DIREITO CIVIL - Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro
PROF: FLÁVIO MONTEIRO DE BARROS
LEI DE INTRODUÇÃO ÀS NORMAS DO DIREITO BRASILEIRO – DECRETO-LEI Nº 4.657/42.
Introdução
Tal diploma era conhecido como Lei de Introdução ao Código Civil, mas a partir da Lei 12.376
de 30/12/2010 passou a ter este nome. Tal nomenclatura é mais adequada. Tal diploma, embora
anexado ao Código Civil, é separado da lei civil. Aplica-se a todos os ramos do direito, seja direito
público ou privado.
O código civil regula direitos e obrigações de ordem privada, ao passo que a lei de introdução
disciplina o âmbito de aplicação das outras normas jurídicas. Por isso, é uma norma de sobredireito,
de apoio, que consiste em uma norma que disciplina e orienta a aplicação de outras normas
jurídicas. A lei de introdução é um conjunto de normas que tem por objetivo disciplinar as próprias
normas jurídicas.
CONCEITO E CLASSIFICAÇÃO DAS LEIS
Lei é uma norma escrita emanada do Poder Legislativo e que é obrigatória e genérica.
Características:
a) generalidade ou impessoalidade: a lei se dirige a todos indistintamente. A exceção é a lei
formal ou singular, que se aplica apenas a uma pessoa. Exemplo: uma lei criada para dar pensão a
uma pessoa pública que esteja passando dificuldades. A doutrina afirma que é um ato
administrativo com forma de lei.
b) obrigatoriedade e imperatividade: o descumprimento da lei autoriza a aplicação de uma
sanção.
c) permanência ou persistência: a lei não se esgota em uma única aplicação.
d) autorizante: se a lei for violada, o ofendido pode pleitear uma indenização por perdas e
danos caso tenha sofrido um prejuízo em virtude da lei. É aqui que a lei se distingue das normas
sociais, que, se violadas, não ensejam perdas e danos.
Segundo sua força obrigatória, podem ser:
Lei Cogente ou Injuntiva: é a lei de ordem pública. É a que não pode ser modificada pela
vontade das partes e, nem mesmo, pelo juiz. São imperativas ou proibitivas.
a) lei cogente imperativa: é a que ordena um certo comportamento. Por exemplo, o
comerciante não pode escolher para qual cliente vender a mercadoria;
b) lei cogente proibitiva: é a que veda certo comportamento. Por exemplo, o CC proíbe a
doação universal, isto é, a doação de todos os bens sem que haja reserva do mínimo para
sobreviver.
Leis Supletivas ou Permissivas: são as leis dispositivas, isto é, leis que protegem interesses
particulares. Podem ser modificadas pela vontade das partes. É o caso da maioria das leis que
disciplinam os contratos, em regra.
Segundo a intensidade de sua sanção, as leis podem ser:
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Perfeitas: é a aquela que tem como sanção para sua violação a invalidade do ato ou negócio
jurídico, tornando-o nulo ou anulável.
Mais que Perfeita: há dupla sanção, gerando nulidade ou anulabilidade do negócio ou ato
jurídico, ainda uma pena criminal. Exemplo disto é a bigamia.
Menos Perfeitas: são as que, violadas, geram uma sanção diferente da anulação ou nulidade
do negócio jurídico. Há uma sanção, mas o ato ou negócio jurídico continua válido. Exemplo é o
divorciado que se casa novamente sem fazer a partilha de bens. A sanção será a aplicação do
regime de separação obrigatória de bens no segundo casamento, mas ele não deixa de ser válido.
Lei Imperfeita: é a que, se violada, não acarretará nenhuma consequência jurídica. Exemplo é
a lei municipal de São Paulo que prevê “antes de entrar no elevador verifique se o mesmo
encontra-se no andar”.
Lei de efeito concreto: é a que produz efeitos imediatos. Exemplo é uma lei que proíbe certa
atividade. É a que por si só já produz o efeito desejado. Tal classificação é importante
principalmente no que tange ao mandado de segurança. Em regra, não se pode impetrar mandado
de segurança contra lei em tese, porém, se for lei de efeito concreto, cabe mandado de segurança.
