AS LACUNAS E O SILÊNCIO ELOQÜENTE
Hélio Silvio Ourem Campos1.
RESUMO: O artigo que ora se apresenta versa sobre o tema: “As Lacunas e o Silêncio Eloqüente”. Tem
por objetivo estudar e compreender o conceito e a natureza jurídica das lacunas e do silêncio eloqüente;
diferenciar os institutos jurídicos em questão, explicitando os efeitos do reconhecimento de ambos na
jurisprudência pátria; e, por fim, de forma mais detalhada, especificar as hipóteses constitucionais do
silêncio como manifestação da vontade, no âmbito das medidas provisórias.
Palavras-Chave:
Lacunas, Silêncio Eloqüente, Constituição e Medida Provisória.
ABSTRACT: The article which now presents itself is about the theme: “The gaps and Eloquent Silence”.
Its purpose is to study and understand the concept and nature of the legal loopholes and eloquent silence;
distinguish between legal institutions concerned, explaining the effects of recognition in the jurisprudence
of booth homeland and, finally, more detailed, specify the chances constitutional of silence as a
manifestation of the will, in the context of provisional measures.
Keywords:
Gaps, Eloquent Silence, Constitution e Provisional Measures.
PARTE GERAL
“No processo da ação declaratória de constitucionalidade, por visar à
preservação da presunção de constitucionalidade do ato normativo que é seu
objeto, não há razão para que o Advogado-Geral da União atue como curador
dessa mesma presunção. Aliás, o silêncio da Emenda Constitucional nº 03 a
esse respeito, não obstante tenha incluído um § 4º, no art. 103 da Carta
Magna2, é um silêncio eloqüente, a afastar a idéia de que houve omissão, a
1
HÉLIO SILVIO OUREM CAMPOS. Doutor e Mestre pela UFPE. Juiz Federal. Professor Titular em direito
processual e tributário da Universidade Católica do Estado de Pernambuco. Ex-Procurador Judicial do Município do
Recife. Ex-Procurador do Estado de Pernambuco. Ex-Procurador Federal. www.ourem.cjb.net.
2
Constituição do Brasil. “Art. 103. (...) § 4º. A ação declaratória de constitucionalidade poderá ser proposta pelo
Presidente da República, pela Mesa do Senado Federal, pela Mesa da Câmara dos Deputados ou pelo ProcuradorGeral da República.”(texto original) Art. 103. Podem propor a ação direta de inconstitucionalidade e a ação
declaratória de constitucionalidade: (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004) I - o Presidente da
República; II - a Mesa do Senado Federal; III - a Mesa da Câmara dos Deputados; IV - a Mesa de Assembléia
Legislativa ou da Câmara Legislativa do Distrito Federal; V - o Governador de Estado ou do Distrito Federal; VI - o
Procurador-Geral da República; VII - o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil; VIII - partido político
com representação no Congresso Nacional; IX - confederação sindical ou entidade de classe de âmbito nacional.
(redação atual)
1
propósito, por inadvertência.” Grifei (SILVA, JOSÉ AFONSO. Curso de
Direito Constitucional Positivo. 10 ª ed. São Paulo. Malheiros Editores. 1995, p.
62)
Logo a partir desta afirmação de JOSÉ AFONSO DA SILVA, percebe-se que a figura
do silêncio eloqüente não é algo novo a ser introduzido no direito brasileiro como um argumento
estritamente teórico e de oportunidade para reforçar a tese que defendo.
Não se trata de aplicar doutrina estrangeira sem que antes houvesse passado pelo crivo
da doutrina e da própria jurisprudência, como se verá a seguir.
A tese é a seguinte: se a lei não disse, é porque não quis dizer. Ainda mais em se
tratando de direito público, como é o caso do Constitucional.
Exige-se um mínimo de segurança jurídica, de modo que não se atribua às autoridades
públicas a faculdade de fazer algo que a lei não comanda.
Se não há o comando constitucional pela reedição de medidas provisórias, isto não
significa uma omissão ou uma inadvertência do legislador constituinte.
Não disse, porque não quis dizer.
Não se trata de uma lacuna, mas de um silêncio eloqüente.
A diferença entre uma e outra existe, dado que não há lacuna sempre que a lei se
mantenha em silêncio.
Pode haver o silêncio, e não haver lacuna jurídica.
Basta que a matéria seja do conhecimento do legislador; e, mesmo assim, ele não haja
disposto sobre ela.
Ora, como é de todos conhecido, o decurso de prazo implicava na aprovação do antigo
Decreto-lei, que foi extinto, na atual Constituição, sob a justificativa de que tanto o Decreto-lei,
quanto o decurso de prazo como uma manifestação positiva de vontade, eram manifestações
autoritárias provenientes de períodos de intervalo democrático.
2
Tanto isto é verdade que no art. 25, do Ato das Disposições Transitórias da
Constituição Federal3 ficou disposto que os Decretos-leis editados até 02.09.88 deveriam ser
apreciados, pelo Congresso Nacional, no intervalo de cento e oitenta dias, contados desde a
promulgação da Constituição (05.10.88), não computado o recesso parlamentar.
Encerrado este prazo, sem a apreciação destes Decretos-leis, eles deveriam ser
havidos como rejeitados.
Uma espécie de decurso de prazo como manifestação negativa de vontade.
Quanto aos Decretos-leis editados a partir de 03.09.88 até a promulgação da
Constituição (05.10.88), os mesmos seriam convertidos em medidas provisórias, aplicandose-lhes o Parágrafo Único, do art. 62, do Texto Constitucional permanente, que diz: “As
medidas provisórias perderão eficácia, desde a edição, se não forem convertidas em lei no
prazo de trinta dias, a partir de sua publicação, devendo o Congresso Nacional disciplinar as
relações jurídicas delas decorrentes.” (Texto originário)
Assim, era reconhecida a importância do tempo na consideração do Decreto-lei, e,
conseguintemente, na sua sucessora, a medida provisória, cujo ambiente de nascença é,
diametralmente, diverso daquele do Decreto-lei, que foi instalado no Brasil na Constituição
do Estado Novo, de novembro de 1937, e desapareceu com ela, para só vir a retornar ao
ordenamento jurídico brasileiro à época dos Atos Institucionais 4.
Nesta altura, faz-se imperioso relembrar, seguindo o raciocínio do Senador
Constituinte FERNANDO HENRIQUE CARDOSO, Ex-Presidente da República, de que a
Assembléia Constituinte brasileira funcionou como um ponto de encontro dos cidadãos;
talvez, algo inusitado em todo o mundo: “Pela primeira vez, na História do Brasil, e talvez do
3
Constituição do Brasil. “Art. 25. (...) Ficam revogados, a partir de cento e oitenta dias da promulgação da
Constituição (05.10.88), sujeito este prazo à prorrogação por lei, todos os dispositivos legais que atribuam ou
deleguem a órgão do Poder Executivo competência assinalada pela Constituição ao Congresso Nacional,
especialmente no que tange a: I- ação normativa; II- alocação ou transferência de recursos de qualquer espécie.
§ 1º. Os decretos-leis em tramitação no Congresso Nacional e por este não apreciados até a promulgação da
Constituição, terão seus efeitos regulados da seguinte forma: I- se editados até 2 de setembro de 1988, serão
apreciados pelo Congresso Nacional no prazo de cento e oitenta dias, a contar da promulgação da
Constituição, não computado o recesso parlamentar; II- decorrido o prazo definido no inciso anterior, e não
havendo apreciação, os decretos-leis ali mencionados serão considerados rejeitados; III- nas hipóteses
definidas nos incisos I e II, terão plena validade os atos praticados na vigência dos respectivos decretos-leis,
podendo o Congresso Nacional, se necessário, legislar sobre os efeitos deles remanescentes. § 2 Os decretosleis editados entre 3 de setembro de 1988 e a promulgação da Constituição serão convertidos, nesta data, em
medidas provisórias, aplicando-se-lhes as regras estabelecidas no art. 62, parágrafo Único.”
