Revista
ano VI n.XVIII
Justiça para
quem precisa
Dez anos separam a primeira da segunda passagem do Juizado Especial Itinerante
por Mateiros, no Estado do Tocantins, uma das cidades mais pobres do país,
próxima à entrada do Deserto do Jalapão. Via Legal acompanhou o trabalho
da comitiva que reuniu juízes, servidores e procuradores do INSS.
A constatação é que não é preciso muito para mudar a realidade de famílias inteiras,
que comemoram o fato de, finalmente, se tornarem visíveis para o Estado.
JUSTIÇA FEDERAL
Centro de Produção da Justiça Federal
Revista Via Legal
C
erca de 300 famílias beneficiadas de forma direta e uma comunidade inteira com a autoestima renovada e com mais disposição para o exercício da cidadania. Estes foram os resultados do Juizado Especial Federal itinerante, que esteve, pela segunda vez, na cidade de
Mateiros, no Tocantins. Nesta edição, a Revista Via Legal mostra detalhes da atuação da comitiva,
que reuniu juízes, servidores e representantes do INSS. A reportagem acompanhou o trabalho e
traz o relato de pessoas que sempre foram consideradas invisíveis para o Estado.
A vitória de mulheres que receberam próteses mamárias feitas com silicone industrial, inadequado a este tipo de procedimento, também é tema desta edição. Depois da descoberta da
irregularidade cometida por uma empresa francesa, muitas entraram em pânico e foram obrigadas a conviver com o risco de ter problemas graves de saúde. Como o material foi importado de
forma regular e tinha autorização do Ministério da Saúde, a Justiça Federal tem entendido que o
Estado brasileiro também deve ser responsabilizado. Resultado: algumas vítimas estão recebendo
indenização por danos morais.
Outro assunto abordado pela Revista são as consequências da circulação de caminhões com
excesso de peso pelas rodovias de todo país. Um mapeamento do Ministério Público Federal revelou quem são os 100 maiores infratores e a incidência da prática, que é apontada como uma das
principais causas da redução na vida útil das pistas. Por ignorar a legislação, uma transportadora
de Minas Gerais foi condenada a pagar indenização por danos morais coletivos.
Ainda em relação aos problemas que atingem as rodovias brasileiras, a Revista traz uma reportagem sobre o atropelamento de animais, uma causa frequente de acidentes e mortes. O
descaso dos donos e as falhas na fiscalização explicam boa parte das ocorrências que poderiam
ser evitadas. Dependendo do caso, as vítimas podem acionar a Justiça contra os responsáveis.
No Rio Grande do Sul, estado que se destaca pela quantidade de problemas desse tipo, um caso
terminou com a condenação da concessionária que administra a rodovia.
Nesta edição, Via Legal traz ainda uma reportagem especial com a história de vida de um
agricultor e artesão de Sergipe. Mesmo depois de uma vida inteira trabalhando no campo, ele
precisou recorrer aos tribunais para se aposentar como segurado especial. É que, para o INSS, era
do artesanato que Cícero tirava o sustento. Mas, na avaliação judicial do caso, ele provou que não
é o dinheiro, e sim o amor, que sempre explicou a sua dedicação à arte.
Boa leitura!
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Editorial
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Expediente
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Revista Via Legal
CONSELHO DA JUSTIÇA FEDERAL
Ministro FELIX FISCHER
Presidente
Ministro GILSON DIPP
Vice-Presidente
Ministro HUMBERTO MARTINS
Corregedor-Geral da Justiça Federal,
Presidente da Turma Nacional de Uniformização dos Juizados Especiais Federais e
Diretor do Centro de Estudos Judiciários
Ministra MARIA THEREZA ROCHA DE ASSIS MOURA
Ministro HERMAN BENJAMIN
Desembargador Federal CÂNDIDO ARTUR RIBEIRO FILHO
Desembargador Federal SERGIO SCHWAITZER
Desembargador Federal FÁBIO PRIETO DE SOUZA
Desembargadora Federal TADAAQUI HIROSE
Desembargador Federal FRANCISCO WILDO LACERDA DANTAS
Membros efetivos
Revista Via Legal – Ano VII – número XVIII – jan./abr. 2014
Revista Via Legal - Assessoria de Comunicação Social - Conselho da Justiça Federal
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TRF1: Ivani Morais
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Aparecida Jansen; MG: Christianne Callado de Souza; MT: Marisa dos Anjos Fernandes; PA: Paulo Bemerguy; TO: Fernanda Sousa Silva; PI: Viviane Bandeira; RO: Shigueo Maru; RR: Roberta Mattos
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Revista Via Legal
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Sumário
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Saúde
Próteses de silicone adulteradas evidenciam riscos de procedimentos estéticos
Decisão garante à mulher o direito de ter um acompanhante na hora do parto
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Tributário
Quem viaja com quantia acima do limite legal pode perder o dinheiro
Tributação do vale-transporte é questionada nos tribunais
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Conselhos profissionais
Justiça fixa limites à atuação dos Conselhos Regionais de Química
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Inclusão
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Deficientes visuais cobram recurso da audiodescrição em programas de TV
Iniciativa oferece assistência jurídica à população de rua
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Previdenciário
Artesão prova que ganha a vida como agricultor e consegue se aposentar
Tempo de trabalho como jovem aprendiz pode ser computado para aposentadoria
Aposentados que necessitam de acompanhante têm direito a acréscimo
Justiça itinerante volta ao Jalapão e julga questões previdenciárias
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Ambiental
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Licença ambiental é coisa séria, mas falta estrutura para fiscalizar
Instituição acolhe felinos sem chance de serem devolvidos à natureza
Empresa que desmatou Mata Atlântica é condenada a recuperar área
Animais soltos nas estradas são causas frequentes de acidentes
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Administrativo
Excesso de carga diminui vida útil das estradas e faz vítimas todos os dias
Fechamento de universidades afeta a vida de milhares de estudantes
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Preservação
Locomotiva abandonada em Recife deve voltar a Natal
Decisão abre caminho para proteção de sítios arqueológicos gaúchos
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Institucional
Projeto de reinserção social comemora 10 anos
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Notas
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Giro pelas decisões
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47
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Saúde
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Os riscos da beleza
Decisão da Justiça Federal em São Paulo garante indenização
por danos morais a vítimas que colocaram próteses de
silicone adulteradas. A polêmica foi descoberta em
2011, quando investigações confirmaram que uma
indústria francesa estava usando silicone industrial
na fabricação de próteses mamárias. Na época,
mulheres do mundo inteiro ficaram em alerta
Carolina Villacreces e Conceição Gama – São Paulo (SP)
O
Brasil é campeão mundial em cirurgias
plásticas. Os dados revelam que sete
em cada dez procedimentos são feitos
por motivos estéticos. Lipoaspiração, rosto e redução ou implante de silicone nas mamas são os
mais procurados. Só em 2013, mais de um milhão de brasileiras se submeteram a implantes
de próteses de silicone nos seios, uma cirurgia
relativamente comum, mas que não está imune
a riscos e outras implicações que podem, inclusive, terminar em processos judiciais.
Um dos casos mais recentes – cujos efeitos colaterais fizeram o assunto ir parar nos
tribunais – envolveu a descoberta de que uma
famosa marca francesa usou silicone industrial, produzido a partir de substâncias tóxicas,
na fabricação de próteses compradas por um
número expressivo de brasileiras. O escândalo
foi descoberto em 2011 e, na época, ficou comprovado que o produto era prejudicial à saúde.
Diante da extensão dos riscos e dos danos, o
Ministério da Saúde determinou que os planos
de saúde e o Sistema Único de Saúde (SUS)
cobrissem as despesas médicas relacionadas à
troca da prótese. Mas, para muitas mulheres, o
prejuízo vai além da necessidade de uma nova
cirurgia. Por isso, muitas têm recorrido à Justiça Federal, com a intenção de serem indenizadas por danos morais e materiais.
A estilista Daphne Dias Pires dos Santos, que
fez a cirurgia de implante de silicone em 2011,
está entre as brasileiras que decidiram buscar a
reparação. No ano passado, durante um exame
de rotina, ela levou um susto ao saber que precisaria trocar imediatamente as próteses, já que
uma delas havia rompido. “Fiz a nova operação
em uma semana. Eu não imaginava a gravidade
do problema, só descobri depois que a cirurgia
reparadora já havia sido feita. Estava tudo infeccionado ao redor da prótese, tinha muito pus. A
prótese, inclusive, estava até meio derretida. Se
esperasse um pouco mais, eu poderia ter ficado
com sequelas graves de saúde ou até ter morrido”, relata.
A corretora de imóveis Maria Aparecida Ferreira é outra vítima da adulteração de próteses
mamárias. Ela, que sempre quis colocar silicone
nos seios, fez até um empréstimo bancário para
realizar o sonho, que acabou se tornando um
pesadelo. “Precisei passar por uma nova cirurgia
e viver outra vez o incômodo pós-cirúrgico desnecessariamente. Mas, ainda bem, pelo menos
descobri o problema a tempo. E quem não descobriu?”, lamenta.
O diretor da Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica, Carlos Alberto Komatsu, afirma
que os cirurgiões plásticos possuem um banco
de dados com todas as informações sobre as
próteses usadas em cada paciente. Então, as
mulheres que possuem implante de silicone e
tenham quaisquer dúvidas sobre a qualidade de
suas próteses, devem procurar os médicos que
realizaram suas cirurgias. “A adulteração dessas
próteses mamárias foi um crime cometido pela
fábrica francesa. Nós, médicos, jamais esperávamos uma falsificação desse produto. O silicone
cirúrgico foi trocado por um silicone industrial
com muitos resíduos e que, ao longo do tempo,
pode corroer a prótese”, explicou Komatsu.
Decisões
A advogada Soraya Barbosa, que representa algumas vítimas da empresa francesa, explica como algumas de suas clientes se sentiram
quando souberam do problema com as próteses. “Muitas entraram em depressão, não saíam
para trabalhar, não se movimentavam, viviam
em função do problema. Tudo isso gerou danos
patrimoniais e morais”, reitera, defendendo a
necessidade de indenização. Desde 2013, vários
processos já foram julgados pela Justiça Federal
em São Paulo. Além da empresa fabricante das
próteses, o governo brasileiro também está
sendo responsabilizado pelo crime. O entendimento é que houve negligência de quem deveria fiscalizar a qualidade do material vendido no
mercado nacional.
Para a juíza federal Rosana Ferri, cada caso
deve ser analisado de forma específica. Segundo a magistrada, não se trata apenas de uma
questão estética, mas também de negligência
dos órgãos envolvidos. “Os artigos 12 e 18 do
Código de Defesa do Consumidor preveem a
responsabilização de todos (os órgãos e empresas envolvidos), não sucessivamente, mas
solidariamente. Então, todos respondem por
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Saúde
Fenômeno cultural
A prótese de Daphne dos Santos
rompeu e tinha muito pus no local
tudo e depois vão atrás de serem ressarcidos pelos corresponsáveis”, alerta
a juíza.
Daphne processou a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e ganhou o direito de receber de volta tudo
o que gastou na cirurgia, além da indenização por danos morais. “O governo tem
que arcar com algumas coisas para que
isso não ocorra mais”, afirma a estilista. Já
Maria Aparecida ainda aguarda a decisão
da Justiça. Porém, o que ela mais espera é
que esse tipo de falha não volte a se repetir. “Materiais cirúrgicos devem ser muito
bem fiscalizados, não podem chegar de
qualquer jeito até os pacientes. Afinal, são
muitas vidas em jogo”, desabafa.
Novos critérios
Procurada pela reportagem, a Anvisa informou que a questão envolvendo
a importação das próteses fabricadas
com silicone industrial levou a agência
a alterar as regras para o registro desse
tipo de produto. Hoje, as empresas interessadas em vender próteses mamárias no Brasil devem seguir a Resolução
16/2012. Entre as novas exigências, está
a de que as peças sejam certificadas pelo
Instituto Nacional de Metrologia, Qualidade e Tecnologia (Inmetro).
As novas regras incluem ainda a necessidade do cumprimento de testes rigorosos, a começar pela avaliação quanto à segurança em ensaios mecânicos,
biológicos e químicos nos laboratórios
indicados pelo Inmetro ou pela Anvisa.
Nesses testes são verificados itens como
a resistência do material e a composição
do silicone. A certificação inclui ainda
uma inspeção na linha de produção.
Além disso, as próteses devem vir acompanhadas de uma etiqueta de rastreabilidade. Neste caso, é garantida a possibilidade de identificação da origem da peça,
bem como a responsabilização do fabricante em caso de problemas.
n
A vontade de transformar o corpo, seja
por meio de intervenções cirúrgicas, seja
pela repetição de exercícios, não é recente no mundo e nem uma exclusividade da
civilização ocidental contemporânea. São
vários os exemplos de hábitos que têm o
objetivo de alterar a aparência da pessoa,
como a redução nos pés das chinesas, o
alongamento do pescoço com anéis de
metal entre as tribos asiáticas e as perfurações de algumas partes do corpo, em
algumas tribos indígenas.
No entanto, está bem claro que as
sociedades contemporâneas sofrem de
uma preocupação exacerbada com a
construção (ou reconstrução) do corpo,
em contrapartida a uma desvalorização
do aspecto natural. Basta observar o grande crescimento no número de academias
de ginástica, de clinicas de estética e de
cirurgias plásticas.
No Brasil, entre 2009 e 2012, o número de cirurgias plásticas cresceu 120%.
O país ultrapassou os Estados Unidos e
chegou ao primeiro lugar no ranking
internacional, na proporção cirurgia por
habitante, incluindo as cirurgias estéticas
e as reparadoras.
Para a Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica, a cirurgia estética é uma
forma de obter saúde e bem estar. “A definição de saúde pela Organização Mun-
dial de Saúde é o bem estar social, físico
e mental. Então a procura pela cirurgia
estética, embora algumas pessoas desvalorizem esse fato, é uma forma de se
obter saúde”, avalia o cirurgião plástico
Horácio Aboudib.
As cirurgias reparadoras são as menos procuradas, mas já aparecem nas estatísticas oficiais. Pessoas que são vítimas
de acidentes, de violência ou de uma doença grave, e desejam fazer uma cirurgia
plástica, podem, inclusive, procurar o
Sistema Único de Saúde. O SUS cobre
apenas plásticas reparadoras, como é o
caso de pessoas com fenda palatina (deformação genética na região da boca e
do nariz), lábio leporino (semelhante à
fenda palatina, que pode atingir até os
dentes e a gengiva), orelhas de abano, gigantomastia (seios muito grandes), entre
outros problemas.
A legislação também prevê que o Estado arque com os custos das cirurgias
para a colocação de silicone mamário,
no caso das mulheres que retiram o
seio, ou parte dele, por causa do câncer
de mama. Segundo dados do Portal da
Saúde, em 2012, foram realizadas pelo
SUS 1.394 cirurgias reparadoras de
mama, 50 a mais que no ano anterior. O
valor investido nesses procedimentos,
no período, somou R$ 1.158.937,91.
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Saúde
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Companhia
para o parto
Não é por falta de lei que no Brasil
muitas mulheres ainda entram
em salas de parto sozinhas, sem
acompanhante. No Pará, cinco
hospitais foram denunciados por
ignorar a norma, criada para dar
segurança à mulher em um momento
especial. O problema é mais
grave na rede pública e coloca as
maternidades na mira da fiscalização
Dione Tiago – Brasília (DF)
D
esde abril de 2005, quando a Lei 11.108
entrou em vigor no Brasil, alterando
dois dispositivos da Lei 8.080/90, os
hospitais do país são obrigados a permitir a
presença de um acompanhante durante todo
o trabalho de parto realizado nessas unidades.
A norma garante ainda que a indicação dessa
pessoa seja feita pela parturiente e que o acompanhante possa permanecer no local também
no pós-parto. As exigências, aparentemente simples, continuam sendo ignoradas por parte das
unidades de saúde, tanto públicas quanto privadas. Também não são raros os casos em que,
para cumprir a lei, a maternidade decide cobrar
um valor a mais da paciente. Não è à toa que
o assunto tem-se tornado objeto de ações judiciais, como a que tramita na Justiça Federal no
Pará. Cinco unidades de saúde que funcionam
na capital, Belém, e na região metropolitana,
foram denunciadas por descumprir a norma e
fazer cobranças indevidas.
Longe da capital paraense, também é possível ouvir relatos de quem foi prejudicado pelo
desrespeito à lei. O desempregado Leonardo de
Oliveira conta que, embora tenha se preparado
de forma intensa para a chegada de Pedro, hoje
com dois anos, só viu o filho no dia seguinte ao
parto. O pai lamenta ter sido impedido de exer-
cer um direito que ele sabia que tinha e com o
qual contava. “Poder contar para ele mais tarde
como foi que tudo aconteceu, que eu estava lá
com a mãe dele, minha esposa. Eu acredito que
isso seria muito importante para a família e para
ele também saber que eu estou e estarei com ele
em todos os momentos”, afirma.
O parto de Pedro foi feito em um hospital público de Brasília e, segundo a mulher de
Leonardo, Poliana Aguiar, a proibição de que o
marido a acompanhasse na sala de parto partiu
do médico responsável pelo procedimento, um
profissional que não teve o nome revelado por
ela. “Por que um médico pode criar a lei dele
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dentro do hospital, sendo que existe toda uma
lei, que o governo está dando esse amparo ao
cidadão? Aí chega lá, nesse momento de fragilidade, e uma pessoa te barra”, questiona Poliana.
São várias as razões que levaram a legislação
a garantir a presença do acompanhante na sala
de parto. A médica Lucila Nagata lembra que já
foram comprovados os benefícios dessa ajuda
emocional do acompanhante, que reflete na parte hormonal da paciente, fazendo com que ela
acredite que será capaz de concluir o procedimento. “Ajuda a minimizar aquele sofrimento da
dor do trabalho de parto, incentiva na hora que a
paciente precisa fazer a força para o nascimento,
a torcida é importante. Para a mulher, é saber que
tem uma pessoa que gosta de você, do seu lado,
num momento importante da sua vida”, resume.
“O acompanhante tem que emprestar o
equilíbrio emocional dele para a parturiente e
ajudá-la a achar que é capaz. Ajudá-la no controle não farmacológico da dor. E depois, ajudá-la
a caminhar, ir para o banho. Ela tem que fazer
exercício e o acompanhante tem que estar em
todos os momentos, para que o trabalho de parto possa fluir bem”, completa a psicóloga Alessandra Arrais, que atua em Brasília. A especialista
vai além e diz que ter o companheiro presente
no momento do parto também ajuda a prevenir
a depressão pós-parto, fortalecer a relação conjugal e a família.
Alegações conhecidas
Até que a realidade verificada nas maiores
maternidades de Belém fosse denunciada à Justiça Federal, foram muitas as reclamações e relatos de mulheres obrigadas a entrar nas salas de
parto sozinhas. O caso foi levado ao Ministério
Público Federal em 2010, pela organização não-governamental Parto do Princípio, que apresentou denúncias de várias pacientes de que os
hospitais se negavam a permitir que o marido
Mauro Putini / TRF1
Lucila Nagata: benefícios da
ajuda emocional do acompanhante
são comprovados
acompanhasse o parto. Em um dos depoimentos, a parturiente diz que, depois de muita negociação, permitiram que um tio dela entrasse na
sala, “porque ele era médico”.
De posse dos dados preliminares, foi aberto um inquérito, que acabou comprovando os
indícios e sustentando a abertura de uma ação
civil pública que tem como réus os hospitais Benemérita Sociedade Portuguesa Beneficente do
Pará; a Clínica Cirúrgica Samaritano; a Maternidade do Povo; a Venerável Ordem Terceira e a
Anita Gerosa. A União e a Agência Nacional de
Saúde Suplementar (ANS) também foram incluídos na lista de denunciados, sob a acusação de
não fiscalizarem o cumprimento das leis federais
que sustentam o direito das pacientes.
No processo, o procurador da República
Alan Mansur Silva relata a existência de farto material que desmente as alegações das unidades
hospitalares de que cumprem a lei. Ele afirma,
por exemplo, que um dos hospitais processa-
As parturientes têm direito
ao acompanhante de sua
escolha, sem limitação de
sexo, tipo de procedimento
ou local de hospedagem
dos, o Samaritano, admitiu que permite a presença apenas de mulheres como acompanhantes em partos, impedindo a entrada dos pais.
Os mesmos relatos – de exigência ilegal de que
o acompanhante seja mulher – se repetem no
Hospital da Ordem Terceira, na Maternidade do
Povo e no Hospital Anita Gerosa.
Em outra unidade, um dos relatos denunciava que mesmo a mãe da parturiente foi impedida de acompanhar o trabalho de parto. “É
evidente que as informações apresentadas pelas
instituições hospitalares não demonstram a realidade da situação. Mesmo respondendo ao MPF
que estão garantindo regularmente o direito ao
acompanhante às gestantes, ainda há diversos
casos relatados por grávidas que não puderam
gozar o seu direito em um momento tão delicado, atestando a desobediência ao normativo
legal”, sustenta um dos trechos da ação do MPF.
O relato da paciente Jennepher Silva Linhares, que deu à luz no Hospital Beneficente Portuguesa de Belém e que também embasa a ação
judicial, não deixa dúvidas de que a lei do acom-
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Saúde
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Edson Queiroz / CJF
Segundo Alessandra Arrais, ter o
companheiro presente no momento do
parto ajuda a fortalecer a família
panhante era mesmo desrespeitada no Estado.
“Cheguei à maternidade e fui encaminhada para
o centro obstétrico. Neste andar minha mãe pôde
entrar, mas foi impedida de entrar comigo na sala
enquanto eu sentia dor. Passei o dia sozinha nessa sala. Entrei às 8 horas e tive meu filho por volta
das 20 horas. Meu marido ficou na recepção do
hospital e não pôde nem subir para esperar junto
com minha mãe”, detalha a paciente.
Além do Ministério Público, as infrações
também foram confirmadas pela Secretaria de
Estado de Saúde Pública que, ao longo de 2013,
afirma ter concluído três relatórios de supervisão
das maternidades da região metropolitana de
Belém. Em todas as inspeções, os fiscais constataram que os hospitais processados estão irregulares no cumprimento à lei do acompanhante.
Na ação, que ainda não foi analisada pela
Justiça Federal, o MPF pede que a ANS seja obrigada a fiscalizar o cumprimento integral das Leis
8.080/90 e 11.108/2005 e que os cinco hospitais
passem imediatamente a garantir a todas as parturientes o direito de ter um acompanhante, “de
sua livre escolha, sem limitação de sexo, tipo de
procedimento ou local de hospedagem durante
o trabalho de parto, o parto e o pós-parto, sem
qualquer cobrança adicional”.
Procurada pela reportagem do programa
de TV Via Legal, a ANS preferiu se manifestar
por meio de nota. A agência explicou que a
fiscalização é baseada em denúncias e que não
foi notificada sobre a ação judicial. O Hospital
Maternidade do Povo e a Benemérita Sociedade Portuguesa Beneficente do Pará voltaram a
negar o descumprimento da lei, assim como
fizeram no momento em que foram interpelados pelo Ministério Público Federal. Já a Clínica
Cirúrgica Samaritano, o Hospital Anita Gerosa
e a Venerável Ordem Terceira não quiseram se
manifestar sobre as acusações.
n
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Tributário
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Revista Via Legal
Limites na bagagem
Em viagens internacionais, levar dinheiro demais na
bagagem pode configurar crime de evasão de divisas.
