P.º n.º R.P. 80/2012 SJC-CT Registo de penhora. Sujeito passivo. Interpretação
do pedido de registo. Bem registado a favor de pessoa diversa. Embargos de
terceiro. Desistência do pedido. Efeitos. Trato sucessivo.
PARECER
1. Pela ap. … de 2012/05/30 (predial online) foi pedido o registo de penhora da fração
autónoma X do prédio descrito sob o n.º …, freguesia de …, …, indicando-se como sujeito
ativo a C…, ora recorrente, preenchendo-se o campo próprio da aplicação informática
relativo ao sujeito passivo com a identificação da titular definitivamente inscrita, Maria
..., e explicitando-se, em declarações complementares, que a titular inscrita, Maria …, é
parte no processo executivo em virtude de nele ter deduzido embargos de terceiro.
1.1. Ao pedido de registo foi junta certidão judicial extraída dos autos de execução
ordinária n.º ... de que constam reproduzidos, entre outros documentos:
a)
O termo de penhora dos bens de José … (executado), incluindo a fração autónoma X;
b)
O incidente de oposição, mediante embargos de terceiro, apresentado por Maria … e
fundado na posse e no direito de propriedade, adquiridos por via da dação em
cumprimento feita pelo executado, José …, à embargante;
c)
A contestação, apresentada pela exequente, com impugnação pauliana do negócio
jurídico de dação em cumprimento realizado (pedido reconvencional);
d)
O requerimento de desistência do pedido formulado nos autos de embargos de terceiro
por Maria ...;
e)
A decisão, transitada em julgado, que julga válida e homologa a desistência,
considerando extinto o direito que se pretendia fazer valer através dos embargos de
terceiro.
2. O registo da penhora foi recusado, nos termos do artigo 69.º/1/b) do Código do
Registo Predial, por não ter sido apresentado título em que figure como exequente a C…
e como executada Maria …
1
3. No recurso hierárquico, alega-se, em síntese, que o pedido de registo foi documentado
no sentido de comprovar que a titular inscrita, Maria …, é parte no processo executivo,
por nele ter deduzido embargos de terceiro, e que, ao desistir do pedido, aceitou «como
válida e com plenos efeitos» a penhora efetuada, pelo que inexiste fundamento para a
recusa.
4. No despacho a que se refere o n.º 1 do artigo 142.º-A do Código do Registo Predial
(CRP), a decisão de recusa do registo é sustentada com os argumentos que aqui damos
por reproduzidos, dos quais se destaca que o executado é José …, e não Maria ...; que a
desistência do pedido deduzido nos embargos de terceiro não modificou a penhora já
realizada; que a menção da titular inscrita como sujeito passivo do facto (penhora)
«levou a entender que a penhora a registar seria outra»; e que se no pedido tivesse sido
indicado como sujeito passivo o executado José …, caberia ao registo a qualificação de
provisório por natureza (artigo 92.º/2/a) do CRP), seguindo-se os termos do artigo 119.º
do mesmo Código.
Apreciação do mérito
1. Considerando a factualidade descrita, antes de mais dizemos que a sucessão de atos
praticados no processo de registo e no consequente recurso hierárquico foi dominada por
um problema de terminologia e de interpretação do pedido, que, a nosso ver, não fez
senão encobrir as questões jurídicas realmente implicadas nos autos.
1.1. Parece, na verdade, que determinante da recusa do registo foi o facto de a
apresentante ter indicado como sujeito passivo do facto a titular inscrita Maria ... (em
vez de mencionar, em conformidade com o termo de penhora, o executado José ...),
quando se sabe que, na estrutura da ação executiva, a legitimidade passiva pertence às
pessoas indicadas nos artigos 55.º a 57.º do CPC e que, a despeito de a titular inscrita,
Maria …, ter intervindo a reagir contra a penhora, fê-lo precisamente na qualidade de
terceiro e baseando-se na impenhorabilidade subjetiva do bem, logo, com o estatuto
processual de parte, apenas, no incidente de oposição ocorrido no processo executivo.
