A DINÂMICA DA CRIAÇÃO LEXICAL: RELAÇÕES SINONÍMICAS E
PREFIXAÇÃO INTENSIVA
Ieda Maria Alves (Universidade de São Paulo)
A análise sistemática da neologia permite-nos a observação de vários tipos de
relações que as unidades lexicais neológicas estabelecem com outras unidades. Permite,
também, observar relações que ocorrem no nível textual, conforme já estudamos em Alves
(2007). Nesse trabalho, apresentamos algumas relações que a unidade lexical neológica
formada por derivação, de caráter prefixal ou sufixal, estabelece no nível textual, como as
reiterações de sentido, as relações de caráter sinonímico e de caráter opositivo,
contribuindo, desse modo, para a coesão do texto.
No presente trabalho, enfocamos apenas a derivação prefixal, analisando formações
constituídas com prefixos intensivos, tanto de caráter crescente como decrescente, e as
relações sinonímicas que tais formações estabelecem com outros elementos do texto. Essas
relações sinonímicas entre os prefixos de caráter intensivo e outros elementos do texto são
possíveis porque a intensidade, no português, pode revelar-se por distintas formas:
advérbios (bastante, extremamente, muito...); substantivos e adjetivos (enorme, horrível,
imenso...); sufixação (-aço, -ão, -érrimo, -inho, -íssimo, -ito...); prefixação (hiper-, mega-,
micro-, mini-, nano-, super-, ultra-...)
Como corpus de análise, consideramos os materiais integrantes do Projeto TermNeo
(Base de Neologismos do Português Brasileiro Contemporâneo), projeto lexicológico que
coleta e analisa unidades lexicais neológicas em um corpus jornalístico desde janeiro de
1993. Os dados da Base foram constituídos a partir dos jornais Folha de S. Paulo (FSP) e O
Globo (G) e das revistas IstoÉ (IE) e Veja (V) desde janeiro de 1993, acrescidos da revista
Época (E) e do jornal O Estado de S. Paulo (ESP) e O Globo (G), analisados a partir da
década de 2000. Alguns resultados dessa coleta e dessa análise podem ser consultados no
site do Projeto: www.fflch.usp.br/dlcv/neo.
Os resultados dessa análise revelam diferentes tipos de relações sinonímicas
estabelecidas entre neologismos formados por derivação prefixal e outras unidades. Uma
dessas relações é decorrente do tipo de base a que o afixo se prefixa, conforme enfatiza
Rio-Torto (1993). Assim, ao associar-se a um adjetivo ou a um verbo, o prefixo assume
valor adverbial, podendo ter como sinônimo um advérbio, que intensifica outro adjetivo ou
advérbio.
Vários exemplos revelam essa sinonímia entre um prefixo e um advérbio.
O prefixo super-, o mais empregado dentre os prefixos intensivos com valor
aumentativo no corpus mencionado, junta-se ao adjetivo distraído (superdistraído = muito
distraído), em um contexto em que organizado é intensificado pelo advérbio muito (muito
organizado = superorganizado):
Ao mesmo tempo que é <superdistraído>, avoado, é <muito organizado>. (V, 27-10-04)
O prefixo super- também manifesta relações sinonímicas com outros advérbios
intensivos. É o que se observa em
<Superbem-vestido>, um „big‟ relógio de ouro no pulso, <muitíssimo sorridente>,
<imensamente gordo>, <muito bem-cuidado>; nem um sinal de preocupação ou culpa no
semblante. (V, 28-12-05),
em que vários adjetivos são intensificados: bem-vestido é intensificado por super(superbem-vestido), sendo os demais intensificados pelos advérbios muitíssimo,
imensamente e muito, estabelecendo-se uma sinonímia entre entres e o prefixo super-.
Em outro exemplo, que apresenta uma sequência de três adjetivos qualificativos, o
prefixo hiper- associa-se ao adjetivo inflado; os outros adjetivos são intensificados por um
adjetivo intensificado por um advérbio:
As pessoas submetidas a um grande número de intervenções de fato padecem de uma
"plastificação" facilmente identificável nos seios e dentes <grandes demais>, nas maçãs do
rosto <excessivamente ressaltadas> e nos famosos lábios <hiperinflados>. (V, 14-07-04)
Neste caso, o prefixo intensivo hiper- estabelece uma relação com os adjetivos
grande (grandes demais = hipergrandes) e ressaltado (excessivamente ressaltadas =
hiperressaltadas).
Lembra-nos ainda Rio-Torto (op. cit.) que, ao se prefixar a um substantivo, o
prefixo adquire valor atributivo, podendo comutar com um adjetivo qualificativo.
Exemplificamos esse valor assumido pelo prefixo intensivo com superferramenta,
que comuta com ferramenta especial:
As <superferramentas> (tít.)
Ser operário no espaço exige <ferramentas especiais>. Sem a força da gravidade, é
impossível apertar um parafuso com uma chave de fenda como se faz na Terra por estar
flutuando, o astronauta é que giraria, e não o parafuso. (V, 10-08-05)
Esse recurso tem sido observado, especialmente, em títulos de matérias: o título
apresenta o substantivo prefixado, usualmente neológico, e a matéria reapresenta o
substantivo qualificado por um substantivo. Outro exemplo desse recurso jornalístico:
SUPER-FORMIGAS> (tít.)