As regras são claras e rígidas, mas, mesmo assim,
há quem prefira se arriscar
Simone Aragão – Brasília (DF)
A
presença de turistas estrangeiros no
Brasil tem crescido ano após ano. Em
2014, por exemplo, o governo calcula
que o país recebeu 1 milhão de pessoas de
202 nacionalidades, apenas durante a Copa do
Mundo de Futebol. Uma das cidades-sede dos
jogos, São Paulo recebeu cerca de 400 mil visitantes, que gastaram mais de R$ 1 bilhão. Boa
parte dos gastos foi feita por meio de cartões,
mas quem preferiu trazer dinheiro vivo precisou obedecer à Instrução Normativa 1.385 da
Receita Federal. A norma disciplina a entrada
de moeda em espécie no território nacional e
prevê, por exemplo, que o visitante que estiver portando mais de R$ 10 mil seja obrigado a
apresentar a Declaração Eletrônica de Bens de
Viajantes (e-DBV ). Quem for descoberto descumprindo a regra perde o excedente e, nestes
casos, a via judicial é a única alternativa para
tentar reaver a quantia retida pelo Estado.
A justificativa para limitar a entrada de moeda não declarada é o combate à sonegação fiscal
e à lavagem de dinheiro, dois crimes que causam
prejuízos milionários aos cofres públicos. Em
2013, foi apreendido, em espécie, um total de
US$ 275.000,00. A forma mais usada pelos viajantes para transportar o dinheiro que extrapola o
limite legal é junto ao corpo, nas roupas ou nas
bagagens de mão. Entre os estrangeiros flagrados pela fiscalização, está um colombiano que
desembarcou em Brasília com R$ 21 mil. Ainda
no terminal, agentes da Receita Federal apreenderam os R$ 11 mil excedentes.
Insatisfeito com a perda do dinheiro, o homem levou o caso à Justiça Federal. No processo
aberto contra a União, ele alegou desconhecer
as regras e pediu para que fosse levado em conta o princípio da reciprocidade, frisando que na
Colômbia as regras permitem que o estrangeiro
entre no país portando valores mais altos. O processo foi analisado no Tribunal Regional Federal
da 1ª Região, onde teve como relatora a desembargadora Maria do Carmo Cardoso.
Para a magistrada, os argumentos e os pedidos apresentados pela defesa do colombiano
não podem ser aceitos. “Não há possibilidade
de reciprocidade, porque o Brasil não tem nenhum tratado com a Colômbia nesse sentido. E
depois, a norma é clara. O estrangeiro que aqui
ingressa tem que declarar efetivamente o que
está trazendo. E nesse caso ele trouxe acima do
permitido”, afirmou no voto. Com a decisão, a
Receita Federal não precisou devolver os R$ 11
mil reais, ficando configurada a aplicação da chamada pena de perdimento, prevista para casos
como esse. Quando isso ocorre, os valores são
encaminhados ao Banco Central.
Ainda na decisão, a desembargadora lembrou a importância da restrição imposta pelo
governo brasileiro como medida de proteção
nacional. “Nós temos que preservar a soberania
do nosso país. Havendo um tratado internacional, aplicar-se-ia o princípio da reciprocidade,
mas não é o caso. A lei permite que se façam
transações bancárias, não o porte de valores
acima do permitido, porque isso poderá ensejar
uma fraude”, concluiu.
Evasão de divisas
As regras que limitam a quantidade de dinheiro que pode ser transportada por viajantes
devem ser respeitadas também por quem está
deixando o Brasil. Em 2007, os fundadores da
Igreja Renascer em Cristo, Estevam e Sônia
Ramon Pereira / TRF1
Maria do Carmo
explica que a regra
é clara: estrangeiro
que chega ao Brasil
tem que declarar o
que está trazendo
Revista Via Legal
Hernandes, foram presos ao entrar nos
Estados Unidos com dólares não declarados. Segundo informou a polícia local, o
casal portava US$ 56 mil, embora tivesse
declarado à alfândega norte-americana
que levava menos de US$ 10 mil cada um.
Os dois foram detidos no Federal
Detention Center, em Miami, em celas
separadas. Depois, passaram a cumprir
prisão domiciliar. Quando foram liberados, passaram a usar tornozeleiras eletrônicas. O equipamento, que permite o
monitoramento de todos os passos da
pessoa, foi usado pelo casal enquanto
durou o processo. Eles foram denunciados também por contrabando, conspiração e falso testemunho.
Um caso parecido foi julgado em Porto Alegre, quando a Justiça Federal condenou duas sócias de uma joalheria por
evasão de divisas. A denúncia, feita pelo
Ministério Público Federal (MPF), foi embasada na “Operação Ouro Verde”, que
resultou em mais de 100 ações penais,
apenas no Rio Grande do Sul. De acordo com a denúncia, as empresárias realizaram operações de câmbio e remessa
internacional de valores por meio de instituições financeiras não autorizadas. O
MPF alegou ainda que elas teriam praticado sonegação fiscal. O total enviado para
o exterior ultrapassou os US$ 500 mil.
As empresárias negaram o crime mas,
para a juíza Karine da Silva Cordeiro, da 7ª
Vara Federal de Porto Alegre, ficou comprovada no processo a prática de operações de câmbio, realizadas sem o conhecimento dos órgãos oficiais, procedimento
chamado de dólar-cabo. Com base nisso,
a juíza condenou as rés à pena privativa
de liberdade pelo período de 3 anos, 10
meses e 20 dias e ao pagamento de 175
dias-multa. A pena privativa de liberdade
foi substituída por prestação de serviços à
comunidade ou a entidades públicas. n
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Legislação de Re
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osto de 2013
Instrução No
1.385, de 15 de ag
nº
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Instrução No
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Fonte: http://www.
|
Tributário
Limite também atinge
bens importados
O Brasil conta com 16 aeroportos internacionais
que oferecem voos regulares. Os três que mais recebem
passageiros vindos do exterior são o de Guarulhos (SP),
com cerca de 540 mil por mês; o do Galeão (RJ), com
175 mil, em média; e o de Brasília (DF), com aproximadamente 23 mil passageiros/mês. De acordo com a
Assessoria de Imprensa da Receita Federal em Brasília,
cerca de 5% dos passageiros que desembarcam na capital federal, vindos do exterior, têm suas bagagens inspecionadas – para cerca de metade dos viajantes, elas são
verificadas por meio de scanners e, nos demais casos,
há a abertura e conferência dos volumes.
As checagens têm como objetivo evitar a entrada
de mercadorias proibidas ou em excesso, garantindo,
dessa forma, o recolhimento dos tributos devidos ou
mesmo a perda dos produtos. Ao longo de 2013, o fisco registrou 861 ocorrências de retenção e apreensão
de mercadorias no aeroporto de Brasília. Os números
e os relatos de quem foi flagrado não deixam dúvidas:
muita gente ainda prefere correr o risco e trazer bens
ou dinheiro acima do permitido. Foi o caso do agente de viagem Guilherme Saldanha. “Eu não cheguei a
contar com a sorte. Eu fui preparado para comprar e
pagar o excedente com consciência de que ainda assim
seria mais barato”, afirma Guilherme, autuado quando
voltava de uma viagem ao Paraguai.
Muitas vezes, a punição não se restringe à cobrança
dos impostos referentes aos produtos que excederam o
limite legal. No caso de Guilherme, a abordagem incluiu
um tremendo susto. A Receita Federal levantou a suspeita de que ele estava contrabandeando os produtos. “Pediram para vistoriar minha bagagem e, quando abriram,
viram que eu estava excedendo muito. Eu estava com
um excedente de mais ou menos U$ 2,3 mil dólares. A
fiscal verificou a minha frequência de entrada e saída em
Foz do Iguaçu, concluiu que eu não tinha o intuito de
contrabandear e me liberou”, conta o agente de viagem,
revelando alívio com o desfecho do caso.
A chefe da Divisão de Controles Aduaneiros Especiais da Receita Federal, na época, Edna Moretto,
pontuou a importância de se ter em mente que, no
conceito de bagagem estão os bens de uso pessoal,
como roupas, perfumes e cremes, desde que em quantidades compatíveis com a viagem. “Por exemplo, nada
justifica uma pessoa trazer 15 camisas, porque pressupõe comércio. Nossa preocupação é inibir o comércio,
porque vai competir com as pessoas que pagam tributos e é uma concorrência desleal”, ressalta. A penalidade nos casos em que fica demonstrada a intenção de
comércio ilegal é a apreensão dos produtos.
9
10
Tributário
|
Revista Via Legal
Transporte garantido
Criado há quase 30 anos para facilitar a vida dos
trabalhadores, o vale-transporte é a origem de uma queda
de braço entre o INSS — que pretendia incluir os valores
pagos aos empregados na base de cálculo da contribuição
previdenciária — e empresas, para quem o benefício tem
natureza indenizatória
Adeílton Oliveira – Rio de Janeiro (RJ)
T
odos os dias, milhões de brasileiros usam
o vale-transporte para se deslocar de casa
para o trabalho. O benefício envolve muito dinheiro e, exatamente por isso, acabou se
tornando o centro de uma disputa que já chegou
à Justiça Federal no Rio de Janeiro. De um lado,
o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) entende que é possível cobrar contribuição previdenciária sobre os valores, nos casos em que o
pagamento é feito em dinheiro. Do outro, oito
empresas de saúde localizadas na região sul-fluminense tentam afastar o risco de pagar impostos sobre o total repassado aos funcionários.
Constituição de 1988 e tem sido encarada pelo
INSS como uma brecha para incluir a verba na
base de cálculo da contribuição previdenciária.
A discussão judicial partiu de uma ação
proposta por clínicas de Volta Redonda (RJ).
Em primeira instância, o pedido foi negado e
a ação, extinta. Na decisão, o juiz, apesar de
reconhecer a inconstitucionalidade da incidência da contribuição previdenciária sobre o
vale-transporte pago em pecúnia, não acatou
o pedido por “ausência de prova pré-constituída”, conforme sustentaram os autores do
mandado de segurança.
Inconformadas, as empresas recorreram ao
Tribunal Regional Federal da 2ª Região, onde o
caso foi analisado pelo desembargador federal
Luiz Antônio Soares. No recurso, as empresas
pediram que fosse reconhecida a inexistência de
relação jurídica que pudesse justificar a incidência da contribuição previdenciária, além de ser
assegurado o direito de efetuar a compensação
dos valores indevidamente recolhidos nos últimos dez anos, corrigidos monetariamente pela
taxa SELIC e acrescidos de juros de mora de 1%
ao mês, a partir de cada pagamento indevido.
No julgamento do recurso, o relator citou o
entendimento firmado em 2010 pelo Supremo
Tribunal Federal (STF), quando a corte reconheceu o caráter não salarial do benefício, seja ele
pago em vale-transporte ou em moeda. A partir
desse reconhecimento, o magistrado acatou de
forma parcial o recurso, determinando a reforma da sentença de primeiro grau no sentido de
assegurar a compensação dos valores indevidamente recolhidos nos cinco anos que antecederam a propositura da ação. Ainda de acordo
com a decisão, a compensação deve ser efetuada após o trânsito em julgado do processo, momento em que o processo é finalizado, ou seja,
não cabe mais nenhum recurso.
Arquivo TRF2
Os argumentos contrários ao INSS têm
como base a Lei 7.418/85, que criou o benefício. O artigo 2º do texto legal deixou claro que
o vale-transporte não tem natureza salarial, não
se incorpora à remuneração para quaisquer efeitos; não constitui base de incidência de contribuição previdenciária ou de Fundo de Garantia
por Tempo de Serviço (FGTS), nem se configura
como rendimento tributável do trabalhador.
A norma que regulamentou a concessão
do benefício proíbe o pagamento em dinheiro.
Uma restrição que, para muitos advogados, é incompatível com o sistema tributário previsto na
O desembargador Luiz Antônio Soares
reconheceu o caráter não salarial
do vale-transporte
Revista Via Legal
O advogado Felipe Ribeiro, que trabalha no
escritório responsável pela ação judicial, explica
que as empresas sempre discutiram a base de
cálculo da contribuição previdenciária da cota
patronal. “A legislação institui como cotas de
incidência desse tributo a folha de salário, mas
muitos empregadores questionam o que de fato
é considerado remuneração. O propósito era
afastar a possibilidade da Fazenda Nacional e da
Receita Federal exigirem o tributo em relação a
essa verba. Ainda que se pague o valor em pecúnia, não vai descaracterizar a natureza do benefício”, disse ele.
A decisão cria uma jurisprudência que pode
beneficiar outras trinta ações coletivas que já
tramitam na Justiça com o mesmo objetivo. Mais
do que isso: a expectativa é que o Poder Legislativo altere a norma que veda a concessão do
benefício em dinheiro. “Até que o STF declare
a inconstitucionalidade da norma, a administração permanecerá exigindo, então o intuito foi
exatamente preventivo, para que a empresa não
seja compelida a recolher o tributo e que isso
não seja um óbice para expedição de certidões
negativas com efeitos positivos, certidões de regularidade fiscal”, completa Felipe.
Como funciona
O vale-transporte surgiu em 1985, diante de
um cenário de caos econômico. Época de hiperinflação, com preços que subiam todos os dias. Os
trabalhadores tentavam se planejar para que o salário fosse suficiente até o fim do mês. A situação
piorava a cada dia, porque o preço da passagem
do transporte público também era reajustado por
conta da inflação. A consequência era que, em determinado ponto do mês, o trabalhador não tinha
mais o dinheiro para chegar ao emprego. “Tinha
que ter o dinheiro da passagem, então eu separava a quantia, mas tinha que arrumar outros meios
para ir trabalhar, porque o dinheiro não dava”,
lembra o arquivista Luis Antônio de Almeida.
No começo, o vale-transporte era opcional,
mas, dois anos depois, passou a ser obrigatório. Com o tempo, deixou de ser de papel e se
transformou em eletrônico, impossibilitando
qualquer tentativa de venda. Tornou-se a prova
de falsificações e, mesmo quando é furtado ou
roubado, o trabalhador pode cancelar o cartão
sem perder o saldo, até que a segunda via fique
pronta. Ainda tem outra vantagem: como só é
aceito por empresas credenciadas, desestimula
o uso de transporte clandestino.
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Tributário
11
De acordo com Guilherme Wilson, gerente de Planejamento e Controle da Federação
das Empresas de Transporte de Passageiros do
Estado do Rio de Janeiro - Fetranspor, o vale é
a principal fonte de financiamento para a operação do transporte urbano no país, sendo
responsável por quase 60% do faturamento do
setor. “Por meio do gerenciamento, as empresas
conseguem identificar, e até acompanhar, o uso
dos recursos que elas estão fornecendo. Antes,
você dava o benefício, mas não sabia se o trabalhador estava utilizando, se ele de fato precisava.
Hoje, você consegue avaliar isso. E o vale, como
benefício, acaba fortalecido”, concluiu.
n
Divulgação Fetranspor
Para Guilherme Wilson, o vale é a
principal fonte de financiamento do
transporte urbano no país
12
Conselhos profissionais
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Revista Via Legal
Exigências
descabidas
O critério legal de
obrigatoriedade, tanto
de registro como de
contratação de profissional
habilitado, é determinado
pela natureza dos serviços
prestados. Com este
entendimento, a Justiça
Federal limitou a atuação
de conselhos que vinham
exigindo a cobrança de
anuidade ou a contratação
de profissionais de forma
indevida
Dione Tiago, com a colaboração de
Viviane Rosa – Brasília (DF)
A
atuação de conselhos federais e regionais, criados
com a missão de regulamentar e fiscalizar a atuação profissional em determinadas áreas, é hoje objeto de milhares de ações judiciais em tramitação no país.
Os motivos dos questionamentos são muitos e vão dos
valores cobrados, como anuidades, às exigências para a
emissão de registros e de carteiras profissionais. No caso
do órgão que representa os químicos, outro motivo também tem levado a entidade ao banco dos réus: a tentativa
de exigir a contratação de pessoas com formação superior na área para exercer atividades que, quase sempre,
não guardam relação direta com a prática química.
Revista Via Legal
Um exemplo desse comportamento foi
adotado por alguns conselhos regionais, que
entendem ser legal a exigência de que condomínios residenciais contratem um profissional
formado em Química para ser o responsável
técnico pela limpeza de piscinas coletivas. Em
Porto Velho (RO), por exemplo, a contratação
só deixou de ser exigida depois de duas determinações judiciais.
O caso chegou aos tribunais por iniciativa
do Conselho Regional de Química da 14ª Região
(CRQ14). No processo, a entidade pediu que a
limpeza das piscinas fosse condicionada ao registro do condomínio no CRQ e à contratação
de responsável técnico pelo serviço. A entidade
alegou ainda que a falta de um controle rigoroso
da água – a ser feito por quem entenda do processo de descontaminação, análise e utilização
de produtos químicos –, representa risco para
a saúde dos condôminos. O conselho sustentou
que, como o tratamento da água requer o uso
de substâncias controladas e dirigidas – sem
aditivos químicos pré-fabricados –, justifica-se a
competência exclusiva do químico.
No entanto, os argumentos da entidade não
convenceram nem o juiz que analisou o processo em primeira instância e nem o relator do recurso no Tribunal Regional Federal da 1ª Região,
o desembargador federal Reynaldo Fonseca. Ao
analisar o caso, o magistrado negou o pedido,
confirmando o direito do condomínio de contratar outros profissionais para fazer a limpeza
das piscinas. O desembargador lembrou que a
Lei 6.839, de 1980, deixa claro que o registro de
uma instituição ou entidade em um determinado órgão de classe deve ocorrer de acordo com
a principal atividade desempenhada. “Então, a
primeira pergunta que se faz: qual é a atividade
básica de um condomínio residencial? É a ativiASCOM / TRF1
Para Reynaldo Fonseca,
não é necessária a
contratação de químico
para manipular as
substâncias usadas na
limpeza das piscinas
dade de reação química? Não. Portanto, o pedido do Conselho não foi aceito”, resume.
Ainda na decisão, o desembargador rebateu os argumentos da entidade em relação à
necessidade do químico na manipulação das
substâncias usadas na limpeza das piscinas. Para
Fonseca, esses produtos são vendidos prontos e
vêm acompanhados de instrução de fácil compreensão. “Precisamos ter um profissional de
Química fiscalizando as reações químicas na sua
produção. Agora, não podemos chegar ao absurdo de entender que em uma casa seja necessária
a contratação de um profissional químico fiscalizando a piscina”, encerrou.
Peças de arte
E essa não foi a única derrota jurídica recente sofrida pelos conselhos regionais de Química. Em São Paulo, outra sentença impediu a
(...) a Lei 6.839, de
1980, deixa claro que
o registro de uma
instituição ou entidade
em um determinado
órgão de classe deve
ocorrer de acordo com
a principal atividade
desempenhada
entidade de fazer cobranças e impor obrigações a uma empresa. A determinação foi dada
pelo Tribunal Regional Federal da 3ª Região
e tem como beneficiária a empresa Cerâmica
Artística Alvorada, instalada na cidade de Porto
Feliz, no interior do Estado.
A unidade, que produz peças de arte tendo a cerâmica como matéria-prima, vinha sendo pressionada por integrantes do CRQ da 4ª
Região (CRQ4), inclusive com a execução de
dívidas geradas a partir do não pagamento da
anuidade exigida pelo órgão de classe. Para justificar as autuações, o CRQ4 afirma que a empresa
executa atividades próprias da indústria química e que, por isso, com base no artigo 1º da Lei
6.839/80, deveria ter o registro junto à entidade.
Por discordar da medida, a empresa acionou a Justiça Federal e, em primeira instância, o
pedido foi considerado improcedente. Na opor-
|
Conselhos profissionais
13
tunidade, o juiz levou em conta um laudo pericial, segundo o qual ocorrem reações químicas
durante o processo produtivo, especialmente
durante a queima das peças. A cerâmica não se
conformou e levou o caso ao TRF3, onde obteve
uma resposta positiva. Como argumentos para
se livrar da obrigação, a empresa alegou que a
fabricação de material cerâmico prescinde de
químico responsável, uma vez que a obtenção
de seus produtos finais decorre de simples operação com matéria-prima e componentes adquiridos livremente no comércio. Afirmou ainda
que sequer possui laboratório próprio.
O recurso foi analisado pelo desembargador
federal Johonsom De Salvo, que foi taxativo na
decisão. Citando a Lei 2.800/56, que criou e estabeleceu as regras gerais para atuação do Conselho Federal de Química, e a Consolidação das
Leis Trabalhistas (CLT), o magistrado frisou que
o critério legal de obrigatoriedade, tanto de registro como de contratação de profissional habilitado, é determinado pela natureza dos serviços
prestados. “A parte autora não é uma indústria
que se dedica ao ramo da química como atividade-fim, possuindo por objeto social a fabricação
de material cerâmico, pelo que é inexigível seu
registro no CRQ”, afirmou em um dos trechos
da decisão, que também considerou desnecessária a inscrição da pessoa jurídica junto ao órgão
de classe.
No processo, o CRQ4 ainda sustentou que
o rol de atividades que exigem a contratação de
químicos pelas indústrias, discriminado no artigo 335 da CLT, é meramente exemplificativo.
Mas o argumento não convenceu o magistrado
que, listando decisões semelhantes tomadas no
próprio TRF3 e também no Superior Tribunal de
Justiça (STJ), isentou a indústria de se submeter
à fiscalização do conselho.
n
EMAG / TRF3
De Salvo destacou que
a obrigatoriedade se
restringe às indústrias
que se dedicam ao
ramo da química
como atividade-fim
14
Inclusão
|
Revista Via Legal
Ouço, logo vejo
Há pelo menos oito anos, o Brasil espera o cumprimento de uma norma que
deveria ser sinônimo de acessibilidade e cidadania. Por lei, as emissoras de TV
devem incluir, de forma gradativa, o recurso da audiodescrição na programação.
Mas prorrogações e recursos judiciais têm retardado a implantação da medida,
criada para garantir mais autonomia aos deficientes visuais
Adriana Dutra, com informações de Viviane Rosa - Brasília (DF)
“U
ma determinada empresa faz uma propaganda e diz: ‘ligue agora para o telefone que está na sua tela’. Dá vontade
de morrer, porque você não tem acesso a isso”.
O desabafo é da servidora pública Noemi Rocha. A brasiliense está entre os 16 milhões de
brasileiros com deficiência visual e reclama da
indisponibilidade do serviço de audiodescrição,
previsto na Lei 10.098/00, a lei de acessibilidade. O serviço está no centro de um imbróglio
jurídico, e teve o mais recente capítulo no fim
do ano passado, quando uma liminar, concedida
pelo ministro Marco Aurélio, do Supremo Tribunal Federal (STF), suspendeu uma decisão do
Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1)
e uma portaria do Ministério das Comunicações,
que determinavam o cumprimento imediato do
cronograma original de implantação da audiodescrição na programação das emissoras de TV
que exploram canais abertos.
Tudo começou em junho de 2006, quando
a Portaria 310/06, do Ministério das Comunicações, instituiu o prazo de 24 a 132 meses para
implantação da audiodescrição. Na época, dúvi-
das e perguntas sobre detalhes técnicos levaram
o órgão a abrir uma consulta pública sobre o
tema. O resultado foi a criação de novo calendário de implantação, definido por meio da Portaria 188/10, segundo o qual as emissoras teriam
até dez anos, a contar de 1º de julho de 2010,
para atingir o mínimo de 20 horas semanais de
disponibilização do recurso na programação.
A flexibilização para o cumprimento da
regra deixou insatisfeito o Ministério Público
Federal (MPF), que decidiu comprar a briga.
Para a procuradora da República no Distrito
Federal, Luciana Loureiro, a alteração contrariou os interesses dos deficientes visuais. “Se
essa norma complementar tivesse entrado em
vigor em 2006, nós chegaríamos em 2016 com
as 24 horas da programação televisiva dotada
de recursos de audiodescrição”, reclama a procuradora. O MPF ajuizou, então, uma ação civil
pública. A disputa judicial colocou em lados
opostos o MPF, que defende o cumprimento
da norma de 2006, e o Ministério das Comunicações (MC), para quem as regras a serem
obedecidas são as da Portaria 188/2010.
