A importância do espaço à oralidade no ambiente escolar
Carla Rosângela Jacinto1
Resumo: A linguagem oral, apesar de ser extremamente importante no desenvolvimento do aluno
como cidadão, ainda exerce um papel secundário dentro da maioria das instituições escolares;
também nos contextos sociais, são raros os espaços destinados para esse gênero. Através dos
estudos já desenvolvidos pelo Grupo de Estudos- GE de Letras com bolsistas do PIBID, percebemos
que urge a necessidade de mudanças nas metodologias de ensino utilizadas pelas instituições
escolares, repensando como desafiar à aprendizagem com práticas orais reflexivas e conscientes,
que ofereçam uma busca contínua de saberes para construção do individuo como cidadão.
Palavras-chave: oralidade, importância, discurso, linguagem.
Abstract: The oral language, although its importance in the development of the student as a citizen,
still plays a secondary role within most educational institutions, also in social contexts, there are few
spaces dedicated to this genre. The studies already undertaken by the Language Course Study Group
– carried out by PIBID scholarship students, we realize that there is an urgent need for changes in
teaching methods used by educational institutions, rethinking how to challenge the learning and
reflective practice oral conscious providing a search continuous building of knowledge of the individual
as citizen.
Keywords: oral, importance, speech, language.
Introdução
Este artigo apresenta os resultados de estudos de pesquisa realizados a partir da
oficina do subprojeto PIBID, desenvolvida com alunos de 6º e 7º anos do Ensino
Fundamental, em uma escola pública na cidade de Tramandaí-RS, em que a
oralidade consiste no objeto de ensino.
O nosso objetivo geral constitui-se em desenvolver a expressão oral, ressaltando ser
a fala uma atividade muito mais central na comunicação cotidiana das pessoas do
que a escrita. Para atingir tal objetivo, organizamos atividades práticas em módulos
com atividades de linguagens orais. Inicialmente realizamos o trabalho de contação
de história, utilizando técnicas de narração e confecção artística com os alunos; e,
posteriormente, a apresentação/ contação com temas diversos, ressaltando a obra
literária e sua importância na sociedade.
Para a fundamentação teórica, utilizamos a perspectiva sócio-histórica de Bakhtin
(1992), apoiando-nos, também, em Celso Sisto (2005) e Marchuschi (1997), dentre
1
Acadêmica do Curso de Letras, Faculdade Cenecista de Osório/ FACOS-RS. Estudo desenvolvido
no Grupo de Estudo do curso de Letras, orientado por Profª Drª Cristina Maria de Oliveira e Profª Ms
Christiane Jaroski Barbosa.
6
outros. Essa linha teórica nos serviu tanto para o planejamento das atividades do
projeto, quanto para a sustentação da análise. O trabalho foi conduzido pela
metodologia da pesquisa-ação, no 3º trimestre do ano letivo de 2010 e no 1º
trimestre de 2011. Dos dados obtidos, optamos por dedicar nossa atenção às
produções textuais e apresentações orais, resultantes do trabalho de oficinas
relativas ao desenvolvimento da oralidade, em que foram realizadas diversificadas
atividades para que os alunos compreendessem as características constuitivas de
tal modalidade.
Os resultados demonstram que a prática de atividades orais regularmente contitui-se
em um rico instrumento de ensino-aprendizagem nas aulas de Língua Portuguesa.
Assim, os professores têm a oportunidade de levar para a sala de aula métodos que
incentivem ao aluno utilizar o discurso adequado a situação em que está inserido,
compreendendo que para se comunicar não utiliza somente a fala como linguagem,
mas toda expressão corporal, facial e falas fazem parte de suas práticas de
linguagem cotidianas.
Os textos e apresentações tomados como objeto de análise foram produzidos a
partir do trabalho de leitura de livros infantis, poemas, dinâmicas de entrosamento do
grupo. Para tais produções, desenvolvemos várias atividades, após as quais
acreditávamos que os alunos estivessem preparados para a produção.
Neste documento, primeiramente, discutiremos se o desenvolvimento da oralidade
se revelou como prática essencial no cotidiano escolar, uma vez que não a
concebiam como tal. Na sequência, faremos uma análise das produções, tomando
como base os seguintes aspectos: a) especificidades da oralidade, observando se
os alunos utilizam a expressão oral, facial e corporal para expressar suas ideias;
b)estratégias persuasivas, procurando identificar se ocorreu uma mudança no
discurso linguístico utilizado pelo educando.