Esta lei de efeito concreto se assemelha aos atos administrativos, cujos efeitos são imediatos.
DIFERENÇA ENTRE CÓDIGO, CONSOLIDAÇÃO, COMPILAÇÃO E ESTATUTO
Código: é o conjunto de normas estabelecidas por lei que regulam, de forma unitária, um
determinado ramo do direito. Há o Código Civil, Código Penal, de Processo Penal etc. O Código
depende de lei. A lei já nasce Código.
Consolidação: é a regulamentação unitária de leis preexistentes, isto é, de leis que já existiam
antes. Exemplo é a CLT, Consolidação das Leis do Trabalho. A consolidação pode ser feita por
decreto ou por lei.
Compilação: é um repertório de normas organizadas pela ordem cronológica ou pela matéria.
Exemplo: Vademecum.
Estatuto: é a regulamentação unitária dos interesses de uma categoria de pessoas. Exemplo,
Estatuto do Índio, da Mulher Casada, da Criança e do Adolescente, do Idoso, do Funcionário
Público, etc.
No tocante ao consumidor, o legislador optou pela expressão Código do Consumidor. O
legislador teve uma feliz opção, pois toda pessoa é consumidor em potencial, não se afigurando
assim em categoria especial.
VIGÊNCIA DAS NORMAS (ART. 1º DA LINDB)
O direito é uno. A divisão do direito em ramos tem fins didáticos.
Portanto, quando se estuda vigência e eficácia das normas, refere-se à aplicação em todos os
ramos do direito, e não apenas ao direito civil.
O Brasil adotou o sistema de vigência único (sincrônico ou simultâneo). Significa que, no
silêncio da lei, ela entra em vigor em todo o país ao mesmo tempo, após 45 (quarenta e cinco) dias.
No exterior, entra em vigor 3 (três) meses depois da publicação.
A antiga lei de introdução adotava o sistema de vigência sucessiva ou progressiva, pelo qual
as leis entravam em vigor aos poucos. Após publicação, em 3 (três) dias entrava em vigor no Distrito
Federal, que na época era o antigo Estado da Guanabara. Após 15 (quinze) dias, entrava em vigor
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no Rio de Janeiro. Após 30 (trinta) dias, entrava em vigor nos Estados marítimos e em Minas Gerais.
Após 100 (cem) dias, valia para os demais Estados do país.
O grande jurista Oscar Tenório entende que nada obsta que a lei preveja um sistema de
vigência sucessiva, desde que haja cláusula expressa. De qualquer maneira, no silêncio da lei, a
entrada em vigor é simultânea em todo o país.
VACATIO LEGIS
É o período que medeia entre a publicação da lei até a sua efetiva entrada em vigor. A finalidade
é fazer com que os futuros destinatários da lei a conheçam melhor e se preparem para melhor aplicá-la.
A Vacatio legis não é princípio constitucional. A constituição não exige que a Constituição
respeite a vacatio legis. É possível e muito comum a lei entrar em vigor na data da sua publicação.
Há duas hipóteses em que há vacatio legis obrigatória:
a) a lei que cria ou aumenta contribuição social para a seguridade social. Esta lei só pode
entrar em vigor após 90 (noventa dias) de sua publicação (art. 195, §6º da CF).
b) a lei que cria ou aumenta tributo, que só entra em vigor após 90 (noventa) dias da data da
publicação (art. 150, inciso III, alínea c da CF). Observe que tal lei deve observar o princípio da
anterioridade.
Há três hipóteses em que a lei entra em vigor imediatamente após a sua publicação:
a) com relação aos atos administrativos, que entram em vigor imediatamente, no silêncio
(art. 103, I, CTN);
b) emendas constitucionais, no silêncio (segundo Oscar Tenório);
c) lei que cria ou altera o processo eleitoral. Todavia, tal lei não pode ser aplicada às eleições
que ocorram em até 1 (um) ano de sua vigência (art. 16 CF).
