato individual, a recepção de uma determinada obra é um fato social”. (op.
cit., p.53).
115
O desempenho singular do aluno que designamos B1, suas percepções,
analogias e compreensão do texto confirmam a premissa de Wolfgang Iser
(ISER apud ZILBERMAN, 1989, p.15), segundo a qual a produção literária
oferece-se ao leitor enquanto diálogo, troca de experiência. Para o teórico em
questão: “O diálogo é singular, porque assimétrico. O texto põe à disposição de
seu consumidor uma ideia de mundo, que ele fundado em suas vivências,
interesses e informações completa.” (ISER apud ZILBERMAN, 1989,p.15)
116
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ANEXOS
ANEXO A- Questionário Alunos
UNIVERSIDADE FEDERAL DE CAMPINA GRANDE
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LINGUAGEM E ENSINO
MESTRADO EM LITERATURA E ENSINO
Pesquisa: LEITURAS E LEITORES DE “CORAÇÕES SOLITÁRIOS”- alternativas
para a abordagem do conto em sala de aula
Pesquisadora: Luciana Maria Moura Rodrigues
Informações ao respondente:
 O preenchimento deste questionário será de suma importância para o trabalho
acadêmico de pós-graduação que estamos realizando no Mestrado em
Linguagem e Ensino da UFCG. Nossa pesquisa visa contribuir para a melhoria
do ensino de literatura. Portanto, é muito importante contar com sua
colaboração;
 Caso queira responder, você não precisa se identificar;
 As respostas contidas nesse questionário manter-se-ão em sigilo. Quando as
respostas forem utilizadas, não haverá qualquer identificação dos respondentes.
Instruções:
 Responda o questionário com caneta esferográfica azul ou preta;
 Ao responder as questões subjetivas, fique à vontade para escrever o que achar
conveniente.
Questionário de pesquisa
1) Idade? _________________ Sexo: Masculino (
) Feminino (
)
2) Você gosta de ler?
(
) sim
(
) não
(
) um pouco
(
) depende da leitura
3) Qual (quais) tipo (s) de leitura mais lhe agrada?
(
) poesia
(
) narrativa (romance, novela, conto, crônica)
(
) história em quadrinhos
(
) dramaturgia (textos para peças teatrais)
(
) folheto de cordel
(
) jornal
(
) revista
(
) conteúdos de disciplinas nos livros didáticos
(
)
outro:
________________________________________________________
4) Com que frequência você costuma ler esses textos? Quando ocorreu e
qual é a sua leitura mais recente?
5) Você costuma freqüentar bibliotecas, pedir livros emprestados ou ler
textos na internet?
6) Qual foi a sua leitura mais recente?Quando ocorreu?
7) Qual (quais) sua(s) principais motivações para ler?
8) Algum texto literário já lhe emocionou (provocou tristeza, melancolia,
alegria, felicidade ou outro sentimento)? Caso sua resposta seja
afirmativa, em que ocasião o fato aconteceu e qual era o texto?
9) Em suas aulas de Literatura é comum ler textos literários na íntegra? Em
caso afirmativo, quais gêneros são lidos em sala?
10) O que você achou do estilo de Rubem Fonseca? Pretende ler outros
textos desse autor?
11) Além do conto “Corações Solitários”, lido em sala, você conhece conto
de Rubem Fonseca? Em caso afirmativo, em que circunstância ocorreu
tal contato e qual o(s) conto (s)?
ANEXO B- Questionário Professor
Pesquisa: LEITURAS E LEITORES DE “CORAÇÕES SOLITÁRIOS”- alternativas
para a abordagem do conto em sala de aulaPesquisadora: LUCIANA MARIA MOURA RODRIGUES
QUESTIONÁRIO PROFESSOR
1)Nome:
2)Idade:
3)Sexo:
4)Séries em que atua:
5)Trabalha em mais de uma escola?
( ) NÃO ( ) SIM, leciono em outra (s) escola(s):
( ) pública ( ) particular
( ) atuo nas mesmas turmas ( ) atuo nas seguintes turmas:
_______________________________________________________________
_______________________________________________________________
6)Onde você cursou e em que ano concluiu a sua graduação?
_______________________________________________________________
7)Você cursou/cursa alguma pós-graduação?Qual? SIM ( ) NÃO ( )
______________________________________________________________
8)Há quantos anos você atua como professor de língua portuguesa?
_______________________________________________________________
9)Quando ocorreu seu primeiro contato com a turma na qual realizamos nossa
intervenção?
_______________________________________________________________
_______________________________________________________________
_______________________________________________________________
10)Desde o contato inicial com a turma em questão quais foram as leituras
literárias realizadas em sala que mais despertaram o envolvimento dos alunos?
_______________________________________________________________
_______________________________________________________________
_______________________________________________________________
_______________________________________________________________
11) Qual a metodologia utilizada para a abordagem dessas obras?
