XVI ENDIPE - Encontro Nacional de Didática e Práticas de Ensino - UNICAMP - Campinas - 2012
A ESCRITA NA ESCOLA: REDAÇÃO OU PRODUÇÃO TEXTUAL?
Tatiane Portela Vinhal
Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Educação FCT/Unesp
Bolsista FAPESP
Profa. Dra. Renata Junqueira de Souza
Docente do Programa de Pós-Graduação em Educação FCT/Unesp
Resumo: Este trabalho é resultado parcial de uma pesquisa de mestrado desenvolvida
no Programa de Pós-Graduação em Educação da FCT/Unesp, que tem como principal
fito investigar as propostas de produção textual dos materiais didáticos distribuídos pelo
governo estadual de São Paulo dos 5º e 6º anos, para isso usamos como critério as
expectativas no ensino da escrita expostas pelos Parâmetros Curriculares Nacionais de
Língua Portuguesa (PCNLP) para os 2º e 3º ciclos. Na realização de tal intento, além do
estudo bibliográfico e de uma leitura aprofundada nesses manuais, optamos por
observar o uso desses livros em duas escolas municipais de Presidente Prudente/SP.
Portanto, este texto pretende fazer um recorte a partir do que foi constatado no trabalho
de campo, realizado entre agosto e dezembro/2011, em uma turma de 6º ano. Por essa
razão, exporemos uma proposta que consta no Caderno de Língua Portuguesa, bem
como ela foi abordada em classe e ainda temos como intuito propor mudanças para que
essa atividade tenha um viés que contemple a perspectiva interacionista da linguagem,
compartilhada também pelos PCNLP. Assim, atendendo ao primeiro propósito do
estudo brevemente relatado, iremos abordar de que maneira tal enunciado de produção
escrita corresponde às expectativas de ensino da escrita elencado nos PCNLP. Dessa
forma, este artigo apóia-se teoricamente na concepção interacional (dialógica) da
linguagem e se justifica na importância que o ensino da escrita tem, especialmente,
naquele que foca nos usos dessa habilidade no cotidiano do estudante fora da escola. Ou
seja, na produção de textos que seja útil aos discentes ao longo de sua vida.
Palavras-chaves: ensino; escrita; produção textual; material didático
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Introdução
Em 1998, foram elaborados os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) com o
intuito de “construir referências nacionais comuns ao processo educativo em todas as
regiões brasileiras” (BRASIL, 1998, p.5), levando em conta as diferenças regionais,
culturais e políticas do Brasil. A criação de tal documento foi motivada pelas mudanças
econômicas e pelo progresso tecnológico e científico, que definiram assim novas
exigências para os jovens, futuros trabalhadores. Dessa forma, a escola é um espaço
para que os educandos, antes de ingressarem no mercado de trabalho, não só se
preparem, mas que também aprendam e sejam capazes de interagir com professores,
colegas e diferentes fontes de informação.
Conforme Soares (1999, p.62), a escola é a
instituição de situações de enunciação em que a expressão escrita se
apresente como a alternativa possível ou a mais adequada para atingir um
objetivo ou necessidade ou desejo de interação com um interlocutor ou
interlocutores claramente identificados.
Durante algum tempo, os conteúdos de Língua Portuguesa se concentravam no
ensino da escrita baseando-se no conjunto de normas e regras gramaticais. No início dos
anos 80, pesquisas nos campos da linguística, da filologia e da psicolinguística
possibilitaram transformações nessa aprendizagem (BRASIL, 1998).
Antes, as críticas ao tratamento dado à escrita nas escolas se centralizavam no
distanciamento que esse tinha em relação à realidade e ao interesse dos discentes. Já que
as composições e redações escolares se afastavam das futuras produções de texto com
as quais os estudantes se deparariam ao longo da vida. Conforme Citelli (2001, p. 19),
essas atividades tinham como tema sugestões aleatórias que não concebem o ato de
escrever como um processo e “que não chegam a trabalhar visões de linguagem, relação
produtor/leitor, nem a desenvolver propriamente um continuado exercício da escrita”.
Hoje, no entanto, a escrita deve ser vista como produção textual. Isso implica
que as atividades relacionadas com tal habilidade devem ter como fim a comunicação
do autor com o leitor, sendo esse não só o professor. Dessa maneira, pretende-se criar
um contexto em que o discente experimente situações reais de comunicação, ou seja,
que os textos produzidos tenham uma função social. Assim, não podemos pensar que o
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docente será o único destinatário e muito menos que o texto de autoria do educando será
avaliado apenas pelo critério gramatical.