CLÁUSULA DE VIGÊNCIA
É a que indica a data a partir da qual a lei entrará em vigor. Na ausência desta, a lei começa a
vigorar, em todo o país, 45 (quarenta e cinco) dias depois de oficialmente publicada. Nos Estados
estrangeiros, no silêncio, a lei brasileira passa a vigorar 3 (três) meses depois de publicada.
Atenção: alto-mar não é estado estrangeiro, portanto, a lei entra em vigência 45 (quarenta e
cinco) dias depois de publicada.
Estes prazos são aplicados seja lei de ordem pública ou ordem privada, a tratados e
convenções. Estes prazos só não se aplicam aos atos administrativos.
O art. 8º parágrafo 2º da LC 95/1998 diz que as leis que estabelecem período de vacância
deverão usar a seguinte cláusula: “esta lei entra em vigor após decorridos tantos dias de sua
publicação oficial”.
A contagem do prazo se faz conforme o §1º do art. 8º da LC 95/1998, incluindo-se o dia da
publicação e também o último dia, entrando em vigor a lei no dia seguinte ao último dia do prazo.
Tais prazos são contados dia a dia, inclusive domingos e feriados, conforme salienta Caio Mário da
Silva Pereira. Tal prazo não se suspende ou interrompe.
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Algumas leis precisam de regulamento para que sejam passíveis de execução. Para tais, o
prazo de 45 (quarenta e cinco) dias passa a contar da publicação do regulamento e não da
publicação da lei, conforme adverte Serpa Lopes.
LEI CORRETIVA
Pode acontecer de a lei ser publicada com erros materiais. Se a lei ainda não entrou em vigor,
para corrigi-la não é preciso nova lei, basta publicar novamente os artigos que estão sendo
corrigidos, reabrindo-se o prazo da vacatio legis apenas em relação a estes artigos (art. 1º, §3º,
LINDB).
Se a lei já entrou em vigor, para corrigi-la é preciso nova lei, que é chamada de lei corretiva.
Enquanto não sobrevier a lei corretiva, o próprio juiz, conforme ensina Washington de Barros
Monteiro pode, ao interpretar a lei, corrigir tal erro, ainda que o texto da lei faça sentido.
No Brasil não existe veto aditivo, que é aquele em que o Presidente acrescenta alguns
parágrafos ou artigos de lei, modificando-a de alguma forma. Não existe também o veto translativo,
que se dá quando o Presidente modifica a redação de algum dispositivo. Tais vetos implicam em
inconstitucionalidade, já que o Presidente estaria legislando e, dessa forma, violando o princípio da
Separação dos Poderes. No Brasil só existe o veto supressivo. Vetar é eliminar. Quando o projeto é
encaminhado ao Presidente, ou ele sanciona, ou veta. Logicamente que pode haver o veto parcial.
LOCAL DE PUBLICAÇÃO DAS LEIS
A lei é publicada no Diário Oficial do Executivo. Nada obsta que ela seja também publicada no
Diário Oficial do Legislativo ou do Judiciário, mas o início do prazo da Vacatio legis se dá com a
publicação no do Executivo.
Se não houver imprensa oficial, a lei pode ser publicada na imprensa particular. Se não existir
nenhum destes no município, pode ser afixada a lei em um local público, em imprensa de município
vizinho ou no Diário Oficial do Executivo do Estado.
PRINCÍPIOS
a) PRINCÍPIO DA OBRIGATORIEDADE DAS LEIS (art. 3º da LINDB): ninguém se escusa de
cumprir a lei, alegando que não a conhece (neminem excusat ignorantia legis).
Há ficção jurídica de que todos conhecem a lei, inclusive os incapazes.
Há diversas teorias que procuram justificar a obrigatoriedade das leis. A teoria da presunção
absoluta defende que todos conhecem a lei.
O Professor Flávio não concorda com a teoria, pois diz que dela se parte de um fato
conhecido para presumir outro desconhecido.
A segunda é a teoria da ficção jurídica de que todos conhecem a lei.
A terceira é a teoria da necessidade social, segundo a qual esse princípio da obrigatoriedade
das leis é ditado por ordens de razão social. Há necessidade jurídica e social de se impor esta regra.
