X Encontro Nacional de Educação Matemática
Educação Matemática, Cultura e Diversidade
Salvador – BA, 7 a 9 de Julho de 2010
DO YOU LIKE MATH?
O ENSINO DA MATEMÁTICA EM LÍNGUA ESTRANGEIRA
Paula Medeiros
Escola das Nações
[email protected]
Luciana Pitanga
Escola das Nações
Silvana Iunes
Escola das Nações
[email protected]
Resumo: o presente relato vem compartilhar a experiência do ensino da matemática em
língua estrangeira para crianças que ainda não dominam a língua. Demonstra o processo de
substituição da oralidade por experiências, ou seja, a substituição do abstrato pelo
concreto. Também enfoca a mudança do papel do professor na aula de matemática, onde as
crianças são responsáveis pela construção de seu próprio conhecimento assim como
monitoram as outras, deixando para o docente, o papel de propiciar investigações, de
intervir apenas quando necessário e de explorar de forma individualizada o ritmo dos
alunos.
Palavras-chave: Educação Matemática, Bilinguismo.
NASCE UM PROJETO
Em 2009, uma instituição particular de ensino bilíngüe, há 30 anos em Brasília,
vislumbrou a possibilidade de conseguir credenciamento internacional. Para tanto, precisou
reajustar seu currículo de forma a cumprir os critérios necessários para a realização do
processo. Um dos requisitos ditava o ensino de conhecimentos universais sem vínculos
culturais específicos em língua inglesa. Dentre eles estão: Geografia e História mundiais,
Ciências, Inglês e Matemática. Observando a realidade da escola, a única alteração que
precisava ser feita para cumprir o exigido seria a transição da matemática do programa de
português para o de inglês.
Uma análise mais minuciosa apontou que outros benefícios decorreriam dessa
mudança, sendo eles: a especialização de professores no Ensino Fundamental I, uma vez
que a matemática não mais seria lecionada por professoras polivalentes; a designação de
um ambiente matemático para cada professor e turma e a criação de uma equipe
matemática responsável por manter a comunicação entre as séries, desenvolver pesquisa e
avaliar resultados em busca das melhores práticas.
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Curiosamente, as vantagens listadas acima não conseguiam dissolver a preocupação
que pairava sobre todos os que estavam cientes do projeto, e a reação era unânime: o
ensino e aprendizagem da matemática já eram suficientemente complicados para serem
agravados pela língua estrangeira.
A fim de compreender melhor a situação, iniciemos por traçar um panorama sobre
as características de nossos grupos. Nossas turmas são constituídas por 25 alunos em
processo de aquisição das habilidades de leitura, escrita, compreensão e produção oral na
língua inglesa. O ano letivo inicia-se em agosto e, portanto, os grupos são constantemente
complementados, ainda que em pequeno número, por crianças vindas de escolas cujo ano
letivo termina em dezembro. O perfil dessas crianças resume-se a crianças mais velhas que
estão refazendo 6 meses de uma mesma série, mas sem domínio, ainda que passivo, da
língua inglesa.
Para viabilizar o projeto, a escola buscou, dentro do seu quadro de professores do
programa de inglês, aqueles interessados em fazer parte desta implementação, que
significava dedicar-se exclusivamente ao ensino da Matemática, gerando a necessidade de
cursos, especializações, discussões e encontros rotineiros com a consultoria de Matemática
da escola.
Em síntese, tínhamos a nossa frente o desafio de trabalhar o currículo brasileiro de
matemática, ainda que destituídas do aliado mais acolhedor de que dispomos como
professoras: a língua portuguesa.
NORTEADORES TEÓRICOS
Segundo Vygotsky (1982), aprendizagem e linguagem são indissociáveis. É através
da linguagem que os sujeitos interagem uns com os outros e com o mundo que os rodeia. E
é essa interação que propicia o conhecimento. Entretanto, a crença de que apenas as
palavras comunicam foi exatamente o que nos fez, professores de matemática, incorrer no
erro de acreditar que as crianças entendiam a disciplina apenas por a termos explicado.
Confiamos demasiadamente na comunicação verbal, não valorizando o exercício da
matemática, sua prática. Claramente, teríamos que nos apoiar na experimentação e no
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conceito muito mais abrangente de linguagem que envolve gestos, olhares, encenações e,
principalmente, na investigação em sala de aula.