1. Oralidade e as diferentes formas de comunicação
7
Muitos estudiosos da linguagem, nos últimos anos, têm discutido a importância do
desenvolvimento da oralidade no ambiente escolar, como fator de extrema
importância na construção do conhecimento. Há várias abordagens teóricas
desenvolvidas acerca desse assunto, mas ainda parece haver uma longa distância
entre as teorias acadêmicas e sua efetivação em sala de aula. A prática de
atividades orais acaba se restringindo à leitura em voz alta e apresentação de
trabalhos em grupos, em que, muitas vezes, somente um aluno faz uma leitura
superficial do assunto abordado e todos se dão por satisfeitos. Em se referindo à
leitura, a prática acaba se restringindo às aulas de Língua Portuguesa. Mesmo
assim, a oralidade não exerce um papel importante nesse ambiente, pois, na maioria
das vezes, o professor valoriza somente o texto verbal, utilizando-se do pretexto do
estudo gramatical e do vocabulário, deixando dessa forma à margem o exercício da
interpretação, principalmente, a interpretação e compreensão do gênero textual,
utilizando a oralidade do aluno.
O homem interage através do dialogismo, principio este considerado uma
troca constante de informações; ao fazê-lo, traz para seu discurso diferentes
vozes enunciativas chamado pelo mesmo de polifonia. [grifo do
autor](Bakthin, 1986:284 – apud Leonor Werneck dos Santos (UFRJ).
Na perspectiva teórica aqui adotada, assumimos a interação social como lócus da
comunicação, que se realiza por meio do discurso, utilizado adequadamente no
contexto em que está inserido; ao modificar o meu discurso, consecutivamente,
modifica-se o discurso do outro.
Tomando como base as reflexões acima, propusemos a desenvolver um projeto com
atividades práticas numa escola pública no município de Tramandaí, com alunos do
6º e 7º anos, destacando os aspectos linguístico-discursivos, ao utilizar gêneros
literários como lenda, conto, parábola, entre outros. O objetivo foi que o aluno
aprendesse as especificidades básicas desses gêneros e tivesse condições de
expressar-se através da oralidade; com isso, verbalizaram emoções e sentimentos,
utilizando-se de técnicas diversas no decorrer das oficinas.
Para tanto, partimos do pressuposto de que a oralidade deve ser estudada em
situações concretas de interação e que os interlocutores exerçam papel ativo e
dinâmico e reconheçam a importância discursiva no ambiente vivenciado; ou seja,
8
os sentidos do discurso são constituídos numa relação entre o emissor e receptor da
mensagem enviada. Encontramos, na perspectiva sócio-histórica da linguagem,
especificamente nos fundamentos teóricos baktinianos, o alicerce tanto para a
elaboração das atividades práticas quanto para análise de dados.
Todas as atividades foram desenvolvidas em três sequências didáticas, durante três
meses, com oficinas semanais, somando ao final desse módulo doze encontros,
cada um de quatro horas. Nesse tempo, foram adaptados cinco textos para
contação de história e confecção de material de apoio para a narrativa. Além disso,
houve atendimento individual e dinâmica de integração do grupo. O desenvolvimento
das oficinas baseou-se nas discussões realizadas durante as práticas de ensinoaprendizagem, enfatizando aspectos linguísticos-discursivos, sempre enfatizando a
importância da expressão oral, reconhecendo o espaço físico oportuno ao
desenvolvimento da comunicação espontânea e livre sem repreensão.
2. Trabalhando a oralidade através da contação de histórias
Contar história é a mais antiga das artes. Nas sociedades primitivas esta atividade
tinha um caráter funcional decisivo, os contadores eram os que conservavam e
difundiam a história e o conhecimento acumulado pelas gerações. Durante séculos,
essa cultura se manteve sem a escrita, mas na memória viva. Transmitidos de
geração em geração, os contos de tradição oral viajavam do oriente para o ocidente.
Com a invenção da imprensa, os livros e os jornais tornaram-se grandes agentes
culturais dos povos. Os velhos contadores ficaram para trás, mas os contos
tradicionais incorporaram definitivamente em nossa cultura. Os Irmãos Grimm e
Perrault, por exemplo, coletaram e registraram os contos colhidos da boca do povo,
permitindo que chegassem até nossos dias. Assim as histórias ganharam a nossa
casa, através da agradável voz de nossa avó ou mãe.