_______________________________________________________________
_______________________________________________________________
_______________________________________________________________
_______________________________________________________________
_______________________________________________________________
12. Dentre as opções abaixo, quais são as que mais se aproximam do
planejamento utilizado em suas aulas de língua portuguesa?
( ) as aulas são divididas entre literatura/gramática/redação
( ) as aulas são organizadas a partir do roteiro do livro didático
( ) as aulas seguem o planejamento escolar
( ) as aulas são organizadas a partir da noção de USO-REFLEXÃO-USO
( ) as aulas costumam mesclar conhecimentos linguísticos e literários
13. Especificamente para essa turma de 3º ano, há um tempo reservado para a
leitura literária?
( ) NÃO
( ) SIM
14. Caso a resposta 13 seja afirmativa, como ocorre a seleção dos textos?
Você utiliza o acervo da escola, apresenta o suporte original ou distribui cópias,
preparando adaptações dos textos para entregar aos alunos?
Caso a resposta seja negativa, como a literatura é apresentada aos alunos?
_______________________________________________________________
_______________________________________________________________
_______________________________________________________________
_______________________________________________________________
_______________________________________________________________
15. Como você costuma planejar as aulas de literatura nas turmas em que
atua?
_______________________________________________________________
_______________________________________________________________
_______________________________________________________________
_______________________________________________________________
_______________________________________________________________
16. A escola adota algum Livro Didático para a turma do 3º ano? SIM ( ) NAO
( ) Se sim, qual é o livro e como você costuma utilizá-lo?
_______________________________________________________________
_______________________________________________________________
_______________________________________________________________
17. Você costuma indicar a leitura de livros da biblioteca para os alunos, como
atividades extracurriculares? SIM ( ) NÃO ( )
18. Dentre as opções abaixo, quais os que mais se aproximam dos que você
utiliza para selecionar os textos/autores a serem apresentados durante as
aulas?
( ) sigo apenas o roteiro do livro didático /manual
( ) sigo a ordem historicista tradicional, mas não sigo apenas um livro didático
(
) os textos/autores a serem apresentados são definidos no planejamento
escolar, junto com os outros professores da área
( ) sigo as orientações do concurso vestibular
(
) outro
Qual?__________________________________________________________
_______________________________________________________________
_______________________________________________________________
19.Em suas aulas de Literatura é comum ler textos literários na íntegra? Em
caso afirmativo, quais gêneros são lidos com mais frequência em sala?
_______________________________________________________________
_______________________________________________________________
_______________________________________________________________
20. Qual a metodologia utilizada na abordagem de narrativas curtas, como
conto e crônica, por exemplo?
_______________________________________________________________
_______________________________________________________________
_______________________________________________________________
21.Como você percebe a recepção dos alunos às narrativas curtas e à
metodologia utilizada?
_______________________________________________________________
_______________________________________________________________
_______________________________________________________________
21. Você costuma relacionar a literatura a outras artes, como cinema, pintura e
música, durante as aulas? Como?
ANEXO C- PLANEJAMENTO- Etapa de Intervenção (1ºmomento)
Tempo médio de execução: 90 minutos. Público – alvo: Alunos do 3º ano médio
OBJETIVOS: Geral: específicos:
A partir da leitura do conto “ Corações Solitários”, reconhecer algumas
das especifidades tanto temáticas quanto relativas ao estilo de Rubem
Fonseca.
- Atividades previstas para o primeiro encontro
No primeiro encontro serão requeridas dos alunos, principalmente, as
habilidades de leitura e compreensão do texto literário, além do trabalho com a
oralidade dos educandos, através das suas estratégias de argumentação,
persuasão e refutação manifestadas durante a discussão sobre o conto lido.
1- Leitura oral do conto Corações Solitários: (25 minutos)
*Antes de iniciar a leitura oral, o professor deverá solicitar aos educandos que
destaquem em suas cópias do conto fragmentos que lhes pareçam relevantes,
para que no momento seguinte à leitura eles participem do debate fundamentando
seus argumentos a partir de fragmentos do texto lido.
A RECEPÇÃO DO TEXTO LITERÁRIO: (45 minutos)
1.1.1-Sondagem das leituras. Instigar os alunos a comentarem temáticas
presentes no conto e sobre o estilo do autor: “O que chama atenção nesse texto?”
* Resgatar as impressões dos alunos, solicitando que eles indiquem oralmente o
que mais lhes chamou a atenção naquela leitura.
* Questionar se os alunos conheciam o autor e se gostaram do conto lido
1.1.2- Expor, à medida que julgar pertinente, informações sobre o autor do conto e
peculiaridades do seu estilo, bem como sobre a obra em que foi publicado.
Comentar as peculiaridades do exemplar em relação ao gênero.