No TRF1, o relator do processo, desembargador Souza Prudente, afastou o novo cronograma, considerando que “as restrições aos
direitos dos portadores de necessidades visuais,
elencadas na Portaria 188/2010, afiguram-se
como graves violações aos princípios da não
discriminação, da proibição do retrocesso e da
isonomia, na medida em que impõe tratamento
diferenciado ao mesmo universo de telespectadores que pretendem ter acesso às fontes de
cultura nacional”. Esse resultado levou o MC a
editar a Portaria 322/A/2013, determinando o
cumprimento imediato do cronograma inicial.
Para Souza Prudente, a regulamentação
deve funcionar como forma de tornar efetivas as
medidas de inclusão dos portadores de deficiência. “No que se refere à programação televisiva,
as regras visam dar eficácia plena à Constituição,
que garante a todos o acesso à informação (CF,
artigo 5º, XIV ), promovendo a integração na
vida comunitária das pessoas portadoras de deficiência (CF, art. 203, IV ) e assegurando a todos o
pleno exercício dos direitos culturais e acesso às
fontes de cultura nacional (CF, art. 215, caput)”.
Revista Via Legal
Com esse resultado, quem ficou insatisfeita
foi a Associação Brasileira de Emissoras de Rádio
e Televisão (Abert), que entrou então com uma
Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF 309) junto ao STF. A intenção
era que o STF declarasse a constitucionalidade
da Portaria 188 e a inconstitucionalidade da
Portaria 322/A/2013 e do acórdão do TRF1. Segundo a associação, a exigência de cumprimento imediato do cronograma original, além de
transgredir diversos preceitos fundamentais, é
impossível de ser atendida devido a “obstáculos
técnicos intransponíveis” e aos altos custos de
adaptação de uma tecnologia já defasada, o que
geraria sérios problemas financeiros e operacionais e teria impacto negativo na migração para
a TV digital. A entidade argumenta ainda que o
cronograma de 2010 leva em conta a necessidade de adaptação das emissoras à tecnologia digital e as dificuldades de implantação da audiodescrição em tecnologia analógica, e foi instituído
com ampla participação da sociedade civil.
Os argumentos da Abert foram aceitos no
STF. Ao conceder a liminar, o ministro Marco
Aurélio destacou que a matéria “envolve dificuldades empíricas e técnicas que exigem
conhecimentos e informações específicas indispensáveis”. E, na sua avaliação, o Ministério
das Comunicações, “sob uma óptica realista”, é
o órgão habilitado, “diante do quadro de pessoal
que possui e da função constitucional que desempenha, a tomar decisões complexas como
a ora examinada, considerados aspectos essencialmente técnicos, diagnósticos tematicamente
particularizados e necessidade de amplo domínio sobre as limitações fáticas e as perspectivas
operacionais dos destinatários da política pública em jogo”, frisou na decisão.
O ministro assinalou ainda que as múltiplas
variáveis que levaram à alteração do cronograma
Agência STF
Marco Aurélio entende que o Ministério
das Comunicações é competente para
definir o cronograma
“não são imunes ao crivo judicial, especialmente
se levada em conta a relevância constitucional
do propósito social buscado”. Alertou, porém,
que a complexidade “requer cautela por parte
dos magistrados e maior deferência às soluções
encontradas pelos órgãos especialistas na área”.
Assim, o afastamento dos motivos que levaram à
mudança “pode corresponder a imposições impossíveis de serem realizadas e à usurpação de
competência do agente constitucionalmente legitimado para resolver questões dessa natureza,
resultando na transgressão de preceitos fundamentais como a separação de poderes, o devido
processo legal e a eficiência administrativa”.
Serviço valioso
A funcionária pública Noemi Rocha é casada
com o cineasta João Júlio Antunes, que também
tem a visão limitada — ambos só enxergam vultos. Ela perdeu a visão em um acidente de carro
e ele sofre de retinose pigmentar — doença incurável que provoca perda de visão noturna e
dificuldade de enxergar quando há pouca lumi-
“(...) Nós queremos ter
o direito de assistir a
um filme livremente e
enxergar, entende?”
Noemi Rocha
nosidade ou claridade excessiva, além de perda
progressiva da visão periférica e estreitamento
do campo visual. Apesar da cegueira, eles contam que conseguem desempenhar, sem ajuda,
várias atividades do dia a dia. Uma autonomia
que não se repete na frente da TV. “Você não
tem acesso a uma coisa natural para as outras
pessoas. Alguém fala na TV: ‘olha que luxo essa
praia, esse carro, essa casa! Mas só que a gente
não está vendo a cor da casa, não sabe nem se
ela tem teto, se ela não tem. Então, para a gente,
isso é horrível, é falta de informação. No dia a
dia, o que a gente precisa é que a programação
seja para todos”, desabafa Noemi.
Por conta da dificuldade, o casal afirma que
o recurso da audiodescrição torna-se imprescindível. “É tudo o que o cego precisa ter. Para eu
ver um filme sozinha, se eu tiver esse recurso, é
a melhor coisa, eu não preciso incomodar ninguém para perguntar sobre a cena. Quer liberdade maior? Quer prazer maior do que ter essa
autonomia?”, questiona Noemi.
|
Inclusão
15
Saiba mais
A audiodescrição é a narração em
língua portuguesa integrada ao som
original da obra, contendo descrições
de sons e elementos visuais e quaisquer informações adicionais que sejam
relevantes para possibilitar a melhor
compreensão do vídeo por pessoas
com deficiência visual e intelectual.
Quem entende do assunto garante que as
emissoras têm tecnologia para possibilitar essa
inclusão. “Numa tevê digital você toca o filme
em inglês, na língua original ou dublado, em
português, já traduzido. Quer dizer, vocês têm
trilhas sonoras correndo paralelamente. A audiodescrição vem correndo numa trilha paralela a essas”, explica o presidente da Associação
Brasiliense de Deficientes Visuais (ABDV ), César Magalhães.
Para ele, esses adiamentos não fazem sentido. “Foi feito um cronograma que já era uma
forma de dar um tempo para que as emissoras
se adequassem. Flexibilizar isso significa protelar, empurrar com a barriga, não faz o menor
sentido”, resume César, com o apoio incondicional de Noemi, que está entre os quatro milhões
de deficientes visuais do país que torcem para a
norma ser cumprida. “Pelo amor de Deus, demorou para essa inclusão que tantos almejam
acontecer. Ela já tinha que ter chegado a esses
milhares e milhares de pessoas que têm essa cegueira. É sair do marasmo para o mundo, para
a vida. Porque nós queremos viver, é isso! Nós
queremos ter o direito de assistir a um filme livremente e enxergar, entende?”, finaliza. n
Paulo Rosemberg /CJF
César Magalhães
garante que as
emissoras de tevê
têm tecnologia
para garantir a
inclusão
16
Inclusão
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Revista Via Legal
Divulgação: Defensoria Pública da União
Oferta de cidadania
Uma iniciativa simples, que envolve poucos recursos, tem feito a diferença na
vida de brasileiros que, durante anos, foram invisíveis ao poder público. Uma
realidade que choca e retrata a desigualdade que muitos preferem ignorar. A
ideia saiu do papel há mais de três anos e a cada dia se consolida como um
instrumento de cidadania
Carolina Villacreces e Conceição Gama – São Paulo (SP)
“E
les são os necessitados dos necessitados,
porque não têm o que comer, nem onde
dormir. Jamais vão pensar em procurar
os seus direitos, eles pensam em sobreviver”. É
assim que o defensor público da União, Fábio
Quaresma, define os mais de 15 mil moradores de rua que vivem atualmente na cidade de
São Paulo. Sem emprego, dinheiro ou documentos, muitos deles não têm sequer coragem
de procurar ajuda em órgãos públicos, o que
inclui a Justiça. Uma realidade que está mudando graças ao apoio dado pelo Juizado Especial
Federal ao Grupo de Trabalho em Defesa dos
Direitos das Pessoas em Situação de Rua (GT-Rua). A iniciativa é resultado de uma parceria
entre a Defensoria Pública da União, a Defensoria Pública do Estado e o Serviço Franciscano
de Solidariedade (Sefras).
O grupo presta assistência jurídica a pessoas
em situação de extrema vulnerabilidade social,
despertando nelas sentimentos de dignidade e
cidadania. “O GT já atendeu mais de 3,2 mil pessoas que, até então, só estavam preocupadas em
saber o que iriam comer ou onde iriam dormir.
Essas pessoas não tinham meios de ir atrás dos
seus direitos. E muitas delas, a partir da interme-
diação do GT, conseguiram sacar seu Fundo de
Garantia por Tempo de Serviço (FGTS) e outros
benefícios”, explica Fábio Quaresma, que também é coordenador do GT-Rua.
O primeiro passo do trabalho é a orientação jurídica mas, em muitos casos, a conversa
evolui para providências práticas. Em sua grande maioria, as ações referem-se a benefícios do
Instituto Nacional de Seguro Social (INSS),
como aposentadoria e auxílio-doença. Quem já
trabalhou com carteira assinada, por exemplo,
descobre a possibilidade de solicitar o saque
do Plano de Integração Social (PIS) e do FGTS.
“Mesmo nos casos em que a gente não consegue resolver, isso é uma oferta de cidadania. O
morador de rua se sente valorizado, porque
está sendo atendido por um profissional qualificado”, avalia Quaresma.
Em 2013, o Grupo de Trabalho completou
seu segundo ano de atuação, com recorde no
atendimento à população em situação de rua,
especialmente em casos relativos ao saque do
FGTS e aos benefícios do INSS. Mais de 600
ações judiciais já foram protocoladas, sendo 90%
com resultado a favor do morador de rua. O diferencial é a rapidez no atendimento. Nas varas
federais comuns, o tempo de tramitação varia
de dois a três anos. Já nos juizados especiais, a
média é de 90 dias.
No local onde ocorre o atendimento jurídico, a população atendida recebe até mesmo um
“chá da tarde”. Mas o que realmente faz diferença no dia a dia dessas pessoas são as conquistas
como a de Edilson Alves. Ele conseguiu receber
o valor depositado na conta do Fundo de Garantia. “Eu trabalhei em algumas empresas, mas não
sabia que existia isso de FGTS. Quando recebi
essa orientação jurídica do Grupo de Trabalho,
soube que tinha esse direito. Com o dinheiro,
vou conseguir sair dessa situação de morador de
rua e recomeçar minha vida”, afirma.
Carlos Cacita, outro beneficiado pelo projeto, conseguiu resgatar o dinheiro do PIS. “Por
estar nessa situação de vulnerabilidade social, a
gente acha que não vai conseguir nada, nem os
nossos direitos. Mas o meu processo foi bem rápido. Hoje, eu me sinto menos abandonado pela
sociedade e mais cidadão”.
O grupo de trabalho conta com 20 defensores
e três estagiários. Os atendimentos são feitos nas
terças e quintas-feiras, das 8h às 12h, no Sefras,
na Rua Riachuelo, 268, Centro de São Paulo. n
Revista Via Legal
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Previdenciário
17
Vida dedicada à
ARTE
A história de um agricultor do interior
de Sergipe chama a atenção pelo
despreendimento e respeito à cultura.
Mesmo reconhecido como artista,
ele ganha a vida apenas do
trabalho no campo. E a
aposentadoria rural só foi
conquistada depois de um
processo na Justiça
Dione Tiago, com informações
de Edna Nunes - Aracaju (SE)
Fábio Cordeiro / JFSE
A
sensação é que faltam as palavras corretas
para definir ou qualificar o personagem
principal desta reportagem. Aos 67 anos, o
sergipano Cícero Alves dos Santos é, no mínimo,
um homem múltiplo, que construiu uma história
de vida única, recheada de amor e, principalmente, de respeito à arte. A trajetória desse nordestino virou objeto de interesse da Revista Via Legal
porque, como milhares de brasileiros que vivem
no campo, ele precisou recorrer à Justiça Federal
para que o INSS reconhecesse sua condição de
agricultor e lhe concedesse a aposentadoria. “A
profissão que me deu sustento foi a agricultura”,
afirma o trabalhador, de forma simples, resumin-
do a explicação que a Previdência teimou em ignorar e que foi o motivo da abertura de uma ação
junto ao Juizado Especial Federal em Aracaju (SE).
Para entender a história, é preciso voltar no
tempo. Nascido em 1947, Cícero – que recebeu
este nome em reverência ao padroeiro do Nordeste – diz que, desde muito cedo, entendeu
que deveria homenagear, de alguma forma, o
sertanejo. “Coube a mim ir montando a história
de um povo, que não foi registrada pela literatura”, afirma, com a autoridade de quem mantém
17 mil peças esculpidas em madeira. São figuras de animais e pessoas que, juntas, formam
uma espécie de museu particular, montado na
pequena propriedade, no município de Nossa
Senhora da Glória, a 126 quilômetros de Aracaju.
O museu – que abre as portas de forma
gratuita a todos que querem falar e aprender
sobre arte, mas se fecha para os interessados
no comércio – foi construído a poucos metros
da plantação de milho e feijão mantida pelo
artesão-agricultor. É da lavoura que Cícero retira
todo o sustento de casa. Um trabalho árduo, que
começou aos cinco anos, quando era obrigado a
seguir para o campo ao lado do pai e dos irmãos.
“A gente tinha de plantar. Eles achavam que eu
tinha uma mão boa para as plantas e então fazia
isso com gosto”, recorda.
18
Previdenciário
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Revista Via Legal
Foi também nessa época que Cícero descobriu e se encantou pela arte. Um projeto de vida
que, no início, por volta de 1955, era motivo de
perseguição dos pais. As primeiras peças eram
figuras humanas, feitas de cera de abelha, nos
intervalos do trabalho na roça. “Meus pais achavam que eu estava brincando de boneca, porque
o menino tinha de ser homem, e a mulher ficava
na cozinha. Partiam para a advertência em forma
física. Eu sofri muito, porque eu queria trabalhar
com isso, mas tinha de esconder”, detalha.
Para evitar as reprimendas, o jovem artista
trocou a cera por madeira e passou a esconder o
resultado do trabalho. Depois de acumular dezenas de peças, a maioria tinha um destino trágico.
Cícero conta que, como consideravam as esculturas peças mortas, na noite de São João, ele fazia
uma fogueira e se livrava da produção. “Era uma
forma de protesto, porque eu achava que a fumaça entrava nos olhos deles e eles sentiam pelo menos um desconforto”, revela, referindo-se aos pais
e vizinhos, que insistiam em rejeitar a sua vocação.
O reconhecimento
Foram anos de sofrimento e trabalho desfeito pelo fogo, até que Cícero passou a guardar
as esculturas, para que a família admitisse que
ele jamais desistiria de criar. A partir daí, o trabalho começou a ganhar visibilidade. O primeiro
evento em que ele participou como artesão foi
um curso promovido pelo extinto Mobral, que
se dedicava à alfabetização de adultos. Depois
vieram outros, muitos outros. Cícero diz que já
perdeu as contas de quantas exposições participou e quantos prêmios recebeu. Mas alguns são
especiais. É o caso do troféu Asa Branca, entregue pelo Governo de Minas Gerais, como reconhecimento ao trabalho desenvolvido em favor
da preservação da Caatinga. “Eu fui sem saber o
que era. E naquele lugar grande, eu, que saí da
roça, fui aplaudido por muita gente. E eu olhava
e não via nenhum conhecido. Foi muito importante”, relembra.
A trajetória do agricultor no mundo das
artes inclui ainda a participação em dezenas
de eventos na capital sergipana, o convite para
confeccionar uma peça para o então presidente da República, João Batista Figueiredo, além
de exposições em São Paulo e até em Paris, na
França. De cada viagem, ele guarda recordações
e histórias que confirmam o amor pela arte e o
desejo de fazer com que as pessoas pensem em
cultura, algo que, para Cícero, vai ser difícil, por
um motivo singular. “Arte é muito difícil porque
o pessoal do governo é muito pobrezinho em
termos de cultura”, resume.
O distanciamento e até a resistência do
artista em relação ao universo político aparece de forma clara em vários momentos da
entrevista. Quando cita o presente feito para
o presidente da República, por exemplo, Cí-
cero faz questão de dizer que não estava no
momento da entrega. “Foi o Governo de Sergipe que deu. Eu só fiz”. Em outro momento,
o artesão relata o fato de ter participado de
uma exposição em que as suas peças sequer
foram mostradas, porque as atenções estavam
voltadas para um “carneiro”, feito pelo prefeito, que também era o “dono” da televisão que
promovia o evento.
A simplicidade do artista aparece de forma ainda mais clara quando ele se refere às
viagens que fez – primeiro para São Paulo, e
depois para Paris. Cícero foi escolhido pelo
Instituto Imaginarium, que pretendia selecionar os melhores artistas do país. “Eu disse: eu
vou. Vocês mandam aí as passagens, pagam a
hospedagem, me pegam aqui e eu vou”, resume, completando que todas as providências
foram tomadas pela empresa. Em Paris, Cícero
conta que o mais estranho foi depender de um
intérprete para se comunicar. “É muito difícil
você sair daqui com o seu linguajar e a sua voz
passar a ser a dele”, relata, completando que o
único compromisso na capital da França foi o
projeto cultural. Ele trouxe volta ao Brasil os
120 euros que ganhou para comprar alguma
lembrança da viagem. “Eu não ia comprar nada
que não fosse do meu país”, afirma.
Fábio Cordeiro / JFSE
Fábio Cordeiro / JFSE
Cícero Alves dos Santos
esculpe obras em
madeira, mas sempre
retirou o sustento da
agricultura
“Arte é muito difícil porque o pessoal do
governo é muito pobrezinho em
termos de cultura”, diz Cícero
Revista Via Legal
Arte não combina
com dinheiro
Voltar de Paris trazendo na bagagem os euros que havia ganhado
foi apenas uma das demonstrações
de desapego ao dinheiro dadas ao
longo da vida pelo artista Cícero Alves dos Santos, também conhecido
pelo apelido de Véio. “Eu acho que
sou um descendente de São Francisco, eu ajudo, mas dispenso a paga”,
sintetiza. Durante toda a conversa,
ele repetiu várias vezes que nunca
pensou em ganhar dinheiro com
a arte. “De exposições, que é para
mostrar o trabalho, eu participei de
muitas, mas vernissage – que tem a
venda, eu nunca fiz”, garante.
E, ao longo de mais de 50 anos,
não faltaram propostas de interessados em pagar pelas peças exclusivas.
Nessas ocasiões, Cícero diz que sempre arruma uma desculpa para não
vender. “Elas não foram feitas para
isso. Nenhuma tem etiqueta. Eu me
sinto mal, não é o meu objetivo”,
justifica, completando em seguida:
“Eu não trabalho para turista, eu trabalho para mim”. Mas não são todos
os visitantes do museu que saem de
mãos abanando. Seu Cícero diz que
avalia a pessoa e que, se sentir que
ela gosta mesmo de arte e entende
a importância do trabalho, sempre
entrega uma lembrança. “Mas não
cobro”, enfatiza.
Quando a insistência é grande,
o artista perde a paciência e não esconde a decepção. Um desses episódios aconteceu quando, segundo
ele, recebeu a visita da prefeitura de
um município da região, acompanhado de um homem que, logo na
entrada, foi apresentado, não pelo
nome, mas pela posição social, uma
ofensa, na visão do artista. “Ele disse
que era o dono de uma grande empresa. Ficou falando isso o tempo
todo”, recorda. Quando o visitante
insistiu em comprar algumas esculturas, Cícero diz que não teve dúvidas ao responder: “O senhor pode
ser dono dessas empresas aí, mas
eu sou o dono das peças e, para o
senhor, eu não vendo”. n
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Previdenciário
A luta pela aposentadoria
Como em outras áreas da vida, a conquista
da aposentadoria também não veio de forma fácil para o sergipano Cícero Alves. Segundo ele, a
primeira tentativa foi feita junto ao INSS, quando
a idade já havia passado dos 60. Poderia ter sido
antes, mas ele preferiu completar 15 anos de
moradia na atual propriedade e de recolhimentos para o sindicato rural. “Quando completou,
eu juntei os papeis todos, da terra, do Incra, e
levei lá para o agente”, afirma. Segundo ele, a
primeira resposta que ouviu foi de que estava
tudo certo e que em breve ele estaria aposentado. “Um conhecido meu lá do INSS falou que
ia fazer tudo, mas passou um mês, dois, três e
nada. Fui atrás e ele começou a se esquivar”, diz.
Só depois de muita insistência, Cícero foi
informado pelo funcionário de que o pedido havia sido negado pelo INSS. O instituto entendeu
que ele era um artista e que ganhava a vida com
o artesanato. Dessa forma, ele não teria direito
à aposentadoria rural, prevista na Constituição
Federal, que qualifica os agricultores como segurados especiais da Previdência. “Primeiro eu
falei: ‘vou deixar isso prá lá’. Mas um conhecido
meu disse: ‘não, vamos atrás’, e foi o que eu fiz”.
Ir atrás significou procurar a 6ª Vara do Juizado Especial Federal na cidade de Itabaiana.
Foi quando o destino de Cícero se cruzou com
o do juiz federal Fábio Cordeiro da Silva. O magistrado explica que, no momento da audiência
– a última de um dia cansativo de trabalho –,
ficou muito intrigado com a história e também
com a firmeza do relato do agricultor. “Eu vi os
documentos da terra, depois vi as fotos e até as
histórias do trabalho dele como artista, mas uma
dúvida muito grande me assaltava”, afirma, completando que ali, no gabinete, não se sentiu seguro para conceder e nem para negar o pedido
que constava no processo.
Para dirimir a dúvida, o juiz decidiu fazer
uma inspeção e, de novo, diz que se surpreendeu com a reação do agricultor. “A todo momento, eu falava: ‘eu vou lá’, para ver se ele demonstrava convicção, e ele sempre respondia: ‘pode
ir, vá lá. Está tudo lá’”, detalha o magistrado.
Fábio Cordeiro ressalta que a desconfiança está
sempre presente no julgamento de processos
que pedem aposentadoria rural, porque não são
raros os casos de pessoas que pedem o benefício
mesmo sem ter o direito. “O alto grau de infor-
malidade no nosso país, aliado às facilidades de
ser segurado especial, estimula algumas pessoas a pedirem esse benefício sem ter direito. E a
gente precisa ser mais cuidadoso para evitar que
essa situação ocorra”, explica.
Decisão oral
A inspeção na propriedade de Cícero não
podia ter sido mais esclarecedora. O juiz lembra que foi acompanhado de um procurador
do INSS e que, assim que chegou ao local, pôde
constatar a veracidade de todas as informações
repassadas na audiência pelo artesão/agricultor.
“Tinha duas plantações de milho, o tamanho, o
local, os instrumentos. Tudo estava lá, do jeito
que ele falou”, enumera.
Bastaram alguns minutos para que tanto o
juiz quanto o representante do INSS se convencessem de que aquele homem simples, porém
decidido, era um segurado especial e tinha direito à aposentadoria solicitada. “O INSS fez a
proposta de acordo e eu homologuei oralmente
que ele estava sendo aposentado”, conta o magistrado, lembrando que a notícia foi dada a ele
quando o grupo estava dentro de uma capela
construída pelo agricultor na propriedade.
Para o juiz, o desfecho do caso foi, além de
uma oportunidade para que ele, como representante do Estado, fizesse justiça, uma lição
de vida. Fábio Cordeiro ressalta a segurança, a
coragem e o orgulho de seu Cícero em relação
à história de vida do sertanejo e ao amor à arte.