Contudo, o ensino da escrita não pode ocorrer de maneira isolada e a leitura,
especialmente, a crítica faz-se necessária, já que ela desempenha um papel importante
na formação do aluno e na sua produção textual, pois “a leitura crítica sempre leva a
produção ou construção de um outro texto: o texto do próprio leitor” (SOUZA et al.,
2006, p. 221). Portanto, pode-se dizer que a produção de texto também é um diálogo
não só entre o autor e seu leitor, como também
com outros textos que se relacionam entre si, pelos mesmos temas de que
tratam, pelos diferentes pontos de vista que os orientam, pela sua
coexistência numa mesma sociedade, constitui nossa herança cultural
(GERALDI, 1997, p. 22).
Para Koch e Elias (2009, p. 34), a relação escritor-leitor leva em conta “as
intenções daquele que faz uso da língua para atingir o seu intento sem, contudo, ignorar
que o leitor com seus conhecimentos é parte constitutiva desses processos”. Essa
concepção sociointeracional (dialógica) da linguagem está presente nos Parâmetros
Curriculares Nacionais de Língua Portuguesa (PCNLP). Segundo eles, espera-se que os
estudantes, ao completar o ensino fundamental, sejam capazes de ler e escrever textos
que circulam socialmente. Assim, interagir pela linguagem, assumir a palavra –
discursivamente – “significa que as escolhas feitas ao produzir um discurso não são
aleatórias – ainda que possam ser inconscientes -, mas decorrentes das condições em
que o discurso é realizado” (BRASIL, 1998, p. 21).
Diante disso, afirmamos que usar o termo “produção de texto” para as atividades
relacionadas à escrita, não é uma mera substituição às expressões “composição” ou
“redação”. Geraldi (1997) distingue as antigas composições e redações das produções
textuais, ao considerar o texto como elemento de ensino/aprendizagem, concebendo-o
como lugar de e para o diálogo, promovendo a circulação entre os textos, quer os que
remetem ao passado, quer os que apontam para os textos futuros. Deste modo,
substituir “redação” por produção de textos implica admitir este conjunto de
correlações, que constitui as condições de produção de cada texto, cuja
materialização não se dá sem “instrumentos de produção”, no caso os
recursos expressivos mobilizados em sua construção (GERALDI, 1997, p.
22).
Assim, este estudo, parte de uma pesquisa de mestrado, que pretende analisar os
enunciados das atividades de produção de texto encontradas nos manuais didáticos de
Língua Portuguesa das 4as e 5as séries (5os e 6os anos).
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Problema/questão
Muitas vezes temos a sensação de que a escola tem se mostrado pouco eficiente
no ensino da escrita, aja vista a dificuldade, e mais ainda a insegurança, que muitas
pessoas apresentam na hora de escrever textos que circulam socialmente, fora do
ambiente escolar, como bilhetes, cartas de reclamação, abaixo-assinados, entre outros.
Por essa razão, o ensino da escrita apresentou-nos como tema inquietante, e para
investigá-lo utilizamos os materiais didáticos de língua portuguesa, já que esses estão
presentes na relação professor-aluno (WITZEL, 2002, p. 20) e ainda “algo que se
impõe, necessariamente, no processo de ensino-aprendizagem”. Batista (1998) explicita
que os textos encontrados nesses materiais servem de modelo para os seus leitores, já
que, muitas vezes, eles são os únicos com quem têm contato e acesso.
Para evidenciar a importância desses materiais há políticas públicas que
garantem a sua distribuição nas escolas públicas do país, como o PNLD (Programa
Nacional do Livro Didático), estabelecido em 1997.
Destarte, depois de identificarmos o que representa a produção textual no ensino
da escrita e ainda a possibilidade de comunicação que possibilita ao educando, a
presença dos materiais didáticos no ensino de tal habilidade, instiga-nos entender e
analisar como o manual didático por meio das propostas de produção textual propicia a
experiência que os estudantes têm com o texto e sua relação com a realidade dos
mesmos.
Sendo assim, esclarecemos que pelo fato desta pesquisa se realizar em duas
escolas públicas de Presidente Prudente/SP de 5º e 6º ano e que o governo de São Paulo
elaborou manuais didáticos próprios para serem utilizados nas escolas municipais e
estaduais, esses serão os nossos materiais de análise. Frisamos ainda que por se tratar de
um estudo em andamento, realizamos um recorte no mesmo. Por essa razão iremos
analisar uma atividade de produção escrita no manual da 5ª série/6º ano.