Tal princípio tem exceção no art. 8º da Lei das Contravenções Penais, que diz que o juiz pode
deixar de aplicar a pena se o agente não tinha conhecimento da ilicitude do fato. É hipótese de
perdão judicial pelo desconhecimento da lei.
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b) PRINCÍPIO DO JURA NOVIT CURIA: é a presunção de que o juiz conhece a lei. Isso significa
que quem alega a existência da lei não precisa provar que ela existe ou está em vigor. Tal princípio
tem quatro exceções:
a. direito estrangeiro;
b. direito municipal;
c. direito estadual;
d. direito consuetudinário.
c) PRINCÍPIO DA CONTINUIDADE DAS LEIS (art. 2º, da LINDB): princípio segundo o qual a lei
terá vigor até que outra lei a modifique ou revogue. Lei não pode ser revogada por decisão judicial
ou ato administrativo. Lei tem vigência permanente e vigora por prazo indeterminado, salvo as leis
tempor1árias, que já trazem em seu texto o período de sua vigência, como por exemplo, a lei
orçamentária, que dura 1 ano.
A não aplicação da lei não significa renúncia do Estado em lhe atribuir efeito, pois só lei pode
revogar a lei.
d) PRINCÍPIO DA REPRISTINAÇÃO (art. 2º, §3º, da LINDB): é a restauração da vigência de uma
lei revogada em razão da revogação da lei revogadora. Não existe repristinação tácita, presumida.
Não há repristinação automática, deve haver cláusula expressa restaurando a vigência da lei
previamente revogada.
FONTES DO DIREITO
São as causas do surgimento das normas jurídicas e os modos como estas normas se
exteriorizam. São duas as espécies de fontes:
a) materiais (reais, no sentido sociológico): são as causas de surgimento das normas jurídicas.
b) formais: são os modos como as normas jurídicas se exteriorizam, isto é, como se
manifestam no mundo jurídico.
FONTES MATERIAIS
São as causas que determinam a origem, isto é, o surgimento da norma jurídica. Em geral, o
estudo de tais fontes tem conotação metafísica, isto é, extrapola o âmbito das normas jurídicas. É
preciso investigar a razão filosófica, ética, sociológica que deram surgimento a tal lei.
Portanto, dentre as fontes materiais do direito, merecem destaque: a sociologia, a ética, a
filosofia, a política, os pareceres dos especialistas etc.
As fontes materiais abrangem as causas que influenciaram o surgimento das normas jurídicas.
Hans Kelsen nega a estas fontes materiais o caráter científico-jurídico, porque ele elimina do
direito tudo aquilo que não diz respeito ao Direito. Kelsen só considera como fonte do direito as
fontes formais (Teoria Pura do Direito).
Já Carlos Cossio tem a teoria egológica do direito, que valoriza as fontes materiais, dizendo
que o jurista deve estar atento às duas fontes. Maria Helena Diniz adota a expressão fonte “formalmaterial”. Diz que toda fonte formal, que é a maneira como a norma se exterioriza, implicitamente
tem de ser valorada, tem uma valoração de cunho material.
CLASSIFICAÇÃO DAS FONTES FORMAIS
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a) estatais: podem ser de três espécies:
i. fontes formais legislativas: Constituição Federal, Leis e atos administrativos;
ii. fontes formais jurisprudenciais: são as decisões uniformes dos tribunais (súmulas,
precedentes jurisprudenciais);
iii. fontes formais convencionais: tratados e convenções internacionais devidamente
ratificados pelo Brasil.
b) não estatais: são as seguintes:
i. costume jurídico (direito consuetudinário);
ii. doutrina: estudos feitos pelos especialistas;
iii. convenções em geral, isto é, os negócios jurídicos, que são celebrados para produzir
efeitos jurídicos.
Tal classificação é polêmica. Outros juristas propõem uma classificação diferente:
a) fontes formais principais, direta, imediata: lei.
b) fontes formais secundárias, mediatas, subsidiárias: só tem incidência na falta ou lacuna da
lei. São a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito e alguns autores incluem a
equidade.
Para tais autores, a doutrina e a jurisprudência seriam fontes não formais do direito. Dentro
desta classificação cabe o estudo das súmulas vinculantes.