“Ele tem muito a ensinar para a gente. É um motivo de orgulho ter podido, no meio de centenas
de processos, ter garantido esse direito a uma
pessoa como ele”, encerrou. Arquivo pessoal
No local, Fábio Cordeiro constatou a
veracidade do depoimento do agricultor
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Previdenciário
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Revista Via Legal
Edson Queiroz / CJF
Experiência
reconhecida
Trabalhadores que atuaram como aprendizes
ainda são obrigados a recorrer à Justiça
Federal para que o INSS reconheça o
tempo dedicado à atividade, que pode ser
computado no cálculo da aposentadoria.
Nem a existência de um decreto federal garante o
atendimento dos pedidos na esfera administrativa
Liamara Mendes – Brasília (DF)
Elmirlene Merce desfruta de sua
primeira oportunidade de emprego
como aluna-aprendiz
A
possibilidade de entrar no mercado de
trabalho de forma qualificada e protegida
é o anseio da maioria dos brasileiros. Para
aproximadamente 1,7 milhão de adolescentes
entre 14 e 18 anos, esse desejo já é realidade. O
número corresponde à parcela de trabalhadores
atendidos pelo Programa Jovem Aprendiz, mantido pelo Governo Federal há 14 anos e que tem
núcleos em funcionamento em todo o país. Entretanto, nem sempre foi assim. Durante décadas, a atividade experimental, apesar de permitida e incentivada pelo poder público, funcionava
sem amparo legal. Uma falta de regulamentação
que ainda hoje traz problemas e causa prejuízos
a quem atuou como aprendiz. Não são raros os
casos em que o jovem precisa recorrer à Justiça
para provar a experiência profissional.
Um caso recente envolveu um ex-aluno da
Escola Agrotécnica Federal de Uberlândia, em
Minas Gerais. José Gilberto Ribeiro da Silva foi
aluno aprendiz no período de fevereiro de 1975
a novembro de 1977. Durante esse tempo, o
jovem recebeu uma espécie de bolsa da União.
Em 2007, quando acreditava ter completado o
tempo necessário de trabalho para se aposentar, ele procurou o INSS, que negou o pedido.
Para o instituto, no período em que ele atuou
como aluno aprendiz, não existiu uma relação
de trabalho, mas sim de aprendizado. Diante da
recusa, José Gilberto acionou a Justiça Federal.
A sentença foi favorável ao trabalhador,
mas a União recorreu e a decisão definitiva – o
trânsito em julgado – só saiu em abril de 2014,
depois de um segundo julgamento do Tribunal
Regional Federal da 1ª Região, em Brasília. O relator do recurso foi o juiz federal Márcio Barbosa
Maia, convocado para atuar como desembargador na corte. No acórdão, o magistrado lembrou
que a jurisprudência já está pacificada no sentido de que todo aluno-aprendiz que recebeu
verbas da União para estudar pode usar o tempo
de formação para se aposentar.
Revista Via Legal
Arquivo TRF1
Para Márcio Maia, não reconhecer o
tempo de contribuição seria prejudicar
duplamente o trabalhador
O juiz frisou ainda que essa remuneração
tanto pode ter sido efetivada em espécie como
por meio de serviços, como alimentação, fardamento, material escolar, pousada, calçados e
vestuário. Márcio Maia lembrou que tem sido expressivo o número de pessoas que buscam amparo judicial para não ser obrigado a trabalhar
mais tempo antes da aposentadoria. Uma das explicações para essa procura é o fato de a lei, até a
promulgação da Constituição de 1988, permitir
que as pessoas começassem a trabalhar aos 12
anos. De acordo com o magistrado, a jurisprudência entende que não se pode prejudicar duas
vezes o menor, tendo em vista que ele já foi prejudicado uma vez, pois, em vez de estar estudando, estava trabalhando. “Agora seria um segundo
sacrifício se a jurisprudência não reconhecesse o
tempo de contribuição”, comenta Maia.
Situação parecida
A possibilidade de incluir o tempo como jovem aprendiz para efeito de aposentadoria foi
reconhecida pelo governo brasileiro em 1992,
quando entrou em vigor o Decreto 611. A norma
deixa claro que o direito está restrito a alunos
que receberam remuneração para cobrir gastos
com materiais, moradia e outros itens. Neste
caso, eles podem somar esse tempo de estudo
para conseguir o benefício.
Mesmo assim, o INSS continua ignorando a
regra e negando os pedidos, com o argumento
que não havia vínculo empregatício entre escola
e aluno-aprendiz quando vigorava o Decreto-Lei
4.073/42. Essa também foi a resposta dada a um
aluno da Escola Agrotécnica Federal de Catu, na
Bahia. Nesse caso, assim como aconteceu com
o morador de Minas Gerais, o assunto também
foi parar nos tribunais. O recurso foi analisado
pela desembargadora federal Neuza Alves. Em
seu voto, a magistrada citou decisões já tomadas
e consolidadas pelo Superior Tribunal de Justiça
(STJ) no sentido de reconhecer a contagem, nas
situações em que fica comprovado o pagamento
por parte da União.
A desembargadora Neuza Alves entendeu
que o demandante tem direito à aposentadoria
por tempo de contribuição integral, uma vez
que o período em que ele manteve vínculo com
a escola profissionalizante deve ser acrescido ao
tempo já comprovado. A magistrada determinou
a revisão do benefício pelo órgão competente,
com base nos índices do Manual de Cálculos da
Justiça Federal, ou seja, ao valor do benefício devem ser acrescidas as correções decorrentes da
aplicação do IPCA.
Segurança
Os atuais aprendizes estão amparados pela
Lei 10.097/00, regulamentada pelo Decreto
5.598/05. Pelas normas, eles devem ter entre
14 e 24 anos e podem desenvolver atividades
nessa condição por, no máximo, dois anos. A
validade do contrato de aprendizagem está
condicionada à anotação na Carteira de Trabalho e ao recolhimento da contribuição previdenciária. Também há recolhimento de Fundo
de Garantia por Tempo de Serviço, o FGTS. A
diferença é que, em vez de 8% – como ocorre
com os demais trabalhadores –, no caso dos
aprendizes, o percentual depositado na conta
vinculada é de 2% do salário.
O objetivo do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), expresso no Plano Plurianual (PPA
2012-2015), é a contratação de 1,268 milhão de
aprendizes até o fim de 2015. Os dados mais recentes são de 2013, quando 646.058 jovens já haviam sido admitidos por meio do programa. Para
ser beneficiado, o jovem precisa ser selecionado
por uma empresa cadastrada no programa que
prove cumprir todas as regras. A coordenadora
de integração empresa-escola da Federação do
Comércio, Regina Malheiros, explica que são
muitas as opções disponíveis e que os jovens
devem encarar o programa como uma porta de
entrada para o mercado de trabalho. “A ideia é
gerar a oportunidade do primeiro emprego e daí
ele já iniciar uma carreira”, afirma.
É exatamente com esse espírito que Elmirlene da Silva Merce, que mora em Brasília, encara
a o projeto. A jovem, de 20 anos, desfruta da sua
primeira oportunidade de emprego, que veio
acompanhada de um curso profissionalizante.
Ela trabalha em uma concessionária da capital
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Previdenciário
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como técnica em mecânica. O conhecimento
adquirido em sala de aula é fundamental para o
desempenho da função. Elmirlene se orgulha do
progresso que já obteve. “Eu monto sensor de
estacionamento, som de carro, frisos da lateral,
câmera de ré. Tudo eu sei fazer. Tudo e mais um
pouco”, conta.
Além de Elmirlene, a concessionária também contratou outros aprendizes. Como a determinação é de que os jovens permaneçam por,
no máximo, dois anos no programa, o futuro parece incerto após o término do período. Contudo, o desenvolvimento das atividades com presteza, responsabilidade e determinação pode ser
a garantia de vagas no mercado de trabalho. “Se
tudo correr do jeito que está, vamos ficar com
todos eles”, afirma o gerente de serviços da empresa, Túlio da Costa Jorge.
n
O que diz a lei
A aprendizagem é estabelecida
pela Lei 10.097/00, regulamentada
pelo Decreto 5.598/05. A norma estabelece que todas as empresas de
médio e grande porte estão obrigadas a contratar jovens entre 14 e 24
anos. Trata-se de um contrato especial de trabalho por tempo determinado de, no máximo, dois anos. Os
jovens beneficiários são contratados
por empresas como aprendizes de
ofícios previstos na Classificação
Brasileira de Ocupações - CBO do
MTE, ao mesmo tempo em que são
matriculados em cursos de aprendizagem, em instituições qualificadoras reconhecidas, que se responsabilizam pela certificação.
A carga horária estabelecida no
contrato não pode passar de 8 horas
diárias e deve contemplar o tempo
necessário à vivência das práticas do
trabalho na empresa e o aprendizado de conteúdos teóricos ministrados na instituição de aprendizagem.
A cota de aprendizes está fixada entre 5%, no mínimo, e 15%,
no máximo, por estabelecimento,
calculada sobre o total de empregados cujas funções demandem
formação profissional. Fonte: Ministério do Trabalho e Emprego
22
Previdenciário
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Revista Via Legal
Auxílio na
invalidez
Aposentados por invalidez que precisam
de acompanhante têm direito a
acréscimo de 25% no pagamento mensal
do benefício. A norma é clara, mas nem
sempre é cumprida pela Previdência
Viviane Rosa – Brasília (DF)
A
previsão legal é clara. De acordo com o
artigo 45 da Lei 8.213/91, o valor da aposentadoria por invalidez do segurado
que necessitar de assistência permanente de
outra pessoa será acrescido de 25%. A prática,
no entanto, tem evidenciado um número expressivo de casos em que, mesmo preenchendo o requisito previsto na lei que disciplina os
planos de benefícios da Previdência Social, a
pessoa só consegue receber o acréscimo depois de recorrer à Justiça. Um desses casos
chegou à Turma Nacional de Uniformização
dos Juizados Especiais Federais (TNU) e serviu
de base para que os magistrados aprovassem
o entendimento de que o INSS deve pagar a
diferença de forma retroativa.
O acréscimo na aposentadoria beneficia
pessoas como a ex-auxiliar de cozinha Edina
Lopes, que mora no Distrito Federal. À primeira
vista, não é possível sequer desconfiar que a mulher que prepara o próprio jantar e faz questão
de colocar a casa em ordem acaba de ser aposentada por invalidez. Ela não tem limitação física, mas os médicos constataram que problemas
psíquicos a impedem de continuar trabalhando.
“Às vezes eu estou dentro de casa e ouço uma
voz me chamando”, relata a paciente de 53 anos,
que chegou a passar três dias entre a vida e a
morte depois de tomar, de uma vez, uma caixa
inteira de comprimidos.
Diante da evolução do quadro clínico, o
INSS reconheceu que Edina precisava de um
cuidador em tempo integral e, por isso, adicionou ao pagamento o auxílio acompanhante.
Hoje, ela é monitorada o tempo inteiro pela
irmã Anadisce Lopes e por uma sobrinha. As
duas se revezam para que a aposentada não fique sozinha em nenhum momento, conforme
recomendação médica. Anadisce detalha a rotina da casa e faz questão de lembrar a importância do valor extra pago pelo INSS. “Às vezes tem
que comprar também verdura, comprar uma vitamina, os remédios que faltam, e esse dinheiro
já faz muita diferença”, resume.
Por lei, os 25% a mais devem ser pagos mesmo que o segurado já receba o teto da Previdência, que hoje equivale a R$ 4.390,24. A legislação
prevê ainda que o valor deve ser corrigido de
forma automática, sempre que o benefício principal for reajustado. O pagamento extra cessa
com a morte do aposentado, não sendo incorporável ao valor de pensão, se for o caso.
Para ter acesso ao recurso, não basta apresentar laudos de médicos particulares. A pessoa
deve ser examinada por um profissional do
INSS. A coordenadora-geral de perícias médicas
do instituto, Doris Ferreira Leite, explica que
esse é o único profissional que pode fazer o enquadramento. “O segurado deverá se enquadrar
nas situações previstas em lei, como a cegueira
total, doenças que o incapacitem e o mantenham permanentemente no leito e deverá ser
submetido a uma perícia médica que caracterize
essa situação”, resume.
Mauro Putini / TRF1
Anadisce Lopes, à esq.,
cuida para que Edina Lopes não fique
sozinha em nenhum momento,
conforme recomendação médica
Revista Via Legal
Divulgação INSS
Doris Ferreira Leite explica que só o perito
do INSS pode enquadrar o segurado nas
situações previstas em lei
Dificuldade de acesso
O aposentado por invalidez Flávio da Silva,
que ficou cego há 15 anos, depois de ser atingido no rosto por uma garrafa de vidro, está entre
os segurados que têm direito ao auxílio acompanhante. Deveria receber o acréscimo desde que
foi afastado do trabalho, mas o incremento só
chegou cinco anos depois. É que o INSS havia ignorado a recomendação do perito. Flávio conta
que, quando soube que deveria estar recebendo
o dinheiro a mais, procurou o instituto, que reconheceu a falha e fez os pagamentos. “O bom
é que eu recebi todo o retroativo desde aquela
época”, recorda.
Na concepção do ex-laboratorista que, por
ironia, trabalhava fabricando garrafas, o auxílio
acompanhante é fundamental para todo cego.
“Para dar um passo, preciso de alguém. Ainda
mais o deficiente com cegueira adquirida, como
é o meu caso”, exemplifica. Segundo o aposentado, sair de casa era um dos maiores desafios
na tentativa de se adaptar à nova condição. Hoje
é o cão-guia quem leva o aposentado para quase
todos os lugares. Antes de Platão, porém, ele diz
que dependia dos pais. “Isso era muito constrangedor para mim”.
A expectativa de Flávio é que o entendimento da Justiça Federal beneficie outros segurados
que, assim como ele, podem até aprender a se
virar sozinhos mas, em algumas situações, ainda
dependem de um acompanhante. “Meu acompanhante é o Platão, mas tem determinadas
situações em que eu preciso de uma pessoa.
Existem lugares em que o deficiente visual não
tem acesso, até pelo fato de a acessibilidade ser
precária”, finaliza.
Nos casos em que o instituto se nega a pagar
os valores retroativos do benefício, resta ao segu-
rado fazer o pedido na esfera judicial. Foi o que
fez um aposentado por invalidez, que só soube
que tinha direito aos 25% alguns anos após o afastamento do trabalho. Ao procurar a Previdência,
ele foi informado que o perito não havia recomendado o pagamento extra, apesar da sua situação se enquadrar nos critérios discriminados na
Lei 8.213/91. Após a reclamação, o INSS informou
que passaria a pagar a diferença, mas se recusou
a acertar os valores atrasados. Inconformado, o
aposentado decidiu acionar a Justiça Federal.
Questionada sobre a resistência do instituto
em liberar o pagamento dos valores retroativos,
a diretora do INSS foi taxativa. Segundo Doris
Leite, vale a data do requerimento administrativo. “Vai ser sempre a data da entrada do requerimento. Não tem como o INSS pagar retroativamente esse benefício”, alegou.
O processo foi julgado pela TNU, que ordenou ao INSS que pagasse os valores atrasados
com juros e correção monetária. “O que a Turma
decidiu é que, se for constatado pela perícia do
INSS, ao deferir o benefício de aposentadoria
por invalidez, que a pessoa não tinha condições
de cuidar sozinha de si, ou seja, precisava do amparo de terceiros, ela tem direito desde então,
não a partir de um requerimento específico, mas
desde o momento em que o próprio INSS apurou a sua condição física”, explica o juiz federal
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Previdenciário
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Divulgação CJF
Segundo Gláucio Maciel, a ideia é
proporcionar uma vida melhor a quem não
tem condições de cuidar de si próprio
Gláucio Maciel Gonçalves, que foi o relator da
matéria no julgamento da TNU.
O magistrado fez questão também de ressaltar que o dinheiro não precisa ser aplicado
exclusivamente na contratação de um acompanhante. “Caso a pessoa não tenha um cuidador,
serve também para que possa adquirir medicamentos, para que possa fazer exames não pagos pelo SUS e também ter uma vida melhor
em razão dessa impossibilidade de trabalho,
que é acrescida da impossibilidade de cuidar
de si próprio”, avaliou. n
Tem direito ao acréscimo de 25% no pagamento
o aposentado por invalidez que se enquadra
em uma das seguintes situações:
– cegueira total;
– perda de nove dedos das mãos ou superior a esta;
– paralisia dos dois membros superiores ou inferiores;
– perda dos membros inferiores, acima dos pés, quando a prótese for impossível;
– perda de uma das mãos e de dois pés, ainda que a prótese seja possível;
– perda de um membro superior e outro inferior, quando a prótese for impossível;
– alteração das faculdades mentais, com grave perturbação da vida orgânica e social;
– doença que exija permanência contínua no leito;
– incapacidade permanente para as atividades da vida diária.
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Previdenciário
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Revista Via Legal
Justiça chega aos
“esquecidos”
Juízes e servidores da Justiça Federal passaram uma semana
no Deserto do Jalapão atendendo a trabalhadores rurais que só
aposentam a enxada no limite da resistência física. A distância
do INSS e a falta de documentos que comprovem a atividade
no campo foram barreiras eliminadas pelo juizado itinerante.
Magistrados determinaram a concessão de aposentadorias,
pensões, auxílios-doença e salários-maternidade a quem
dificilmente teria acesso a esses benefícios
Viviane Rosa – Mateiros (TO)
C
ercada por dunas, cachoeiras e
nascentes que formam poços de
águas cristalinas, vive uma das populações mais pobres e isoladas do país.
Os pouco mais de dois mil habitantes
moram muito perto da entrada do Deserto do Jalapão. Apesar da proximidade
com esse importante ponto turístico do
país, a cidade tem apenas uma rua pavimentada e, mesmo na avenida principal,
algumas casas ainda são de adobe, um
tijolo rudimentar feito de barro, água e
palha. A energia elétrica só chegou há 12
anos. Na mesma época, também foi instalada a rede de esgoto, que entupiu e nunca foi consertada. Praticamente não há
comércio na região. A maioria da população vive da agricultura de subsistência
e se alimenta do que colhe nas pequenas
propriedades.
A descrição acima, que serve para um
número expressivo de pequenos municípios do país, é de Mateiros, no interior
de Tocantins. A carência da população é
evidente e atinge todos os serviços públi-
cos. A realidade de abandono fez a Justiça
Federal escolher o lugar como base para
a realização de um juizado especial itinerante, de 25 a 29 de novembro de 2013,
destinado a resolver questões previdenciárias. O desafio foi oferecer serviços a
que, sozinhos, dificilmente os moradores
conseguiriam ter acesso. “O INSS, muitas vezes, não tem condições de estar
presente em todas as localidades e essas
pessoas ficam afastadas da presença do
Estado”, avalia o juiz federal Rafael Branquinho, coordenador do juizado.
A escolha do tema previdenciário se
deve às características predominantes na
região, onde a maioria dos moradores
vive do trabalho no campo. O problema
é que quem envelhece e adoece quase
sempre não consegue largar a enxada.
Adão Teixeira, de 65 anos, é um desses
casos. O agricultor mora sozinho em
um sítio a seis quilômetros de Mateiros.
Visivelmente debilitado, ele tem reumatismo, perdeu parte dos movimentos
das mãos e os cotovelos são tomados
Adão Teixeira convenceu o juiz de que
trabalhou a vida inteira no campo e
conseguiu a aposentadoria
por caroços. O trabalhador rural diz que
sente dores por todo o corpo, mas não
pode parar. “Tem que plantar uma mandioca, um pouquinho de milho para as
galinhas. Tem dia em que eu não aguento
caminhar de jeito nenhum. Só levanto da
cama me escorando”, revela.
Adão Teixeira foi atendido no juizado itinerante. Mesmo não apresentando
nenhum documento que comprovasse
a atividade rural, ele conseguiu o benefício. O juiz ficou convencido de que ele
trabalhou a vida inteira no campo. “São
pessoas com pouco mais de 50 e aparência de 80. Acaba que essa questão docu-
Revista Via Legal
Ramon Pereira / TRF1
mental torna-se menos importante”, explica o juiz Rafael Branquinho. Ao deixar
a sala de audiência, o agora aposentado
rural parecia não compreender o que havia acabado de acontecer. “Vai continuar
a mesma coisa. Vou ver se aumento a produção de galinha. Só tem que comprar
mais milho”, resumiu.
No Brasil, embora o sistema previdenciário adote o modelo contributivo,
ou seja, a concessão de benefícios está
vinculada ao recolhimento de contribuições, há uma flexibilização das regras
quando os pedidos são apresentados
por moradores da zona rural. Por lei,
quem vive da agricultura em regime de
economia familiar deve recolher 2% do
faturamento anual da propriedade para
os cofres do INSS. No entanto, a legislação não exige a comprovação desse
recolhimento, uma lacuna que tem permitido a milhares de pessoas o recebimento de benefícios como aposentadoria, auxílio-doença, salário maternidade
e pensão por morte.
Alguns casos são atendidos diretamente nos balcões do INSS, mas como
uma boa parcela dessa população não
consegue provar a ligação com o campo,
muitos pedidos são negados na esfera administrativa. A boa notícia é que quando
esses casos são levados à Justiça Federal,
há uma tendência de os juízes considerarem a informalidade, muito comum na
zona rural, como um atenuante, na hora
de analisar os processos.
Ramon Pereira / TRF1
Rafael Branquinho acredita que, diante das
dificuldades, a questão documental torna-se
menos importante
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Previdenciário
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Ramon Pereira / TRF1
Neusa Dias conseguiu garantir o
salário-maternidade referente a dois
de seus oito filhos
Para Waldemar Carvalho, faz bem
ao magistrado saber como vivem os
cidadãos esquecidos pelo poder público
Municípios vizinhos
testemunhas determinados fatos. Às vezes elas mesmas trazem informações que
atrapalham a pretensão delas”, explica o
juiz federal Waldemar Carvalho. Além da
pensão por morte, dona Maria Madalena
vai começar a receber mais um salário mínimo. “Eu vou endireitar minha casa, que
vive rachando”, comemora.
No penúltimo dia de atendimento,
uma senhora com a coluna muito curvada quase passava despercebida entre
tantos idosos. A identidade mostra que
Laurentina Ribeiro chegou longe. A extrabalhadora rural é de 1905 e, apesar
dos 108 anos, ainda está lúcida. A viúva
recebe pensão pela morte do marido,
mas, como também trabalhou a vida inteira no campo, quer se aposentar. Dona
Os moradores de Mateiros não foram
os únicos atendidos no juizado itinerante. Os juízes que conduziram as audiências ouviram também os relatos de pessoas que vivem em povoados vizinhos ou
em cidades próximas. Neusa Dias, de 33
anos, é de Recursolândia, a 400 quilômetros do município. Recém-operada e com
o filho de um mês no colo, a trabalhadora
rural, mãe de oito crianças, viajou mais de
10 horas em estrada de terra para tentar
receber o salário-maternidade referente
às duas gestações anteriores. “Desse aqui
eu já fiz o registro, mas ainda não recebi.
Quando eu receber, aí eu vou fazer o pedido”, explica a trabalhadora, mostrando
o caçula, que passou a noite com ela em
uma rede num dos três alojamentos disponíveis na cidade.
Maria Madalena, de 81 anos, que usa
um cabo de vassoura como bengala, foi
uma das primeiras atendidas na estrutura montada na prefeitura da cidade.
A ex-trabalhadora rural é pensionista,
mas foi informada que também poderia
receber a aposentadoria. O juiz e o procurador precisavam saber até quando ela
trabalhou no campo. Uma informação
simples, mas difícil de ser esclarecida.
Dona Maria Madalena foi questionada
de diversas formas e só respondia “eu
não lembro”. Somente depois de ouvir
uma testemunha, o juiz concedeu o benefício. “É preciso ter muita paciência,
perguntar várias vezes, esclarecer com as
Ramon Pereira / TRF1
Foi preciso ouvir uma testemunha
para saber por quanto tempo dona
Maria Madalena trabalhou
no campo
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Previdenciário
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Revista Via Legal
Laurentina, no entanto, é da época
em que a lei só permitia o acúmulo
dos benefícios para o chamado arrimo de família, o mantenedor da casa.
