Processo n.º 49/95
Legitimidade
Sumário:
I. A legitimidade do autor afere-se pelo interesse directo em demandar, e que esse
interesse exprime-se pela utilidade derivada da procedência da acção;
I A lei não obriga nos casos de uso ilegítimo do nome que o Autor peça,
necessariamente, o cancelamento do registo do nome cujo uso exclusivo reclama,
porque está-se em face de um direito patrimonial na inteira disponibilidade do seu
titular.
III. O autor não é obrigado a indicar, na petição inicial, o montante exacto dos danos
e no caso das partes não fornecerem elementos, ou estes não forem convincentes, o
tribunal pode condenar no que se liquidar em execução da sentença, ou determinar
o valor que lhe parecer mais conveniente, segundo o seu prudente arbítrio nos
casos em que julgar exagerado o valor, ou nos demais;
IV. Os comerciantes em nome individual só podem tomar como firma o seu nome civil,
completo ou abreviado, podendo adicionar-lhe uma designação referente à espécie
de comércio que exercem;
V. Tratado-se de um direito sujeito a registo – ou pelo menos registado – em caso de
conflito quanto à titularidade tem-se como legítimo possuidor o registo anterior.
A..., réu nos autos de acção ordinária 25/93 do Tribunal Judicial da Província de
Inhambane, movida por B..., recorreu da sentença decretada por aquele tribunal, na qual
se reconhece ao autor o direito do uso exclusivo do nome e firma com a designação
“Escola de Condução da Cidade da Maxixe”, e se ordena o cancelamento do registo da
designação “Escola de Condução de Maxixe”, pertencente ao réu, devendo este adoptar
outra designação. Foi ainda o réu condenado a pagar, a título de indemnização, pelos
prejuízos que o autor sofreu pelo uso indevido daquele nome pelo réu, a quantia de
212.497.654,50 mt, e ainda ao pagamento das custas e máximo de procuradoria.
Nas suas alegações de recurso, diz o réu, ora recorrente:
a) que o autor, carece de legitimidade para a propositura da acção que deu azo à
condenação porque, tratando-se de um litígio atinente ao nome e firma de uma escola
de condução aquele deveria, para ser parte legítima, ter dado provas que possui
licença titulada por alvará, para exercer a actividade. Enumera o recorrente, de forma
exaustiva, a tramitação burocrática conducente à aquisição do alvará, e que, no seu
entender, o recorrido não cumpriu. Conclui, desse modo o réu, que o autor exerce
ilegalmente a actividade, daí a ilegitimidade para demandar;
b) que há falta de pedido, dado que o autor, para impugnar os factos comprovados pelo
registo existente a favor do réu tinha que pedir o cancelamento desse mesmo registo.
Como não o fez, então não há pedido, e desse modo a acção devia ter sido liminarmente
indeferida nos termos do artigo 193, n.2 alínea a) do C.P.C;
c) que há falta de causa de pedir, pois que as razões que o autor invoca para pedir a
indemnização não relevam para o caso, devendo por isso considerar-se o processo
nulo nos termos do artigo 193 do C. P. Civil;
d) que o pedido é ininteligível porquanto o autor ao pedir como indemnização o
correspondente à receita bruta e não aos lucros cessantes e aos danos emergentes não
só exagerou no pedido, como também não deu elementos que pudessem servir de
critério para indicar o que pode ser indemnizável, tornando, assim, a
ininteligibilidade insuperável; que outro caso de ininteligibilidade é o facto de o
autor ter determinado um valor a título de prejuízos indirectos sem especificar o seu
fundamento;
e) que há violação do direito de defesa porquanto o réu apresentou um articulado
superveniente em que indica os supostos factos constitutivos do seu direito (direito à
indemnização) fora do prazo; que desse facto ele réu não foi notificado para se
defender, o que viola o artigo 100 da Constituição, conduz à situação de falta de
citação e se traduz no conhecimento pelo juiz a quo, de uma questão de que não
devia conhecer;
f) que há nulidade do despacho-sentença porque o tribunal a quo condenou o réu ao
cancelamento do registo da escola de condução, quando o autor não pediu o
cancelamento da matrícula do réu; que há, por isso, nulidade que resulta da
condenação em objecto diverso do pedido, nos termos do artigos 668, n.1 alínea e) e
715 do C.P.C., conjugados com o artigo 12 do Código do Registo Predial.
Termina, o recorrente, pedindo a anulação de todo o processo com fundamento na
ineptidão da petição inicial, dando-se provimento ao recurso.
Por sua vez, o recorrido, refutando todo o conteúdo das alegações, diz:
a) que o recorrente perde-se em dissertações que nada têm a ver com o mérito da causa.