Súmulas vinculantes seriam fontes principais ou secundárias?
Dentro desta classificação, seriam fontes principais, à medida que se nivelam à lei no que
tange à sua obrigatoriedade. A Emenda Constitucional 45/2004 tornou obrigatória a observação de
tais súmulas vinculantes.
EFICÁCIA DA NORMA JURÍDICA
A norma jurídica perde a sua validade em duas hipóteses.
a) Revogação;
b) Ineficácia.
Mesmo revogada, uma lei pode manter sua eficácia, como por exemplo, no caso de direito
adquirido, ato jurídico perfeito e coisa julgada. Porém, às vezes a lei está em vigor, mas não tem
eficácia.
REVOGAÇÃO DA LEI
É a cessação definitiva da vigência de uma lei em razão de uma nova lei. Só a lei revoga a lei
(princípio da continuidade das leis). O legislador não pode prever a impossibilidade de revogação de
uma lei, sob pena de inconstitucionalidade.
A revogação pode ser total, também chamada de ab-rogação, bem como pode ser revogada
parcialmente, quando se chama derrogação.
Pode ser também expressa, tácita e global.
REVOGAÇÃO EXPRESSA
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A revogação expressa ou direta ocorre quando a nova lei indica textualmente os dispositivos,
isto é, os artigos que estão sendo revogados.
O artigo 9º da Lei Complementar 107/2001 diz que a cláusula de revogação deve mencionar
expressamente os artigos de lei revogados.
REVOGAÇÃO TÁCITA
Outro tipo é a revogação tácita ou indireta, que ocorre quando a nova lei é incompatível com
a anterior, contrariando-a de forma absoluta. Tal revogação não se presume. O art. 2º, § 2º da
LINDB prevê que lei geral não revoga lei especial e a lei especial não revoga a lei geral. Tal regra
consiste no princípio da conciliação ou das esferas autônomas, expressão cunhada por Ives Gandra
Martins. Tal princípio consiste na possibilidade de convivência de leis gerais e especiais que versem
sobre o mesmo assunto. Tal princípio não é absoluto, tendo em vista que, existindo
incompatibilidade absoluta entre lei geral e especial, ocorrerá a revogação. Note-se que tal
incompatibilidade não se presume. Na dúvida, presume-se a compatibilidade.
Quando surgiu o Estatuto da Criança e do Adolescente, discutiu-se se a adoção ali prevista
revogava a adoção prevista no Código Civil. O ECA é lei especial em relação ao Código Civil. O ECA
cuida da adoção de crianças e adolescentes. O Código Civil, de seu turno, cuidava de adoção do
menor e também de maiores de 18 anos. Prevaleceu a interpretação de que o CC, por ser lei geral,
continuava em vigor para adoção de maiores de 18 anos. A adoção de crianças e adolescentes ficou
regulada pelo ECA.
Antigamente, era muito comum a lei conter a expressão “revogam-se as disposições em
contrário”. Serpa Lopes dizia que isso era revogação expressa. Caio Mário da Silva Pereira dizia que
era revogação tácita. Atualmente, as leis não devem conter essa expressão, porque o Art. 9º da LC
107/2001 diz que a lei deve mencionar expressamente quais as leis e quais os dispositivos estão
sendo revogados.
REVOGAÇÃO GLOBAL
Ocorre quando nova lei disciplina inteiramente a matéria disciplinada em lei anterior. Neste
caso, os artigos não repetidos encontram-se revogados.
É diferente da revogação tácita, porque nesta a nova lei é incompatível com a lei anterior.
Alguns civilistas usam a expressam “revogação tácita” tanto para a tácita em si mesma e para
a global.
COMPETÊNCIA PARA REVOGAR AS LEIS
Federação é a autonomia recíproca entre União, Estados, DF e Municípios. Trata-se de um dos
princípios mais sólidos da Constituição Federal, que distribuiu as competências entre os entes
federativos.
Cada pessoa política (pessoas com poder para legislar) tem sua esfera própria de
competência. Por isso se diz que não há hierarquia entre leis dos diversos entes, pois cada uma
versa sobre seu próprio campo de incidência.