Como, para o INSS, o sustento
só poderia vir do homem, a Procuradoria do instituto negou o benefício.
Esse, porém, não foi o fim da história. “A Constituição Federal tirou
qualquer discriminação entre o sexo
masculino e o feminino. Portanto, eu
não reconheço essa argumentação”,
decidiu o magistrado Waldemar Carvalho. Com a decisão da Justiça Federal, a ex-trabalhadora rural passa
a receber dois salários mínimos: um
de pensão e outro de aposentadoria.
Dona Laurentina vive no povoado de Mumbuca, a 35 quilômetros de
Mateiros, onde moram 52 famílias. A
casa de adobe, teto de palha e chão
batido parece frágil. O espaço mais
parecido com um banheiro é coberto por palhas e só tem chuveiro. A
Fundação Nacional de Saúde chegou
a erguer um cômodo para instalar
uma pia e um vaso sanitário, mas a
obra, iniciada há quatro anos, nunca
foi concluída. A idosa diz que vai usar
o dinheiro da aposentadoria para terminar o banheiro e comprar o que só
com um salário mínimo nem sempre
é possível ter em casa. “Tá faltando
uma carne, que é cara, farinha, tudo.
Tenho o sonho de melhorar a vida e
fazer esse banheiro”, diz.
Balanço
Além de dona Laurentina, outras 254 pessoas foram beneficiadas durante o juizado itinerante.
Juntas, elas vão receber do INSS R$
786.368,40. O número de acordos
superou as expectativas da organização, totalizando 83% dos casos.
Os impactos do juizado itinerante não atingem apenas os moradores. Ver de perto como vivem
brasileiros esquecidos pelo poder
público é uma experiência importante para quem tem a missão de
fazer justiça. “O juiz vê a realidade e
procura entender as dificuldades de
transporte, de saúde, de segurança,
de instrução”, finaliza o juiz Waldemar Carvalho. n
Há dez anos, a
história era outra
O juizado itinerante realizado em novembro foi
a segunda vez que uma comitiva da Justiça Federal
esteve em Mateiros. Um trabalho semelhante foi realizado em 2003 e acabou despertando a população
para aspectos ligados à cidadania. Dez anos depois,
Via Legal reencontrou uma moradora que chamou a
atenção de servidores e juízes na primeira passagem
da comitiva da Justiça Federal pelo Jalapão.
Maria Balbina Batista não aparenta ter menos que
os 77 anos registrados nos documentos, mas quem
lembra dela há uma década diz que a agricultora parece ter rejuvenescido. “Ela se mostrava muito fragilizada. Se não fosse o problema na visão, eu creio que
ela estaria mais ativa”, surpreende-se o servidor do
Ministério Público Federal, Wellington Antenor, que
a conheceu no primeiro juizado. Ele recorda que, na
época, chegaram às mãos de um servidor da Justiça
Federal fotos de uma senhora que vivia em situação
precária em um povoado a 30 quilômetros da base
montada para os atendimentos.
Dona Maria Balbina, desnutrida e com os dedos
deformados pela hanseníase, morava sozinha em uma
casa de palha. Sem condições de voltar a trabalhar na
lavoura, ela dependia da irmã, Joaquina Batista, que
também não tinha renda. Viviam apenas da agricultura
de subsistência. Depois de ser atendida por um juiz,
ela soube que passaria a ter uma renda fixa. O magistrado determinou que o INSS pagasse a ela o amparo
assistencial. O benefício, no valor de um salário mínimo, destina-se a idosos e deficientes que não têm
condições de arcar com o próprio sustento.
O reencontro permitiu a constatação de que a
ex-trabalhadora rural continua levando a mesma vida
simples. A diferença é que a casa de palha já não existe. Com o dinheiro que passou a receber, foi possível
construir outra, de alvenaria, que a idosa garante ser
muito mais confortável. “Naquela casa, a que desman-
Fernanda Souza / TRF1
Antes de receber
o benefício,
Maria Balbina
dependia
de parentes
chou, goteirava na cama. Essa aqui ficou
bem tampadinha, não gotera, não”, garante.
A saúde ainda inspira cuidados. Ela
conseguiu tratar a hanseníase mas, nos
últimos anos, perdeu a visão. Hoje, boa
parte do dinheiro recebido do INSS é usada na alimentação e para cuidar da saúde.
“Melhorou um bocado, porque dá para
comprar um remedinho e as coisas dela
comer”, confirma a irmã, agora aposentada rural, que completa: “se eu não tivesse
aposentado eu não comia nada”, conta Joaquina Batista.
A casa nova é tão rudimentar quanto a
antiga, mas tem uma estrutura reforçada e
uma varanda coberta. É onde a única moradora mais gosta de ficar. Protegida do calor
do Jalapão e mais bem alimentada, dona
Maria Balbina mal lembra aquela senhora
frágil, de rosto queimado e envelhecido
pelo sol, que há uma década parecia estar
no fim da vida. Fernanda Souza / TRF1
JEF itinerante realizado
há 10 anos em Mateiros
Revista Via Legal
Licença ambiental:
o gargalo da fiscalização
A lei é rigorosa: para sair do papel, um empreendimento
precisa de licença ambiental. Dependendo do tamanho
da obra, as autorizações são dadas pelos municípios,
pelos estados ou pela União
Adeilton Oliveira – Niterói (RJ)
D
e Niterói se tem uma vista completa da
cidade do Rio de Janeiro. Imagine só ter
na frente o Pão de Açúcar, o Cristo Redentor, a floresta da Tijuca e a Gávea, tudo de
uma só vez. Para valorizar essa visão, em 2009, a
prefeitura do município reurbanizou a orla das
praias de Icaraí e Flexas, com o alargamento dos
calçadões para a faixa de areia, a reforma dos
bancos e a criação de um espaço que foi reservado aos quiosques. Os frequentadores adoraram.
Mas o Ministério Público questionou na Justiça
Federal a maneira como a obra foi feita. O Instituto Brasileiro de Meio Ambiente (Ibama) não
teria sido consultado – uma providência obrigatória por lei, já que a área é considerada terreno
de Marinha e, portanto, do Governo Federal.
A Prefeitura de Niterói, na época, se baseou
num convênio assinado com o Governo do
Estado do Rio de Janeiro, que transferia para o
município a responsabilidade de licenciar obras
que provocassem apenas impactos locais. Wilson Madeira, professor de Direito Ambiental
da Universidade Federal Fluminense (UFF) explica que a atitude é consequência da política
nacional de descentralização. “Até alguns anos,
o licenciamento era todo do órgão federal: o
Ibama. Mas a política nacional de meio ambiente
foi pensada na forma sistêmica. Então, o primeiro passo foi que todos os estados tivessem suas
secretarias de ambiente. Um segundo passo foi
que todos os municípios também viessem a ter
suas secretarias específicas. Então, o Sisnama –
Sistema Nacional de Meio Ambiente – é onde
todos os entes federativos, a princípio, vão trabalhar de forma independente, mas harmônica.
A princípio, os licenciamentos de impacto local,
de baixo impacto, ficam sob a competência do
município “, esclareceu o professor.
A descentralização previa obrigações e limites para todos os participantes do Sisnama.
No caso do convênio assinado pelo Município
de Niterói, era necessário que a prefeitura montasse uma estrutura que incluía a contratação de
técnicos habilitados para fiscalizar e analisar os
pedidos de licenciamento. As providências eram
mesmo necessárias, uma vez que, na época da
assinatura do acordo, o Conselho e o Fundo
Municipais de Meio Ambiente, que estabelecem
as diretrizes da política ambiental da cidade, sequer existiam.
Diante da falta de estrutura e do fato de que
as obras já estavam concluídas quando o caso
foi julgado, o juiz da 4ª Vara Federal de Niterói,
William Douglas dos Santos, considerou que a
demolição do que já estava pronto seria mais
prejudicial ao meio ambiente, uma vez que os
danos ambientais sofridos já estavam consolidados. No entanto, o magistrado condenou o Município de Niterói a não emitir licença ambiental
antes de prover os cargos do quadro de fiscalização ambiental e de aprovar o Código Ambiental
Municipal. A decisão também determinou que,
nos casos em que os demais entes federativos
pudessem sofrer o impacto ambiental da obra, as
licenças só fossem emitidas com o aval do Instituto Estadual do Ambiente – Inea e/ou do Ibama.
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Ambiental
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Daniel Marques, atual secretário municipal
de Meio Ambiente, reconhece que Niterói não
estava preparada, e toma como exemplo a falta
de documentação sobre as questões ambientais.
“No nosso exercício aqui, não encontramos nenhum estudo prévio de impacto ambiental com
termo de referência que tenha sido feito pela secretaria municipal. Havia muita solicitação para
que o órgão estadual fizesse esse tipo de estudo.
E isso demonstra certa fragilidade do corpo técnico, porque quando você delega ou pede auxílio a outro órgão, é porque você reconhece que
não tem condição de fazer”, revela.
Novo panorama – Com a instalação do
conselho local de meio ambiente e a publicação
da Lei Complementar 140/2011, que regulamentou a competência dos municípios para emitir
licenças ambientais, Niterói voltou a brigar na
Justiça, desta vez no Tribunal Regional Federal
da 2ª Região, a fim de recuperar o direito de autorizar novos empreendimentos. E teve o apoio,
inclusive, do Inea. “Os efeitos de tal decisão
acarretarão uma sobrecarga no sistema de licenciamento ambiental do Instituto, que hoje opera
cumprindo todas as demandas dentro de prazos
legais, mas com o esforço limítrofe de seu efetivo e uso de sua estrutura”, declarou o órgão
estadual, em ofício que foi anexado ao processo.
Diante das providências tomadas pelo
Município, o desembargador federal Sergio
Schwaitzer acatou o pedido e alterou a primeira
determinação. Ele entendeu que obrigar a municipalidade a colher prévia manifestação dos órgãos de controle e fiscalização ambiental estadual e federal, poderia gerar riscos de grave lesão à
ordem e à economia públicas, acarretando atraso dos pedidos apresentados, com significativos
transtornos e sobrecarga de serviço para o Inea.
Para Mario Mantovani, diretor de políticas
públicas da ONG SOS Mata Atlântica, o caso de
Niterói é um exemplo do que se repete em diversas cidades do país. “Agora, o que a gente vê?
Qual é a regra geral? O Ibama não tem estrutura
porque o orçamento é muito pequeno, e você
acaba prejudicando os licenciamentos. As demandas são cada vez mais frequentes, mas não
se tem estrutura. Nos estados, é a mesma coisa e
nos municípios, isso se reproduz”. Ele discorda
de que faltam técnicos habilitados para executar a política nacional de meio ambiente. “Os
técnicos estão disponíveis: biólogos, geógrafos,
agrônomos, engenheiros florestais, químicos,
gente ligada com a questão da arquitetura... O
que nós não temos é vontade política”, conclui
o ambientalista.
n
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Ambiental
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Revista Via Legal
Gustavo Moraes / CJF
O lado frágil
das feras
Um espaço montado em uma
fazenda a 80 quilômetros de
Brasília garante qualidade
de vida a felinos que foram
retirados da natureza,
maltratados e abandonados.
Chamados de animais-problema,
muitos deles viviam em celas
minúsculas, em centros de
triagem do Ibama
Marina Cavechia - Corumbá de Goiás (GO)
U
ma jaula pequena, lacrada, escondida
debaixo de um pano velho. Quando
Cristina Gianni viu esse objeto misterioso, perguntou ao funcionário do zoológico
de Brasília do que se tratava. Ele respondeu que
ali dentro morava um bicho; mais especificamente, uma onça. “Em uma caixinha dessas?”,
retrucou a visitante. “Nesse momento, ele levantou o pano e aquele olhar me pegou em cheio,
desprevenida. Eu quis ajudar aquela onça de
qualquer jeito, ela estava ali há quatro anos sem
andar”, recorda. Foi assim que nasceu a ideia de
criar uma organização não-governamental destinada a abrigar felinos que dificilmente poderão
ser reintegrados à natureza.
NEX é a abreviação do termo em inglês No
Extinction, nome da ONG que já completou 13
anos de luta. Sua sede fica em uma fazenda, em
Corumbá de Goiás. Partindo de Brasília, a viagem demora pouco mais de uma hora e, logo
na entrada, o visitante tem a certeza de que ali
vivem animais que estão no topo da cadeia alimentar, mas que, há muito tempo, perderam o
trono. Não é raro encontrar bichos que carregam no corpo marcas de maus tratos, que nunca
serão apagadas. Em outros, a cicatriz é invisível.
São felinos que passaram anos sendo criados
como animais de estimação e também amargam
consequências irreversíveis. Para entender a origem do problema, primeiro é preciso conhecer
a legislação brasileira que trata da proteção de
animais silvestres.
Quem captura animais na natureza com o
objetivo de ganhar dinheiro com a comercialização está praticando tráfico. E mais: manter
animais silvestres em casa como bichos de estimação também é ilegal e pode dar cadeia. A
pena varia de seis meses a um ano de prisão.
Em contrapartida, de acordo com as normas
ambientais do país, uma pessoa que, por livre e
espontânea vontade, entrega uma onça a agentes do Ibama, por exemplo, não sofre qualquer
tipo de punição.
E mais: uma resolução do Conselho Nacional de Meio Ambiente (Conama), aprovada em
Revista Via Legal
2013, deixa claro que, se o cativeiro domiciliar
tiver condições de abrigar um animal selvagem, o proprietário poderá solicitar um termo
de depósito ou até um termo de guarda. Na
prática, significa uma autorização a quem, de
alguma forma, em algum momento, descumpriu as regras.
No caso dos felinos, no entanto, dificilmente o dono do animal terá condições de continuar
com o bicho ou sequer vai se oferecer para cumprir essa tarefa. A explicação é simples: quando
o instinto selvagem do animal sobressai, mantê-lo no ambiente doméstico transforma-se em
um capricho muito arriscado. Justamente por
isso, o destino mais frequente são unidades do
Ibama. O problema é que a maioria dos centros
de triagem (Cetas) também não têm a infraestrutura necessária para manter esses bichos. Há
pouco espaço e falta dinheiro. Não é à toa que os
felinos selvagens nessas condições recebem um
rótulo: animais-problema.
Se o poder público não tem condições
de abrigar e cuidar deles, a alternativa está no
terceiro setor. Na ONG NEX, por exemplo, os
recintos têm cerca de 400 metros quadrados,
água corrente e muita vegetação. Ao todo, são
15 espaços que abrigam 27 felinos: 14 onças
pintadas, 8 pardas, 3 jaguatiricas e 2 jaguarundis. Antes de chegar à fazenda, muitos desses
animais passaram por um intenso processo de
humanização e, por isso, perderam o instinto
de caça e de sobrevivência.
A história de Brutus, uma onça-pintada que
há quatro anos vive no retiro, ajuda a explicar
as consequências da influência do homem na
vida de animais selvagens. Quando ainda era
filhote, ele foi comprado por uma família de
Goiás que tratava o bicho como um integrante
da família. Há relatos, inclusive, que ele tenha
sido amamentado por uma mulher. “Como esse
casal tinha uma filha com poucos meses de vida,
acabou criando o Brutus como se fosse uma
criança. Só que o bicho cresceu muito rápido. O
pai teve que separar os dois, mas na cabeça do
Brutus ele era irmão de ninhada da criança e não
queria ficar longe dela de jeito nenhum”, conta
o gerente da NEX, Rogério Jesus, relatando o
problema que fez com que Brutus fosse descartado pela família.
Cada recinto abriga uma história triste, que
justifica o comportamento carente das onças.
Nenhum visitante tem autorização para atravessar as grades, claro, mas quando uma pessoa se
aproxima, as onças logo encostam o corpo na estrutura de ferro e pedem carinho. “A referência
do animal é humana, mas é claro que ele não é
humano. Ele é uma onça e o nosso pior trabalho
aqui é fazê-lo lembrar-se disso”, explica a presidente da ONG.
Soltando os instintos
A calma e até a carência dos felinos desaparecem em um momento do dia. Na hora da alimentação, o jeito meigo de gato dá lugar à fera.
Todos os dias, no fim da tarde, os tratadores
passam nos recintos para alimentá-los. A comida
é farta – cada animal come cerca de dois quilos
de carne —, mas o acesso não é facilitado. Com
a intenção de estimular a percepção dos felinos
e diminuir o estresse, inevitável a uma situação
de cativeiro, os funcionários da ONG escondem
a carne. Para conseguir encher a barriga, as onças precisam usar o faro, descobrir o esconderijo
e encontrar uma forma de chegar ao alimento.
A comida pode estar em cima de uma árvore,
“Tem aquele gostar que
você quer pra si, quer ter
o domínio. E tem também
aquele gostar que você
respeita o animal do jeito
que ele é, ou seja, livre”
Rogério Jesus
dentro de um pedaço oco de madeira ou até debaixo d’água, onde o olfato passa a ser um sentido inútil. Seja qual for o grau de dificuldade, a
comida sempre é encontrada.
Apesar dos exercícios, é praticamente impossível ensinar uma onça a caçar e a se defender. Essa tarefa só tem chance de dar certo se começar a ser executada cedo, quando os animais
ainda são bem novinhos. Foi por isso que a ONG
criou um espaço diferente, onde dois filhotes
estão sendo treinados. Eles vivem em uma área
bem maior que a dos recintos convencionais e
são submetidos a situações semelhantes às encontradas na natureza. “Temos que treinar os filhotes para que eles não procurem uma fazenda
quando estiverem soltos e com fome. Primeiro,
eles têm que conhecer o cheiro da presa, saber
que o animal está próximo. Depois, nós apresentamos as fezes desses animais, e o bicho vai
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Ambiental
29
ficando com fome. É tratamento duro, é sofrimento, mas é a verdadeira escola. Afinal, na floresta, nenhum bicho vai ficar sentado esperando
para ser devorado”, explica Cristina.
As dificuldades do treinamento são apenas
uma parte do processo que deve anteceder a
soltura de um animal silvestre na natureza. As
regras estão previstas em uma norma do Ibama,
aprovada em 2008. O texto detalha, por exemplo, as dez etapas que precisam ser vencidas
para que o programa de soltura seja aprovado
pelo Instituto. Com a autorização em mãos e os
animais prontos, chega o momento de vencer
a distância e a burocracia. Para ser solto, o animal precisa ser levado à região de origem, que
muitas vezes está a milhares de quilômetros de
distância dos cativeiros. “Tem que ter normas de
soltura mesmo, porém a burocracia do país inviabiliza qualquer coisa. Em vez da preparação,
o bicho passa a viver vegetando, esperando”,
reclama Cristina Gianni.
Por causa dessas dificuldades, a reprodução
de onças em cativeiro é evitada ao máximo. Em
treze anos de existência do projeto, apenas duas
tiveram filhotes. O foco das nove pessoas que
integram a equipe é mesmo criar condições para
que os animais que chegam ao espaço tenham
qualidade de vida. “Meu sonho é que homem e
animal vivam em harmonia. Existem várias formas de gostar. Tem aquele gostar que você quer
pra si, quer ter o domínio. E tem também aquele
gostar que você respeita o animal do jeito que
ele é, ou seja, livre”, completa o gerente do retiro, Rogério Jesus. n
Posso visitar as onças?
A resposta é sim! A ONG No
Extinction está aberta ao público
e recebe visitas durante os fins
de semana. Mas fique atento, o
passeio deve ser agendado com
muita antecedência. Para reservar
o seu lugar, basta mandar um
email para [email protected] e
esperar a confirmação. Cada
pessoa paga R$100,00 que, além
da visitação, dá direito a café
da manhã, almoço e lanche da
tarde. Além das onças-pintadas,
jaguatiricas, pumas e jaguarundis,
quem visita o espaço pode ver de
pertinho tucanos e araras.
30
Ambiental
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Revista Via Legal
www.midiaindependente.org
Cicatriz na
Mata Atlântica
Vinte anos após derrubar área da Mata
Atlântica equivalente a 600 campos de
futebol, empresa foi condenada pelo
Tribunal Regional Federal da 4ª Região a
pagar indenização de R$ 26 milhões. O
crime ambiental ocorreu no Município de
São Francisco de Paula, na serra gaúcha
Marcelo Magalhães - São Francisco de Paula (RS)
L
á se vão duas décadas desde que uma clareira na floresta chamou a atenção de um
piloto que sobrevoava a Fazenda Faxinal,
em São Francisco de Paula, no Rio Grande do
Sul. Uma avaliação mais detalhada revelou um
grave crime ambiental: a derrubada irregular de
600 hectares da Mata Atlântica. Denunciada, a
dona da área – uma empresa agrícola – travou
uma longa batalha jurídica na tentativa de se livrar das punições previstas em lei para esse tipo
de agressão à natureza. Não deu certo. A decisão
mais recente, tomada pelo Tribunal Regional
Federal da 4ª Região, determinou que, além de
recuperar a área, os responsáveis paguem R$
26,5 milhões como indenização pelos danos
causados ao ecossistema da região.
As suspeitas de que havia algo errado surgiram em fevereiro de 1989, quando o piloto
relatou o caso ao Instituto Brasileiro de Meio
Ambiente (Ibama), ao perceber a falha na vegetação. Na época, fiscais do órgão estiveram na
propriedade e confirmaram o crime. A constata-
ção foi de que a Perini e Cia Ltda. aproveitou o
fato de ter recebido algumas autorizações para
desmatar parte da propriedade de 947 hectares
e acabou avançando sobre a Mata Atlântica.
O Ibama, além de levar o caso ao Ministério Público Federal (MPF), autuou a companhia,
com a acusação de adotar o chamado corte raso
– técnica que consiste na retirada de todas as
plantas de uma determinada superfície. “Houve
um pedido para o corte raso. A autorização foi
negada e, mesmo assim, a empresa executou o
Revista Via Legal
Sylvio Sirângelo/TRF4
do valor inicial da indenização. No entanto, a
análise de um recurso apresentado pelo MPF
revelou novos indícios de irregularidades.
Documentos provaram que a nova proprietária faz parte do mesmo grupo econômico da
primeira denunciada. “Na época, fizemos um
exame da composição social. Os sócios são os
mesmos, a própria sede da empresa é uma ao
lado da outra e o Tribunal entendeu que isso
não poderia ser reconhecido como válido para
este processo”, destacou o desembargador federal Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz,
relator do recurso no TRF4.
A decisão, que obriga a empresa a recuperar a área devastada e a pagar indenização de R$
26,5 milhões, ainda não é definitiva, ou seja, a
Perini pode levar o caso aos tribunais superiores. A possibilidade não foi confirmada pelos
advogados da companhia que, ao serem procurados por Via Legal, preferiram não se manifestar. Mesmo acreditando que as punições serão
mantidas e que vão prevalecer no fim do processo, o procurador da República lamenta os danos causados ao meio ambiente. “Por mais que
haja essa obrigação de recuperar a área – o que
inclusive ainda não começou –, vai levar muito
tempo pra que essa área seja recuperada”,
resume Paulo Gilberto Leivas. n
A decisão de Thompson Flores
obriga a empresa a recuperar a
área e a pagar indenização
corte raso”, afirma o procurador regional da República, Paulo Gilberto Leivas.
A empresa também foi denunciada por
destruir áreas de preservação permanente,
principalmente próximas a córregos e nascentes. No lugar da mata nativa, foram plantados
eucaliptos e pinus, duas espécies muito usadas para a produção de madeira e apontadas
como pragas, capazes de afetar o equilíbrio do
ecossistema. “Eles derrubavam a mata, extraíam madeira para certas empresas e plantavam
pinhos”, recorda Fleuri Zini, motorista de caminhão e morador da região.