Para nós, seria preciso investir na produção de conhecimento de maneira
horizontal, de forma a tirar o foco da linguagem e do professor. Programas de monitoria
que contassem com o auxílio dos alunos com mais facilidade tanto na língua inglesa,
quanto na linguagem matemática, possibilitaria diferentes abordagens para temas iguais, o
que potencializaria a compreensão. Seria necessário promover oportunidades para que os
alunos aprendessem com observações, uns com os outros e, principalmente, com sua
própria atuação. Teríamos, sim, o empecilho lingüístico, mas uma vez lançado o
questionamento, os alunos investigariam e concluiriam independentemente da língua
externa. Segundo Pinker:
A ideia de que o pensamento seja o mesmo que linguagem é um
exemplo do que se pode chamar de absurdo convencional (...) Todos
tivemos a experiência de enunciar ou escrever uma frase, parar e
perceber que não era exatamente o que queríamos dizer. Para que haja
esse sentimento, é preciso haver um „o que queríamos dizer‟ diferente do
que dissemos. Nem sempre é fácil encontrar palavras que expressam
adequadamente um pensamento. (Pinker, 2002, p.62)
Uma aplicação prática dessa didática silenciosa é facilmente observada em
parquinhos. Tome qualquer criança com autonomia suficiente para utilizar, sozinha, os
brinquedos, e pergunte a ela como funciona uma gangorra. Por mais que não saiba
verbalizar o processo, ela será capaz de avaliar possíveis contrapesos. Ninguém teorizou ou
explicou a ela o conceito de peso, equilíbrio ou comparação. Seu conhecimento e
compreensão advêm da prática. É o chamado conhecimento-em-ação.
Concluímos, então, que palestras e explanações acerca de um conceito restringiriam
a compreensão a poucos alunos e estávamos convencidas de que partir de situações reais e
cotidianas era a maneira mais apropriada. Começamos nosso trabalho de pesquisa e
especialização e, em pouco tempo, foi-nos revelado que nossa conclusão não era apenas
uma resposta a nossa situação específica. A abordagem concreta da matemática e sua
experimentação através de problemas cotidianos e adequados à cultura das crianças eram
defendidas com peso pela Educação Matemática e constava de documentos federais.
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Sentimos-nos revigoradas. Tínhamos, sim, um grande desafio, mas víamos uma
infinidade de teóricos que descartavam a oralidade e priorizavam a ação. A reforma que
nós precisávamos realizar era demanda nacional.
Novas competências demandam novos conhecimentos: o mundo do
trabalho requer pessoas preparadas para utilizar diferentes tecnologias e
linguagens (que vão além da comunicação oral e escrita), instalando
novos ritmos de produção, de assimilação rápida de informações,
resolvendo e propondo problemas em equipe. (PCN, 1997, p. 31)
O LABORATÓRIO DE MATEMÁTICA
O projeto teve início com o Grade 2 – equivalente ao 2° ano do Ensino
Fundamental I. Um dos primeiros objetivos trabalhados foi a construção do número. A
contagem é uma atividade independente e individual, que foca muito pouco no professor
que tem como papel oportunizar a criação de estratégias de agrupar para contar, monitorar
os agrupamentos e avaliar os registros de quantidade dos alunos.
Uma das atividades trabalhadas foi a „caixinha da matemática‟. Cada classe traz
diariamente objetos a serem contatos, formando coleções enormes de diversos materiais.
Semanalmente dá-se a classificação e a contagem dos objetos e também a comparação com
as quantidades atingidas pelas demais turmas. Ainda insere vocabulário em inglês, ao
nomear os objetos e quantidades, o que facilita a criação de situações-problema,
envolvendo conceitos como: „quantos a mais?‟, „quantos a menos? e „qual a diferença?‟,
etc.
A „avaliação de contagem‟ é um processo que parte do mesmo princípio da
atividade anterior. Cada aluno recebe um saquinho contendo um papel com seu nome e
uma lista de numerais. Ele deverá colocar no saquinho cada quantidade listada, usando
palitinhos e, ao final, contar o total e escrevê-lo em seu papel.
Os resultados encontrados pelas crianças são inesperados, pois, a média
documentada de acerto do “total” é muito baixa. Para aqueles que tendem a culpar o
fracasso da compreensão da contagem na língua estrangeira, vale ressaltar que é permitido
aos alunos efetuarem a contagem na língua materna.
A intervenção do professor se limita a criar oportunidades para que as próprias
crianças concluam que não existe contagem eficiente sem agrupamento. Por vezes,
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brincamos de interrompê-los, distraí-los propositalmente. Então criamos debates sobre os
problemas enfrentados e possíveis resoluções para que eles mesmos se ajudem a chegar ao
resultado correto. Ao socializar estratégias individuais, os alunos vão imitando (agrupando
de 2 em 2), refinando (de 5 em 5 ou de 10 em 10) e compartilhando a eficácia do
agrupamento contra interrupções. Fica clara a necessidade da constante repetição de
contagens para que a porcentagem de acertos cresça significativamente.
Também consta nos PCNs: “A importância da ênfase na resolução de problemas,
na exploração da Matemática a partir dos problemas vividos no cotidiano e encontrados
nas várias disciplinas”. Para nós, a interdisciplinaridade não é opção. Precisamos
estabelecer uma relação de apoio entre as disciplinas para que o vocabulário das crianças,
em língua inglesa, seja reforçado. A aula de Ciências precisa terminar na Matemática,
assim como a aula de Artes precisa começar ali.