1.2. Cremos, todavia, que uma interpretação menos literal dos termos do pedido de
registo e a conjugação de todos os elementos (declarações e documentos) oferecidos
permite considerar que a qualidade de sujeito passivo do facto não foi atribuída no
2
rigoroso sentido de parte no processo executivo, mas com o intuito de vincar a
intervenção da titular inscrita no processo executivo, através do incidente de embargos
de terceiro, e, bem assim, a consolidação da penhora face à desistência do pedido e à
consequente extinção do direito, que se pretendia fazer valer e que o registo a favor da
embargante faz presumir, em relação à exequente1.
1.3. Visto que a atividade de qualificação registal exige uma interpretação do pedido que
não se cinja às menções obrigatórias do pedido ou ao significado direto das expressões
usadas no seu preenchimento, mas que considere o conjunto formado com os
documentos apresentados e com as declarações complementares produzidas2, tanto
basta, a nosso ver, para arredar o motivo da recusa sustentado nos autos.
2. Compreendendo-se bem que a penhora trazida a registo é a que está titulada nos
documentos apresentados, na qual intervêm como exequente a C… e como executado
José …, e à qual reagiu, através de embargos de terceiro, a titular inscrita Maria …,
sobra, ainda assim, a questão de saber se o princípio do trato sucessivo, que
anteriormente impediu o registo definitivo da penhora, se encontra agora assegurado,
através do incidente (embargos de terceiro) da instância executiva, ou se persiste razão
para provisoriedade fundada na situação tabular3.
1
Note-se que a penhora em causa havia sido já registada como provisória por natureza (artigo 92.º/2/a) do
CRP), a coberto da ap. … de 1997/10/29, precisamente por falta de intervenção da titular inscrita Maria ...
2
Doutra forma, nenhum sentido se lograria para o mecanismo de convolação do pedido, repetidamente usado
nos serviços de registo, pressupondo que se interprete e se tome o pedido de registo de acordo com a vontade
revelada nas declarações produzidas e nos documentos apresentados, ainda que essa vontade tenha sido
exteriorizada de forma imprecisa ou deficiente na requisição de registo.
3
É certo que esta questão não foi explicitada no despacho de qualificação nem suficientemente desenvolvida
no despacho de sustentação, mas os princípios de verdade e de certeza jurídica, e o escopo essencial do registo
predial (artigo 1.º do CRP) demandam que a apreciação do recurso se estenda a deficiências do processo de
registo cuja ocultação possa conduzir à feitura de um registo nulo, como é um registo efetuado com violação do
princípio do trato sucessivo (artigo 16.º/b) do CRP). Cfr. processos R.P. 77/97 DSJ-CT, BRN 3/98, II Caderno, e
RP 83/98 DSJ-CT, BRN 2/99, II Caderno.
3
2.1. Como se sabe, em face do disposto no artigo 34.º/4 do CRP, no caso de existir
sobre os bens registo de aquisição, é necessária a intervenção do respetivo titular para
poder ser lavrada nova inscrição definitiva, salvo se o facto for consequência de outro
anteriormente inscrito.
2.2. O princípio ínsito neste preceito legal é o do trato sucessivo, na modalidade da
continuidade das inscrições, querendo significar que o direito do adquirente deve apoiarse no do transmitente e o encargo só pode ser constituído por, ou contra, o respetivo
titular.
2.3. A despeito do seu caráter formal 4, trata-se de um princípio basilar do sistema de
registo predial, porquanto dele depende a presunção de verdade do registo a que se
refere o artigo 7.º do CRP, ou seja, a presunção de que o direito publicitado existe e
pertence ao titular inscrito.