Nova dona
Tamanduá-bandeira
Depois de ser condenada em primeira instância, a Perini e Cia recorreu ao TRF, apresentando como principal argumento o fato de não
ser mais a proprietária da Fazenda Faxinal. Foram
apresentados documentos, segundo os quais,
dois anos após obter as autorizações para a retirada de parte da vegetação, a empresa arrendou
a propriedade à Transpinho. Dois anos mais tarde, foi oficializada a alienação da área, que passou a ser oficialmente da segunda companhia.
Em um primeiro momento, os desembargadores acataram de forma parcial o pedido,
determinando que a Perini pagasse apenas 10%
Papagaio-depeito-roxo
Ariranha
Onça-parda
Águia cinzenta
Tiriba grande
Lobo-guará
Onça-pintada
Rãzinha
Bioma da Mata Atlântica: ocupa área litorânea
do Rio Grande do Norte a Santa Catarina.
20 parques nacionais são o lar de algumas
espécies em extinção
|
Ambiental
Realidade da Mata
Atlântica no país
Originalmente, a Mata Atlântica
abrangia uma área de 1.315.460 km²,
espalhados ao longo de 17 estados: Rio
Grande do Sul, Santa Catarina, Paraná,
São Paulo, Goiás, Mato Grosso do Sul, Rio
de Janeiro, Minas Gerais, Espírito Santo,
Bahia, Alagoas, Sergipe, Paraíba, Pernambuco, Rio Grande do Norte, Ceará e Piauí.
Hoje, restam 8,5% de remanescentes florestais acima de 100 hectares. Se forem
considerados os fragmentos – acima de
três hectares – esse índice chega a 12,5%.
Classificada pela Unesco como Reserva da Biosfera, a Mata Atlântica é uma
das áreas mais ricas em biodiversidade e
mais ameaçadas do planeta. No Brasil, a
Constituição Federal de 1988 decretou
a floresta como Patrimônio Nacional e,
desde 2006, está em vigor a Lei Federal
11.428 que regulamenta o uso e a exploração de seus remanescentes florestais e
recursos naturais.
De acordo com o Censo Populacional
2010, do Instituto Brasileiro de Geografia
e Estatística (IBGE), 62% da população
brasileira vive em área de Mata Atlântica.
São mais de 118 milhões de habitantes
em 3.284 municípios, que correspondem
a 59% dos existentes no Brasil.
Habitam a Mata Atlântica mais de
20 mil espécies de plantas, sendo 8 mil
endêmicas, além de 270 espécies conhecidas de mamíferos, 992 espécies
de pássaros, 372 anfíbios, 350 peixes e
197 répteis. Das 633 espécies de animais
ameaçadas de extinção no Brasil, 383 podem ser encontradas lá.
Fonte: SOS Mata Atlântica 31
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Ambiental
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Revista Via Legal
Cuidado,
animais na pista
A presença de animais soltos nas margens das rodovias brasileiras está entre as
maiores causas de acidentes. O problema se repete em todo o país, mas tem maior
incidência na Região Sul, onde se transformou no motivo de uma ação judicial
Isabel Carvalho – Brasília (DF)
Revista Via Legal
tância e condenou a Concessionária da Rodovia
Osório-Porto Alegre (Concepa) a indenizar uma
motorista que se envolveu em um acidente, em
1999. A colisão foi na altura do quilômetro 39 da
Freeway (BR-290). O carro que ela dirigia bateu
em uma vaca e ficou completamente destruído.
A autora da ação deve receber o valor do carro,
acrescido de juros e correção monetária.
Na tentativa de reverter a condenação,
a Concepa alegou que a culpa pelo acidente
era exclusiva da autora da ação ou, então, do
dono do animal que invadiu a pista. Mas o argumento não convenceu o relator do processo,
desembargador federal Luís Alberto d’Azevedo
Aurvalle. Em seu voto, o magistrado destacou que o Superior Tribunal de Justiça (STJ)
tem responsabilizado as concessionárias por
acidentes desse tipo. Essas condenações se
baseiam no princípio da responsabilidade objetiva, segundo o qual o Estado responde pelos atos de seus agentes, independentemente
de dolo ou culpa. Um princípio que, desde a
Constituição Federal de 1988, foi estendido às
concessionárias. “A Concepa é responsável pela
exploração, recuperação, manutenção, melho-
O
Brasil está entre os países que mais registram acidentes de trânsito no mundo. Entre as causas mais frequentes, é
possível citar a imprudência de motoristas, a
falta de conservação e sinalização das estradas
e até a presença de animais nas pistas. Dados da
Polícia Rodoviária Federal (PRF) revelam que,
entre janeiro de 2013 e fevereiro de 2014, foram
registradas 4.764 ocorrências desse tipo. Em 199
delas houve vítimas fatais. Estes números só não
são maiores porque agentes da PRF realizam
um trabalho constante de retirada de animais
das BRs. Apenas no ano passado, foram 12.669
apreensões. Apesar do esforço, ainda são muitos
os registros. É que a fiscalização nem sempre é
suficiente para vencer o descaso dos donos que,
pelo Código de Trânsito Brasileiro (CTB), cometem um crime e devem arcar com os prejuízos
provocados por essas colisões.
Dependendo das circunstâncias e dos locais
dos acidentes, as vítimas podem recorrer à Justiça contra os donos dos animais, as empresas
concessionárias e até o Estado. Se ficar provado,
por exemplo, que faltou fiscalização em uma BR,
a ação deve ser analisada na Justiça Federal. Em
um desses casos, o Tribunal Regional Federal da
4ª Região confirmou a sentença de primeira ins-
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Ambiental
33
Ascom / TRF4
Des. Aurvalle: “cabe à concessionária o
dever de vigiar pela segurança das pistas”
ramento, monitoração e conservação da Rodovia BR-290”, afirmou o desembargador.
Ele ressaltou ainda que, durante o processo, não foi apresentado nenhum indício de que
a motorista tenha contribuído para o acidente.
“Se ao motorista impõe-se o dever de obedecer
devidamente à sinalização na rodovia, além dos
cuidados redobrados em uma via expressa, por
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Ambiental
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Revista Via Legal
Nilton Santolin
Schunck Junior não concorda
que a retirada dos animais
que invadem as pistas
seja uma obrigação
das empresas
outro lado, cabe à concessionária o dever de
bem vigiar pela boa segurança nas pistas, e isso
compreende o zelo para evitar acidentes decorrentes da invasão de animais “, explicou.
O magistrado fez questão de ressaltar que,
ao receber a concessão de uma BR, a empresa
está ciente dos bônus e dos ônus envolvidos no
contrato. “O bônus é cobrar o pedágio. No Brasil, inclusive, essa situação é bastante vantajosa
porque, em geral, nas outras partes do mundo,
as concessionárias de serviços públicos constroem as estradas para depois cobrar. Aqui no Brasil não, elas recebem a estrada pronta e apenas
fazem a sua manutenção. Então, é normal que
também haja um ônus maior, que seria, no caso,
a responsabilidade pela vigilância e pela segurança dessa estrada”, concluiu D’Azevedo Aurvalle.
O desfecho judicial do caso não agradou a
Associação Gaúcha de Concessionária de Rodovias (AGCR). “Nós temos como prática não
comentar decisões judiciais, pois elas devem ser
objeto de recurso — quando cabível — e, caso
não sejam reformadas, devem ser cumpridas”,
afirmou o presidente da AGCR, Egon Schunck
Divulgação: Instituto Ambiental ECOSUL
Para Roberto Borges, a redução da
quantidade de acidentes passa pela
conscientização dos donos dos animais
Junior, alegando em seguida que o entendimento do Supremo Tribunal Federal (STF) é que,
nesse tipo de ocorrência, a responsabilidade da
concessionária é subjetiva, ou seja, só deve ser
aplicada se for provado dolo ou culpa do agente.
“É preciso examinar efetivamente a casuística do
acidente para saber se há ou não responsabilidade da concessionária em indenizar o usuário”,
sustentou Schunck Junior.
O representante da associação também
questiona o fato de a retirada dos animais que invadem as pistas ser apontada como uma obrigação das empresas. Ele explica que cada contrato
tem uma previsão específica. Segundo Schunck
Junior, aqueles firmados pela União na primeira
fase de concessões não previam que as empresas deveriam detectar, capturar, remover e guardar os animais encontrados nas pistas. “Já os
contratos da segunda e terceira fases atribuem
essa obrigação às concessionárias. Os contratos
estaduais, por exemplo, também não têm essa
previsão”, completou. O contrato da Concepa,
segundo ele, é da primeira fase, o que faz com
que a empresa se sinta no direito de não assumir
os custos do acidente ocorrido em 1999.
Maior incidência
As colisões e atropelamentos de bois, vacas,
cachorros e outros animais se repetem em todo
o Brasil, mas em alguns estados, como Minas
Gerais e Rio Grande do Sul, a situação é ainda
mais grave e crescente. Em 2006, por exemplo,
foram registrados 165 atropelamentos nas rodovias gaúchas. Em 2010, este número mais que
dobrou: os agentes da Polícia Rodoviária Federal
registraram 369 casos. Já em 2013 e nos dois primeiros meses deste ano, o total de ocorrências
saltou para 527. Foram oito mortes e 166 vítimas
com ferimentos leves ou graves.
Segundo Egon Schunck, no sul do país 11%
dos acidentes nas estradas envolvem animais.
“O sistema rodoviário gaúcho corta muitas fazendas e áreas de criação, em função da predominância da atividade primária em nosso estado.
Temos grandes extensões de terra, com cercas
fora de condições apropriadas, nas periferias das
cidades. Nós temos também vilas de carroceiros
que deixam os animais para pastar nas margens
das rodovias”, acentuou Schunck.
Revista Via Legal
|
Ambiental
Divulgação: PRF
Atropelamento de animais
domésticos e silvestres
Dados da PRF revelam que em 2013 e
início de 2014 cerca de 527 acidentes em
rodovias do RS envolveram animais
Acidente durante fiscalização
Os fiscais do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos
Naturais Renováveis (Ibama), Roberto Cabral Borges e Anderson Valle, sabem muito bem o que é se envolver em um acidente com animais de grande porte. Na madrugada do dia 28 de janeiro de 2012  eles seguiam pela
BR 101, em direção a Vitória da Conquista (BA), após operação de combate ao tráfico de animais silvestres, e acabaram atropelando uma égua.
Segundo Roberto Cabral, que dirigia o veículo, a estrada estava escura
e o mato alto dificultava a visão. “De repente, uma égua entrou na frente
do carro, logo depois de uma curva, e não deu tempo de frear. A colisão
foi muito violenta. Ninguém do carro se feriu, mas o animal caiu na estrada e ficou entre a vida e a morte”, explicou. Cabral recorda ainda que a
segunda viatura do Ibama, que vinha logo atrás, por pouco não atropelou
um cavalo, que também havia invadido a pista.
De acordo com Anderson Valle, após sacrificarem e retirarem o animal da pista, eles descobriram que outras duas éguas também haviam
sido atropeladas no local. Uma delas estava no matagal às margens da BR,
com as duas patas traseiras quebradas. Diante da gravidade, os fiscais tiveram que sacrificar o animal. “Esse acidente foi uma fatalidade por vários
motivos, entre eles a falta de sinalização, de consciência das pessoas que
abandonam e não cuidam de seus animais, bem como da falta de uma
legislação que puna esse tipo de descuido. O que aconteceu nesse dia foi
uma negligência de vários agentes”, resume.
Roberto Cabral faz outra revelação, que indica o tamanho e a frequência em que o problema se repete na BR 101. Segundo ele, três dias antes
da colisão, a equipe do Ibama ajudou a retirar três burros que estavam no
meio da pista. Eles haviam fugido de uma propriedade rural próxima ao
local. “Essa é uma situação muito comum ao longo da viagem”, destacou.
Na avaliação de Roberto Cabral, a redução na quantidade desse tipo
de acidente passa pela conscientização dos donos dos animais, que devem ter uma guarda responsável. “Se eu tenho um animal, eu sou responsável por ele e, consequentemente, pelo dano que ele vier a causar a
terceiros e especialmente pela vida e bem estar dele. Quando as pessoas
têm os animais e não se responsabilizam por ele, isso faz com que aconteçam fatalidades como esta”, completa.
No caso do Brasil, além de muita gente desconhecer a necessidade da guarda responsável, também faltam meios para se identificar os
proprietários de cavalos e vacas que insistem em circular pelas rodovias.
“Seria muito bom se os donos dos animais fossem obrigados a colocar
microchip em cada um deles. Porém, ainda não temos uma legislação
que os obriguem a fazer isso. Se existisse, teríamos condição de rastrear o
animal, conseguiríamos ver a questão do abandono, dos maus-tratos, de
um acidente envolvendo terceiros e seus bens e, com isso, saber quem
responsabilizar”, concluiu Roberto Cabral. n
Muitos motoristas ficam feridos quando atropelam animais
de grande porte nas pistas, alguns até morrem, mas os números
não deixam dúvidas: os bichos são as maiores vítimas. A quantidade de atropelamentos de animais, tanto silvestres como domésticos, impressiona: a estimativa é que o total de ocorrências chegue a 450 milhões por ano. No entanto, como a maioria delas não
resulta em danos graves, o fato acaba passando despercebido.
Com o objetivo de monitorar o impacto dos atropelamentos
sobre a fauna silvestre e identificar pontos críticos de acidentes,
foi criado em 2010 o projeto Rodofauna, ligado ao Instituto Brasília Ambiental (Ibram). Técnicos do órgão percorrem o entorno
das 11 unidades de conservação que cortam o Distrito Federal.
“Passamos duas vezes por semana nessas áreas, registrando e
fotografando os bichos que a gente encontra, tanto os animais
silvestres como os domésticos. Percebemos que era elevado o
número de atropelamentos e, com base nisso, montamos um
relatório, no qual propomos algumas medidas mitigadoras para
região”, apontou o analista ambiental do Ibram, Rodrigo Santos.
De acordo com Almir Figueiredo, que também é analista do
Ibram e participa do projeto, os atropelamentos são a segunda
maior causa direta de mortes de animais silvestres. Os números superam os da caça, que historicamente provocam a morte de milhares de aimais. “As pessoas não caracterizam o atropelamento como
uma atividade negativa, mas sim como uma casualidade. Porém, se
for calcular o prejuízo para a natureza, é muito grande”, contou.
Os registros do projeto Rodofauna revelam uma curiosidade.
A maioria dos casos de atropelamentos, cerca de 70%, envolve
aves. “Justamente porque é difícil perceber que você atropelou
um pequeno pássaro. Então, dá a sensação de que mamíferos são
mais atropelados. Por isso, é importante a redução de velocidade
nas rodovias no entorno das unidades de conservação”, resume
Figueiredo, completando que os animais domésticos estão presentes em 15 % dos registros de atropelamentos. Rodofauna
De acordo com o Ibram,
a maioria dos atropelamentos
envolve aves
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36
Administrativo
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Revista Via Legal
Peso para a sociedade
A circulação de veículos com peso superior ao previsto em lei
é apontada como uma das principais causas de redução da
vida útil das estradas. A ganância de empresários, a fiscalização
ineficiente e o baixo valor das multas aplicadas na esfera
administrativa explicam a alta incidência desse comportamento
irresponsável, que coloca em risco a vida de motoristas. Mas, se
depender da Justiça, quem ignora esses limites em nome dos
lucros, vai pagar caro pela desobediência
Eliane Wirthmann – Brasília (DF)
O
Código de Trânsito Brasileiro (CTB)
define o limite de peso que cada veículo pode transportar, além de estabelecer penalidades em caso de desobediência.
No entanto, as regras não impedem que caminhões circulem com toneladas a mais pelas
rodovias do país todos os dias. Para frear a ilegalidade e garantir o cumprimento da lei, a Justiça Federal tem sido acionada com frequência
cada vez maior. As empresas infratoras quase
sempre são as mesmas — foi o que revelou um
levantamento feito pelo Ministério Público Federal (MPF) entre 2007 e 2010. Na época, foram identificados os 100 maiores responsáveis
pela prática. “Algumas ações chegam a apontar
13 mil infrações por empresa nesse período”,
conta o procurador da República, Paulo Roberto Galvão de Carvalho.
Um dos processos teve como ré a Indústria
de Rações Patense Ltda., que tem sede na cidade
de Patos de Minas (MG). Na ação, o MPF pediu
que a empresa fosse punida por descumprir a lei
e ainda tivesse que pagar uma indenização para
compensar os danos causados à malha viária nacional. Como o pedido foi negado em primeira
instância, os procuradores recorreram ao Tribunal Regional Federal da 1ª Região. O caso foi analisado pela 5ª Turma do tribunal, que reformou a
sentença e, por unanimidade, deu razão ao MPF.
De acordo com a decisão, a empresa terá que
pagar multa no valor da carga transportada, além
de duas indenizações: uma por danos materiais,
pelos estragos provocados às rodovias, outra
por danos morais coletivos, pelos prejuízos causados de forma indireta à população. Ao todo, a
empresa terá que desembolsar R$ 40 mil.
Arquivo pessoal
Procurador Paulo Carvalho:
“algumas ações chegam a
apontar 23 mil infrações por
empresa entre 2007 e 2010”
Revista Via Legal
O desembargador federal Souza Prudente,
relator do caso no TRF 1ª Região, faz questão
de lembrar que os danos à população vão além
dos buracos e estragos na pista. “Essas empresas
individuais emitem gases nocivos, que agridem
o meio ambiente, podendo até concorrer para o
desequilíbrio climático, além de agredir a saúde
do próprio motorista”, avalia o magistrado.
Souza Prudente rebateu ainda críticas de
que não caberia à Justiça aplicar esse tipo de penalidade. “O Judiciário não foi chamado a aplicar outra penalidade, mas sim ordenar que essa
empresa parasse de infringir as leis de trânsito.
Uma ordem judicial, se descumprida, tem consequências na esfera criminal. Aquele que descumprir responde não só civilmente, através das
multas coercitivas, aplicadas pelo juiz ou pelo
tribunal, mas pode responder também criminalmente. Significa, em tese, que descumprir uma
ordem judicial é um crime de desobediência”,
explica o desembargador.
Causas da irregularidade
O levantamento do MPF revelou que a principal causa do problema é a impunidade. Além
do número de Postos de Pesagem de Veículos
(PPV) ser insuficiente para atender a toda a
malha viária, o sistema de cobranças apresenta
falhas. “As empresas passavam pela balança, se
constatava que havia excesso de peso e simplesmente as multas não eram encaminhadas. Isso
criou nas empresas um sentimento de que poderiam fazer qualquer coisa. E, posteriormente a
isso, mesmo com a cobrança das multas, o valor
é ínfimo”, comenta o procurador Paulo Carvalho.
Especialista da área de transportes, o professor da Universidade Federal do Rio Grande
do Sul, João Fortini Albano, também atribui a
prática ilegal, ainda comum entre os caminhoneiros, a problemas como fiscalização deficiente e multas brandas demais. O excesso de peso,
segundo ele, é um dos principais fatores de
destruição das rodovias brasileiras. Ele explica
que a vida útil de algumas pistas chega a ser
reduzida em 40%. “A multa não está surtindo
o devido efeito. Quando um veículo se desloca
com excesso de carga, há uma otimização do
frete. Os retornos obtidos são bem maiores do
que se ele trafegasse com a carga máxima legal.
No sentido de obter retornos imediatos, alguns
transportadores tomam a decisão de pagar a
multa e trafegar com sobrecarga, danificando
a rede rodoviária brasileira. Sintetizando: é a
ganância imperando”, dispara.
João Albano lembra que as rodovias são patrimônios do país e, assim como outros “bens
públicos”, também precisam ser preservadas.
“Se considerarmos os 220 mil quilômetros de
rodovias pavimentadas no Brasil, totalizamos
um patrimônio de R$ 340 bilhões. É o que valem
nossas rodovias. É muito dinheiro e esse patrimônio precisa ser conservado”.
Outros processos semelhantes envolvendo
grandes empresas transportadoras ainda aguardam análise pelo Judiciário. Para João Albano,
esse é um sinal de que medidas mais efetivas
para acabar com esse tipo de crime já começam
a ser adotadas. “Acho muito adequado que a
Justiça brasileira comece a tomar medidas mais
severas e mais impositivas no sentido de que
transgressores comecem a pagar até o momento
em que possam entrar na linha e trafegar dentro
dos limites previstos pela lei”, encerra.
Os números do perigo
A redução da vida útil das pistas não é a
única consequência do excesso de peso. A
prática também tem impactos no total de acidentes registrados todos os dias no país. Um
efeito que pode se dar de forma direta, com o
envolvimento desses veículos em colisões, ou
de forma indireta, pela presença de buracos ou
de outros estragos na pista. O mestre de obras
Crispim Teixeira de Araújo conhece bem essas
consequências.
Em 2010, ele se envolveu em um acidente
na BR 070, em um trecho próximo ao Município
de Águas Lindas, no Estado de Goiás. “Eu fui desviar de um buraco e encostei em um caminhão”,
conta Crispim, que ficou quatro dias internado
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Administrativo
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Arquivo pessoal
João Albano: “rodovias são
patrimônio do país”
e precisou fazer uma cirurgia para colocar cinco
parafusos na perna quebrada. “Se a pista estivesse boa, se tivesse sinalização e não tivesse aquela
buraqueira toda, isso não teria acontecido”, diz
o mestre de obras.
Dados da Polícia Rodoviária Federal mostram que em 2011, por exemplo, os veículos
de carga se envolveram em 93.066, de um total de 331.652 acidentes registrados no período nas rodovias federais sob a jurisdição do
Departamento Nacional de Infraestrutura em
Transporte (Dnit). Em 2010, esse número havia
sido de 88.963, do total de 317.711. Outra estatística reforça a necessidade de mais rigor na
fiscalização: embora represente 3,1% do total
de veículos registrados em todo o país, a frota
de caminhões está envolvida em 21% dos acidentes com mortes. n
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Administrativo
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Revista Via Legal
Formados e sem diploma
Seja qual for o motivo, quando uma escola ou universidade fecha as portas,
muitas informações importantes acabam se perdendo. São históricos,
certificados e mesmo diplomas que, às vezes, nunca chegam aos alunos.
No Rio de Janeiro, milhares de estudantes e até recém-formados têm
percorrido um longo caminho para ter acesso a documentos.
Adeílton Oliveira - Rio de Janeiro (RJ)
O
fechamento de duas universidades,
descredenciadas pelo Ministério da
Educação (MEC) no início deste ano, no
Rio de Janeiro, atingiu em cheio a vida de centenas de estudantes. Além do risco de atraso na
conclusão do curso e da possibilidade de perder
o emprego, a maioria dos alunos ainda tem que
se preocupar com providências simples, como
conseguir um documento para continuar o curso em outra instituição. Também é expressivo o
número dos que já terminaram as disciplinas,
mas não têm nem notícia de quando receberão
os diplomas. O resultado tem sido prejuízos e
dezenas de ações judiciais.
Em pelo menos uma delas, o autor conseguiu um resultado favorável. O juiz federal Firly
Nascimento Filho, da 5ª Vara Federal no Rio de
Janeiro, concedeu uma liminar que obrigou a
União a emitir e registrar o diploma de um rapaz
que terminou o curso de Medicina no fim de
2013. O magistrado considerou que a certidão
de conclusão apresentada no processo é suficiente para comprovar que o autor finalizou o
curso ministrado pela Universidade Gama Filho.
Segundo o juiz, ficou comprovado que o estudante foi aprovado, após um concorrido processo seletivo, para a residência médica em Cirurgia
Geral na Universidade Federal do Espírito Santo,
e dependia do documento para efetuar a matrícula, sob o risco de perda da vaga.
