Escola Móbile Giovana Telles Jafelice Marina Porto Perillo Patrícia F. M. Santana Patrícia Murad Quintero 2º ano C São Paulo, 13 de novembro de 2006. Participantes do Julgamento: • João Jonas (professor de Literatura do Colégio Móbile): acusador • José Dias (“Dom Casmurro” – Machado de Assis): réu • Major Vidigal (“Memórias de um Sargento de Milícias”- Manuel Antônio de Almeida): juiz • Bento Santiago e Quincas Borbas (“Memórias Póstumas de Brás Cubas” – Machado de Assis): advogados de defesa • Capitu e Escobar (“Dom Casmurro” – Machado de Assis): advogados de acusação • Brás Cubas (“Memórias Póstumas de Brás Cubas” – Machado de Assis): promotor de justiça • Prima Justina e Tio Cosme (“Dom Casmurro” – Machado de Assis): testemunhas • Leonardo Filho (“Memórias de um Sargento de Milícias”- Manuel Antônio de Almeida): galeria • Giovana, Marina, Patrícia Santana e Patrícia Quintero (alunas do 2º ano e integrantes do grupo): júri • Sr. Pádua (“Dom Casmurro” – Machado de Assis): escrivão Julgamento: Um Caso de Influência? Juiz: José Dias, agregado da Família Santiago, é acusado por João Jonas de ser o responsável pela separação de Capitolina (Capitu) e Bento Santiago. Teria realmente chegado por acaso à Fazenda de Itaguaí? Teria algum objetivo maior ao se fingir de médico? Qual seria seu interesse em mandar Bento para o seminário e depois ajudá-lo a sair de lá? Por qual motivo o réu insistia tanto em sua afirmação de que Capitu possuía um olhar de cigana oblíqua e dissimulada? Teria sido ele o causador de um ciúme patológico em Bento? LEITURA DE AUTOS Escrivão: O réu foi agregado da família de Bento desde o nascimento deste, quando os Santiago ainda moravam na Fazenda de Itaguaí. Chegou ao local se passando por médico homeopata, curou um feitor e uma escrava sem exigir remuneração, sendo convidado pelo pai de Bento a ficar na casa com eles. Recusou o convite, alegando que deveria levar a medicina a todas as pessoas pobres, e ficou de retornar dali a três meses. Entretanto, duas semanas depois desse episódio ele estava de volta à fazenda, aceitando casa e moradia. Mais tarde, quando a família se mudou para o Rio de Janeiro, esse os acompanhou, tendo direito a um quarto no fundo da nova casa. Com a ocorrência de novas febres em Itaguaí, o pai de Bento pediu a José Dias que fosse curar seus escravos doentes, arrancando-lhe a confissão de que o réu não era de fato um médico, mas sim uma pessoa que se fingiu dona desse título para ajudar na propaganda da homeopatia e curou os escravos graças aos remédios indicados nos livros. Mesmo com a mentira, não foi despedido, pois já se fazia muito necessário à família, tendo, em sua ausência, a falta sentida como a de um parente. Após a morte do patriarca, José Dias ameaçou partir, mas, graças aos pedidos de Dona Glória, mãe de Bento, permaneceu com a família. Aos poucos, foi se tornando mais influente e amigo de todos da casa, de tal forma que adiava dia-a-dia sua volta a Lisboa, onde tinha amigos. Dona Glória, de tempos em tempos, dava-lhe algum dinheiro e Cosme, tio de Bento e também morador da casa, confiava a José Dias certas cópias de autos importantes. Tornou-se confidente de Bento e foi o grande responsável por sua saída do seminário. Dessa forma, por ser o réu uma figura tão importante na família e na vida de Bento, é acusado de causar a separação de Bento e Capitu. Após essas considerações, damos a leitura dos autos por encerrada, passando a palavra para o Sr. Brás Cubas, promotor de justiça. Promotor: José Dias é o verdadeiro responsável pela separação de Bento e Capitu. O réu não passa de um parasita social, capaz de tudo para ascender socialmente: já havia planejado o que faria ao se passar por médico homeopata quando chegou à Fazenda de Itaguaí e tinha o claro objetivo de ficar por lá. Após a morte do patriarca da família, fingiu se oferecer para ir embora, já imaginando que iria ouvir pedidos para permanecer lá, e assim conseguir ascender socialmente à custa da generosidade daquela família burguesa. “Quem não sabe que ao pé de cada bandeira grande, pública, ostensiva, há muitas vezes várias outras bandeiras modestamente particulares, que se hasteiam e flutuam à sombra daquela, com ela caem e não poucas vezes lhe sobrelevam? Mal comparando, é como a arraia-miúda, que se acolhia à sombra do castelo-feudal; caiu este e a arraia ficou. Verdade é que se fez graúda e castelã...”