Objetivos
Neste texto temos como propósito principal: analisar uma atividade de produção
escrita no material de Língua Portuguesa distribuído pelo governo do Estado de São
Paulo para a 5ª série/6º ano tendo como critério os objetivos de ensino para a produção
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textual escrita elencados pelos Parâmetros Curriculares Nacionais de Língua Portuguesa
(PCNLP) para o 3º ciclo (BRASIL, 1998, p. 51; 52).
Para que esse seja alcançado pretendemos verificar se essa tarefa: deixa claro ao
educando seus objetivos e ainda que esses o conduzam à utilização do texto, enquanto
um meio de inserção social; se propõe a circulação da produção; e se no seu enunciado
leva em consideração a relação autor-leitor.
Após a averiguação desses itens temos como intuito apresentar uma proposta de
atividade, caso esses aspectos não sejam privilegiados no objeto em análise. Essa nova
tarefa pretende contemplar a perspectiva interacional da linguagem adotada nesta
pesquisa e também nos PCNLP.
Metodologia
De acordo com os objetivos expostos, este estudo se configura como uma
pesquisa qualitativa. Segundo ANDRÉ & LUDKE (1986), ela é caracterizada por:
contato direto com o ambiente da pesquisa que servirá de fonte direta dos dados a serem
investigados; descrição das informações coletadas; a preocupação com o processo que é
maior do que com os resultados; a consideração dos diferentes pontos de vista dos
participantes envolvidos na pesquisa; o processo indutivo que é o guia para a análise
dos dados. Para a sua realização, o pesquisador tem como suporte a observação, a
descrição das atividades, a entrevista, os documentos, e o exame qualitativo dos
elementos.
Sandín (2010, p. 129, grifo da autora) observa que “uma característica
fundamental dos estudos qualitativos é a sua atenção ao contexto”, já que “os
acontecimentos e fenômenos não podem ser compreendidos adequadamente se são
separados” (SANDÍN, 2010, p. 129). Outro aspecto dessa pesquisa é o seu “caráter
interpretativo” (SANDÍN, 2010, P. 129), sobre isso a autora disserta que a interpretação
pode ser dupla, pois o pesquisador qualitativo, se por um lado tenta integrar os seus
achados em um marco teórico, também almeja que os sujeitos de seu estudo sejam
descritos tal como ele encontra.
Assim, observamos as aulas de Língua Portuguesa da 5ª série/6º ano de uma
escola estadual do município de Presidente Prudente/SP e a utilização do material
didático dessa disciplina no ambiente escolar, especificamente no que tange aos
exercícios de produção textual, no período de agosto a novembro/2011.
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A seguir iremos descrever brevemente o manual distribuído pelo governo do
Estado de São Paulo, para depois relatarmos a proposta, que se encontra no terceiro
volume do caderno Língua Portuguesa: linguagens, códigos e suas tecnologias (SÃO
PAULO, 2009b) e também a maneira que foi trabalhada em sala de aula, bem como as
reações dos sujeitos envolvidos. Para melhor analisar a tarefa, iremos nos apoiar além
do caderno do aluno, nas sugestões assinaladas para essa atividade no caderno do
professor. Já para avançarmos nessa investigação nos basearemos nas expectativas no
ensino da escrita para o 3º ciclo estabelecidos nos PCNLP (BRASIL, 1998, p. 51; 52).
Descrição do material didático e seu contexto
O material didático fornecido pelo governo do Estado de São Paulo insere-se na
proposta curricular da Secretaria de Educação Estadual, proposta em 2008. Esse
documento coloca como prioridade a competência da leitura e da escrita. Segundo ele,
essas competências devem ser desenvolvidas de maneira interdisciplinar, e assim
tornam-se pré-requisitos para todas as disciplinas, bem como o objetivo de todas elas
(SÃO PAULO, 2010).
A noção de competência está presente também nos Parâmetros Curriculares
Nacionais (PCN) e o Currículo do Estado de São Paulo adota como tais, as mesmas
formuladas no Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) em 1998 (SÃO PAULO,
2010). O governo estadual paulista complementa a sua proposta curricular com os
Cadernos do Professor e Cadernos do Aluno, organizados por disciplina e por bimestre
de cada série ou ano.