(...) “Art. 62. (...) Parágrafo Único. As medidas provisórias perderão eficácia, desde a edição, se não forem
convertidas em lei no prazo de trinta dias, a partir de sua publicação, devendo o Congresso Nacional
disciplinar as relações jurídicas delas decorrentes.” (Texto originário).
4
GETÚLIO VARGAS, dizendo cumprir a Constituição de 1937, chegou a editar a Lei Constitucional nº 09/45,
com base em dispositivo constitucional que autorizava os Decretos-leis (art. 180).
Quanto aos Atos Institucionais aos quais me refiro são os e nºs. 02/65 e 04/66. Estão enquadrados na ideologia
da segurança nacional, de imprecisos limites e lamentáveis lembranças.
3
mundo, se faz uma Constituição com a colaboração direta da cidadania. Recebemos milhões
de assinaturas em emendas populares e o povo sentiu de perto o que é consciência dos nossos
direitos; entendeu, rapidamente, que, sem liberdade, não há avanço social. O Congresso foi
durante a Constituinte um grande ponto de encontro de empresários, sindicalistas,
representantes de igrejas, de nações indígenas, professores e estudantes. Foi uma amostra de
todo o Brasil que, tocado pela consciência de que era hora de mudar, veio e pressionou. Se
mais não fizemos, foi porque mais não pudemos.”5
Assim, não se está reconhecendo senão que se o legislador constituinte conhecia o
assunto e a sua relevância, e nada dispôs sobre ele, é porque não quis dispor.
Não quis que fosse possível a reedição de medidas provisórias.
Isto, evidentemente, não significa que não se possa discutir a alteração do Texto
Constitucional, de modo que sejam fixados os limites para a reedição, acaso se reconheça esta
como sendo a melhor via para a realidade nacional.
Sobre este tema (silêncio eloqüente), KARL LARENZ, em sua Metodologia da
Ciência do Direito, leciona, ao analisar o Código Civil alemão, e destrinçar os conceitos de
lacuna e de silêncio eloqüente: “(...) Mas, quando existe uma «lacuna da lei», tal carece de
uma explicação mais concreta. Poderia pensar-se que existe uma lacuna só quando e sempre
que a lei – entendida esta, doravante, como uma expressão abreviada da totalidade das
regras jurídicas susceptíveis de aplicação dadas nas leis ou no Direito consuetudinário – não
contenha regra alguma para uma determinada configuração no caso, quando, portanto, «se
mantém em silêncio». Mas existe também um «silêncio eloqüente» da lei.”
E exemplifica KARL LARENZ, ainda distinguindo entre o silêncio da lei e a lacuna,
através de exemplos do direito privado alemão (casa de morada), com algo que faz lembrar do
chamado bem de família do atual direito brasileiro: “A modo de exemplo, o facto de não
conter qualquer disposição sobre a propriedade da casa de morada (no sentido actual), não
foi uma lacuna do Código Civil na sua formulação originária. É que o legislador do BGB
não quis admitir um tal direito especial sobre uma casa ou uma parte do edifício, que em
princípio lhe não era desconhecido, por razões da disposição das relações jurídicas sobre
bens imóveis e, por isso, intencionalmente não incluiu na lei disposições a esse respeito. (...)
«Lacuna» e «silêncio da lei» não são, portanto, pura e simplesmente o mesmo. O termo
«lacuna» faz referência a um carácter incompleto. Só se pode falar de «lacunas» de uma lei
quando esta aspira a uma regulação completa em certa medida, para um determinado sector.
5
Anais da última Sessão da Constituinte. Extraído de BONAVIDES, PAULO e ANDRADE, PAES DE. História
Constitucional do Brasil. 3ª ed. Rio de Janeiro. Editora Paz e Terra. 1991, p. 497.
4
O acentuar do conceito de lacuna está, pois, também em estreita conexão com as aspirações
a uma codificação global completa do direito, que se suscitaram no século XVIII e tiveram o
seu ponto alto no século XIX.”6
Note-se, portanto, que a matéria não é recente, não se tratando de doutrina
oportunística, ou de momento.
O próprio Supremo Tribunal Federal, embora sobre outro assunto, já deixou como
manifesta a sua aceitação a respeito do silêncio como manifestação de vontade.
Exemplo do que digo foram os seus Acórdãos em torno da anterior redação do art.
114, da Constituição de outubro de 1988, que tratam da competência da Justiça do Trabalho
brasileira.7
Exemplificativamente, reproduzo um trecho da Decisão unânime do Supremo
Tribunal, que esclarece haver a necessidade de distinguir entre a lacuna e o silêncio
eloqüente, ao analisar o recolhimento da contribuição sindical estipulada em convenção ou
acordo coletivo de trabalho.
Eis o que digo:
“Conflito de competência entre Sindicato de empregados e empregadores
sobre o recolhimento da contribuição estipulada em convenção ou acordo
coletivo de trabalho. Interpretação do art. 114, da Constituição Federal.
Distinção entre lacuna da lei e ‘silêncio eloqüente’ desta. Ao não se referir
o art. 114, da Constituição, em sua parte final, aos litígios que tenham
origem em convenção ou acordos coletivos, utilizou-se ele do ‘silêncio
eloqüente’, pois essa hipótese já estava alcançada pela previsão anterior
do mesmo artigo, ao facultar à lei ordinária estender, ou não, a
competência da Justiça do Trabalho a outras controvérsias decorrentes da
relação de trabalho, ainda que indiretamente. Em consequência, e não
havendo lei que atribua competência à Justiça Trabalhista para julgar
6
LARENZ, KARL. Metodologia da Ciência do Direito. Tradução de JOSÉ LAMEGO. Revisão de ANA DE
FREITAS. 2ª ed. Lisboa. Fundação Calouste Gulbenkian. 1989, p. 448.
7
Constituição do Brasil. “Art. 114. Compete à Justiça do Trabalho conciliar e julgar os dissídios individuais e
coletivos entre trabalhadores e empregadores, abrangidos os entes de direito público externo e da
administração pública direta e indireta dos Municípios, do Distrito Federal, dos Estados e da União, e, na
forma da lei, outras controvérsias decorrentes da relação de trabalho, bem como os litígios que tenham origem
no cumprimento de suas próprias sentenças, inclusive coletivas. § 1º. Frustrada a negociação coletiva, as partes
poderão eleger árbitros. § 2º. Recusando-se qualquer das partes à negociação ou à arbitragem, é facultado à
Justiça do Trabalho estabelecer normas e condições, respeitadas as disposições convencionais e legais mínimas
de proteção ao trabalho.”(redação anterior à Emenda Constitucional nº. 45/2004)
5
relações jurídicas como as sob exame, é competente para julgá-la a Justiça
Comum.”8
Ora, como, na prática judiciária, entendeu-se que era mais conveniente atribuir à
própria Justiça Laboral a competência para o julgamento; e reconhecendo o Supremo Tribunal
Federal que o estágio legislativo ainda não permitia esta conclusão, vieram a Lei nº. 8984, de
07.02.95 e a Emenda Constitucional nº. 45/2004, estendendo a competência da Justiça do
Trabalho.
Se for preciso mudar a lei, que ela seja mudada; o que não deve ocorrer é o seu
arbitrário descumprimento.
Quero insistir nisto. Lacuna e silêncio não são expressões coincidentes.
A esta conclusão já chegou, no Brasil, o próprio Supremo Tribunal Federal.
Veja-se como são claras as palavras do Ministro MOREIRA ALVES, em suas razões
de voto, quando demarca o silêncio da lei como fronteira intransponível à analogia.
O silêncio eloqüente, diz o Ministro, não se coaduna com a indesejada integração
analógica, simplesmente, porque não há o que se integrar.
É a teoria alemã do beredtes Schweigen.