Anexando às contra-alegações o seu alvará, diz o recorrido, que contrariamente ao
que o recorrente invoca, o alvará não tem nenhuma relevância para a questão
controvertida;
b) que o registo por ele efectuado é anterior ao do recorrente, pelo que é o único que é
válido, sendo o do réu, irregular; que a escola de condução aberta por ele recorrida
na cidade de Maxixe, contrariamente ao que o recorrente pretende, não é uma
representação da escola que tem na Cidade de Maputo mas uma nova escola distinta
desta;
c) que o que o recorrente apelida de articulado superveniente outra coisa não é senão
uma actualização do valor da indemnização já pedida na petição inicial; que o pedido
e o cálculo da indemnização fundaram-se nos artigos 564 e 565 do Código Civil;
d) que grande parte dos pedidos contidos nas alegações do réu são extemporâneos;
e) termina, o ora recorrido, dizendo que mantém o seu pedido e que o valor da
indemnização, atento ao lapso de tempo decorrido, ascende agora a um valor
provisório de 1.636.574.004,65 mt, de acordo com o mapa junto.
Tudo posto pelas partes, cabe-nos, ora, apreciar:
A questão da ilegitimidade do autor, ora levantada pelo réu, não tem, quanto a nós,
razão de ser. Efectivamente, diz a lei que, a legitimidade do autor afere-se pelo
interesse directo em demandar (artigo 26 do C.P.C.), e que esse interesse exprime-se
pela utilidade derivada da procedência da acção. Numa situação em que há um conflito
atinente a dois registos de denominação de dois estabelecimentos comerciais situadas
na mesma praça, quem, senão autor e réu, teriam legitimidade para demandar e
contradizer?
É que, mesmo que tivéssemos de considerar que o autor encontra-se irregularmente
inscrito como comerciante, tal irregularidade nunca poderia constituir motivo de
ilegitimidade, uma vez que o que releva é o interesse em jogo. O que se discute na
questão da legitimidade é a titularidade da relação material em causa no processo.
Cremos que o recorrente confundiu, salvo o devido respeito, a questão da legitimidade
com a problemática da procedência da acção. De facto, a irregularidade invocada pelo
recorrente só relevaria, eventualmente, para a improcedência da acção, tudo
dependendo do objecto desta.
Quanto ao pedido importa notar que o autor, na sua petição inicial, deixa expresso que
como consequência do uso indevido da sua “firma-denominação” por parte do réu,
deve este ser declarado culpado de usurpador de um direito (previsto no artigo 27 do
C. Comercial e que estabelece o uso exclusivo da firma, conforme vem referido no
parágrafo 3 da petição) e outrossim devedor de um valor de ... por conta de perdas e
danos causados aos interesses do A.
Mesmo que tivéssemos de admitir que o autor omitiu o pedido de cancelamento do
registo efectuado a favor do réu, certo é que, o dispositivo invocado pelo autor na sua
petição para justificar o pedido acima transcrito, o artigo 28 do C. Comercial, refere
que a parte que se julga lesada tem o direito de pedir a condenação da outra parte, de
entre outras medidas, no pagamento de uma indemnização por perdas e danos, pedido
esse que o réu fez de forma expressa na sua petição.
A lei não obriga, e nem se vê como poderia obrigar, em casos desta natureza, que a
parte lesada, peça necessariamente o cancelamento do registo do nome cujo uso
exclusivo reclama, porque está-se em face de um direito patrimonial na inteira
disponibilidade do seu titular. Sobre o conteúdo da petição pronunciar-nos-emos de
novo, adiante, quando abordarmos a alegação do recorrente quanto á nulidade da
sentença com fundamento em condenação em objecto diverso do pedido.
Também não tem sentido, salvo o devido respeito, que se considere o pedido
ininteligível pelo facto de o autor não ter, alegadamente, fundamentado o cálculo da
indemnização e que na perspectiva do autor, tem o seu fundamento nos prejuízos
resultantes da culpa do réu no uso ilícito do nome e firma dele autor, outra coisa é o
quantum dessa indemnização. Há clara distinção entre o pedido e o valor material
desse pedido.
O quantum da indemnização não integra o universo dos requisitos da petição. Tanto
assim é que, nos termos do artigo 569 do C. Civil, o autor nem é obrigado a indicar o
montante exacto dos danos e em caso de as partes não fornecerem elementos, ou estes
não forem convincentes, o tribunal pode condenar no que se liquidar em execução da
sentença, de acordo com o disposto no artigo 661, n. 2 do C. P. Civil, ou determinar o
valor que lhe parecer mais conveniente, segundo o seu prudente arbítrio (Art. 566, n.3
C. Civil) nos casos em que julgar exagerando o valor, ou nos demais.
Quanto à violação do direito de defesa e à consequente falta de citação, alegados pelo
réu, a propósito da peça de folha 47 em que o autor apresenta a actualização do valor
da indemnização, para além do que expusemos no parágrafo anterior (veja-se o texto
integral do artigo 569 do C. Civil), importa dizer que o réu, se entendesse tal facto nos
termos ora alegados, deveria ter arguido a questão na sua primeira intervenção
posterior ao facto (interveio, por exemplo, a folhas 78), para impedir que tal nulidade
se considerasse sanada(artigo 196 do C. P. Civil).