2.4. Daí que, normalmente, deva ser inscrito como provisório por dúvidas o registo de
facto em que não intervenha o titular definitivamente inscrito (artigos 34.º/4, 68.º e 70.º
do CRP), e daí que se mostre eivada de nulidade a inscrição lavrada em violação destes
preceitos legais (artigo 16.º/b) do CRP).
2.5. Para os registos de arresto, de penhora e de declaração de insolvência, e quando
sobre os bens exista registo de titularidade a favor de pessoa diversa do requerente, do
executado ou do insolvente, foi, no entanto, traçado um regime distinto, determinandose a provisoriedade por natureza (artigo 92.º/2/a) do CRP), em vez da provisoriedade
por dúvidas, e oferecendo-se, no artigo 119.º do mesmo Código, um mecanismo de
suprimento da falta de trato sucessivo, que não passa já pela inscrição do bem em nome
do executado, mas se analisa num teste à presunção derivada do registo, suscitando a
intervenção do titular inscrito para dizer se o bem ainda lhe pertence 5.
4
Dado que o princípio não visa definir qual o melhor direito de entre os que são conflituantes.
5
Sobre a ponderação de interesses ínsita no artigo 119.º do CRP, cfr. Mónica Jardim, Efeitos decorrentes do
registo da penhora convertido em definitivo nos termos do artigo 119.º do Código do Registo Predial, Cadernos
de Direito Privado 9, pp. 23/42.
4
2.6. Trata-se, pois, de uma solução legal que, arrancando do princípio do trato sucessivo
e dos efeitos do registo e sem desprezar a presunção de titularidade derivada do registo,
procura o justo equilíbrio entre o interesse do exequente na célere recuperação do
crédito e a proteção que a presunção legal confere ao titular do registo de que o direito
lhe pertence, dispensando aquele de obter a atualização do registo de aquisição como via
de alcançar o registo definitivo da penhora, mas outorgando a este (o titular inscrito) um
meio de defesa capaz de obstar a tal definitividade antes do acertamento de direito nos
meios comuns (artigo 119.º do CRP).
2.7. Podemos então dizer que o mecanismo previsto no artigo 119.º do CRP concede ao
titular inscrito a possibilidade de intervir em processo executivo que não tenha sido
movido contra si para dizer que os bens lhe pertencem 6 e, com isso, suspender o ciclo
executivo até que, autonomamente, se decida da questão da titularidade do direito
(artigo 119.º/4 do CRP), mas, perante a inércia do titular inscrito ou a declaração de que
os bens não lhe pertencem, permite outrossim ao credor a obtenção do registo definitivo
da penhora, apesar do registo de aquisição a favor de pessoa diversa do executado.
3. Tal não significa que o titular inscrito, que ainda se arrogue a pertença do direito
publicitado, não possa interferir no processo executivo de outras formas, tendo em vista
reagir contra o ato executivo (penhora) que atinge o seu património e se mostra
incompatível com o direito de que é titular.
3.1. Assim se passa quando o titular inscrito deduz embargos de terceiro, a fim de
demonstrar que o bem penhorado lhe pertence, levando a que a ação (que corre por
apenso ao processo executivo)
7
deva ser decidida no plano da titularidade do direito de
fundo, e a que a formação do caso julgado assente na existência ou na inexistência deste
direito.
6
Note-se, todavia, que esta intervenção não é de molde a colocar o titular inscrito no papel de parte passiva
na ação executiva, como bem explicita Mónica Jardim, Efeitos decorrentes do registo da penhora.., cit. P. 35.
7
No dizer de José Lebre de Freitas, A Ação Executiva depois da reforma da reforma, 5.ª edição, p. 295, apesar
do enquadramento legal dos embargos de terceiros entre os incidentes da instância, continua a detetar-se (no
seu regime) a estrutura de uma ação destinada a verificar a existência de um direito ou de uma posse e (na
formação de caso julgado material), a natureza de ação declarativa de mera apreciação.