Deste modo, lei federal só pode ser revogada por lei federal. Lei estadual, por lei estadual. Lei
municipal, por lei municipal, isto no que tange às competências exclusivas para cada uma das
pessoas políticas.
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Há um caso em que há hierarquia entre as leis, no que tange à competência concorrente (art.
24 CF), que ocorre quando a Constituição prevê que a mesma matéria pode ser versada tanto pela
União, quanto para Estados e para o DF. Cabe à União baixar as normas gerais e Estado e Distrito
Federal devem legislar supletivamente. Nestes casos, enquanto não houver lei federal geral, os
Estados exercem competência plena para legislar. Sobrevindo lei federal geral, esta suspende a
eficácia da lei estadual no que com ela for incompatível.
Algumas leis estaduais dependem de autorização em lei complementar para serem editadas
(art. 22, parágrafo único da CF). Todavia, para que a lei estadual seja válida, basta que a lei
complementar autorize sua edição, não necessitando de aprovação pelo governo federal para
vigorar. O Art. 1º, § 2º da Lei de Introdução que previa tal hipótese foi revogado, que, por sinal,
violava o princípio da federação.
As normas previstas na CF só podem ser revogadas por emendas constitucionais e desde que
não violem clausulas pétreas, que são matérias que não podem ser suprimidas do ordenamento
constitucional.
PRINCÍPIO DA SEGURANÇA JURÍDICA OU ESTABILIDADE SOCIAL (ART. 5º, XXXVI, da CF).
As relações jurídicas constituídas sob a égide de lei anterior não podem ser atingidas pela lei
nova, isto é, deve-se respeitar o ato jurídico perfeito, o direito adquirido e a coisa julgada.
Direito adquirido é aquele que pode ser exercido desde já, tendo em vista que ele já se
incorporou ao patrimônio jurídico da pessoa. O art. 6º §2º da LINDB, bem como o artigo 131 CC
considera direito adquirido o direito sob termo. Termo é o fato futuro e certo que suspende o
exercício do direito e não sua aquisição.
A LINDB considera também como direito adquirido aquele sob condição preestabelecida
inalterável a arbítrio de outrem. A doutrina entende que se trata também de um “termo”.
O ato jurídico perfeito é aquele ato ou negócio jurídico já consumado de acordo com a lei
vigente ao tempo em que se celebrou.
Coisa julgada é a sentença judicial da qual não caiba mais recurso.
A Constituição Federal não proíbe a edição de leis retroativas. O que a Constituição Federal
proíbe é a retroatividade que atinja o direito adquirido, o ato jurídico perfeito ou a coisa julgada.
Por tal motivo, o Ministro José Celso de Melo Filho, em sua Constituição Federal Anotada diz que a
lei pode retroagir desde que haja dois requisitos: cláusula expressa de retroatividade e desde que
respeite direito adquirido, ato jurídico perfeito e coisa julgada.
A única exceção é a lei penal benéfica, que retroage automaticamente e atinge inclusive a
coisa julgada.
Situações de retroatividade da lei:
a) lei penal benéfica;
b) lei com cláusula expressa de retroatividade, desde que não viole direito adquirido, ato
jurídico perfeito e coisa julgada;
c) lei interpretativa, que é a que esclarece o conteúdo de outra lei, torna obrigatória uma
interpretação que já era possível antes de sua edição. Não é lei nova. Chama-se também de
interpretação autêntica. Retroage automaticamente à data da lei interpretada e respeita apenas os
casos pendentes de julgamento.