Finalmente, e ainda em alusão à sanação das nulidades, há que notar que os factos acima
alegados pelo réu para arguir a ineptidão da petição, deviam ter sido excepcionados na
contestação e não nesta fase do processo, como ordenam os artigos 193 e 204 do C. P.
Civil.
Relativamente à nulidade do despacho-sentença, por alegadamente ter condenado em
objecto diverso do que se pediu, começaremos por transcrever o que consta no início da
petição inicial, a folhas 2 dos autos. Diz o autor que, propõe contra o réu, uma acção
declarativa, com processo ordinário, de reconhecimento do direito do uso exclusivo do
nome e firma já referidos, por parte do A., e condenação do mesmo A... no pagamento de
uma indemnização por conta de perdas e danos directos e indirectos que o R. Causou, nos
termos dos artigos nºs 26, 27 e 28 todos do Código Comercial em Vigor.
Portanto, para além da indemnização pedida, o autor pediu lhe fosse reconhecido
judicialmente o uso exclusivo do nome e firma a que os articulados referem. Ainda que
seja no início da petição, este pedido está de tal forma expresso que não há como ignorálo.
O que o Juiz a quo fez, foi considerar, como consequência necessária do reconhecimento
do uso exclusivo do citado nome e firma, o cancelamento do registo do nome e firma do
réu. Será que tal procedimento ofende o comando dos artigos 661 n.1 e 668, n.1 alínea a)
do C. P. Civil?
O registo, nas conservatórias dos registos, destina-se a dar publicidade aos actos ou
factos, tendo como consequência a sua oponibilidade, por parte do respectivo
beneficiário, contra terceiros. Tratando-se de direitos patrimoniais imateriais como o
nome, o seu uso exclusivo e a consequente exigência de que as demais pessoas se
abstenham de ir contra esse direito, só pode ter lugar através do registo.
Desse modo, não se vê como poderá o réu beneficiar do reconhecimento judicial daquele
direito, sem que a questão se repercuta a nível dos registos. A lógica desta argumentação,
assente no princípio e nos fins do registo é de tal modo forte que, mesmo que a sentença
não fizesse referência expressa ao cancelamento do registo do nome efectuado pelo réu, a
simples declaração judicial da proibição do uso do nome por este, sempre obrigaria a que
a conservatória dos registos fizesse, em face da sentença, o aludido cancelamento.
Em conclusão, não vale dizer que o tribunal condenou em objecto diverso do pedido,
quando se trate de facto que resulta como consequência necessária de um direito
judicialmente reconhecido a pedido da parte.Quanto ao mais alegado pelo réu, importa
dizer que o objecto da acção (em sentido amplo, isto é, incluindo, para além dos demais
articulados, a contestação – que como se alcança dos autos, não é seguida sequer de
reconvenção), é o direito ao uso da firma denominação ou nome e firma, de acordo com o
expresso pelas partes.
Não se trata, como ora parece pretender o recorrente, da impugnação do registo em si, no
que ele tem de essência ou de autentidade.Na sua contra-alegação o recorrido não traz ao
processo elementos novos de direito dignos de comentário, tendo-se limitado a refutar de
forma genética a alegação e acrescentado que o cálculo da indemnização funda-se nos
artigos 564 e 565 do C.Civil.Vistas e comentadas as alegações, cabe-nos, ora, dizer:
Autor e réu disputam a titularidade do que apelidam de firma e nome, ou firmadenominação, “Escola de Condução da Ciadade da Maxixe” e “Escola de Condução da
Maxixe”. Autor e Réu são comerciantes em nome individual e como tal, nos termos do
artigo 20 do Código Comercial, só podem tomar como firma o seu nome civil, completo
ou abreviado, podendo adicionar-lhe uma designação referente à espécie de comércio que
exercem.