5
3.2. Daí que o pedido de registo de penhora, efetuada em processo executivo movido
contra pessoa diversa do titular inscrito, acompanhado da prova da improcedência dos
embargos de terceiro (deduzidos pelo titular inscrito com fundamento na titularidade do
direito inscrito penhorado8), não deva dar lugar à provisoriedade por natureza (artigo
92.º/2/a) do CRP) nem, por conseguinte, ao desencadeamento do mecanismo de
suprimento a que alude o artigo 119.º do CRP;
3.2.1. Isto porque a consolidação da penhora, que, do ponto de vista do exequente, se
procura alcançar com o aludido procedimento, se logrou já por outra via (a dos embargos
de terceiros), à qual não falta a intervenção do titular inscrito (artigo 119.º/1 do CRP) e o
acertamento do direito inscrito (artigo 119.º/4 do CRP) com a eficácia subjetiva que a
formação do caso julgado material envolve9.
3.3. Da mesma forma, a desistência do pedido formulado em embargos de terceiros com
este conteúdo, atentos o sentido e alcance que lhe é outorgado no artigo 295.º/1 do CPC
e a eficácia extraprocessual da decisão homologatória respetiva (artigo 300.º/3 do CPC),
acaba por resolver a questão da indagação sobre a relação jurídica concreta convertida, é
dizer, sobre a titularidade do direito de fundo, e, desse modo, estabilizar a penhora,
permitindo o prosseguimento do processo de execução quanto aos bens por ela cobertos
e o registo definitivo da penhora.
3.3.1. Na esteira de José Lebre de Freitas10, sublinhamos que a projeção extraprocessual
da eficácia da decisão (caso julgado material) é uma característica da decisão de mérito
(impedindo nova decisão em outra instância processual com os mesmos sujeitos e o
8
Note-se que, para o tema em apreço, só os embargos de terceiros com este conteúdo (fundados na
titularidade do direito inscrito e deduzidos pelo titular respetivo) interessam, pelo que as referências que, para
efeitos de registo, façamos a este incidente pressupõem tal configuração processual.
9
Dito de outro modo, também aqui, a definitividade do registo da penhora assenta no confronto com a
situação tabular, mediante a intervenção do titular inscrito e a declaração da inexistência do seu direito
proferida com força de caso julgado substancial ou interno, e, portanto, na eficácia da penhora contra o titular
inscrito (embargante).
Da improcedência dos embargos de terceiro fundados na titularidade inscrita, tal como da procedência da ação
a que se refere o artigo 119.º/4 do CRP, releva a demonstração de que o bem penhorado não pertence ao
titular inscrito, e não a prova que aquele bem pertence ao executado (cfr. processos 78 e 79/98 DSJ-CT, BRN
11/98, II caderno).
10
Caso julgado, Estudos sobre Direito Civil e Processo Civil, pp. 494/498
6
mesmo objeto e impondo a decisão proferida em outra instância com os mesmos sujeitos
em que a questão decidida constitua fundamento da pretensão), e que tal efeito é
inerente à definição ou acertamento das situações jurídicas das partes, apresentando-se,
assim, em estreita conexão com a natureza de definição do direito que é própria da
sentença declarativa.
3.3.2. Já a sentença homologatória da desistência do pedido, como também refere o
autor, é dotada da eficácia do caso julgado na medida em que por ela é o réu absolvido
nos precisos termos do ato dispositivo celebrado (artigo 300.º/3 do CPC), isto é, na
medida do efeito preclusivo da declaração de renúncia do direito invocado pelo autor, em
que o implícito reconhecimento da inexistência desse direito atua como mero pressuposto
duma vontade negocial, cuja atuação é independente de o direito até aí existir ou não e
se traduz na indiscutibilidade futura da sua inexistência.