A descoberta de medidas padronizadas passa por um processo de comparações
utilizando ferramentas arbitrárias, até que se conclua que é preciso haver um instrumento
padrão. Uma vez estabelecido, ele servirá para monitorar o crescimento das plantas e das
lagartas do laboratório de ciências.
A criação de cartões de identidade das crianças, com dados atuais e de quando eram
bebês, contendo peso e altura, serviram como material de apoio na criação do nosso
percurso no mundo na aula de História.
O estudo das formas geométricas apóia o trabalho de Artes que estuda Mondrian e
Miró e permite a permutação de uma forma em outra para dobraduras, através do projeto
Tangram.
A construção do Sistema de Numeração Decimal (SND), utilizando o material
dourado, a compreensão do tempo com base em calendários e análise das atividades diárias
de cada criança, em projeto conjunto com a família, a correção de atividades por meio de
gráficos a serem decifrados e criados pelos próprios alunos, a encenação de situaçõesproblema, o reconhecimento das formas tanto na natureza quanto nas construções
humanas, a criação de projetos que valorizam o uso consciente do dinheiro, tudo são
exemplos de vivências da Matemática exploradas na sala de aula que pouco necessitam da
língua.
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A utilização da ação como ferramenta pedagógica provou ser um caminho para
vencer as barreiras linguísticas. Um dado curioso é a percepção do desempenho em
Matemática de crianças que não falam nenhuma das línguas âncora da escola. Seus
resultados são coerentes com as demais matérias.
Podemos dizer, também, que estas crianças nos impulsionaram a buscar
aperfeiçoamento profissional e pesquisa. Ora, crianças que não falam o inglês contam com
colegas que compreendem a língua para traduzir e explicar. Crianças que não possuem
nenhuma delas dependem exclusivamente do professor e de suas intervenções.
Situações concretas que levam as crianças a ver, pegar e fazer matemática suprem a
falta de comunicação verbal. Elas permitem que as crianças desenvolvam o conceito e faça
a transposição para situações mais abrangentes.
É a recriação da matemática no laboratório. É o ser humano utilizando-se de toda a
sua criatividade; tentando, errando, persistindo e descobrindo a resposta. É o ser humano
refletindo sobre o que o levou por tal caminho, validando suas conclusões. É o ser humano
descobrindo.
OS MEIOS JUSTIFICAM OS FINS
Com a necessidade de trabalhar a Matemática na língua inglesa, descobrimos novas
formas de comunicação. Até então, acreditávamos estar ensinando Matemática. Com esta
experiência, vimos a relevância do trabalho fundamentado na ação e a necessidade de
transformar as práticas pedagógicas.
É preciso observar e calar-se. Nossa prática silenciosa nos permitiu compreender o
aluno como ser individual e respeitar sua forma única de pensar e se expressar. Permitiunos, ainda, constatar como são altas nossas expectativas com relação aos nossos alunos e
como nossas próprias frustrações podem tolher seu progresso. Uma vez que reconhecemos
do que são capazes, poderemos ajudá-los a se superar. Se continuarmos acreditando que
tudo está bem, só estaremos alimentando suas dificuldades.
Deixar pensar. Investigar o erro. Manter a mente aberta para outras formas de
pensar. É preciso ser professor de todos a todo tempo. E isso também significa
individualizar a tutoria. Trabalhamos com centros de estudo que são divididos por níveis,
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com interesses individuais, e criamos programas inteiros especiais para alunos com mais
ou menos facilidade.
Nossas turmas permeadas por alunos do mundo inteiro nos permitiram vivenciar a
diversidade de algoritmos e ferramentas matemáticas como parte do pensar individual e
cultural. Um exemplo disso são os projetos que envolvem comparação de unidades de
medida do mundo inteiro, competições entre calculadoras e ábacos e a explicação de
diferentes algoritmos pelo mundo (divisão para cima, na Europa, por exemplo).
Munimo-nos de instrumentos de avaliação desenvolvidos pela própria equipe de
Matemática, assim como de ferramentas internacionais, e nossos resultados estão
melhorando. Estamos resgatando alunos deixados para trás. Estamos criando o gosto pela
Matemática. Estamos reeducando os pais e os ensinando a saber ouvir e a intervir.
Estamos criando tempo e espaço para o pensamento crítico, para o raciocínio
lógico. Estamos resolvendo problemas. Elevar os padrões da Matemática não é lutar
contra a língua, mas dar voz às crianças.
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BIBLIOGRAFIA
PINKER, Steven. O instinto da linguagem: como a mente cria a linguagem. São
Paulo: Martins Fontes, 2002.
VYGOTSKY, Lev Semenovich Pensamento e Linguagem. 3. ed. São Paulo: Martins
Fontes, 1991. Série Psicologia e Pedagogia.
Parâmetros Curriculares Nacionais: matemática / Secretaria de Educação Fundamental.
- Brasília : MEC/SEF, 1997.
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