A proposta e a sua repercussão na sala de aula
Ao longo da 5ª série/6º ano alguns dos conteúdos trabalhados são: os gêneros
textuais narrativos, os gêneros textuais crônicas narrativas, os gêneros textuais letras de
músicas, sendo que, nos dois últimos bimestres os trabalhos com os textos devem estar
articulados a projetos artísticos (SÃO PAULO, 2010).
O material em estudo é reservado ao terceiro bimestre, por isso a atividade de
produção escrita deveria estar inserida em um projeto, conforme menciona o Currículo.
O Caderno do professor (SÃO PAULO, 2009a) sugere uma situação fictícia, que se
refere ao contexto e as ações das personagens, como a participação dos alunos em um
concurso literário.
O texto de abertura do Caderno aluno (SÃO PAULO, 2009b) adverte ao
discente que ele terá mais contato com a ficção e ainda que ele poderá criar seus
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próprios textos ficcionais, além de revisá-los, tarefa que, de acordo com o manual é “tão
importante quanto escrever” (SÃO PAULO, 2009b, p. 01).
Passemos para a descrição da tarefa:
O enunciado da proposta é baseado em um texto divido em cinco partes que
narra o interesse e a expectativa de uma menina em participar do concurso literário. Os
participantes seriam alunos da 5ª e 8ª série das escolas públicas de uma cidade fictícia e
os melhores textos iriam compor um livro. A história relata o percurso da personagem
principal, Soninha, para escrever seu texto. Assim, ela descreve o trajeto para a
elaboração de um texto: as leituras que a garota realiza, a conversa com a autora
preferida da personagem, que era uma das avaliadoras do concurso e passou nas escolas
para conversar com os estudantes, a aula em que foram explicadas as regras do evento,
o planejamento da produção escrita, a revisão e a reescrita do texto.
Porém, a última parte da história solicita a participação dos educandos para dar
sequência a narrativa e para que isso aconteça são expostas algumas perguntas: “Como
será que tudo acabou? Quem ganhou o concurso literário? E a Soninha? Vocês sabiam
que ela acabou escrevendo uma história sobre avós?” (SÃO PAULO, 2009b, p. 8)
A proposta da produção escrita é subdivida em três questões. Assim, temos:
1.
Tomando por base a narrativa que leu, escreva, individualmente, um
pequeno texto sobre o tipo de história que gostaria de criar se estivesse no
lugar da Soninha ou de um de seus amigos. Esse texto servirá de registro para
que você possa recorrer a essas ideias iniciais quando for planejar seu texto
narrativo.
2.
Em seguida, apresente esse texto aos colegas, lendo-o em voz alta. As
ideias semelhantes podem ajudar na formação de duplas de trabalho para as
oficinas de escrita que serão desenvolvidas na Situação de Aprendizagem 3.
3.
Em grupo, preparem um mural na sala de aula e organizem os textos
que escreveram para que possam consultá-los sempre que necessário (SÃO
PAULO, 2009b, p. 9).
Após relatarmos como isso está no manual didático, descreveremos o que
observamos na sala de aula quando essa proposta foi realizada pelos alunos.
A professora faz a leitura em voz alta e em cada parte ela comenta e faz
perguntas para que os estudantes se atentem a estrutura do texto. Ela questiona os
alunos sobre o que é enredo. Um aluno responde explicando que “é o que a história
conta” (estudante 1, aula observada em 23/09/2011). A docente confirma a sua resposta
e completa que enredo “é a mesma coisa do que a história fala” (professora, aula
observada em 23/09/2011). Na quarta parte do texto, que trata do processo de escrita e a
preparação da personagem e seus colegas para o concurso, a professora interrompe a
leitura e explana sobre o projeto do concurso que está descrito no texto e ressalta os
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objetivos que Soninha e seus companheiros têm na hora de redigir e esses devem ser
pensados no momento da escrita.
Após essa pausa ela prossegue a leitura e chama a atenção para o planejamento
para escrever e exemplifica mencionando: quem serão os personagens, qual será o
espaço e as ações dos personagens. Por último, a professora disserta sobre a revisão e a
importância dela na produção textual. Ela avisa que a tarefa é para ser entregue em uma
folha separada e também passa na lousa um planejamento que pode ser feito no caderno.
Eis o que foi exposto e ilustrado por ela:
Produção escrita
• Tema/Assunto:
• Personagens:
• Espaço:
• Tempo:
• Ações:
• Desfecho:
Nome:
TÍTULO
Os educandos questionam à professora sobre qual o tema que podem escrever,
ela pede que eles primeiro pensem olhando a estrutura que está no quadro negro e
depois escrevam. Ela explicita aos alunos que julga esse o jeito mais fácil para planejar
a escrita. A docente ainda os alerta para a questão da paragrafação, pedindo a eles que
quando forem escrever que façam um traço fraco no papel marcando o parágrafo.