Com a palavra o Ministro do Supremo Tribunal Federal, MOREIRA ALVES (razões
de voto): “O acórdão recorrido, seguindo a orientação que se tornou dominante no Tribunal
‘a quo’, deu pela competência, no caso, à Justiça do Trabalho, por aplicação analógica de
uma das alterações que o art. 114, da Constituição Federal introduziu na competência
daquela Justiça: a de que lhe compete o julgamento dos litígios que tenham origem no
cumprimento de suas próprias sentenças, inclusive coletivas. Sucede, porém, que só se aplica
a analogia quando, na lei, haja lacuna, e não o que os alemães denominam «silêncio
eloqüente» (beredtes Schweigen), que é o silêncio que traduz que a hipótese contemplada é a
única a que se aplica o preceito legal, não se admitindo, portanto, aí o emprego da
analogia.”
Não se pense que este seja um Acórdão isolado ou solteiro.
Absolutamente, não o é.
Outros mais poderiam ser expostos, embora, por um dever de síntese, não o
considere recomendável9.
8
Supremo Tribunal Federal brasileiro. Recurso Extraordinário nº 130552. São Paulo. Relator Ministro
MOREIRA ALVES. Diário da Justiça 28.06.91, p. 8907. Ementário Vol. 1626-03, p. 525. Revista Trimestral de
Jurisprudência Vol. 136-03, p. 1340. Julgamento em 04.06.91. 1ª turma. Unânime.
6
Além do que a Constituição de outubro de 1988 não desconhece o silêncio como
uma forma de manifestação volitiva, quando, no art. 66, § 3º, refere-se à sanção presidencial.
Diz o art. 66, § 3º: “Art. 66. A Casa na qual tenha sido concluída a votação enviará
o projeto de lei ao Presidente da República, que, aquiescendo, o sancionará. (...) § 3º.
Decorrido o prazo de quinze dias, o silêncio do Presidente da República importará sanção.”
SILÊNCIO ELOQÜENTE, REEDIÇÃO E PRORROGAÇÃO DE MEDIDA PROVISÓRIA
NO BRASIL. TRABALHOS LEGISLATIVOS10
“De facto, os piores atentados à segurança jurídica derivam do próprio
papel intervencionista do Estado actual, que, na sua qualificada
preocupação com a criação de uma ordem social mais justa porque
materialmente compreendida, vai gerar uma inflação normativa que
desconhece frequentemente, no seu afã regulamentador, os valores da
coerência do sistema jurídica (mesmo admitindo a autonomia relativa das
suas partes integrantes) e da generalidade das normas. (...)Toda esta
situação afecta a certeza do direito, pois que prejudica a previsibilidade
das consequências das condutas dos cidadãos e faz duvidar da adequação
dos tradicionais instrumentos processuais para obter a satisfação dos
direitos. A solução parece ser a de aproximar justiça e segurança em vez de
as ver como valores opostos. (...) O que importa é apenas deixar claro que
a segurança não se consome na simples observância da lei, qualquer que
ela seja. Requer a obtenção concreta por meio da lei da justiça e da
previsibilidade clara das consequências das condutas. Trata-se de uma
tarefa permanente do legislador e por isso critério axiológico constante do
conteúdo legislativo.” (MONCADA, LUIS CABRAL DE. Contributo para
uma Teoria da Legislação. Lisboa. Pedro Ferreira Artes Gráficas. 1998, ps.
51-52)
Retorno ao que disse LUÍS CABRAL DE MONCADA, no título “O Princípio da
Segurança”, em seu Contributo para uma Teoria da Legislação, tal como foi há pouco
reproduzido.
9
Acaso o leitor pretenda aprofundar-se na jurisprudência brasileira do Supremo Tribunal Federal sobre o
silêncio eloqüente, indico os seguintes Acórdãos: Recurso Extraordinário nº 130554/91. São Paulo. 1ª Turma. DJ
28.06.91p. 8907. Recurso Extraordinário nº 130555/91. São Paulo. 1ª Turma. DJ 28.06.91, p. 8908. Recurso
Extraordinário nº 131013/91. São Paulo. 1ª turma. DJ 28.06.91, p. 8908. Recurso Extraordinário nº 131134/91.
São Paulo. 1ª Turma. DJ 28.06.91, p. 8908. Recurso Extraordinário nº 137941/92. Distrito Federal. 1ª Turma. DJ
16.10.92, p. 18045.
10
Desde já, ponho em destaque o art. 62, §§ 7º e 10, da Constituição da República Federativa do Brasil: “§ 7º.
Prorrogar-se-á uma única vez, por igual período a vigência de medida provisória que, no prazo de sessenta
dias, contado de sua publicação, não tiver a sua votação encerrada nas duas Casas do Congresso Nacional. (...)
§ 10. É vedada a reedição, na mesma sessão legislativa, de medida provisória que tenha sido rejeitada ou que
tenha perdido sua eficácia por decurso de prazo.”
7
Destaco a sua lembrança de uma indesejável inflação normativa, que afeta,
decisivamente, a previsibilidade das conseqüências das condutas dos indivíduos, provocando
um déficit de segurança e uma notória instabilidade jurídica.
Isto, sem dúvida, é prejudicial à credibilidade do direito e dos limites que ele precisa
impor à atuação das autoridades públicas.
Contudo, estas recomendações de cautela vêm sendo desconhecidas no Brasil, que
encontrou, na medida provisória, um instrumento de larga utilização, já superando as mesmas
a marca de seis mil, entre edições e reedições, até a EC nº. 32/2001.
Quanto aos assuntos nelas veiculados, são os mais díspares, indo desde a
remuneração de servidores públicos até à venda de veículos populares.
Mas, onde estava o embasamento jurídico para a reedição destas medidas?
Por um dever de imparcialidade, e para início de análise, transcrevo o art. 62, da
Constituição de outubro de 1988 (Texto original).
Era o seu teor:
“Art. 62. Em caso de relevância e urgência, o Presidente da República
poderá adotar medidas provisórias, com força de lei, devendo submetê-las
de imediato ao Congresso Nacional, que, estando em recesso, será
convocado extraordinariamente para se reunir no prazo de cinco dias.
Parágrafo Único. As medidas provisórias perderão eficácia, desde a
edição, se não forem convertidas em lei no prazo de trinta dias, a partir de
sua publicação, devendo o Congresso Nacional disciplinar as relações
jurídicas delas decorrentes.” (Texto originário)
Como se vê, havia um completo silêncio à cerca da reedição.
Se a Constituição nada falava sobre a reedição das medidas provisórias, é porque não
queria que ela houvesse. Era esta a tese que defendia.
E não se pense que isto constituía uma postura tão isolada, pois o próprio Ministro do
Supremo Tribunal Federal, CELSO DE MELLO, logo após a promulgação da Constituição de
outubro de 1988, na Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 365-8/60011, ao tratar das
Medidas Provisórias nºs. 200 e 212/90, que disciplinavam a mesma matéria contida no art. 5º,
da Medida Provisória nº 195/90, disse algo que não pode deixar de ser rememorado.
Em resumo, ele equiparou a rejeição e a não-conversão em seus efeitos jurídicos.
Em ambos os casos, defendeu a desconstituição integral e radical, com eficácia “ex
tunc” das medidas não convertidas.
11
Vide Diário de Justiça Seção I, p. 10717/10718, de 05.10.90.
8
Reeditar medida provisória não convertida em lei seria, no ponto de vista que
defendeu em suas razões de voto, uma usurpação da competência constitucional deferida,
privativamente, ao Congresso Nacional.
Diz que não é possível confundir Decreto-lei com Medida Provisória, pois, no
primeiro, a rejeição não acarretava a nulidade dos atos praticados durante a sua vigência,
enquanto, na segunda, ela perderia a eficácia desde a edição, cabendo ao Congresso Nacional,
pela via do decreto legislativo, disciplinar as relações jurídicas decorrentes.