A título de exemplo, seria, “B... – Escola de Condução”, “A... – Condução de
Automóveis”, etc. Suponhamos que a actividade fosse a de confecções, as suas firmas
poderiam, se quisessem adicionar designações, “A... – Confecções”, B... – confecções”
ou “B... – Modas”, etc.O que os registos oficiais constantes nos autos consideram de
designação, que, quer a conservatória dos registos, de forma expressa, quer as próprias
partes de forma implícita, reconhecem que é distinto da firma e é usada
independentemente desta, outra coisa não pode ser senão um nome que cada um
decidiu adoptar no exercício da sua actividade comercial, nome esse, cuja publicidade
e protecção as partes procuram através do registo na conservatória dos registos da área
onde se encontram estabelecidos.
Trata-se de uma questão de propriedade imaterial ou intelectual, que não sendo
comercial, uma vez que não é tratada no Direito Comercial, há de encontrar a sua
protecção jurídica no domínio do direito privado geral, como direito real de propriedade
que é – atente-se ao disposto nos artigos 1303, 1305 e 1315, todos do Código Civil .O
fundamento do pedido do A., é que o R., usa no seu estabelecimento comercial um nome
igual ou que se confunde com o nome que ele A. adoptou no exercício da sua actividade
comercial, sendo que ambos exercem, na mesma Cidade, uma actividade comercial da
mesma espécie; que tal facto constitui uma usurpação do direito que ele A. devia
exercitar a título exclusivo e que, tratando-se de uma designação ligada ao seu
estabelecimento comercial tem conduzido a que alguns clientes se dirijam erradamente
para o estabelecimento do R., o que dá azo a prejuízos materiais em termos de lucros
cessantes e de danos emergentes.Tal como entendeu o Juiz a quo, os nomes “Escola de
Condução da Cidade de Maxixe” e “Escola de Condução da Maxixe” confundem-se.
Note-se que o único elemento que os distingue é a palavra cidade. Porém, Maxixe, como
é sabido, é cidade.
Na linguagem corrente, quando se faz menção de unidades territoriais administração é
usual suprimirem-se as designações cidade, distrito, vila, etc., bastando a designação do
nome da unidade territorial.Portanto, entre a nossa comunidade facilmente a “Escola de
Condução da Cidade de Maxixe” pode ser chamada e tida apenas como “Escola de
Condução da Maxixe”. Esta questão é tão pacífica que em nenhuma ocasião dos autos o
réu negou o facto.
Tratando-se de nomes ligados a estabelecimentos comerciais situados na mesma área
territorial – cidade – exercendo a mesma espécie de actividade comercial, fácil é ao
cidadão médio ser induzido em erro e dirigir-se a um estabelecimento no lugar do outro,
o que em termos comerciais é susceptível de concorrer para a diminuição das receitas
(resultante da diminuição dos clientes) do estabelecimento que tiver adoptado o nome em
primeiro lugar.Tratado-se de um direito sujeito a registo – ou pelo menos registado – em
caso de conflito quanto à titularidade tem-se como legítimo possuidor o que tem por
título em registo anterior à posse, como dispõe o artigo 1268 n.2 do Código Civil.
O registo a favor do A. remonta de Março de 1993 – fls. 6 dos autos – e o do R. é
posterior àquela data – fls. 40.Facto curioso é que, o réu também coloca o autor na
situação de ter sido notificado para mudar a denominação do seu estabelecimento, pelas
autoridades da Direcção Nacional dos Transportes Rodoviários. Contudo, aquele não fez
prova do facto nos autos, como lhe competia, acordo com o que a lei dispõe em termos de
ónus da prova – Art. 342, n. 2 do Código Civil.
Poder-se-ia até dizer, à partida, que o réu ao registar o nome em causa não sabia que
lesava direitos de terceiros, considerando-se que nessa altura, agiu de boa fé. Todavia,
após a sua notificação para adoptar outro nome, como vem provado nos autos a folhas 8,
a boa fé no uso da designação ora em disputa, cessou.
Pelo exposto, não há dúvidas quanto à justeza da decisão no tribunal a quo quanto aos
factos, sendo que, quanto ao enquadramento jurídico, há que considerar os reparos aqui
feitos.Relativamente ao cálculo da indemnização, os elementos trazidos pelo autor nos
autos, embora não tenham sido especificadamente impugnados pelo réu, não fazem fé
bastante, dada a forma simplista e arbitrária que norteou a sua elaboração.
Nos termos expostos, acordam os juizes desta Secção Cível em considerar o recurso
improcedente, confirmando, assim a sentença recorrida, com os reparos aqui feitos
quanto ao enquadramento legal dos factos.Relativamente à indemnização pedida, pelos
fundamentos expostos e em alusão ao dispostos ao Art. 661 nº2 do Código de Processo
Civil, condenam no que se liquidar em execução de sentença.
Custas pelo recorrente.
Maputo, 19 de Junho de 1997
Ass: Mário Fumo Bartolomeu Mangaze, Luis Filipe Sacramento e AfonsoArmindo
Henriques
Download

PDF format