Em seguida, o professor deverá, caso não tenha sido comentado até então,
chamar a atenção dos alunos para os três aspectos temáticos que nortearão o
debate, quais sejam: a tematização da cultura de massa; os apelos
intertextuais presentes no conto e a crise identitária, vivenciada pelos dois
principais personagens deste conto. Para tanto, com o intuito de fomentar o
debate, cabe ao professor incitar os alunos, através do destaque de no mínimo
três fragmentos do conto, que colaborem para a discussão de três temáticas
relevantes em “Corações Solitários”.
Eis a nossa sugestão de alguns fragmentos do conto para incentivar o debate.
-Tematização da cultura de massa- A imprensa como fábrica de
mentiras:
“Você já leu Mulher?, Peçanha perguntou .Admiti que não. Gosto
mais de ler livros.” (p.372)
“Você acha que mulher da Classe C escreve cartas? A Elisa
inventava todas.”(p.374)
-Apelos Intertextuais presentes no conto: suscitados nas tentativas do
narrador afirmar a sua alta cultura, em detrimento da cultura de massa, com
intuito de citando os clássicos, mostrar o seu conhecimento.
“Começa hoje. Que nome você quer usar? Pensei um pouco.
Nathanael Lessa.
Nathanael Lessa?, disse Peçanha
surpreendido e chocado, como se eu tivesse dito um nome feio, ou ofendido a mãe
dele. O que é que tem? É um nome
como outro qualquer. E estou prestando
duas homenagens.”( pp.372-373)
não disse nada ao
“Escolhi Clarice Simone, eram outras duas homenagens, mas
Peçanha.” (p.376)
“Uma pitada de Romeu e Julieta, uma colherzinha de Édipo
Rei”(p.377)
-A crise da noção de lugar: Crise identitária
Oswaldo Peçanha é vítima constante da necessidade de esconder a sua
verdadeira opção sexual. Tem que sustentar diante dos que o rodeiam uma
aparência e uma identidade falsas.
“...Toda a minha vida tenho sofrido as maiores desilusões por
acreditar nos outros. Sou basicamente uma pessoa que não
perdeu a sua inocência. A perfídia, a boçalidade, o despudor, a
calhordice me deixam muito chocada. Oh, como gostaria de
viver isolada num mundo utópico feito de amor e bondade...
Pedro Redgrave”(p.379)
“Nathanael. Eu amo, um amor proibido, um amor interdito, um
amor secreto, um amor escondido. Eu amo outro homem. E ele
também me ama. Mas não podemos andar na rua de mãos
dadas, como os outros, trocar beijos nos jardins e nos cinemas,
como os outros, deitar abraçados nas areias das praias, como
os outros, dançar nas boates, como os outros. Não podemos
nos casar, como os outros, e juntos enfrentar a velhice, a
doença e a morte, como os outros. Não tenho força para
resistir e lutar...... Pedro Redgrave”(p.381)
O Narrador é também vítima constante da necessidade de manifestar
seus conhecimentos e sua vasta carga de leitura, sempre utilizando um léxico
requintado. Insatisfeito pelo lugar que ocupa profissionalmente, frustrado por
ter que servir à cultura de massa, dispondo de alta cultura e conhecimento.
“Esse fotógrafo idiota pensava de mim o quê? Só porque eu
tinha sido repórter de polícia isso não significava que eu era um
bestalhão. Se Norma Virgínia, ou lá qual fosse o nome dele,
escrevia uma novela em quinze minutos, eu também escreveria.
Afinal li todos os trágicos gregos, os ibsens, os o'neals, e
beckets, os checovs, os shakepeares, as four hundred best
television plays.” (p.376)
“Cito os clássicos apenas para mostrar o meu conhecimento.
Como fui repórter de polícia, se não fizer isso os cretinos não me
respeitam. Li milhares de livros. Quantos livros você acha que
Peçanha já leu?”(p.380)
O professor, na qualidade de mediador do debate, deve estar atento
para evitar divagações, cabe ainda ao docente estimular a argumentação dos
alunos, de modo que os alunos se posicionem criticamente e não apenas
respondam às questões orais formuladas pelo professor com monossilábicos
“sim” e “não”.
*Em nosso entendimento, os comentários, bem como o estudo dos aspectos
temáticos presentes nos contos de Rubem Fonseca, devem estar relacionados
aos componentes estruturais de maior expressividade na construção da
narrativa em questão. Os comentários sobre as crises identitárias das
principais personagens deste enredo devem, com efeito, culminar na
abordagem do desfecho surpreendente do enredo em relação às personagens.
A linguagem e o foco narrativo podem vir à tona como elementos para
discussão, a partir dos temas da intertextualidade e das pequenas narrativas
construídas paralelamente ao enredo principal.
*No fim da aula o professor-titular deve recomendar a releitura do conto, pois
no encontro subsecutivo, o estudo do texto teria continuidade, além disso,
haveria a realização de uma atividade escrita.
ANEXO D
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Luciana Maria Moura Rodrigues