Palavras duras, mas ditas por um constitucionalista respeitado, e Ministro do
Supremo Tribunal Federal.
São os termos claros do Ministro CELSO DE MELLO, promanados nos idos de
outubro de 1990, e que precisam ser recuperados pela história constitucional, quer em termos
de doutrina, quer em termos jurisprudenciais:
“(...) A convalidação, por deliberação executiva, de atos praticados com
fundamento em medidas provisórias não convertidas afronta o preceito
consubstanciado no art. 62, Parágrafo Único, da Constituição, que prevê a
sua desconstituição, integral e radical, com eficácia ‘ex tunc’. A
preservação, no tempo, dos efeitos de medidas provisórias não apreciadas
pelo Congresso Nacional revela-se em manifesta colidência não só com o
que expressa e literalmente dispõe o Texto Constitucional, mas, também,
com a própria ‘mens constitucionis’, que quis suprimir a possibilidade de
sua subsistência no mundo jurídico.
Ao contrário do que ocorria com o decreto-lei, cuja reedição não
acarretava a nulidade dos atos praticados durante a sua vigência (CF/69,
art. 55, § 2º.), a rejeição – e igualmente a não conversão – da medida
provisória despoja-a de eficácia jurídica desde o momento de sua edição.
(...) A ratificação, pelo Poder Executivo, dos atos editados sob a égide de
medida provisória não convertida, por traduzir usurpação daquela
competência constitucional deferida privativamente ao Congresso
Nacional, revela-se írrita e nula em sua indisfarçável desvalia jurídica.
(...)”.
São tão enfáticas as palavras contidas nesta análise (razões de voto), que mais não se
precisaria acrescentar. Bastaria que a prática constitucional das autoridades públicas, inclusive
do Presidente da República, respeitasse estas recomendações.
Mas não foi isto o que ocorreu.
A justificativa que se pode encontrar para tanto faz lembrar o que disse HELMUT
COING, em seus Fundamentos de Filosofia do Direito.
9
Ao tratar do que denomina de lógica jurídica, revela que ela não é autônoma, pois
também as decisões jurídicas particulares tomam fundamento em decisões valorativas,
havendo uma mediação de valores expandida no conflito de interesses que cerca cada caso.12
O sistema jurídico não é composto só de normas, sendo equivocado imaginar que
três palavras do legislador façam com que sejam superadas bibliotecas inteiras, cujo destino
seria o lixo 13.
Todo o estudo sério, teórico ou prático, em direito, tem, no mínimo, uma importância
de modo a promover o aconselhamento tanto do legislador quanto também do aplicador (juiz
ou administrador público).
Revela novos horizontes, faz surgir novas perspectivas.
É com esta convicção que prossigo.
Neste estágio, surgem algumas indagações que precisam ser respondidas. Entre elas,
costumeiramente, discute-se temas como os que vão a seguir.
Admitindo a tese do silêncio constitucional, e da impossibilidade histórica de serem
reeditadas medidas provisórias, o que fazer se o Congresso Nacional nada dispuser sobre a
disciplina das relações jurídicas decorrentes da medida provisória não convertida.
Primeiro, é de se dizer que este problema não aparece, apenas, quando houver o
silêncio congressual, pois a mesma questão também poderá ser levantada na hipótese de a
medida provisória vir a ser rejeitada.
Afinal, a medida pode, teoricamente, ser rejeitada.
Assim, o problema está posto nas duas situações.
A resposta mais simples seria aquela de que o Congresso Nacional tem o dever
político de editar o decreto legislativo correspondente.
Mas, se não o fizer?14
12
COING, HELMUT. Fundamentos de Filosofía del Derecho. Tradução de JUAN MANUEL MAURI. Espanha.
Editora Ariel. 1976, p. 61.
13
“KIRSCHMANN afirma que se o sistema jurídico fosse completo apenas de normas bastariam ‘três palavras
retificadoras do legislador e bibliotecas inteiras de direito iriam para o lixo.” (extraído de MARIA HELENA
DINIZ. As Lacunas no Direto. Obra citada. 1989, p. 81, nota de rodapé nº 133)
14
A Emenda Constitucional nº 32, de 11.09.2001, assim disciplina o assunto: “Art. 62. (...) § 6º. Se a medida
provisória não for apreciada em até quarenta e cinco dias, contados de sua publicação, entrará em regime de
urgência, subseqüentemente, em cada uma das Casas do Congresso Nacional, ficando sobrestadas, até que se
ultime a votação, todas as demais deliberações legislativas da Casa em que estiver tramitando. (...) § 11. Não
editado o decreto legislativo a que se refere o § 3º até sessenta dias após a rejeição ou perda de eficácia de
medida provisória, as relações jurídicas constituídas e decorrentes de atos praticados durante sua vigência
conservar-se-ão por ela regidas.”
10
Vejo, aí, duas sugestões mais imediatas, afora providências paliativas de ampliação
do prazo dos trinta dias (Texto originário), tal como procedeu a Emenda Constitucional nº
32/11.09.2001, e da implantação constitucional dos termos e das condições da reedição.
A primeira é a de se recorrer ao Judiciário pela via do mandado de injunção, dado
que já existem pronunciamentos atribuindo a este expediente processual a eficácia da fixação
de prazo para o cumprimento da função normativa.
Acaso este venha a ser descumprido, o que é uma hipótese plausível, confere-se ao
prejudicado o direito de interpor uma ação econômica reparatória15.
E, quando vier o decreto legislativo, se este for ainda mais favorável, ele retroage de
maneira a beneficiar o indivíduo, jamais sendo permitida a retroatividade prejudicial, em
nome do resguardo do limite objetivo da irretroatividade.
Quanto à ação declaratória de inconstitucionalidade por omissão, no Brasil, não
encontro efeitos práticos; pois, na jurisprudência predominante, ela não irá além do mero
aconselhamento, possivelmente descumprido.
A outra via, que é contundente, está na paralisação dos trabalhos do Congresso
Nacional até que seja aprovado o decreto legislativo respectivo. Esta hipótese, a do
sobrestamento, atualmente, encontra-se no art. 62, § 6º, da Constituição da República
Federativa do Brasil.
É de se realçar que só cabe a edição de medida provisória em hipóteses relevantes e
urgentes, de forma que estas mesmas “relevância e urgência” é que estariam a justificar a
paralisação dos trabalhos ordinários do Congresso Nacional.
Neste sentido, bem antes da Reforma Constitucional de 2.001, após pesquisa que fiz
junto à Casa Legislativa, constatei ter sido proposta uma Emenda, em Plenário, ao Texto
Substitutivo apresentado pela Comissão de Constituição, Justiça e Redação ao Projeto de Lei
Complementar nº 223-B, de 1990, dos Deputados NELSON JOBIM, ADYLSON MOTA,
PLÍNIO DE ARRUDA SAMPAIO, JOSÉ SERRA e HAROLDO LIMA.
O texto proposto detinha a seguinte redação:
“Art. --- Inadmitida, nos termos do art. 4º, desta Lei Complementar, ou não
convertida, total ou parcialmente, em lei uma medida provisória, o
Congresso Nacional editará, no prazo de 60 (sessenta) dias, Decreto
Legislativo dispondo sobre as relações jurídicas dela decorrentes.
15
Já foram citados: Mandado de Injunção nº 283. Distrito Federal. DJ 14.11.91, p. 16355 e MI nº 355/94.
Julgamento, pelo Tribunal Pleno do Supremo Tribunal Federal, em 07.10.94.
11
Parágrafo Único. Nenhuma outra matéria será discutida ou votada pelo
Congresso Nacional ou por qualquer de suas Casas enquanto não
cumprido o disposto no caput.”
Reconheço que a medida é bastante severa.