3.3.3. Mas, segundo a indicada doutrina, verifica-se, num caso e noutro, o mesmo efeito
preclusivo: a desistência do pedido tem, tal como a sentença de mérito propriamente
dita (não homologatória), um efeito preclusivo que não permite pôr-se mais em causa a
atual inexistência do direito do autor (fundado na causa de pedir invocada), sendo que,
uma vez homologada, este efeito extintivo ou preclusivo do direito do autor passa a
constituir efeito da própria sentença, dada a equiparação desta a uma decisão de mérito.
3.3.4. Assim, porque o regime do caso julgado produzido pela sentença homologatória
da desistência do pedido não difere do produzido pela sentença de mérito propriamente
dita, também a prova da homologação da desistência do pedido (como a que é feita no
pedido de registo dos autos), se mostrará de molde a resolver o problema de trato
sucessivo ditado pela existência de registo definitivo a favor de pessoa diversa do
executado e, por conseguinte, se obstáculo de outra espécie não existir, a permitir o
registo definitivo da penhora.
4. Acontece, no caso dos autos, que o problema persiste, embora com outros contornos;
já não o de faltar a intervenção da titular definitivamente inscrita, Maria …, mas o de
estar em vigor registo de aquisição a favor de terceiro, por compra à dita Maria … (ap. …
de 2012/02/06), com a qualificação de provisório por natureza (artigo 92.º/2/b) do CRP).
7
4.1. Tendo em conta a situação tabular existente, temos por manifesto que a
provisoriedade por natureza deste novo registo de aquisição (a favor de N…) se deve a
incompatibilidade encontrada com o registo da reconvenção – ap. … de 2002/04/03 –
interposta pela C… nos embargos de terceiro deduzidos por Maria …
4.2. De acordo com o registo da reconvenção, trata-se da impugnação pauliana da dação
em cumprimento que constitui causa de pedir dos embargos de terceiro deduzidos, logo,
de uma ação (reconvenção) de natureza pessoal ou obrigacional, que tem em vista obter
a relativa ineficácia daquela alienação para efeito de o credor impugnante executar os
bens alienados como se eles nunca tivessem saído do património do devedor 11.
4.3. Donde, quer se aceite que deste registo decorre uma extensão de eficácia da
procedência da ação ao subadquirente, de modo a atribuir-lhe legitimidade passiva para
a ação executiva e a permitir a execução na sua esfera patrimonial, quer se negue tal
resultado, de forma que contra os subadquirentes só possa o credor exercer o direito de
restituição em ação adrede intentada contra eles (artigo 613.º do CC), certo é que da
procedência desta ação (reconvenção) não resulta qualquer vicissitude extintiva ou
modificativa do direito real adquirido pelo reconvindo, mas apenas consequências
práticas no plano da satisfação do crédito do impugnante, deixando incólume quer o ato
impugnado quer o registo efetuado em nome do adquirente 12.
4.4. De todo o modo, embora não se descortine incompatibilidade entre os registos nem
outra razão aparente para a provisoriedade por natureza (92.º/2/b) do CRP), não é este
o processo próprio para conhecer do acerto técnico-jurídico dos registos em vigor.
4.5. Há, pois, que lidar com a situação tabular existente (artigo 68.º do CRP), sendo
que, agora, o ponto é dizer da relevância do registo provisório de aquisição a favor de
11
Ao que tudo indica, a aludida reconvenção passa-se no incidente de embargos de terceiros documentado no
processo de registo em apreço.
12
Sobre o cariz da impugnação pauliana e os seus efeitos, de forma muito esclarecedora se pronunciou a PGR
no parecer 36/2000 (DR 76, II série, de 2001.03.30).
8
pessoa diversa do executado e do embargante de terceiro na qualificação do registo da
penhora13.
4.5.1. Ora, sobre saber como atuar diante de um registo de aquisição a favor de terceiro
que ainda é provisório, e, como tal, não produz ainda o efeito a que se refere o artigo
7.º, embora dele possa vir a beneficiar desde o início de vigência (artigo 6.º/3), por via
da conversão em definitivo, já muito se disse em processos anteriores14.