. *1 José Dias deseja a qualquer custo chegar ao topo da pirâmide social e resolve, do modo mais cômodo possível, fazer isso usufruindo de sua influência, conquistada ao longo de anos como agregado da família, e de seu poder de persuasão sobre Bento. Com a finalidade de enfatizar minha acusação, passo agora a palavra para o Sr. Cosme, tio de Bento Santiago e morador da mesma casa de José Dias. 1ª Testemunha: Como sou irmão de D. Glória e, portanto, não exatamente parte da família formada por ela e seu marido, percebo-me como uma espécie de agregado, assim como o réu, José Dias. Dessa forma, não me sinto no direito de emitir muitas opiniões e valores, devido à minha posição naquela casa. Sendo assim, ao contrário do Sr. José Dias, eu mais observava do que palpitava no cotidiano dos Santiago. No entanto, agora, como testemunha desse julgamento, emitirei minhas impressões sobre o réu, desde a sua chegada à fazenda. Antes de qualquer coisa, sempre achei incoerente o fato de o pai de Bento ter acolhido de prontidão um estranho em sua casa e ter lhe fornecido moradia, dinheiro e comida, apenas pelo falso médico ter curado um feitor e um escravo. Por sua vez, José Dias rapidamente se sentiu acolhido, aceitando tudo de bom grado e se considerando tão parte da família que dava diversas opiniões e julgamentos, quase nunca solicitados. Como afirmou certa vez meu sobrinho, Bento, “José Dias amava os superlativos. Era um modo de dar feição monumental às idéias” *2, idéias essas que ele sempre fazia questão de expressar, e usava de acordo com o que lhe era conveniente. Lembro-me de diversas vezes tê-lo visto pelos cantos, ora com D. Glória, ora com Bento, falando o que pensava, como quem não queria nada. O réu parece um simples palpiteiro, sempre pronto a se posicionar diante dos acontecimentos, no entanto, é, de fato, uma pessoa muito astuta, calculista e com bons argumentos, sempre os usando para interesse próprio. Promotor: Esta promotoria chama nesse momento a segunda testemunha, Sra. Justina, também moradora do lar dos Santiago, cujo depoimento evidenciará ainda mais provas contra o réu. 2ª Testemunha: Como prima de D. Glória e moradora da casa, também nunca me senti muito à vontade para opinar nas decisões familiares, prova disso é uma conversa que tive com Bentinho, quando este me pedia para intervir na decisão de sua mãe de mandalo ao seminário. Ao ser solicitada por Bento para falar com D. Glória e pedi-la para não mandar o menino ao seminário, lembro-me bem de ter respondido: “Isso não, prima Glória tem este negócio firme na cabeça, e não há nada no mundo que a faça mudar de resolução; só o tempo. Você ainda era pequenino, já ela contava isto a todas as pessoas da nossa amizade, ou só conhecidas. Lá avivar-lhe a memória, não, que eu não trabalho para a desgraça dos outros; mas também, pedir outra cousa, não peço. Se ela me consultasse bem; se ela me dissesse: ‘Prima Justina, você que acha?’ . A minha resposta era: ‘Prima Glória, eu penso que, se ele gosta de ser padre, pode ir; mas, se não gosta, o melhor é ficar’. É o que eu diria e direi se ela me consultar algum dia. Agora, ir falar-lhe sem ser chamada, não faço”.*3 Ao contrário de mim, que poucas vezes interferia na família, e quando o fazia era devido à curiosidade e à preocupação, o agregado José Dias fazia questão de deixar claras suas opiniões, almejando ter influência nas decisões da família, participando exaustivamente destas e, sempre, tramando por trás de suas perguntas e atitudes. Sendo assim, o réu é ardiloso e, como disse Cosme, capaz de tudo para alcançar o que desejava. Dessa forma, não há dúvidas de que José Dias faria Capitu e Bento se separarem se isso lhe fosse conveniente. Advogado de Acusação (Escobar): Ao contrário das testemunhas que se pronunciaram, eu conheci José Dias um tempo depois de sua chegada na família, quando este já tinha, inclusive, conseguido tirar Bento do seminário no qual ficamos amigos. Ao longo do tempo, fui reparando que o réu tinha muito ciúme de mim e de Bento, da nossa amizade e da importância e influência que eu, muitas vezes, exercia sobre meu amigo. Essa forte amizade revelou-se principalmente no momento em que eu e meu companheiro de seminário tivemos a seguinte conversa lá mesmo: “—Escobar, você é meu amigo, eu sou seu amigo também; aqui ao seminário você é a pessoa que mais me tem entrado no coração, e lá fora, a não ser a gente da família, não tenho propriamente um amigo. —Se eu disser a mesma cousa, retorquiu ele