Assim, salvo melhor juízo, talvez a saída mais adequada seja aquela de, não havendo
a conversão da medida provisória em lei, no prazo constitucional de vigência, que o
Congresso Nacional delibere, para a hipótese da sua omissão, a mantença, neste período, dos
efeitos produzidos, de modo a não restar violada a segurança jurídica expressa no limite
objetivo da irretroatividade.
Note-se, portanto, que, de fato, havia, no direito brasileiro, uma fábrica potencial de
lacunas jurídicas:
a) diante da rejeição da medida provisória sem a correspondente aprovação do decreto
legislativo;
b) diante do silêncio congressual para além dos trinta dias constitucionais (Texto originário),
não havendo, também aí, a emissão do decreto legislativo exigível.
São casos típicos onde a jurisdição não instaura a completude, sendo, no máximo
(mandado de injunção), meramente complementar ao ordenamento jurídico, observando as
pautas autorizadas no sistema.
Na perspectiva mais otimista, produz-se a coisa julgada, mas não se elimina o vazio e
as dúvidas que lhe correspondem, restando, sempre, a possibilidade de o Congresso Nacional
editar Decreto legislativo noutro sentido.
Em outras palavras, a medida provisória era uma fonte inesgotável de lacunas
jurídicas.
Daí, o Poder Legislativo brasileiro deter a difícil função de pensar em um modelo
geral, procurando formas adaptadas à realidade brasileira e às necessidades sociais que dela
emergem.
Para fazer justiça ao trabalho que se vem realizando, procurei investigar o que havia
em torno deste assunto da não conversão das medidas provisórias em lei, quer por rejeição,
quer pelo silêncio congressual.
12
Desenvolvi esta pesquisa a partir do Projeto de Emenda Constitucional calcado no
Parecer do Senador JOSÉ FOGAÇA; na Proposta de Resolução contida no mesmo Parecer
(art. 18) e na Resolução nº 01/ maio de 89, do Congresso Nacional (art. 17).16
Eis o material colhido com a pesquisa:
1. “Projeto de Emenda Constitucional.
Art. 62. (...)
§ 5º. Caberá a uma Comissão Mista permanente única de Senadores e
Deputados examinar as medidas provisórias e emitir parecer antes de
serem votadas na forma regimental, pelo Plenário de cada uma das Casas
Legislativas.
§ 6º. Se não for apreciada no prazo de sessenta dias de seu recebimento no
Congresso Nacional, a medida provisória será colocada, em regime de
urgência, na ordem do dia da Casa Legislativa em que se encontrar em
tramitação, observado o critério de alternância simples entre estas duas
Casas.
§ 7º. É vedada a reedição de medida provisória, no todo ou em parte,
sempre que o Congresso Nacional, por proposição da Comissão Mista,
aprovar decreto legislativo que declare a cessação de sua eficácia e
discipline a garantia dos atos jurídicos realizados durante sua vigência.
(...)”
2. “Proposta de Resolução do Congresso Nacional/96.
Art. 18. Com o fim de vedar a reedição de medida provisória específica, no
todo ou em parte, poderá a Comissão Mista apresentar projeto de decreto
legislativo que declare a cessação de sua eficácia, e normatize a garantia dos
seus atos jurídicos realizados durante a sua vigência.”
3. “Resolução nº 01/89, do Congresso Nacional.
Art. 17. Esgotado o prazo a que se refere o parágrafo único do art. 62, da
Constituição Federal (30 dias), sem deliberação final do Congresso
Nacional, a Comissão Mista17 elaborará Projeto de Decreto Legislativo,
disciplinando as relações jurídicas decorrentes e que terá tramitação
iniciada na Câmara dos Deputados.”
No art. 17, da Resolução nº. 01/89- CN18, que é imediatamente posterior à edição da
Constituição de outubro de 1988, encontro reconhecido o silêncio congressual como hipótese
16
Vide a Emenda Constitucional nº 32/11.09.2001, que dá nova regulamentação jurídica às medidas provisórias.
Atualmente, nos termos da Resolução nº. 01, de 2002, do Congresso Nacional, trata-se de uma Comissão
composta por 12 (doze) Deputados e 12 (doze) Senadores, que tem a incumbência de formular parecer sobre a
relevância e a urgência de cada medida provisória apresentada pelo Presidente da República, além de formular
um juízo sobre a constitucionalidade de cada uma delas. Este Parecer vai ao Plenário de cada uma das duas
Casas do Congresso Nacional.
18
CN ou Congresso Nacional.
17
13
de perda de eficácia da medida provisória, partindo-se do pressuposto de que se o Congresso
Nacional não a analisou é porque não a entende como relevante ou urgente.
Há quem discorde disto, argumentando que se o decurso de prazo que implicava na
aprovação do Decreto-lei era autoritário, também seria autoritário o decurso de prazo como
hipótese de rejeição da medida provisória.
Portanto, a prevalência do Parecer, em cada medida provisória, da Comissão Mista
referida pode vir a ser a melhor resposta para o silêncio do Congresso Nacional.
Por enquanto, contudo, na primeira etapa de análise, circunscrita ao prazo dos cinco
dias
19
- no que diz respeito à relevância e à urgência, que são requisitos de admissibilidade
gerais, é que, acaso sobre eles o Congresso não delibere, prevalecerá a compreensão de que
existem.
Contra isto, há proposta de reforma no sentido de que, na omissão do Congresso
Nacional sobre estes dois pressupostos20, deveria prevalecer o Parecer da Comissão Mista.
Digo, apenas, que o silêncio congressual, na apreciação das medidas provisórias
editadas pelo Presidente da República, pode vir a ser resolvido pela manutenção dos efeitos já
ocorrentes, no período constitucional dos trinta dias (Texto originário), e mediante a
prevalência do Parecer da Comissão Mista, que teria a incumbência de colocar, em anexo ao
seu Parecer, na hipótese de o mesmo ser contrário à medida, um Projeto de Decreto
Legislativo, que poderia vir a ter efeitos retroativos, desde que não fossem prejudiciais aos
indivíduos atingidos pela medida provisória sob análise.
Assim, o Congresso Nacional, e todos os indivíduos, saberiam que o silêncio do
Legislativo teria consequências previsíveis.
Esta é uma das formas que encontro para a colmatação desta fonte permanente de
lacunas jurídicas21, que é a medida provisória no Brasil.
Em resumo:
19
Constituição do Brasil. “Art. 62. Em caso de relevância e urgência, o Presidente da República poderá adotar
medidas provisórias, com força de lei, devendo submetê-las de imediato ao Congresso Nacional, que, estando
em recesso, será convocado extraordinariamente para se reunir no prazo de cinco dias.” (Texto originário)
20
Nos termos da Emenda Constitucional nº 32/11.09.2001: “Art. 62. (...) § 5º. A deliberação de cada uma das
Casas do Congresso Nacional sobre o mérito das medidas provisórias dependerá de juízo prévio sobre o
atendimento de seus pressupostos constitucionais.”
21
“Pode haver casos que devam ser regulados juridicamente, mas para os quais a lei não dê resposta imediata.
Estes casos chamam-se ‘lacunas’ da lei.” (MENDES, JOÃO CASTRO. Introdução ao Estudo do Direito. Edição
revista pelo Profº MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA. Lisboa. Pedro Ferreira, Artes Gráficas. 1997, p. 237)
14
I. expandiria-se o prazo de trinta dias (Parágrafo Único, do art. 62, da Constituição
de outubro de 1988 – Texto originário) para sessenta, admitindo que, apenas no dia
subsequente ao encerramento deste prazo, adviesse a reedição.
A medida reeditada teria um prazo de eficácia limitado a trinta dias.
Com isto, afastaria-se o estratagema de não deixar escoar este prazo para reeditar a
medida.
Imagina-se que, deste modo, está-se evitando o seu escoamento; pois, sendo assim,
jamais deixaria o Presidente da República ultrapassar o período constitucional, sempre
reeditando a medida antes do seu encerramento.