A aula já está no fim, sua duração foi de cinquenta minutos. No entanto, antes de
tocar o sinal a professora incentiva os estudantes, solicitando que eles escrevam uma
história bem “legal”, pois elas serão expostas em um concurso.
A tarefa e as expectativas dos PCNLP para o ensino da escrita
Desde o início deste trabalho propomos analisar a proposta relatada sob os
aspectos que os PCNLP pontuam a respeito do que esse documento espera do educando
no processo de produção texto. Assim, o nosso intento é o de verificar como a atividade
em questão favorece isso.
Os PCNLP (BRASIL, 1998, p. 51;52) enaltecem que o estudante:
•
Redija diferentes tipos de textos, estruturando-os de maneira a
garantir:
*a relevância das partes e dos tópicos em relação ao tema e propósitos do
texto;
*a continuidade temática;
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*a explicitação de informações contextuais ou de premissas indispensáveis à
interpretação;
*a explicitação de relações entre expressões mediante recursos linguísticos
apropriados (retomadas, anáforas, conectivos), que possibilitem a
recuperação da referência por parte do destinatário;
•
Realize escolhas de elementos lexicais, sintáticos, figurativos e
ilustrativos, ajustando-as às circunstâncias, formalidade e propósitos de
interação;
•
Utilize com propriedade e desenvoltura os padrões da escrita em
função das exigências do gênero e das condições de produção;
•
Analise e revise o próprio texto em função dos objetivos
estabelecidos, da intenção comunicativa e do leitor a que se destina,
redigindo tantas quantas forem as versões necessárias para considerar o texto
produzido bem escrito.
De acordo com esses pontos, podemos afirmar que a proposta não atende a
nenhuma das expectativas dos PCNLP. Contudo, as instruções da docente auxiliam de
forma a contemplá-las parcialmente. Ao orientar os alunos a seguirem um planejamento
de redação, a professora ressalta a questão dos elementos estruturais do gênero narrativo
e suas características essenciais à interpretação.
A educadora ao frisar, no momento da leitura do texto do material, a questão do
objetivo que as personagens tinham ao escrever ao texto, motiva seus alunos a notarem
o mesmo. O fito da atividade está exposto no seu enunciado: “esse texto servirá de
registro para que você possa recorrer a essas ideias iniciais quando for planejar o seu
texto narrativo” (SÃO PAULO, 2009b, p. 09). Contudo a proposta não aborda
diretamente a revisão e a reescrita, apesar de que o comando do exercício menciona que
será desenvolvida em uma oficina posterior.
A relação autor-leitor e a circulação da produção estão presentes de forma
indireta na proposta, pois ela sugere que o texto seja lido em voz alta pelos seus autores
e ainda a confecção de um mural para que se coloquem as produções e que essas
possam ser consultadas sempre que necessário.
Dessa forma, verificamos que há uma tentativa de que os textos não tenham
como único leitor o professor, porém a intenção comunicativa e a sua função social são
trabalhadas de maneira precária. Com isso, notamos que essa atividade não desperta
tanto interesse dos discentes, já que a minoria produz o texto e não foi criado um mural
para que eles consultassem os textos, como indica o enunciado. Na sala de aula, os
estudantes também não compartilharam suas produções por meio da leitura em voz alta.
Ressaltamos que o descumprimento desses aspectos não foram reivindicados pelos
discentes, mesmo isso estando exposto no caderno de atividades.
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Conclusões e um novo olhar
Marcuschi (2008) alerta que as redações escolares não deixam bem definido ao
aluno a quem ele se dirige. Dessa maneira, “a cena textual não fica clara. Ele não tem
um outro (o auditório) bem determinado e assim tem dificuldade de operar com a
linguagem e escreve tudo para os mesmo interlocutor que é o professor”
(MARCUSCHI, 2008, p. 78, grifo do autor). A atividade que expomos neste trabalho é
um bom exemplo dessa afirmação. Ela apensa faz uma tentativa para que o professor
não seja o único leitor, porém não situa o aluno em contexto real do uso de sua
produção e nem de seus leitores. Assim, podemos dizer que há uma camuflagem em
relação a presença do interlocutor nessa proposta de produção de texto.