Aprender uma história para contar é como construir um filme. Temos que
visualizar mentalmente cada coisa que vai sendo contada, Para sermos
capazes de recontá-la de memória sem precisarmos decorá-la. Os gestos e
as vozes devem ser selecionados e utilizados como continuadores da
palavra, não como recursos estanques, enxertados na história para garantir
brilho. A palavra, por sua própria força, demanda gestos e expressões que
surgem de forma orgânica, como continuidade, nunca como ruptura. Essa
9
preparação é prévia e solitária. É a nossa edição do filme. (SISTO, 2005:
p.31)
Conforme o autor, contar história facilita a compreensão do assunto. Ao colocar
alguns pontos que Sisto considera indispensáveis para se contar bem uma história,
a oralidade está presente na maioria deles: emoção, gestos enfáticos (gestos e
expressões faciais para reforçar a palavra), gestos sintéticos (expressam a
subjetividade do narrador), voz, olhar, ritmo, espontaneidade/naturalidade, pausas e
silêncios. Estudar uma história, portanto, é perscrutar-lhe todas as nuances e
possibilidade de exploração oral. (COELHO, 1995: p.24)
Dessa forma, utilizar a contação nas oficinas fez com que os alunos saíssem
ganhando, pois foram instigados a imaginar e criar situações para expressar suas
emoções e sentimentos, utilizando-se da oralidade. Para demonstrar sua
interpretação e compreensão do gênero textual trabalhado, utilizar a fala para
expressar a mensagem e usar gestos e expressões como uma continuidade da
palavra, dando ênfase na narrativa.
Os Parâmetros Curriculares Nacionais /PCNs (1999) reforçam a importância da
organização de uma proposta de ensino de línguas com uso de textos orais, assim
orientando:
[...] nas inúmeras situações sociais do exercício da cidadania que se
colocam fora dos muros da escola - a busca de serviços, as tarefas
profissionais, os encontros institucionalizados, a defesa de seus direitos e
opiniões - os alunos serão avaliados (em outros termos, aceitos ou
discriminados) à medida que forem capazes de responder a diferentes
exigências de fala e de adequação às características próprias de diferentes
gêneros do oral. Dessa forma, cabe à escola ensinar o aluno a utilizar a
linguagem oral no planejamento e realização de apresentações públicas:
realização de entrevistas, debates, seminários, apresentações teatrais etc.
Trata-se de propor situações didáticas nas quais essas atividades façam
sentido de fato [...]. (p.25)
Seguindo a orientação das Diretrizes Curriculares/ DCNs, através do projeto PIBID
LINGUA SOLTA, buscou-se um resgate da identidade, da mesma forma que,
através do estímulo à contação de histórias, à autoexposição. Também, buscou-se
resgatar a autoestima dos alunos, mostrando a eles que são capazes de interagir da
melhor forma e de valer-se da linguagem para melhorar a qualidade das relações
pessoais. Procurou-se construir a confiança de que podem tornarem-se capazes de
expressar seus sentimentos, experiências, ideias e opiniões, bem como acolher,
10
interpretar e considerar os sentimentos dos outros, contrapondo-os quando
necessário.
Como atividades, desenvolveram-se dinâmicas de entrosamento do grupo (Escravos
de Jó, Mímica, recepção aos alunos, Assim dolém-dolém, etc), dinâmicas de
trabalho em equipe (Bexiga da vitória, corrida da calha, Andar de trem, etc),
exercícios de voz e expressão facial (situações do dia – a –dia, profissões, emoções,
fli-flai, etc); foram confeccionadas exposições no Mural do grupo, materiais para
contação de histórias e apresentações para grupos de alunos de outras turmas e
professores.
Como resultados parciais apontam que os adolescentes estão mais interessados
nas atividades, em que se faz necessário o uso da fala livre, como por exemplo, as
intervenções nas salas dos anos iniciais havendo, então, aumento da autoestima e
diminuição da timidez. Pode-se dizer que o mais importante é o estabelecimento da
confiança entre bolsistas e alunos. No início das oficinas, havia falas como “Não
consigo fazer!”, “ Sei que o que estamos fazendo não vai sair daqui” e, na etapa
atual, a fala é “ Quando vamos fazer outra apresentação”.
3. A contribuição do PIBID à formação da identidade de um grupo
O
primeiro contato que tivemos com a escola serviu como uma forma de integração
com alunos, professores, coordenadores e direção. Ficamos por um período
observando a linguagem utilizada nos grupos formados pelos alunos no período de
recreio, local em que expressam a fala de maneira livre e sem repreensões. Na
semana seguinte passamos a observar o cotidiano da sala de aula e, assim, tivemos
a oportunidade de conhecer a metodologia da professora e relação com seus
alunos. Nesse tempo de observação, notamos que os alunos ficavam curiosos para
saber qual o papel que desempenhariam no projeto, no entanto, não expressavam
suas ideias e questionamentos, demonstrando a dificuldade em expressar-se
oralmente. Observamos, pois, a urgente necessidade de, nos ambientes escolares,
construírem-se metodologias direcionadas ao reconhecimento da importância e do
incentivo da oralidade.