Aqui, a bem da sinceridade, seria ultrapassado o limite (embora maior – 60 dias),
mas seria facultada uma única reedição no dia imediatamente subseqüente ao do escoamento.
Realço, contudo, que a opção escolhida pela Reforma Constitucional de setembro de
2001 foi a de ampliar o prazo constitucional para 60 (sessenta) dias, permitindo a sua
prorrogação por uma única vez, e estabelecendo que, durante o recesso congressual, o mesmo
ficaria suspenso;
II.a medida provisória rejeitada por haver o Congresso Nacional considerado como
inexistentes os pressupostos da relevância e da urgência, deveria ser, automaticamente,
convertida em projeto de lei, ao qual restaria assegurado o regime de urgência, tal como hoje
está consignado no § 2º, do art. 64, da Constituição de outubro de 198822;
III. a medida provisória não convertida em lei por outro motivo, inclusive o do seu
simples silêncio, poderia, ainda na mesma sessão legislativa, ser reapresentada; desde que
compatível com o conteúdo constitucional, e não estando esta hipótese expurgada por decreto
legislativo, exigindo-se a retificação dos defeitos porventura encontrados pelo Congresso, se o
fundamento da rejeição o permitir. A opção da Reforma Constitucional de setembro de 2001
foi no sentido de vedar a reedição, na mesma sessão legislativa, em duas hipóteses, a saber: a)
rejeição; b) perda de eficácia por decurso de prazo.
22
Constituição do Brasil. “Art. 64. (...) § 1º. O Presidente da República poderá solicitar urgência para
apreciação de projetos de lei de sua iniciativa. § 2º. Se, no caso do parágrafo anterior, a Câmara dos
Deputados e o Sendo Federal não se manifestarem, cada qual, sucessivamente, em até quarenta e cinco dias,
sobre a proposição, será esta incluída na ordem do dia, sobrestando-se a deliberação quanto aos demais
assuntos, para que se ultime a votação.”
15
É bem verdade que se pode ponderar sobre a adequabilidade da reapresentação da
medida na mesma sessão legislativa, dado que, nos termos do art. 67, da atual Constituição do
Brasil, a matéria constante de projeto de lei rejeitado somente poderá constituir objeto de
novo projeto, na mesma sessão legislativa, mediante proposta da maioria absoluta dos
membros de qualquer das Casas do Congresso Nacional.
A isto respondo que, veiculando a medida provisória matéria relevante e urgente,
faz-se justificável que assim se proceda, particularmente diante do silêncio congressual.
Mas, para isto, é preciso novamente mudar a Constituição brasileira.
Esta atitude não diminuiria em nada o Poder Legislativo, não o transformando,
absolutamente, em um poder de fachada; pois ele poderia vedar a reedição nos termos do
decreto legislativo que está obrigado a aprovar.
Contudo, por dever de imparcialidade, reproduzo as palavras bastante conhecidas de
TÉRCIO SAMPAIO FERRAZ JÚNIOR, que defende um perfil constitucional de democracia
onde o Legislativo não “relaxe” em suas prerrogativas23.
TÉRCIO SAMPAIO FERRAZ JÚNIOR comentando o exagero das reedições,
inclusive de medidas provisórias anteriormente rejeitadas, de onde retira o arbítrio do
Executivo e a condição indesejável de semi-Poder do Legislativo Federal: “Sobre a reedição
das Medidas Provisórias (...) A consequência perversa deste entendimento é óbvia 24. Em tese,
reeditando medidas provisórias, até mesmo quando explicitamente rejeitadas, o chefe de
Estado se outorga o poder discricionário de disciplinar não importa que matéria, fazendo do
Congresso um mero aprovador de sua vontade ou um poder emasculado cuja competência ‘a
posteriori’ viraria mera fachada por ocultar a possibilidade ilimitada de o Executivo impor,
intermitentemente, as suas decisões.”
E, finalmente, vaticina, conclamando os brios do Congresso Nacional: “Afinal, de
provisória em provisória se iria enchendo o papo presidencial. Pode ser até mesmo que o
Legislativo, mais brioso e menos relaxado em suas prerrogativas e deveres, jamais deixasse
escapar de suas mãos, como representante do povo, o indeclinável direito de o povo obrigarse a si mesmo apenas e tão-somente por força de sua vontade e por meio de lei. Contudo, o
perfil de democracia constitucional que o entendimento formal exarado no parecer da
23
Constituição do Brasil. “Art. 49. É da competência exclusiva do Congresso Nacional: (...) XI- zelar pela
preservação de sua competência legislativa em face da atribuição normativa dos outros Poderes”.
24
Referia-se à postura jurídica favorável à reedição, adotada, por exemplo, no Parecer do à época Consultor
Geral da República SAULO RAMOS (Parecer nº SR-92, de 21.06.89).
16
Consultoria nos traça é, no mínimo, de um presidencialismo imperial entre absoluto e
arbitrário.”25
Outra questão que ainda se põe no tema do silêncio congressual, é aquela que discute
se não haveria, da parte do Presidente da República, um desrespeito para com o Congresso
Nacional, acaso venha a expedir medida provisória sobre matéria que esteja em tramitação
legislativa.
Esclarecendo melhor o que digo.
Imagine-se que um Projeto de lei esteja no percurso de uma das etapas legislativas,
como, por exemplo, a da discussão do seu conteúdo.
Nestas circunstâncias, debate-se se poderia o Presidente da República editar, sobre o
mesmo tema, uma medida provisória, atropelando a atividade legiferante.
Entendo que, em havendo os pressupostos constitucionais da relevância e da
urgência, não se trataria de atropelamento; mas de cumprimento das prerrogativas
presidenciais, não sendo este um obstáculo, preliminarmente, insuperável.
Finalmente, considero imperioso não esquecer de como a jurisprudência tratou o
tema da reedição das medidas provisórias no Brasil.
Como se verá, a direção que ela apontou foi no sentido da possibilidade da reedição,
mediante algumas ressalvas.
É este o objeto seguinte.
REEDIÇÃO E PRORROGAÇÃO DE MEDIDA PROVISÓRIA, PRINCÍPIOS JURÍDICOS
IMPLÍCITOS E A JURISPRUDÊNCIA NO BRASIL26
“Há que praticar uma Ciência do Direito virada para a resolução de
problemas concretos, com atenção particular aos fenômenos do préentendimento, das unidades previsão - estatuição e interpretação aplicação e do ponderar das consequências da decisão, numa linha de
consenso.” (CORDEIRO. ANTÓNIO MANUEL DA ROCHA E
MENEZES. Da Boa Fé no Direito Civil. Coimbra. Livraria Almedina.
1997, p. 1283)
25
FERRAZ JÚNIOR, TÉRCIO SAMPAIO. Interpretação e Estudos da Constituição de 1988. Editora Atlas. São
Paulo. 1990, p. 94.
26
Nessa oportunidade, faço referência ao art. 62, §§ 7º e 10: “§ 7º. Prorrogar-se-á uma única vez por igual
período a vigência de medida provisória que, no prazo de sessenta dias, contado de sua publicação, não tiver a
sua votação encerrada nas duas Casas do Congresso Nacional. (...) § 10. É vedada a reedição, na mesma
sessão legislativa, de medida provisória que tenha sido rejeitada ou que tenha perdido sua eficácia por decurso
de prazo.”
17
Comenta HERBERT HART27, em seu O Conceito de Direito, ao tratar do “poder
discricionário judicial”, criticando o pensamento de RONALD DWORKIN, que este último
detinha a perspectiva de que o que era incompleto não era o direito, mas a imagem positivista
que dele era aceite; pois, além do direito estabelecido explícito, precisavam ser considerados
os princípios jurídicos implícitos, que seriam aqueles que melhor se ajustavam ao direito
explícito ou com ele mantinham coerência, e também lhe conferiam a melhor justificação
moral28.