O uso de um texto para motivar a atividade segue uma tendência nos manuais
didáticos, porém ainda não foram mudadas as formas de trabalhá-lo (MARCUSCHI,
2008). Ou seja, muitas vezes, o texto se torna um pretexto e mais uma vez, uma ilusão
de que se está gerando um contexto para que o aluno realize a sua escrita. Diante disso,
o que fazer para criá-lo? Lembrando que uma produção de aula, de toda forma, ainda
não evidencia o uso pleno do texto e de sua função social, mas como tornar essa
atividade mais próxima da realidade do educando?
Para a tarefa descrita aventamos que seria importante que a história criada pela
personagem principal fosse narrada no texto, pois assim os alunos teria um “modelo” de
estrutura para a sua produção. Conforme Batista (1998), os textos encontrados nos
manuais didáticos servem de modelo para as produções dos alunos, já que muitas vezes
o único material de leitura com que têm contato são esses.
Depois, solicitar-mos-ia que os alunos escrevessem uma história que gostariam
de contar aos seus colegas e à comunidade escolar, o fato poderia ser real ou fictício.
Sendo que o texto produzido comporia um livro da sala e cada aluno teria o seu
exemplar e também outro ficaria exposto na biblioteca da escola. No enunciado
chamaríamos a atenção para os elementos textuais encontrados no texto produzido pela
Soninha. O título, os personagens, o tema, o enredo, o espaço, o tempo, a maneira que a
autora escolheu para se dirigir ao leitor.
Outra atividade complementar, após a escrita seria pedido ao produtor do texto
que fizesse uma leitura silenciosa de sua produção com o objetivo de verificar erros de
ortografia, de pontuação e ainda se o seu texto estava coeso e coerente com o tema.
Enfim, que ele se colocasse no lugar do leitor. Averiguando as falhas, ele reescreveria o
seu texto, guardando a sua primeira versão. Após essa atividade, ele trocaria sua
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produção com um colega, e um revisaria o texto do outro e que o revisor comentasse ao
final do texto o que achou da história e de sua estrutura. Recebendo o texto lido e
corrigido pela colega ele o leria e o reescreveria novamente para entregá-lo para a
professora. Essa também seria outra revisora, já que sua história estaria perto da versão
final. Após as correções da docente, o estudante escreveria novamente sua história e
todos os alunos seriam levados para a sala de computação para que cada um digitasse
seu texto. Antes de juntarem todas as histórias, eles leriam mais uma vez suas
produções para apurar erros de digitação e ortografia e se dividiriam em grupos para
organizar a encadernação do livro, a criação do título, de ilustrações para a capa e o
lançamento do material criado por eles. Ao final de todo esse trabalho, poder-se-ia fazer
para se fazer uma avaliação dessa atividade de modo que os educandos fossem
envolvidos nesse processo. Cada educando leria a primeira versão de sua produção e
depois todas as outras que reescreveram para que julgassem se essa tarefa foi importante
e se melhorou o seu texto. Com isso, pretendemos que o educando valorize a leitura não
só aquela que tem o objetivo de corrigir os erros epilinguísticos, mas que ao ter contato
com suas diversas versões se coloque no papel de seu leitor e também de revisor do seu
próprio texto.
Julgamos que esse trabalho aproximaria o estudante dos usos sociais e do
contato que tem com os textos do gênero narrativo, além de melhorar a sua leitura e
interpretação com esse gênero, já que ele não leria só o seu ou o do livro, mas também o
de seus colegas. Ainda, também valorizar-se-ia a revisão, a reescrita, o trabalho coletivo
e o processo de escrita e de organização de um livro. Ao final, todos teriam um
“produto” que poderiam guardar e ainda que seria exposto na biblioteca. Não podemos
deixar de mencionar que esse novo olhar para essa atividade tem um pouco de utópico,
pois sabemos que o tempo da aula é curto, que a escola pode não ter computadores,
materiais para a produção do livro, e que os alunos não se motivem inicialmente com a
atividade. No entanto, não podemos deixar de propô-la, pois acreditamos que o ensino
da escrita e de sua aplicação no cotidiano é uma missão da escola (MARCUSCHI,
2008).
Referências bibliográficas
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Cap. 3, v. 1, p. 217-230.
WITZEL, Denise Gabriel. Identidade e livro didático: movimentos identitários do
professor de língua portuguesa. 2002. Dissertação (Mestrado) – Universidade Estadual
de Maringá convênio com a UNICENTRO, Programa de Pós-Graduação em Linguística
Aplicada.
Junqueira&Marin Editores
Livro 3 - p.006822
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