11
A fala é uma atividade muito mais central do que a escrita no dia a dia da
maioria das pessoas. Contudo, as instituições escolares dão à fala atenção
quase inversa à sua centralidade na relação com a escrita. Crucial neste
caso é que não se trata de uma contradição, mas de uma postura. [grifo do
autor] (Marcuschi, 1997:39 – apud Leonor Werneck dos Santos (UFRJ).
A partir desse primeiro momento de pesquisa, passamos para as práticas nas
oficinas, deixando claro que o espaço foi construído para todos expressarem suas
ideias, pensamentos, emoções e trocas de experiências pessoais. Inicialmente, os
alunos tinham dificuldade em manter um diálogo sem agressões verbais, meio de
comunicação através do qual eles expressavam todo sua frustração e indignação
com a visão de mundo que tinham e a busca incessante da sua identidade social,
nessa fase de ruptura da criança/adolescente. Explicamos que nossa proposta se
assentava em um trabalho de exercícios e dinâmicas em que reconheceriam a
importância de saber utilizar o discurso apropriado para que fosse entendida a
mensagem a qual desejassem transmitir, utilizando não só a fala, mas a expressão
corporal e facial em conjunto.
Os alunos, nessa segunda fase, mostraram-se mais familiarizados com a
metodologia utilizada, demonstrando prazer e exteriorizando seus sentimentos e
pensamentos através da oralidade. Este processo interlocutivo gera saberes e pode
ser construído na vivência de diferentes situações discursivas. (BAKTHIN,
1979/1992)
Os grupos, que anteriormente não mantinham um diálogo, começaram a interagir
gradativamente, trocando relatos de experiências e utilizando um discurso afetuoso
e diferenciado nas oficinas. Cada enunciado surge ora à espera de uma resposta,
ora como resposta a um enunciado anterior. Esse princípio é chamado de
dialogismo de Bakthin.
O objetivo das oficinas foi de desenvolver a oralidade entre os alunos, no entanto,
um fato determinante ocorreu nesse período de estudo; o projeto LÍNGUA SOLTA,
contribuiu para a formação de identidade de um grupo. Mesmo antes de ser
reconhecida entre os professores, a maioria dos alunos da escola já se referiam com
familiaridade ao projeto e os participantes expressavam a importância de estarem
12
inseridos nesse grupo de estudos, utilizando uma linguagem discursiva diferente da
inicial.
Considerações finais
Através desse estudo, compreendemos mais o valor social das interações orais,
considerando os avanços comunicativos dos bolsistas no GE e dos participantes das
oficinas. Reiteramos a necessidade de mudanças nas metodologias de ensino
utilizadas pelas instituições escolares e o compromisso do docente em assumir e
legitimar o ensino com práticas orais.
O domínio da língua, oral e escrita, é fundamental para a participação social efetiva,
pois é por meio dela que o homem se comunica, tem acesso à informação, expressa
e defende pontos de vista, partilha ou constrói visões de mundo, produz
conhecimento. Por isso, ao ensiná-la, a escola tem a responsabilidade de garantir a
todos os seus alunos o acesso aos saberes linguísticos, necessários para o
exercício da cidadania, direito inalienável de todos.
Salienta-se a necessidade da escola ser um local construtivo de saberes e, desde os
Anos Iniciais, aulas em que a oralidade seja reconhecida como um fator essencial na
construção e na aquisição do conhecimento do educando; a fala é uma atividade
mais centralizada no cotidiano dos alunos do que a escrita e, dessa forma, propicia
situações em que sejam percebidas as diferenças discursivas necessárias ao
contexto em que está inserido.
No decorrer dos encontros realizados entre integrantes do grupo de estudos e dos
adolescentes que participam das oficinas, construiu-se um vínculo de respeito,
carinho e amizade. Todos relatam suas experiências, suas alegrias, dúvidas e
tristezas, demonstrando que, ao expressar suas ideias e emoções através da fala, o
indivíduo sente-se integrado e inserido ao meio.
Referências
13
BAKHTIN, M. Marxismo e Filosofia da Linguagem. São Paulo: Hucutec, 1992.
______. Estética da criação verbal. São Paulo: Martins Fontes, 1992.
COELHO, Betty. Contar histórias: uma arte sem idade. 6ª ed. São Paulo: Ática,
1995.
Parâmetros curriculares nacionais: Ensino Médio. Brasília: MEC/SEMTEC, 1999.
SISTO, Celso. Textos e pretextos sobre a arte de contar histórias. 2ª ed.
Curitiba: Positivo, 2005.
14
Download

A importância do espaço à oralidade no ambiente escolar