Neste sentido interpretativo, o direito não seria incompleto ou indeterminado, pois o
juiz nunca teria a oportunidade de sair do direito e de exercer um poder de criação no
proferimento das suas decisões.
Mas HERBERT HART faz a ressalva de que ele próprio, embora advogasse a
existência de um poder de criação judicial, particularmente na resolução de casos
parcialmente deixados de regular pelo direito, os distingue daqueles poderes próprios aos
órgãos legislativos; pois, além de serem mais estreitos, não vão além dos casos concretos que
urgem ser resolvidos, não encampando a introdução de reformas de larga escala ou novos
códigos.
E HERBERT HART complementa o seu discurso, dizendo que não há duvida de
que a retórica familiar do processo judicial encoraja a idéia de que não existem, em um
sistema jurídico desenvolvido, casos juridicamente não regulados.
Em outras palavras, o juiz falaria como se o direito fosse um sistema sem lacunas, ou
espaços vazios, mas sublinha HART a sua insatisfação quanto à imagem do juiz como um
simples «porta voz» do direito, pois não são incomuns os casos submetidos a julgamento que
podem ser decididos em um sentido ou em outro.
Em seu reforço, argumenta com o consentimento de magistrados da estatura de
OLIVER WENDELL HOLMES e CARDOZO, nos Estados Unidos e de Lorde
MACMILLAN, Lorde RADCLIFFE e Lorde REIDE, na Inglaterra.
27
HART, HERBERT. O Conceito de Direito. Tradução de A. RIBEIRO MENDES. 2ª ed. Lisboa. Fundação
Calouste Gulbenkian. 1994, ps. 335-336.
28
“Decerto sabemos também que o direito não é tudo, nem talvez o que nos é pessoalmente mais importante, na
existência que nos possibilita esse meio social e nem mesmo na nossa imediata vida de relação. (...) Nem
hesitamos em afirmar que o respeito e a lealdade que nos devemos uns aos outros, e bem assim o dever de
auxílio a que a nossa consciência nos convoca perante a situação de infortúnio de alguém e que está nas nossas
mãos remediar etc., não hesitamos na verdade em afirmar que tudo isto tem a ver directamente com a ética ou a
moral, e não propriamente com o direito.” (NEVES, CASTANHEIRA. Curso de Introdução ao Estudo do
Direito. Relatório. O Sentido do Direito. O Pensamento Moderno Iluminista como factor determinante do
Positivismo Jurídico. Fontes do Direito. Interpretação Jurídica. Coimbra. Composição e Impressão João
Abrantes. ps. 01-02, de O Direito)
18
E arremata com o caráter criativo da atividade jurisdicional: “Só se, para tais casos,
houvesse sempre de se encontrar no direito existente um determinado conjunto de princípios
de ordem superior atribuindo ponderações ou prioridades relativas a tais princípios
concorrentes de ordem inferior, é que o momento de criação judicial de direito não seria
meramente diferido, mas eliminado.”29
Respondendo, ainda, ao argumento de RONALD DWORKIN de que se aos juízes
fosse dado o poder de criar direito, esta seria uma forma de criação jurídica antidemocrática,
dado que, em regra, os juízes não são eleitos, e, em uma democracia, só os representantes
eleitos do povo deveriam ter poderes de criação jurídica, contesta, afirmando que este seria o
preço necessário, e o considera baixo, de modo a evitar a inconveniente utilização de métodos
alternativos de regulamentação deste gênero de litígios, como seria o caso do reenvio da
questão ao órgão legislativo.
Ainda sobre o problema da lacuna, HANS KELSEN30, embora não reconheça como
o faz HERBERT HART, a sua existência, também conclui no sentido de que ao juiz está
facultado regular, retroativamente, o direito em relação ao caso concreto, obrigando,
juridicamente, o indivíduo.
Creio, pessoalmente, que, entremeando todos estes dissensos, não há divergências
tão abertas e incontornáveis; pois os tais casos difíceis de DWORKIN31 podem estar
regulamentados senão por aquilo que chama de princípios implícitos, e, mesmo assim,
continuam difíceis, costumando permitir mais de uma solução, sendo escolhida, por uma
lógica valorativa de preferência, uma delas.
Os standards, ou pautas, que operam como princípios diretrizes, que fixam objetivos
a serem alcançados, e que eliminariam o poder criador dos juízes, terminam sendo um
argumento retórico que não reduz o poder judicial; porquanto, antes, terminam por ser apenas
uma nova justificativa para a fixação das fronteiras decisórias.
De fato, o Poder Judiciário, em seu dia a dia, depara-se com casos difíceis (lacunas,
indeterminações etc), recorrendo a normas aplicáveis a um número indeterminado de atos ou
fatos, não obstante o façam de maneira especial, na medida em que não regulam senão tais
29
HART, HERBERT. O Conceito de Direito. Obra citada. 1994, ps. 337-338.
Vide Lacunas da lei. a) a idéia de lacunas é uma ficção; b) o propósito da ficção das lacunas. HANS KELSEN
conclui o seu entendimento afirmando que a teoria das lacunas da lei constitui uma ficção, pois sempre será,
logicamente, possível, embora algumas vezes mediante soluções inadequadas, aplicar o ordenamento jurídico,
expedindo uma norma individual com força retroativa. (KELSEN, HANS. Teoria General del Derecho y del
Estado. Tradução de EDUARDO GARCIA MAYNEZ. 2ª ed. revisada. México. Imprenta Universitaria. 1958,
ps. 174-177.
31
DWORKIN, RONALD. Taking rights seriously. 5ª impressão. Londres. Duckworth. 1987, p. 22.
30
19
atos ou fatos (situação jurídica determinada); como, também, recorre aos princípios expressos
ou implícitos, que, em regra geral, comportam uma série indefinida de aplicações. 32
Portanto, a conclusão a que chego é a de que, em nenhuma exposição jurídica, deve
ser a jurisprudência relegada ao campo da superficialidade, sob pena de se abrir mão de algo
cuja importância não se permite ver desprezada.
Foi com este espírito que me debrucei sobre a jurisprudência nacional,
particularmente dos Tribunais, e, mais especialmente ainda, do Supremo Tribunal Federal.
Sem querer ser cansativo, mas buscando ser o mais possível abrangente em minha
análise, selecionei alguns Acórdãos que, em grande medida, definem o que pensou o mais
elevado Tribunal do Brasil sobre a reedição de medidas provisórias.
Primeiro, parecia assente, na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, ser
possível a reedição de medidas provisórias.
Depois, também parecia consensual a impossibilidade da reedição de medida
provisória que já foi, expressamente, rejeitada pelo Congresso Nacional.
Após, havia um forte entendimento no sentido de permitir que uma medida
provisória suspenda os efeitos de outra, e que, caso venha a ser convertida em lei, revogue não
apenas a lei anterior existente, como também a própria medida provisória que havia suspenso.
Na hipótese de não vir a ser convertida em lei, parece que o Supremo Tribunal Federal
considerava que continuava a produzir efeitos a medida provisória suspensa; isto dentro do
prazo restante de sua vigência.
Não significa, contudo, que as medidas provisórias estejam imunes ao exame de
constitucionalidade, inclusive na via difusa, ocorrendo, porém, a necessidade de se aditar a
ação que lhe ataca, na hipótese de reedição, sob pena de ser extinto o feito por ausência de
objeto.
Eram, nestes sentidos, os Acórdãos mais encontrados; e, por isto, escolhi uns poucos
exemplares que confirmam as minhas afirmações. Eis os seus teores:
1. Possibilidade de reedição de medidas provisórias dentro do prazo de
validade dos trinta dias (Texto originário). “Não perde eficácia a medida
provisória, com força de lei, não apreciada pelo Congresso Nacional, mas
reeditada, por meio de outro provimento da mesma espécie, dentro de seu
32
CRISAFULLI utiliza o critério estrutural para diferenciar entre o princípio e a norma particular. Os princípios
estariam caracterizados pela maior generalidade em relação às normas. O princípio geral compreenderia não
somente uma hipótese determinada, mas uma série indeterminada de hipóteses. Dos princípios (escritos ou não
escritos) derivariam as normas particulares (escritas ou não escritas). Vide CRISAFULLI, VEZIO. Pela
Determinação do Conceito dos Princípios Gerais do Direito. Revista Internacional de Filosofia do Direito, V.