Admite-se retroatividade da norma, inclusive, para violar ato jurídico perfeito, direito
adquirido e coisa julgada nas seguintes hipóteses:
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a) lei penal benéfica (art. 5º, inciso XL CF);
b) princípio da relativização da coisa julgada (parágrafo único do art. 741 CPC): um título
judicial, transitado em julgado, mas baseado em lei inconstitucional declarada pelo STF, torna-se
inexigível.
c) Emendas constitucionais. Há corrente que diz que a emenda constitucional pode retroagir
para atingir direito adquirido, ato jurídico perfeito e coisa julgada, baseando-se no fato de que ela
está acima da lei e o princípio da segurança jurídica, previsto no art. 5º inciso XXXVI da CF diz que a
“lei” é que não pode retroagir. Tal entendimento é minoritário. O entendimento predominante é
que a expressão “lei” abrange também as emendas constitucionais;
d) Art. 2035, parágrafo único, CC: prevê a retroatividade das normas de ordem pública que
visam assegurar a função social da propriedade e dos contratos. A doutrina entende que qualquer
norma de ordem pública, teoricamente, poderia retroagir, entendendo que tal rol é
exemplificativo. A questão é compatibilizar tal artigo com o inciso XXXVI do art. 5º CF. Importante
ressaltar que, quanto à coisa julgada, a superveniência de lei de ordem pública não tem o condão
de rescindi-la. A lei de ordem pública deve ter uma aplicação imediata. Antigamente, era possível a
usura. Após a lei, houve uma proibição da usura, tornando-a crime.
Isto significa que a lei foi aplicada até a entrada em vigor da norma de ordem pública. Todo
direito deve ser protegido com vistas a uma finalidade ética. Devemos lembrar que a função do
Direito é proteger a sociedade, coibir os atos ilícitos.
Se um fato que era lícito, como a usura, passou a ser ilícito, o é e pronto. Ninguém poderá
alegar que antes era lícito e que, por isso, há direito adquirido de praticá-lo.
Lembrar da Escada Ponteana, que diz que os planos de existência e de validade do ato jurídico
regem-se pela lei vigente ao tempo de sua celebração. Já o plano de eficácia submete-se à lei de
ordem pública vigente ao tempo dos efeitos.
Sobrevindo lei de ordem pública, o ato jurídico existe e é válido, mas não terá eficácia
(exemplos citados: pessoa que compra fazenda em época que era permitido desmatar, sobrevindo
norma que proíba tal desmatamento, não cabe alegar que há direito adquirido a desmatar; pessoa
que vende mercadoria lícita, que posteriormente passa a ser proibida, ocorre perecimento jurídico
da prestação. Quando há tal perecimento físico da prestação por caso fortuito ou força maior,
aplica-se a regra do res perit dominus, ou seja, a coisa perece com o dono. Aplica-se, por analogia, o
art. 234 CC. O contrato será extinto como se a prestação tivesse perecido materialmente.
Em suma, o princípio da segurança jurídica não é absoluto, ele sucumbe diante da
superveniência de uma lei de ordem pública.
INEFICÁCIA
Vimos que a lei só pode ser revogada quando sobrevém uma nova lei (princípio da
continuidade da lei).
Há hipóteses em que a lei tem vigência, mas deixa de ser aplicada ao caso concreto, é
ineficaz. São estas:
a) caducidade, que é a superveniência de uma situação cronológica ou factual que torna a
norma inválida, sem que ela precise ser revogada. Exemplo são as leis de vigência temporária.
b) desuso, quando cessa o pressuposto fático de aplicação da norma;
c) costume negativo, contra legem, que é aquele que contraria a lei. Não tem o costume o
condão de revogar a lei. Rubens Requião alega que o costume negativo pode gerar a ineficácia das
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leis. Serpa Lopes é do mesmo entendimento, de que o costume enraizado na sociedade pode gerar
ineficácia da lei, desde que lei de caráter dispositivo. O costume não pode revogar a lei. O que ele
pode gerar é a ineficácia da lei que seja dispositiva. Exemplo, cheque é ordem de pagamento à
vista, mas é costume a emissão de cheques pré-datados.
d) decisão do STF declarando norma inconstitucional via ação direta de inconstitucionalidade;
e) resolução do Senado Federal cancelando a eficácia da uma lei declarada inconstitucional
incidentalmente pelo STF (controle por via de exceção, difuso).
f) anterioridade da lei tributária, que a eficácia fica suspensa até o exercício financeiro
seguinte;
g) lei que altera o processo eleitoral (art. 16 CF), que entra em vigor, mas não se aplica a
eleição que ocorra em 1 (um) ano a contar de sua vigência.
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