A tese apresentada pelo estudante, e que
saiu vitoriosa, baseou-se no entendimento de
que, se é o Ministério da Educação que credencia
e descredencia uma instituição, o órgão passa a
fazer parte do processo, e a relação deixa de ser
de consumo. “O poder concedente é o Ministério
da Educação, é a União. Ele pode descredenciar,
pode emitir o diploma, ou pode exigir que outra
universidade, outra faculdade, como acontece
em outros casos, emita o diploma, uma vez que
o curso era reconhecido pelo MEC”, argumentou
o advogado do autor, Victor Travancas.
Ele explicou que, em regra, os processos
contra universidades particulares correm no
âmbito estadual, mas que preferiu recorrer à
Justiça Federal para cobrar diretamente do
MEC uma solução. “Com a entrada desta ação
na Justiça Federal, a demanda chama a campo
o Ministério da Educação para que possa agir
imediatamente a fim de que os alunos prejudicados possam obter suas transferências e seus
diplomas, como é o caso do médico autor desta
ação. É um verdadeiro absurdo o descaso que
está sendo vivido pelos alunos e formandos da
Gama Filho, especialmente por parte do MEC,
que não tem tomado as medidas fiscalizadoras
inerentes ao seu papel constitucional com relação à referida universidade privada”, disparou.
No processo, a União chegou a argumentar
que o MEC não tem acesso aos dados dos alunos. “Só quem tem o acervo acadêmico é a universidade. E a portaria de descredenciamento
é muito clara. O fato de a instituição ser descre-
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Ascom/TRF2
Victor Travancas propõe
um cadastro único,
onde o aluno possa
emitir seu diploma
pela internet
denciada não a exime de sua responsabilidade.
E a portaria especifica quais obrigações as universidades descredenciadas têm que cumprir,
que são: manter o acervo acadêmico, expedir
e registrar diploma, transferir documentação,
fornecer histórico escolar, ou seja, toda a parte
burocrática, toda a vida acadêmica do aluno”,
alega Gláucia Delgado Souto, procuradora da
Advocacia-Geral da União, ressaltando que as
instituições punidas pelo governo têm contratos de prestação de serviço educacional com os
alunos, o que configura uma relação privada.
No entanto, para o advogado Victor Travancas, independentemente de a Gama Filho
obedecer ou não à portaria, é dever do MEC fiscalizar e exigir providências para que a universidade emita os diplomas. “Minha preocupação
é que esse jovem, mesmo formado, não possa
exercer a profissão porque o Conselho de Medicina exige o diploma. A gente tem que cobrar que o Governo Federal tenha uma atuação
real. Se tem alguma coisa errada, o aluno não
pode ser abandonado”, resumiu. Pelas contas
do advogado, no início de 2014, cerca de 2 mil
alunos aguardavam os papeis de transferência.
Sobre a decisão, o advogado destacou o
fato de o juiz ter determinado a imposição de
uma multa pessoal de R$ 200, que recai diretamente sobre os gestores da instituição e não
apenas para a pessoa jurídica. “O juiz se baseou
no artigo 14 do Código de Processo Civil. Isto
quer dizer que os responsáveis pela Gama Filho não podem embaraçar nem tentar descumprir a decisão. A Justiça pode até vir a pedir a
prisão deles, caso perceba que não está sendo
obedecida”, acrescentou, classificando a medida como inovadora.
Victor Travancas defende mudanças na legislação, argumentando que a situação vivida
pelos alunos da Gama Filho não é uma exceção. “Eu fui perceber, durante a ação, que cada
faculdade, segundo a Lei de Diretrizes e Bases
da Educação, é responsável pelo seu cartório
de emissão de diploma. Nós não temos um
cartório único. Percebi que os alunos que se
formam em universidades que fecharam ou
faliram jamais conseguiram obter seu diploma,
porque ninguém cuida daquele cartório”, frisa.
Ele acredita na necessidade de mudar o
jeito como as coisas funcionam. “O que a gente propõe é um debate político-educacional e
que haja um cadastro único, digitalizado, onde
o aluno, ao precisar, possa, pela internet, emitir
seu diploma. A gente consegue uma certidão
com muita facilidade, por exemplo, na Justiça
Federal. Isso tem que mudar para a educação
também. Vamos começar a defender essa tese
a partir dessa ação judicial e iniciar esse debate
junto ao governo”, completou. n
Ascom/TRF2
Tentando pegar o diploma,
milhares de estudantes
formaram uma fila que
parecia não ter fim
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Administrativo
O drama dos alunos
39
Tatiana Gomes fez o curso de Direito, mas não pode exercer a profissão
de advogada com a qual sonhou a vida
toda. Ela estudou na UniverCidade, instituição particular de ensino superior do
Rio de Janeiro, também descredenciada
pelo MEC. A jovem conta que perdeu
a chance de ser efetivada no escritório
onde trabalhava como estagiária porque
não tinha como comprovar a conclusão
dos estudos. “Há dois anos a gente já
percebia que a faculdade estava passando por sérios problemas, mas ninguém
nunca chegou a acreditar que isso um dia
ia acontecer. Hoje, eu não sei mais em
quem acreditar, eu não sei para onde eu
vou correr”, desabafa a ainda estudante.
Os problemas começaram há um
bom tempo, mas a crise ficou mais intensa em 2010, com a paralisação de
professores, alunos e funcionários. Em
2013, uma greve se arrastou durante
praticamente todo o ano. A UniverCidade fazia parte do grupo Galileo Educacional, que também era dono da Gama
Filho. Juntas, elas tinham 14 mil alunos.
Desse total, cerca de 3 mil deveriam
ter-se formado no fim do ano passado.
São pessoas como Vanessa Souza, que
espera pelo diploma em Ciências Contábeis desde 2012. “Fiz minha prova no
Conselho Regional de Contabilidade e
ela vence em dois anos. Até agora não
consegui pegar nenhum documento e
por isso corro o risco de perder o registro”, lamenta Vanessa.
São histórias de quem sonhou a
vida inteira chegar ao ensino superior.
Enquanto Tatiana e Vanessa tentavam
pegar o diploma, milhares de pessoas
ainda matriculadas ocuparam por vários
dias as estreitas ruas do Centro do Rio
numa fila que parecia não ter fim. Tudo
para conseguirem ser transferidos a uma
das três instituições indicadas para receber os estudantes. A desorganização no
atendimento aos alunos levou o Procon-RJ a autuar o grupo Galileo. Neste caso,
a infração foi registrada com base na
natureza jurídica da relação instituição-aluno, que é de prestação de serviço,
uma vez que se trata de ensino privado.
40
Preservação
|
Revista Via Legal
Juliana Galvão / TRF5
Pelos trilhos da
história
Disputada pelos Estados de Pernambuco e Rio
Grande do Norte, a locomotiva Catita nº 03,
de reconhecido valor cultural, virou alvo de
um processo que chegou à Justiça Federal.
Se depender dos tribunais, a máquina deve
ficar exposta em terras potiguares
Tayza Lima – Recife (PE)
Revista Via Legal
A
Catita nº 03 — que recebeu este apelido
carinhoso por ser de pequeno porte — é
uma locomotiva férrea inglesa adquirida
em 1906 pela Estrada de Ferro Central do Rio
Grande do Norte. No período áureo do transporte ferroviário nacional, o trem cruzou as terras potiguares e conduziu personalidades, como
o ex-presidente Washington Luiz e o general
Duque Estrada. Mas, com o passar dos anos e
com o declínio desse modo de transporte, as
ferrovias perderam espaço. Foi nesse contexto
que a Catita acabou sendo aposentada.
Em 1975, o pequeno trem foi levado para
Recife, em Pernambuco. O propósito era decorar o escritório regional da Rede Ferroviária
Federal Sociedade Anônima (RFFSA). De lá, seguiu para exposição no hoje extinto Museu do
Trem da cidade. Contudo, a estadia da pequena
locomotiva em terras pernambucanas está com
os dias contados. É que, com o fechamento do
Museu, a máquina ficou exposta às agressões do
sol e da chuva, sofrendo deteriorações e sendo
corroída pela ferrugem.
Na tentativa de restaurar a peça, que tem
uma grande importância histórica para o povo
potiguar, em novembro de 2010, os Ministérios
Públicos Federal e Estadual no RN propuseram
uma ação civil pública, que foi julgada na 4ª Vara
da Justiça Federal. O pedido foi para que a locomotiva fosse tombada, sendo, assim, reconhecida formalmente como bem de valor histórico e
cultural. A ação ainda requeria que o Instituto
do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, o
Iphan, providenciasse o retorno da Catita para o
RN, anulando o convênio que permitiu a transferência do trem para Recife.
Apesar do resultado favorável ao pedido
potiguar, em vez de providenciar a transferência, o Iphan apresentou um recurso ao Tribunal
Regional Federal da 5ª Região. Uma das alegações apresentadas foi que a locomotiva que se
encontra no Museu do Trem do Recife não é
a mesma comprada e reclamada pelo Estado
do Rio Grande do Norte. “A locomotiva em
referência (Catita) foi retirada dos jardins da
Associação dos Engenheiros Ferroviários do
Nordeste para a construção de uma piscina,
entre 1982 e 1983, não havendo notícias de seu
destino”, sustentou o órgão.
No TRF, o relator do recurso foi o juiz federal Ivan Lira de Carvalho, convocado para atuar
como desembargador. Convencido de que a
locomotiva que está no Museu do Trem é a verdadeira Catita, o magistrado negou provimento
ao recurso do Iphan e manteve a decisão de
primeira instância. “Ficou claro pelos elemen-
tos, inclusive pela perícia que foi feita, de que
efetivamente é a mesma máquina, a de número
03”, explica. “Verifica-se, pelas fotografias anexadas aos autos, que a máquina está guardada em
parte externa do prédio da Estação Central do
Recife, submetendo-se às intempéries, as quais,
com certeza, destruirão o equipamento, que ora
se encontra em lastimável estado de manutenção”, acrescentou o relator.
O juiz federal pontuou ainda que, quando
contestou a ação, o próprio Estado de Pernambuco não demonstrou interesse em ficar com
o bem, uma postura bem diferente da adotada
pelos representantes do governo potiguar. “O
Rio Grande do Norte disse querer a máquina
para colocá-la no Museu do Trem que já está
sendo construído na sede do Instituto Federal
de Educação, onde foi outrora uma estação ferroviária no bairro das Rocas, em Natal”, esclareceu Ivan Lira.
Nova contestação
Apesar das duas decisões judiciais já tomadas serem favoráveis ao Rio Grande do Norte,
ao que tudo indica, o destino da Catita ainda
não foi decidido de forma definitiva. Isso porque o Iphan já anunciou que vai continuar brigando para manter a locomotiva em Recife. O
próximo passo deve ser a apresentação de um
novo recurso junto ao Superior Tribunal de Justiça (STJ). O instituto deve manter a argumentação de que não há comprovação da importância da locomotiva como patrimônio cultural
do povo potiguar. Em nota, a procuradoria do
órgão afirmou ainda que “o acórdão (do TRF5)
não observou questões como o fato de o bem
estar devidamente tombado no Estado de Pernambuco, estando, portanto, protegido por
legislação própria”.
Enquanto o assunto continua nos tribunais,
a locomotiva Catita nº 03 segue exposta a variações climáticas e ambientais que comprometem
a sua integridade. A máquina, que já está em
condições precárias, segue sem a manutenção
adequada. Um risco que, de acordo com o presidente do Instituto de História e Arqueologia de
Pernambuco, José Luiz Menezes, não deveria ser
permitido por órgãos como o Iphan, que tem a
missão de proteger esse tipo de patrimônio. “Ela
espelha o sistema de transporte, um desenvolvimento econômico de regiões. Ela, em si, é um
símbolo do passado”, explica o historiador, que
torce pela restauração da locomotiva. “Essa continuidade dos objetos criados, do patrimônio
cultural, tem que ser preservada, pela própria
história do país”, conclui.
|
Preservação
41
Ascom / TRF5
A decisão de
Ivan Lira levou em
conta que a Catita já
se encontra em estado
lastimável de conservação
Sobre a locomotiva
A Catita é uma locomotiva férrea fabricada
na Inglaterra e que chegou ao Brasil em 1906.
Em 1916, conduziu importantes figuras do cenário potiguar, como Joaquim Ferreira Chaves,
Januário Cicco, Henrique Castriciano e Juvenal
Lamartine, à inauguração da Ponte de Igapó,
considerada, à época, a maior obra ferroviária da
Região Nordeste.
Cinquenta anos depois, a RFFSA autorizou
que 26 locomotivas a vapor usadas fossem vendidas para o ferro velho. Quando a comissão
pernambucana designada para esse fim foi ao
Rio Grande do Norte e reclamou que só havia 25
locomotivas, descobriu que a ausente era justamente a Catita, escondida pelos empregados da
empresa para evitar que virasse sucata. Assim, a
locomotiva ficou aos cuidados de Manoel Tomé
de Souza, o Sr. Manoezinho, que a deixou em
condições de trafegar novamente.
Mais tarde, para atender à crescente demanda rodoviária, o governo do RN, na gestão de
Walfredo Gurgel, firmou parceria com a RFFSA
para a construção de uma nova ponte sobre o
estuário do Potengi, a Ponte Presidente Costa e
Silva, mais conhecida como “A Ponte de Igapó”,
a primeira de concreto em Natal, inaugurada em
26 de setembro de 1970.
Para a ocasião, a Catita foi restaurada, a fim de
fazer o percurso, pela segunda vez em sua existência, de inauguração da nova ponte, assim como o
fizera 54 anos antes. Mais uma vez, transportou
importantes personalidades, como o monsenhor
Walfredo Gurgel e o general Duque Estrada.
Em 1975, a Catita foi levada para o Recife,
para decorar o escritório regional da RFFSA.
De lá, seguiu para o Museu do Trem, também
na capital pernambucana, onde se encontra até
o momento.
Fonte: Ascom/RN
n
42
Preservação
|
Revista Via Legal
Ascom / TRF4
Patrimônio esquecido
O descaso e o abandono de dois sambaquis localizados no
Município de Xangri-lá, no Rio Grande do Sul, levaram o
Ministério Público Federal a ajuizar uma ação civil pública
contra o Iphan e a prefeitura do município. Foi necessário
um acordo mediado pela Justiça Federal para que o poder
público assumisse o compromisso de tomar providências
Marcelo Magalhães e Paula Porcello - Xangri-lá (RS)
N
o Brasil, sítios arqueológicos são considerados patrimônios da União e, de
acordo com a Lei 3.924/61, devem ser
protegidos pelo Estado. O artigo 3º da norma,
por exemplo, proíbe “o aproveitamento econômico, a destruição ou mutilação, para qualquer
fim, das jazidas arqueológicas ou pré-históricas
conhecidas como sambaquis”. O descumprimento das regras é classificado como crime
contra o patrimônio nacional, a ser punido com
pena que pode chegar à prisão. A realidade, no
entanto, mostra que não são poucos os casos
em que o poder público ignora a legislação e
deixa os locais abandonados. No sul do país, um
caso recente foi parar nos tribunais. Um acordo
mediado pela Justiça Federal no Rio Grande do
Sul é a esperança para evitar que os dois maiores
sítios arqueológicos do litoral gaúcho se percam
de forma definitiva.
Os sambaquis do Capão Alto e do Guará
foram criados de forma oficial a partir da consta-
O que são sambaquis?
Sambaqui é uma palavra de etimologia Tupi em que tamba significa conchas
e ki, amontoado. São montes compostos
por cascas de moluscos, ossos de mamíferos e de peixes, conchas, equipamentos
primitivos de pesca e até objetos de arte,
que formam um arquivo pré-histórico.
tação científica de que os locais guardavam fragmentos deixados por habitantes pré-históricos,
que podem ter vivido por volta de 4.500 anos
a.C. Entre os resquícios localizados e mapeados
por arqueólogos, estão conchas e ossos utilizados em rituais fúnebres e nas moradias. “O sítio
arqueológico informa pra gente como viveram
as pessoas no passado, os diferentes modos de
vida que, em última instância, nos tornaram o
que somos hoje. Um sambaqui fala da história
de nossos antepassados a partir dos vestígios
materiais”, explica a arqueóloga do Instituto
do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional
(Iphan), Maria Araújo Neumann.
Dada a importância dos fragmentos, o local
deveria estar protegido, mas o que se viu nos
últimos anos foi muita degradação, resultado do
abandono. O superintendente do Iphan no Rio
Grande do Sul, Eduardo Hanh, reconhece que a
responsabilidade pela situação precisa ser dividida. “O abandono é resultado de uma deficiência
do município sim, mas também do próprio órgão
federal, afinal temos que assumir nossa parcela
de culpa. Apesar de o Iphan ter iniciado essa ação
na década de 2000, e de termos solicitado que o
município executasse ações de preservação, não
houve uma fiscalização eficaz”, pontuou.
A situação chamou a atenção do Ministério
Público Federal, que visitou a área. O procurador Felipe Muller, responsável pela vistoria, se
disse surpreso com o que viu: “a cena foi chocante. São dois sambaquis completamente degradados, descaracterizados, com residências
em todo o entorno. Enfim, eram locais que deveriam ser preservados e que viraram depósitos
de lixo e de dejetos de animais”, resumiu.
Diante da gravidade do problema, o MPF
propôs uma ação na Justiça Federal. E foi numa
audiência de conciliação entre as partes, realizada no final de 2013, que o Iphan e o município
fecharam um acordo. “A prefeitura vai fazer a
limpeza desses locais, vai ser feito o cercamento
dos dois sambaquis impedindo a entrada de pessoas e animais, e também foi determinado que o
Iphan, em um prazo especifico, faça a delimitação do local, não só do sambaqui, mas de todo
o entorno que deve ser preservado, justamente
para valorizar aquela área”, explica o procurador.
Neste acordo, também ficou acertado que
a prefeitura não vai conceder novos alvarás de
construção nas áreas próximas aos sambaquis. A
preocupação do MPF é com o entorno, que também deve ser preservado, mas acaba sofrendo um
Divulgação: Secretaria de Cultura
Para Eduardo Hahn,
não houve uma fiscalização
eficaz por parte do Iphan
Revista Via Legal
Via legal
O procurador Felipe
Muller ficou surpreso
com a degradação dos
sambaquis em Xangri-lá
processo intenso de urbanização. Morador do local há oito anos, o pedreiro Giuseppe Natanael da
Silva Rodrigues se sentiu amparado pela Justiça:
“Eu acho que devia ser cercado para ter mais segurança, tem muita bagunça aí, estragam demais”.
Proteção assegurada
E não é de hoje que a Justiça Federal vem
atuando para mudar situações nas quais está
em risco a preservação de sítios arqueológicos
no sul do país. No início de 2014, foi a vez de
uma decisão garantir a limpeza, o cercamento e o tombamento do Sítio Paleontológico da
Alemoa, um dos mais antigos e também mais
importantes do Brasil. As primeiras escavações
foram feitas no início do século XX, quando o
local foi descoberto.
Localizado dentro do perímetro urbano de
Santa Maria, na região central do Rio Grande do
Sul, o sambaqui ocupa uma área de pouco mais
de três hectares e guarda vestígios de animais
que teriam vivido na região há milhões de anos.
Uma das descobertas mais importantes foi a do
fóssil do animal conhecido como Stauricossauro
pricei, o primeiro dinossauro brasileiro.
“Aqui no Rio Grande do Sul existem vários
afloramentos, que são essas exposições — naturais ou artificiais—, essas rochas e fósseis. Esta, em
particular, é a mais importante de todas porque,
em primeiro lugar, em 1902, o primeiro registro
de fósseis do Período Triássico foi feito aqui. Esse
Período Triássico é visto em poucos lugares no
mundo”, explica o geólogo e professor do Departamento de Geociência da Universidade Federal
de Santa Maria (UFSM), Átila Stock.
Assim como aconteceu em Porto Alegre, a
iniciativa de exigir o cercamento e a proteção do
sítio arqueológico de Santa Maria partiu do MPF.
A ação foi contra a UFSM e o próprio município.
“Por meio de um termo de permissão de uso,
o município de Santa Maria repassou uma parte
da área à universidade para fazer estudos. Mas
estava começando um processo de loteamento
na região e, em decorrência disso, começaram
a haver intervenções nas proximidades”, relata
a procuradora-chefe do município de Santa Maria, Anny Desconzy. De acordo com ela, em decorrência dessas intervenções, o MPF entendeu
que seria necessário o cercamento do local e a
definição de qual seria a área de interesse social,
para que o município, junto com a universidade,
fizesse a preservação.
O tombamento da área é um dos pontos
mais relevantes da decisão. “Através do auxilio
da universidade, que delimitou a importância da
área e aquilo que era necessário para que fossem feitos os estudos, nós delimitamos, conversamos com as famílias. Algumas tiveram o seu
patrimônio privado atingido. Essas áreas, conforme já havia na inicial da ação do MPF, foram
levadas a registro e hoje estão tombadas”, conta
Anny Desconzy.
A decisão judicial abriu caminho ainda para
que outras providências fossem adotadas. Em
2013, o Executivo municipal ampliou a área
tombada para 20 hectares. Um avanço que, segundo Átila Stock, ainda é insuficiente para evitar
a degradação. “Hoje nós continuamos fazendo
pesquisa, coleta de fósseis e formação de recursos humanos, como cursos de verão para jovens
paleontólogos. Recebemos pessoas de vários lugares do país e mesmo do exterior. É preciso que
esse conhecimento acumulado dentro da universidade retorne para a comunidade na forma de
museus, de escavações controladas, que possam
ser acompanhadas, e inclusive, no futuro, que
possibilite recebermos visitantes”, pontuou.
E não precisa ser geólogo para concordar
com Stock. Os moradores da região também se
preocupam com a preservação da área. É o caso
da professora aposentada Nélida Barros. “Primeiramente, tem a questão histórica, que para
mim é fundamental, mas tem também a preservação, toda uma questão ambiental que eu,
enquanto moradora, me preocupo. Eu tenho
Via Legal
A procuradora Anny Desconzy
entende que a preservação
é responsabilidade do município
e da universidade
|
Preservação
43
filhos, pretendo ter netos e bisnetos, e eu adoraria que eles pudessem no futuro ter uma área
como essa totalmente preservada, cuidada. Adoraria que tivéssemos museus, que tivéssemos
lugares de visitação, para o país inteiro poder verificar que aqui temos uma riqueza arqueológica
dessas”, concluiu.
n
Eduardo Covalesky
Segundo Átila Stock,
o primeiro registro do
Período Triássico foi
feito no RS
Dinossauros
brasileiros
O primeiro dinossauro brasileiro
foi oficialmente reconhecido pela ciência em 1970. Morador do Sul do país, o
estauricossauro foi localizado em Candelária (RS), em 1936. Embora pequeno
— media cerca de 2 metros de comprimento e 1 metro de altura —, era bom
de briga. Seu nome significa Lagarto do
Cruzeiro do Sul.
Estudos indicam que ele viveu há
cerca de 230 milhões de anos, no final
do Período Triássico, na Era Mesozóica.
Mas foi mesmo nos últimos anos que
começaram a ser conhecidos. Hoje, são
pouco mais de 20 espécies catalogadas,
como: spinossauro, abelissauro, carnossauro, celurossauro, iguanodonte,
antarctossauro, e titanossauro.
44
Institucional
|
Revista Via Legal
Sylvio Sirângelo / TRF4
Vencer o preconceito foi a principal conquista do
projeto de inclusão implantado no TRF da 4ª Região,
e que acaba de completar uma década
Outro destaque é o projeto “Virando a
Página”. São oficinas de leitura e produção
textual, coordenadas por servidores do TRF4
licenciados em Letras, em conjunto com professores e formandos da Faculdade de Letras
da Pontifícia Universidade Católica (PUC) do
RS. Os jovens desenvolvem textos que retratam a vida de cada um, com suas angústias,
medos e questionamentos. A produção literária garante uma coletânea de textos, editada
na forma do livro “Virando a Página”, que está
em sua terceira edição e é anualmente lançado na Feira do Livro de Porto Alegre, com
sessão de autógrafos dos novos escritores.