<Formigas carnívoras gigantes> são a mais nova atração do Zoológico de São Paulo. (IE,
12-01-00)
Diferentes adjetivos denotadores de intensidade (enorme, gigantesco) concorrem
com o prefixo mega-, que é considerado, no contexto a seguir, como o recurso mais
representativo para indicar um restaurante de grandíssimas dimensões:
<Megarestaurantes> são moda em Londres (tít.)
Comer em Londres nesta primavera e verão é uma experiência enorme, saborosa e repleta
de lugares novos.
<"Enorme"> não é bem a palavra certa. <"Mega"> chega mais perto. A novidade este ano
são <gigantescos restaurantes> que seguem o modelo das "brasseries" parisienses, tamanho
jumbo-jet, que atraíam pessoas como Henry Miller. (FSP, 13-05-96)
O prefixo mini-, que marca a intensidade decrescente, associa-se às bases
lavanderia e academia e também estabelece uma relação sinonímica com os adjetivos
pequeno e anão, que intensificam as bases sala (pequena sala de descanso) e hominídeo
(hominídeo anão) em:
Quem conseguir a concessão do espaço de Cumbica terá de montar <pequenas salas de
descanso> com camas, além de outras áreas para tomar banho, uma <minilavanderia>, uma
<miniacademia de ginástica> compacta, além de um salão de cabeleireiro e manicure.
(FSP, 12-02-06)
Descoberta de <mini-instrumentos> de pedra reforça tese da existência de <hominídeo
anão> na Indonésia há 18 mil anos. (FSP, 01-06-06)
Em outro contexto, a intensidade é expressa, em diferentes bases, por um prefixo
intensivo que se associa a um substantivo (hiperpotência) e por um adjetivo que qualifica
um substantivo (enorme excedente de recursos):
O envio de tropas e de material militar deverá continuar, pois a <hiperpotência> americana
faz tudo sempre com um <enorme excedente de recursos>. (V, 22-01-03)
Outras possibilidades sinonímicas entre os prefixos intensivos ocorrem quando
adjetivos formam neologismos por meio de diferentes prefixos intensivos, como é
observado nos exemplos:
Com mercado <ultracompetitivo> e <hipersaturado>, as grifes... (E, 28-07-05);
Os pratos <supergordurosos> e <hipercalóricos> entraram em definitivo para o cardápio
das pessoas. (V, 09-04-03)
Mais raramente, observa-se também a intensificação de uma mesma base por dois
adjetivos que denotam características intensivas (imenso, gigante), sendo um deles também
prefixado por um intensivo (supergigante):
O petróleo da Arábia Saudita provém quase todo (75%) de dois <imensos campos
"supergigantes"> que foram ativados há quase cinco décadas, nos quais já se usa
extensivamente injeção de água mesmo durante as fases dois e três. (FSP, 09-04-06).
A concorrência entre afixos é também observada, em contextos em que um afixo
prefixal concorre com um sufixal, a exemplo de minilift e elevadorzinho:
Nada de preocupação em carregar sacolas: elas serão encaminhadas ao <minilift> (para os
simples mortais, trata-se de um <elevadorzinho>). (E, 02-06-05).
Possivelmente pelo fato de os prefixos intensivos serem muito mais empregados,
contemporaneamente, do que os sufixos que marcam a intensidade, essas relações são mais
observadas entre os prefixos do que entre os sufixos. Terminamos esta exposição com os
resultados de um estudado publicado em Alves (2011):
/.../ a expressão da derivação intensiva no português brasileiro, anteriormente expressa
apenas por meio de afixos sufixais, passa também a ser representada por afixos prefixais.
Esta mudança foi sendo constatada em alguns estudos realizados na década de 80. Foi
sendo observado que prefixos designativos de “posição” passam a exercer,
predominantemente, uma função intensificadora. É o caso de super-, que na década de 2000
não mais forma unidades lexicais neológicas que expressam “posição”. Outros prefixos,
como extra- e sub-, denotam “posição” e “intensidade”. Observamos, segundo os dados da
Base de neologismos do português brasileiro contemporâneo /.../ que a expressão
contemporânea da intensidade afixal manifesta-se, de maneira predominante, por meio de
prefixos.
Referências bibliográficas
ALVES, Ieda Maria. ALVES, Ieda Maria. A derivação prefixal intensiva no português
brasileiro: a formação de um campo prefixal. In: HWANG, A.D.; NADIN, O. L.
Linguagens em interação III: estudos do léxico. Maringá: Clechetec, 2011. 13-32.
ALVES, Ieda Maria. Neologia e implicações textuais. Anais do VI Congresso Internacional
da Abralin. João Pessoa, 2009. p. 1821-1825.
RIO-TORTO, Graça Maria. Formação de palavras em português. Coimbra, 1993. Tese
(Doutorado) - Universidade de Coimbra. Coimbra, 1993.
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Ieda Maria Alves