4.5.2. E o que se tem concluído a propósito é que deve ser registada provisoriamente
por natureza, nos termos da alínea b) do n.º 2 do artigo 92.º do CRP, e por
incompatibilidade, a penhora de prédio com inscrição provisória de aquisição a favor de
pessoa diversa do executado; que, com a conversão em definitivo deste registo de
aquisição, será a inscrição de penhora requalificada para provisória por natureza nos
termos da alínea a) do n.º 2 do referido artigo 92.º, podendo despoletar-se então o
mecanismo previsto no artigo 119.º; e que a caducidade do registo provisório de
aquisição, em princípio, determinará a conversão em definitivo da penhora.
4.5.3. Como temos sublinhado, também aqui contam os princípios que enformam o
sistema de registo e que alicerçam os efeitos substantivos por ele produzidos, com
destaque para o princípio da prioridade, que determina que o registo, uma vez
convertido em definitivo, receba a anterioridade correspondente ao registo provisório
(artigo 6.º/3), e para o trato sucessivo, que, diante da inscrição provisória de facto
jurídico com efeitos aquisitivos e da posição de prevalência que esta ocupa, não poderá
regredir, aditando-se de elos definitivos a partir do registo anterior (a favor do sujeito
13
Sobre a relevância do registo da ação de impugnação pauliana no trato sucessivo em análise pouco haverá a
dizer, pois, para além de se duvidar da continuidade da reconvenção face à desistência do pedido feito nos
embargos de terceiro onde terá sido deduzida (cfr. artigo 296.º/2 do CPC), certo é que a execução de bens de
terceiro implica que este figure como executado (artigos 818.º do CC e 821.º/2 do CPC), e, por isso, no plano
do cumprimento do trato sucessivo, é essa a prova que, em princípio, importa fazer. Pode acontecer, como no
caso em apreço, que a impugnação pauliana tenha de ser decidida na pendência da ação executiva,
determinando que só supervenientemente o terceiro (adquirente do bem penhorado) passe a ter legitimidade
passiva para a execução, porém, também aqui é mister que dos documentos que servem de base ao registo da
penhora resulte inequívoca a atribuição da qualidade de executado ao terceiro adquirente (titular inscrito). (Cfr.
acórdão do TRP, de 2001/04/23, processo n.º 0150402, www.dgsi.pt).
14
Cfr., entre outros, pareceres proferidos nos processos R.P. 90/2003 DSJ-CT, RP 124/2003 DSJ-CT e RP
13/2012 SJC-CT.
9
passivo daquela inscrição provisória), nem prosseguir, de forma concludente, sem que a
dita inscrição provisória se extinga ou seja convertida em definitivo;
4.5.4. Pelo que é a provisoriedade do registo antecedente e a sua relação, em termos de
trato sucessivo, com os registos subsequentes que determinam a provisoriedade por
natureza (artigo 92.º/2/b) destes15, e é a «instabilidade» (criada pela provisoriedade, por
natureza ou por dúvidas, do registo precedente) na linha do trato sucessivo que a
justifica, tudo se dilucidando a final, com a caducidade ou a conversão em definitivo do
registo subordinante (artigo 92.º/7).
4.5.5. A incompatibilidade a que alude o artigo 92.º/2/b) é, pois, de espaço tabular,
radicando na circunstância de o registo posterior não se apoiar ou filiar no registo
anterior (provisório) e apenas encontrar acomodação na situação tabular que está antes
deste, ou, no caso de arresto, penhora ou declaração de insolvência, de o registo
posterior depender do desfecho do registo anterior (provisório) para lograr cumprir o
trato sucessivo ou o seu suprimento, permitindo fixar a identidade do citando a que alude
o artigo 119.º em conformidade com a presunção de titularidade derivada do registo
definitivo (artigo 7.º).