O projeto permite ainda que os jovens
recebam atendimento multidisciplinar, com
acompanhamento jurídico, de psicólogos e
de assistentes sociais. Já o acompanhamento
pedagógico tem como foco a melhoria do
desempenho escolar. São oferecidas aulas de
reforço e atendimento para garantir que eles
permaneçam na escola.
Analice Bolzan – Porto Alegre (RS)
Remuneração e benefícios
Uma década reescrevendo
histórias
H
á 10 anos seria difícil imaginar um interno
da Fundação de Atendimento Socioeducativo do Rio Grande do Sul (Fase), em
cumprimento de medida socioeducativa, saindo
para trabalhar em um tribunal e, no fim do dia,
retornando à fundação. Muitos não acreditariam
na iniciativa de colocar um adolescente infrator
dentro de um gabinete de desembargador ou da
Presidência de um tribunal. Outros poderiam até
discriminar esses jovens e não desejá-los no ambiente de trabalho.
Todas essas barreiras foram vencidas. Em
uma década, o Programa de Educação pelo Trabalho (PET) do Tribunal Regional Federal da 4ª
Região (TRF4) tornou-se realidade, quebrou preconceitos, mudou a cultura da própria instituição
e a vida de 154 adolescentes que já passaram
pelo projeto. São jovens que cumprem medida
socioeducativa na Fase, têm entre 16 e 21 anos
e precisam estar cursando, pelo menos, o 5º ano
do ensino fundamental, em estabelecimento de
ensino oficial.
Desde 2004, o TRF4 tomou para si o desafio de criar, de desenvolver e, principalmente, de
manter um programa de reinserção social, e o
resultado é considerado muito positivo: durante
essa década, 45% dos participantes foram inseridos no mercado de trabalho e muitos já concluí-
ram o ensino médio, sendo que um está cursando a universidade. Cerca de 70% reorganizaram
suas vidas e conseguiram superar a condição de
envolvimento em atividades ilícitas.
O PET é uma parceria do TRF4 com a Fase. A
base do programa é o trabalho educativo, previsto na Constituição Federal e no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e tem como condição
a capacitação para projeto social combinada com
exercício de atividade regular remunerada. O que
diferencia o trabalho educativo de qualquer outra
atividade de estágio é a priorização do desenvolvimento pessoal e social do menor em situação
de vulnerabilidade social, em lugar da exigência
de metas meramente produtivas.
Como funciona
Na prática, os jovens trabalham durante quatro horas por dia nos gabinetes de desembargadores e nas unidades administrativas do tribunal.
Eles auxiliam nas tarefas administrativas e também na pesquisa para a produção de peças jurídicas. Durante o horário do estágio, eles participam
ainda de oficinas de informática e de formação
profissional. Por meio de parcerias com entidades,
já foram realizados cursos de mecânica, de padaria
e de garçom. Nesse caso, a intenção é incentivar a
capacitação para o mercado de trabalho.
Cada adolescente participante do PET
recebe uma bolsa-auxílio mensal de cerca de
R$ 500,00, o mesmo valor pago ao estagiário
de nível médio que atua na instituição. Eles
têm ainda direito a um seguro que cobre
acidentes pessoais, compreendendo morte
e invalidez permanente total ou parcial por
acidente, vale-lanche e auxílio-transporte.
Recursos que têm feito diferença na vida das
famílias dos menores.
Reconhecimento
No ano passado, o PET recebeu a Menção
Honrosa no I Prêmio Patrícia Acioli de Direitos Humanos, promovido pela Associação
dos Magistrados do Rio de Janeiro (Amaerj).
O programa foi reconhecido na categoria
“Práticas Humanitárias”.
Comemoração
Se motivos para comemorar não faltam, a
festa de premiação também foi um convite à
reflexão, com a realização do painel de debates
“Da vulnerabilidade social à cidadania: aspectos legais e sociais da medida socioeducativa”.
Após o painel, foi lançada a exposição
“Identidades”, com mostra fotográfica, textos
e áudios dos participantes do PET. A mostra
contou a reconstrução da identidade de jovens que passaram pelo PET, traçando uma
linha do tempo desde a internação na Fase
até conquista da cidadania.
n
Revista Via Legal
Maioria dos cidadãos está satisfeita
com a Justiça Federal
Pesquisa realizada pelo Conselho da Justiça Federal (CJF), em parceria com os Tribunais
Regionais Federais e demais unidades da Justiça
Federal, com o tema “Sempre pode melhorar...
e sua opinião fará diferença” revelou que 58%
dos cidadãos estão satisfeitos com os serviços
oferecidos pela Justiça Federal em todo o país.
Quase oito mil pessoas responderam ao questionário. Fazem parte desse grupo usuários que
são partes de processos judiciais, advogados,
procuradores, servidores públicos e estagiários.
O resultado preliminar indica que, em geral,
todas as regiões receberam avaliação positiva
dos usuários. A 4ª Região foi a que obteve o melhor índice de satisfação: 71%. O segundo lugar
ficou com a 5ª Região, com 66% de satisfação do
público, seguida da 1ª Região (56%), da 3ª Região (55%) e da 2ª Região (50%).
A satisfação dos usuários da Justiça Federal
foi medida por temas — um total de nove. Em
quatro deles, a instituição recebeu avaliação positiva, em outros três, recebeu avaliação regular
e apenas em dois foi avaliada negativamente.
Os cinco serviços da Justiça Federal mais
bem avaliados pela pesquisa foram: condições
do ambiente físico, localização, confiabilidade
das informações prestadas, disponibilidade da
página da internet e facilidade para utilização da
consulta processual eletrônica e para navegar
nas páginas eletrônicas e sistemas de internet.n
Notas
45
Comitê de
Planejamento
Estratégico
da JF define
macrodesafios
O Comitê de Planejamento Estratégico da Justiça Federal estabeleceu
dez macrodesafios a serem vencidos
pela instituição no ciclo 2015-2020.
São eles:
Humberto Martins é o novo
corregedor-geral da JF
O ministro Humberto Martins, do Superior
Tribunal de Justiça (STJ), é o novo corregedor-geral da Justiça Federal, cargo que será exercido
junto ao Conselho da Justiça Federal (CJF). A solenidade de posse do ministro, realizada em 23/4,
foi conduzida pelo presidente do CJF e do STJ,
ministro Felix Fischer, que, na ocasião, saudou o
corregedor. “Expresso a satisfação de saber que a
Corregedoria-Geral da Justiça Federal continuará
enfrentando o desafio de oferecer aos brasileiros
uma Justiça célere e efetiva, pautada pelos mais
elevados princípios éticos”, pontuou.
“É com muita honra e senso de responsabilidade que assumo a função de corregedor-geral
da Justiça Federal”, disse o ministro Humberto
Martins. Ele afirmou se sentir agradecido pela
confiança recebida do ministro Felix Fischer e
dos seus pares e que conta com o apoio de todos os magistrados brasileiros, de entidades de
classes ligadas ao Judiciário, além do Ministério
Público e da Ordem dos Advogados do Brasil.
|
O novo corregedor-geral ressaltou que a
função da Corregedoria-Geral da Justiça Federal continuará sendo marcada pela difusão de
um valor que ele considera “incontornável”: o
compromisso com a transparência. “Sem transparência não há como permitir a interveniência
da sociedade”.
n
Edson Queiroz / CJF
1. Aprimoramento da gestão
criminal;
2. Combate à corrupção e à improbidade administrativa;
3. Impulso às execuções fiscais,
cíveis e trabalhistas;
4. Adoção de soluções alternativas
de conflito;
5. Gestão das demandas repetitivas
e dos grandes litigantes;
6. Celeridade e produtividade na
prestação jurisdicional;
7. Aperfeiçoamento da gestão
de custos;
8. Melhoria da gestão de pessoas;
9. Instituição da governança
judiciária;
10. Melhoria da infraestrutura e
governança de TIC.
Para cada macrodesafio, foram
definidos dois ou mais objetivos estratégicos, além dos indicadores que
serão usados para medir o grau de
atingimento de cada objetivo e as iniciativas (ações concretas). Todos os
projetos estratégicos nas instituições
da JF devem ser desenvolvidos com
foco nesses macrodesafios.
n
46
Notas
|
Revista Via Legal
Grupo fixa prazo para unificação das versões do
Processo Judicial Eletrônico
O grupo especial de trabalho da unificação das versões do Processo Judicial Eletrônico (PJe) fixou prazos para unificar as funcionalidades dos sistemas usados nas Justiças
Federal, Estadual e do Trabalho. A Justiça Federal terá até o dia 18 de agosto para unificar
as funcionalidades de seus sistemas. O prazo
para a Justiça Estadual se encerrará no início
de julho. No caso da Justiça trabalhista, prazo
será de seis meses, a contar de julho. Após a
unificação das versões, haverá a utilização de
uma única versão do PJe, com atualização automática para todos os tribunais.
O PJe é um sistema concebido pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) para a automação
do Judiciário. Foi desenvolvido em parceria com
os tribunais e a participação da Ordem dos Advogados do Brasil. O principal objetivo é manter
um sistema eletrônico capaz de permitir a prática de atos processuais, assim como o acompanhamento do processo judicial, independentemente do ramo da Justiça em que ele tramita.
O CNJ pretende convergir os esforços dos
tribunais brasileiros para a adoção de uma solução única e gratuita, que atenda aos requisitos de segurança e interoperabilidade, com a
racionalização de gastos, como os necessários à
elaboração e aquisição de softwares. Dessa forma, os tribunais poderão aplicar mais recursos
financeiros e de pessoal em outras atividades
igualmente relacionadas à finalidade do Judiciário, como resolver os conflitos.
Fonte: Agência CNJ de Notícias
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Projeto Escola na Justiça entra no quinto ano
Ampliar os laços da Justiça Federal com a
comunidade, contribuindo para a formação
de novos cidadãos. Este é o principal objetivo
do Projeto Escola na Justiça, promovido desde 2009 pela Justiça Federal no Rio Grande do
Norte ( JFRN). A ideia é que alunos de escolas
públicas e privadas conheçam as instalações e
um pouco da história da Instituição.
O diretor do Foro, juiz federal Janilson Bezerra de Siqueira, empolga-se ao falar da iniciativa.
“Os estudantes assistem a um vídeo institucional
sobre o Judiciário Federal potiguar, com ênfase
no trabalho realizado. Em seguida, um dos nossos
juízes ministra uma palestra, com foco na construção da cidadania. Em algumas edições, inclusive,
houve demanda da direção das escolas pedindo
que o tema da palestra fosse a violência e suas
consequências, o que foi prontamente atendido”,
revelou o magistrado.
Outro momento muito rico do projeto,
segundo Janilson Bezerra, é quando os alunos
começam a fazer perguntas. “Os questionamen-
tos são feitos com as mais diversas abordagens
e não apenas sobre o tema da palestra. Eles
perguntam sobre a formação do juiz, como é a
nossa vida, o momento da aplicação de penas e
fazem questionamentos sobre a atualidade. Enfim, é uma fase de enriquecimento para nós e
para os alunos”, resumiu o juiz.
Este ano, a novidade é que, ao final da conferência e da fase de perguntas, os estudantes
podem assistir a uma apresentação dos servidores da Seção Judiciária que possuem aptidão
para música, poesia ou teatro.
Cerca de 30 escolas já foram beneficiadas. E
como não há restrição à participação de escolas,
o público-alvo é bem diversificado. “Pelo nosso
projeto já passaram crianças de oito anos, mas
também jovens de 20 anos de idade. A receptividade com o Escola na Justiça pode ser vista
no semblante e ouvido nos depoimentos de
cada aluno que aqui esteve. Os testemunhos são
sempre de enaltecimento do trabalho desenvolvido pela Justiça Federal, da importância de
se conhecer essa instituição, sua história e suas
atividades”, finalizou Janilson Bezerra.
Como funciona
O projeto tem como responsável a Assessoria de Comunicação da JFRN, que centraliza as
inscrições e o agendamento. A Justiça Federal se
responsabiliza por toda a atividade, com exceção do transporte do aluno, que é feito pela escola. As inscrições são gratuitas e estão sempre
abertas pelo e-mail [email protected] ou pelo
telefone (84) 3235-7604. O agendamento ocorre
pela ordem de inscrição. n
Ascom / JFRN
Servidores da Justiça Federal têm Código de Conduta
Desde 2011, os servidores e gestores da
Justiça Federal de primeiro e segundo graus devem seguir o Código de Conduta instituído pela
Resolução 147 do Conselho da Justiça Federal
(CJF). O intuito do Código é orientar o comportamento dos servidores e gestores de modo que
as ações empreendidas pelo CJF e por cada unidade da Justiça Federal apresentem uniformida-
de no atendimento das missões institucionais de
cada órgão e espelhem ética e probidade.
O Código estabelece parâmetros de conduta acerca de temas delicados, como a prática de preconceito, discriminação, assédio ou
abuso de poder, sigilo de informações, uso de
sistemas eletrônicos, atendimento à imprensa,
zelo pelo patrimônio público, publicidade de
atos, falhas administrativas e responsabilidade
socioambiental. Conforme o documento, a
conduta dos destinatários do Código deverá
ser pautada pelos princípios da integridade,
lisura, transparência, respeito e moralidade.
Para saber mais sobre o Código, acesse a
íntegra do documento no site www.cjf.jus.br, no
item “Institucional”.
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Revista Via Legal
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Giro pelas decisões
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Filho de servidor vindo do exterior tem direito a
matrícula em universidade brasileira
Nos casos de retorno ao Brasil de servidor
público transferido para o exterior por necessidade de serviço, seus dependentes, se estudantes de instituição de ensino estrangeira, fazem
jus à transferência para instituição brasileira.
O direito independe da forma de ingresso no
exterior ou da existência ou não de semelhança entre os sistemas de ensino dos dois países.
Este foi o entendimento do TRF da 1ª Região,
ao julgar um recurso da Universidade de Brasília
(UnB) (foto) contra sentença da 17ª Vara Federal
da Seção Judiciária do Distrito Federal.
A decisão contestada atendeu ao pedido da
filha de um servidor federal da carreira diplomática para se matricular no curso de Comunicação
Social, oferecido pela UnB. A estudante concluiu
os estudos equivalentes ao ensino médio na Bélgica, no Collège Saint-Pierres. Ingressou, então,
no curso de Informação e Comunicação na Universidade de Bruxelas. Acontece que o pai da estudante foi removido para Brasília, o que gerou
o pedido de transferência.
Diante de uma resposta negativa da Câmara de Ensino e Graduação da UnB, para quem
os requisitos legais não foram preenchidos, a
família procurou a Justiça Federal, onde teve
resposta favorável. Na decisão, o juiz frisou que
a lei não faz distinção nem ressalva quanto à
congeneridade para a concessão do benefício e,
portanto, não faz diferença se o estudante vem
de uma universidade pública ou privada ou se
submeteu ou não ao um vestibular. “Não há que
se falar em violação aos princípios constitucionais da igualdade de acesso ao ensino superior
ou da isonomia, quando se reconhece, com base
na norma, o direito de servidor transferido ex
officio à matrícula em uma universidade”, citou
em um dos trechos da decisão.
Inconformada, a universidade apelou ao
TRF1, alegando que a jurisprudência tem o
entendimento de que deve ser atendido o critério da congeneridade entre as instituições de
origem e de destino. A instituição argumentou
que a requerente não se submeteu a vestibular.
Mas o relator, desembargador federal Souza Prudente, manteve a sentença. Para o magistrado, a
regra de que a transferência compulsória se dê
para instituição de ensino congênere que adote
exame vestibular para fins de ingresso não se
aplicaria ao caso, tendo em vista que a estudante
vem de uma universidade estrangeira que, como
regra, não realiza processo seletivo. “Assim, exigir similaridade de procedimento de seleção, e
até mesmo a congeneridade, esvaziaria o direito
à educação, salvaguardado na Constituição Federal”, concluiu o relator.
Fonte: TRF1
n
Jornal de Brasília
Gmail terá de permitir acesso da Justiça a e-mails
de acusado de fraude bancária
O Brasil ganhou em 2014 uma lei geral para
o uso da internet (Lei 12.965). O chamado Marco Civil, ainda em fase de regulamentação, tem
o propósito de orientar e disciplinar os procedimentos no uso da rede. A expectativa é que as
regras ajudem a evitar a prática de crimes cibernéticos, que é crescente no mundo inteiro e que
tem causado muitos prejuízos materiais e morais.
A lei entrou em vigor em junho deste ano, mas,
mesmo antes disso, quem se sentia lesado por
práticas ligadas à internet tinha como alternativa
acionar a Justiça. E já foram muitas as ações pedindo providências.
Uma delas foi analisada pelo TRF da 2ª Região
e terminou com uma ordem explícita à empresa
Google Brasil Internet. A decisão determina que
integrantes do Poder Judiciário tenham acesso a
mensagens enviadas e recebidas por uma conta
do Gmail. Esses dados foram requisitados como
parte da investigação de uma quadrilha acusada
de fazer saques fraudulentos em contas bancárias
de clientes da Caixa Econômica Federal (CEF).
A expectativa da Justiça é conseguir provas
da atuação do grupo, por meio do monitoramento e das consultas aos e-mails trocados pelos integrantes. O julgamento no TRF foi em grau de
recurso. É que a empresa já havia sido condenada em primeira instância, mas recorreu. No processo, a Google alegou que não poderia liberar
os dados porque eles ficariam armazenados nos
servidores da empresa nos Estados Unidos. Sustentou ainda que a quebra do sigilo só poderia
acontecer se existisse acordo de cooperação internacional entre o Judiciário brasileiro e o norte
americano e não por uma decisão unilateral da
Justiça brasileira.
Ao analisar o caso, o desembargador federal
Abel Gomes rebateu o argumento, por entender
que a Google Brasil foi constituída de acordo
com a legislação brasileira. “A empresa deve se
submeter às leis brasileiras, nos termos do artigo
1.137 do Código Civil, e não às leis estadunidenses, que vedam o acesso de autoridades judiciais
estrangeiras às comunicações armazenadas em
território norte-americano, sem o prévio controle de ordem pública da Justiça dos EUA”, concluiu
o relator em seu voto.
Fonte: TRF2
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Divulgação: Google
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Giro pelas decisões
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Revista Via Legal
Estrangeira residente no país tem
direito a benefício assistencial
O INSS deve pagar um salário mínimo como benefício assistencial a uma
portuguesa, que é deficiente e vive no
Brasil em condições precárias. A ordem
partiu do desembargador federal Baptista Pereira, do TRF da 3ª Região, que se
baseou no artigo 203, V, da Constituição
Federal de 1988. Esta norma determina
que a assistência social será prestada a
quem dela necessitar, independentemente de contribuição.
O magistrado frisou que o preceito
constitucional foi regulamentado pela
Lei 8.742/93 (Lei Orgânica da Assistência Social - LOAS), que, no artigo 20, §
3º, estabeleceu que faz jus ao benefício
a pessoa deficiente ou o idoso maior de
sessenta e cinco anos, cuja renda familiar
per capita seja inferior a um quarto do
salário mínimo.
Baptista Pereira destacou que no
TRF3 já está pacificado o entendimento
de que a condição de estrangeiro não impede a concessão do benefício assistencial, em razão do disposto no artigo 5º da
Constituição, que assegura ao estrangeiro
residente no país o gozo dos direitos e garantias individuais em igualdade de condições com o nacional.
No caso julgado, o laudo médico pericial atesta que a autora, portuguesa, é
portadora de sequela de infarto cerebral
desde 2008, com hemiplegia desproporcionada à direita, não se locomove sem
apoio e necessita de auxílio para as atividades cotidianas. Além disso, também ficou comprovado que a mulher não possui
meios de prover a própria manutenção ou
de tê-la provida por sua família.
Fonte: TRF3
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Balanças de farmácias não estão
sujeitas à fiscalização do Inmetro
A maioria das pessoas que se pesam
com regularidade não pensa se o equipamento, normalmente instalado em
farmácias e drogarias, está com a calibragem correta. Para o Instituto Nacional de
Metrologia (Inmetro), as empresas têm a
obrigação de fazer a regulagem antes de
colocar as balanças à disposição do público. O assunto é tão sério que tem virado
questão de Justiça, sobretudo na Região
Sul. Um caso recente, que começou em
Joinvile (SC) foi analisado no TRF da 4ª
Região. Os desembargadores da 3ª Turma
confirmaram a sentença, que havia considerado a fiscalização ilegal.
A ação foi proposta pelo Sindicato do
Comércio Varejista de Produtos Farmacêuticos de Joinville e Região, após sucessivas
autuações por parte do Inmetro. O sindicato alega que os equipamentos estão à
disposição dos clientes das farmácias de
forma gratuita e a título de cortesia, sem
qualquer relação comercial com as atividades que desempenham.
Já o Inmetro sustenta que qualquer
equipamento utilizado para determinar a
massa de pessoas está sujeito à aferição
pelo instituto. No recurso, alegou que
uma pessoa que se pesa em balanças
cedidas pelas empresas poderá ser induzida a comprar um remédio ali comercializado. Para o Inmetro, se a balança não
estiver devidamente verificada, o consumidor pode, inclusive, utilizar dose de
medicamento superior ou inferior àquela
necessária para a cura do mau que o aflige no momento.
O relator do caso no TRF4, desembargador federal Carlos Eduardo Thompson
Flores Lenz, afirmou que o Inmetro está
exorbitando sua competência regulamentar. “As balanças de medição de peso
corporal não guardam relação com a atividade comercial empreendida pelos estabelecimentos, que não auferem, inclusive,
qualquer vantagem econômica pela sua
disponibilização aos clientes”, analisou.
Fonte: TRF4
n
União, estado e
município devem
custear cirurgia
Cinco meses. Este foi o tempo que um morador de Alagoas teve que aguardar para conseguir marcar uma cirurgia
simples, de retirada de cálculo renal. Como o pedido nunca
era atendido pela rede pública, ele acionou a Justiça. O juiz
federal André Carvalho Monteiro (foto), que atua na 9ª Vara
da capital do estado, determinou que o paciente faça o procedimento cirúrgico na rede privada, com as despesas pagas
pela União, o Estado de Alagoas e o Município de Maceió. Os
três entes aparecem como réus no processo instaurado no
Juizado Especial Federal.
Na decisão, o magistrado lembrou que, na audiência
de conciliação, o representante do Estado frisou que há um
desinteresse dos médicos particulares da especialidade Nefrologia em prestarem serviços ao SUS. A recusa tem como
justificativa o valor da remuneração, considerado inadequado
pelos profissionais. De acordo com o Estado, os procedimentos vêm sendo realizados apenas por hospitais públicos, os
quais, sobrecarregados, não possuem disponibilidade no prazo desejado pelo autor da ação, diante da existência de outras
demandas mais urgentes.
No entanto, para o magistrado, “não há explicação que
justifique o transcurso de aproximadamente cinco meses
sem que nada – absolutamente nada, nem a marcação/ previsão de data para realização de cirurgia – tenha sido feito”. Na
decisão, André Monteiro ressaltou que o quadro apresentado no processo deixa claro que atualmente o sistema público
de saúde não presta serviços em padrões minimamente aceitáveis à população, como, por exemplo, o prazo para marcação de uma simples cirurgia, e nem oferece remuneração em
valor suficiente para atrair profissionais privados a prestá-los,
mediante credenciamento.
Por fim, o magistrado determinou que, para não prejudicar ainda mais a saúde do autor, a União, o Estado e o Município deverão arcar com os custos da realização do tratamento
segundo os valores cobrados pela rede privada.
Fonte: JFAL
n
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do cidadão!
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