XIX. Ano XXI. Série II, janeiro - abril de 1941, p. 235-236.
20
prazo de validade de trinta dias. Ação Direta de Inconstitucionalidade –
Medida Cautelar nº 1617. Julgamento em 11.06.97. DJ 15.08.97, p. 3735.
Ementário Vol. 1878-01, p. 107. Relator Ministro OCTÁVIO GALLOTTI.
Tribunal Pleno.”
2. Impossibilidade de reedição quando a anterior houver sido rejeitada
pelo Congresso Nacional. “O Supremo Tribunal Federal não admite
reedição de medida provisória, quando já rejeitada pelo Congresso
Nacional (Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 293. Revista Trimestral
de Jurisprudência 146/707). Tem, contudo, admitido como válidas e
eficazes as reedições de medidas provisórias, ainda não votadas pelo
Congresso Nacional, quando tais reedições hajam ocorrido dentro do
prazo de trinta dias de sua vigência. Até porque o poder de editar medida
provisória subsiste, enquanto não rejeitada (Ação Direta de
Inconstitucionalidade nº 295; Ação Direta de Inconstitucionalidade nº
1533, entre outras). Ação Direta de Inconstitucionalidade – Medida
Cautelar nº 1610. Julgamento em 28.05.97. Por maioria. DJ 05.12.97, p.
63948. Ementário Vol. 1892-02, p. 269. Relator Ministro SYDNEY
SANCHES. Tribunal Pleno.”
3. Medida provisória posterior suspende medida provisória anterior.
Acaso a posterior seja convertida em lei, torna-se definitiva a revogação;
acaso não o seja, a anterior deve ser apreciada no prazo restante de vigência.
“Ausência de plausibilidade do fundamento, no primeiro caso, assentado
que já se encontra, no Supremo Tribunal Federal, que o Presidente da
República pode expedir medida provisória revogando diploma da mesma
espécie, ainda em exame no Congresso Nacional, cuja eficácia ficará
suspensa, até que haja pronunciamento do Poder Legislativo sobre a
medida provisória ab-rogante, a qual, se convertida em lei, tornará
definitiva a revogação; retomando os seus efeitos, em caso contrário, a
medida ab-rogada, que poderá, por sua vez, ser apreciada pelo Poder
Legislativo no prazo restante de sua vigência. Ação Direta de
Inconstitucionalidade – Medida Cautelar nº 1370. Julgamento em 18.12.95.
DJ 30.08.96, p. 30603. Ementário Vol. 1839-01, p. 152. Relator Ministro
ILMAR GALVÃO. Unânime nesta parte. Tribunal Pleno.33”
4. Cabe ADIn – Ação Direta de Inconstitucionalidade contra medida
provisória. “É cabível Ação Direta de Inconstitucionalidade contra medida
provisória. Ação Direta de Inconstitucionalidade – Medida Cautelar nº 295.
Julgamento em 22.06.90. Por maioria. DJ 22.08.97, p. 38758. Ementário
Vol. 1879-01, p. 01. Relator Ministro MARCO AURÉLIO. Tribunal
Pleno.”
5. É preciso aditar a ADIn – Ação Direta de Inconstitucionalidade
interposta contra medida provisória, se, antes do seu julgamento definitivo
pelo Supremo Tribunal Federal, houver ocorrido reedição.34 “É também
orientação do Supremo Tribunal Federal a de que, havendo reedição de
medida provisória contra a qual foi proposta Ação Direta de
33
Esta Ação Direta de Inconstitucionalidade diz respeito ao art. 213, da atual Constituição do Brasil, que trata
dos recursos públicos destinados às escolas públicas, podendo, ainda, ser dirigidos às escolas comunitárias,
confessionais ou filantrópicas, definidas em lei.
34
Esta Jurisprudência permite ao Governo Federal reeditar medidas provisórias com o único objetivo de tornar
sem objeto eventuais Ações Diretas de Inconstitucionalidades acaso interpostas; isto bem antes do escoamento
do prazo de vigência constitucional.
21
Inconstitucionalidade, e não sendo a inicial desta aditada para abarcar a
nova medida provisória, fica prejudicada a ação proposta. Ação Direta de
Inconstitucionalidade – Medida Cautelar nº 1665. Julgamento em 27.11.97.
DJ 08.05.98, p. 02. Ementário Vol. 1909-01, p. 65. Relator Ministro
MOREIRA ALVES. Unânime. Tribunal Pleno.”
Em resumo, o Supremo Tribunal Federal acolheu a reedição de medidas provisórias,
desde que não houvessem sido rejeitadas pelo Congresso Nacional, sequer discutindo a teoria
do silêncio eloqüente nesta matéria, embora, em outras, por inúmeras vezes, tal como
demonstrei anteriormente, haja levantado a mesma teoria para solucionar as questões que lhe
foram submetidas.
A justificativa jurídica que este Alto Tribunal encontrou para a reedição das medidas
provisórias foi aquela de que, no momento em que o art. 62, da Constituição de outubro de
1988 fazia referência ao prazo dos trinta dias (Texto originário), bastava ao Presidente da
República proceder de modo a não vê-lo escoado.
E a rotina utilizada pelo Presidente da República era a de reeditar as medidas
provisórias não analisadas pelo Congresso Nacional. Afinal, agindo assim, não haveria o
transcurso do prazo constitucional, pois ele ficaria suspenso a cada nova medida provisória
editada.
Abaixo desta perspectiva, houve medidas provisórias que duraram anos, embora,
originariamente, não devessem ultrapassar, nesta condição, mais do que alguns dias.
A interpretação do Supremo Tribunal Federal fez com que, de fato, a medida
provisória não estivesse submetida a prazo algum, aparecendo como uma ilusão o interregno
dos trinta dias (Texto originário).
Em socorro desta interpretação, onde até o prazo constitucional dos trinta dias
tornou-se indeterminado (Texto originário), encontro raciocínios de base econômica e política
que, inegavelmente, terminaram por interferir no direito formal moderno. 35
Particularmente, considero que isto sabote a determinabilidade e a calculabilidade
jurídica, contribuindo para o que JUSTUS HEDEMANN chamou de osteoporose do direito.36
Ora, a despeito de a jurisprudência puder ser entendida como criadora, não deveria
tornar indeterminado algo que, naturalmente, não o é.
O prazo constitucional de vigência é um limite objetivo imposto pela ordem jurídica
constitucional em vigor, não podendo a jurisprudência construir um novo prazo, que, pela sua
35
Vide o estudo dos fenômenos de interferência, ou dos conflitos entre informação e interferência de
GUNTHER TEUBNER, em O Direito como Sistema Autopoiético. Obra citada. 1989, ps. 207 e ss. Nele, faz-se
alusão a JENSEN, MUNCH, LUHMANN e WILLKE.
36
Extraído de GUNTHER TEUBNER. O Direito como Sistema Autopoiético. Obra citada. 1989, p. 203.
22
indeterminação, provoca um conflito entre o processo prático e a previsibilidade
constitucional. 37
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Gráficas, 1997.
37
Note-se que esta questão é diversa daquela apresentada por KARL ENGISH, em sua Introdução ao
Pensamento Jurídico, quando ele menciona que até os conceitos exatos, como aqueles numéricos, podem tornarse indeterminados, exemplificando com as notas de exame, em relação às quais haveria uma certa «margem de
jogo» (extraído de Introdução ao Pensamento Jurídico. Obra citada. 1983, ps. 259-260).
23
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