4.6. Em suma, o que a provisoriedade do registo de aquisição faz é condicionar a linha
contínua do trato sucessivo até à sua conversão em definitivo ou à sua extinção, por
caducidade ou cancelamento, momento a partir do qual se retoma o curso, consolidandose mais um elo (conversão), ou recuperando-se o elo anterior (extinção).
4.7. Enquanto isso, não se mostra oportuno asseverar, em definitivo, que há
cumprimento ou incumprimento do trato sucessivo no ingresso de novos factos jurídicos
(consoante
a
relação
com
o
registo
provisório
seja
de
dependência
ou
de
incompatibilidade), e em que termos, porquanto tal depende do desfecho do registo
provisório.
5. Assim sendo, para a inscrição da penhora em apreço não podemos propor senão a
provisoriedade por natureza (92.º/2/b) do CRP), por incompatibilidade com o
registo provisório de aquisição (ap. … de 2012/02/06) a favor de pessoa diversa do
15
Tanto dos registos dependentes (de sinal igual) como dos incompatíveis (de sinal contrário).
10
executado e do desistente dos embargos de terceiro, a converter em definitivo, se o
registo provisório de aquisição caducar, e a requalificar para provisório por natureza
(artigo 92.º/2/a) do CRP), se este registo for convertido em definitivo, tudo na inteira
medida do disposto nos nºs 7 e 8 do artigo 92.º do CRP.
***
Pelo exposto, somos de parecer que o recurso merece provimento parcial.
Em conformidade, formulamos as seguintes
CONCLUSÕES
I- A interpretação do pedido, a efetuar em sede de qualificação, não deve cingirse às menções obrigatórias da requisição ou ao significado direto das
expressões usadas no seu preenchimento, antes deve considerar o conjunto
formado
com
os
documentos
apresentados
e
com
as
declarações
complementares produzidas, de modo a que o pedido seja tomado de acordo
com a vontade, ainda que imperfeitamente expressa, do interessado.
II-
O pedido de registo de penhora sobre bens inscritos a favor de pessoa
diversa do executado não deve dar lugar à provisoriedade por natureza (artigo
92.º/2/a) do Código do Registo Predial) quando se faça prova de que, em
embargos de terceiros deduzidos pelo titular inscrito, ficou assente, com a
delimitação subjetiva e objetiva da eficácia de caso julgado material, a
inexistência do direito de fundo registado a favor do embargante.
III- O registo de penhora deve ser feito como provisório por natureza (artigo
92.º/2/b) do Código do Registo Predial), por incompatibilidade, quando sobre o
11
prédio penhorado exista registo provisório de aquisição a favor de pessoa
diversa do executado.
IV- A conversão em definitivo do registo de aquisição a favor de pessoa diversa
do executado determina a requalificação do registo da penhora para provisório
por natureza (artigo 92.º/2/a) do Código do Registo Predial), mostrando-se,
então, oportuno o desencadeamento do mecanismo de suprimento previsto no
artigo 119.º do Código do Registo Predial.
Parecer aprovado em sessão do Conselho Técnico de 22 de novembro de 2012.
Maria Madalena Rodrigues Teixeira, relatora, António Manuel Fernandes Lopes,
Luís Manuel Nunes Martins, Isabel Ferreira Quelhas Geraldes, José Ascenso Nunes da
Maia.
Este parecer foi homologado pelo Exmo. Senhor Presidente em 23.11.2012.
12
FICHA – P.º R.P. 80/2012 SJC-CT
SÚMULA DAS QUESTÕES TRATADAS
Interpretação do pedido de registo:
- Elementos relevantes
Registo de penhora sobre bens inscritos a favor de pessoa diversa do
executado:
- Prova da dedução de embargos de terceiro deduzidos com fundamento no direito
inscrito;
-Desistência do pedido formulado nos embargos de terceiro – sua relevância para
efeitos de registo
Registo da penhora sobre bens provisoriamente inscritos a favor de
pessoa diversa do executado
- Qualificação e regime
13
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