sorrindo, perde a graça; parece que estou repetindo. Mas a verdade é que não tenho aqui relações com ninguém, você é o primeiro e creio que já notaram, mas eu não me importo com isso”. *4 José Dias, assim como muitas pessoas, percebia claramente a admiração que Bento tinha por mim, e, para não contrariá-lo, fingia, na sua frente, gostar de mim. Além de agradar Bento, ao fazer isso, o réu se tornava querido por ele e mais influente em suas idéias. Dessa forma, como se pode perceber e foi afirmado anteriormente, José Dias era capaz de tudo para garantir seus interesses, podendo claramente ser o responsável por alimentar o ciúme doentio de Bento por Capitu, como vingança por eu ser tão amigo dele e como forma de evitar, criando conflitos entre mim e Bento, que a nossa amizade aumentasse ainda mais e eu me tornasse mais importante e influente que o agregado, prejudicando assim seus planos de ascensão social, corretamente colocados pelo promotor Brás Cubas. Feitas essas considerações, passo agora novamente a palavra para o Sr. Cosme, a primeira testemunha. 1ª testemunha: O réu estava decidido a ascender socialmente apoiando-se em Bento, sendo capaz de tudo para isso. Ao perceber a prioridade que Bento dava a Capitu e a idealização que este fazia da amada, José Dias sentiu seus planos ameaçados por ela, a mulher que, mais do que ninguém, poderia influenciar Bento. Dessa forma, percebeu que teria de escolher entre dois caminhos: começar uma amizade com Capitu, para que esta, tornando–se uma espécie de “aliada”, defendesse os interesses do réu; ou manipular Bento contra ela, causando um ciúme doentio e quebrando a idealização que este fazia dela, a fim de tirá-la de seu caminho e poder continuar com seus planos. José Dias iniciou essa manipulação agindo de diferentes formas, sendo a principal baseada em intrigas e argumentos maldosos sobre Capitu enquanto Bento estava no seminário e perguntava sobre ela para o agregado. Isso pode ser percebido pelo seguinte diálogo narrado a mim por Bento: “—Capitu como vai? – perguntou Bento enquanto estava no seminário. —Tem andado alegre, como sempre; é uma tontinha. Aquilo enquanto não pegar algum peralta da vizinhança, que case com ela...” *5 – respondeu maldosamente José Dias. Intervenção da Galeria (Leonardo Filho): O réu é inocente! E tomo minha história de vida como prova! Tenho origem simples, assim como José Dias, e passei boa parte de minha vida como vagabundo. No entanto, após certo tempo endireitei-me e tornei-me sargento de milícias. Sendo assim, sou a mais concreta prova de que todas as pessoas, por mais que pareçam perdidas e incorretas, podem mudar e passar para o lado da ordem. O próprio Sr. Juiz, Major Vidigal, afirmou sobre mim: “Ora, gastar meu tempo nesta vida, gastar os meus miolos a pensar nos meios de dar caça a quanto vagabundo gira por esta cidade, conseguir, à custa de muitos dias de fadiga, de muitas noites passadas sem pregar olho, de muita carreira, de muito trabalho, fazer-me temido, respeitado por aqueles que a ninguém temem e respeitam, os vadios e peraltas; e agora no fim de contas vir um mequetrefezinho pôr-me sal na moleira, envergonhar-me diante destes soldados e de toda esta gente! Agora, não há garoto por aí que, sabendo disto, não se esteja a rir de mim, e não conte já com a possibilidade de me pregar um segundo mono como este!...”. *6 , percebendo que eu me endireitei. Agora pergunto aos senhores, por que não poderia o Sr. José Dias ter se endireitado ao entrar para a família Santiago, realmente se arrependendo de sua mentira sobre o fato de ser médico e passando a desejar somente o bem dos membros dessa família que o acolheu? Ou seja, não querendo separar ninguém, apenas alertando, como amigo, Bento de uma possível relação entre Escobar e Capitu? 2ª testemunha (Capitu): Discordo do Sr. Leonardo... a meu ver, o réu, como foi dito pelas outras pessoas aqui presentes, pretendia a todo custo melhorar sua posição social e viu em Bento uma ótima forma de ascender. Dessa forma, tornou-se capaz de tudo, iniciando assim o processo de colocar Bento contra mim, o que acabou levando à nossa separação. Ao perceber minha importância e influência na vida de Bento, José Dias logo me viu como sua inimiga e tratou de me tirar da vida do menino. Desde pequenos, eu e Bento éramos muito unidos e José Dias, a fim de nos separar, começou a criar um ciúme, que mais tarde se tornou doentio, na cabeça de Bentinho. O réu colocava a criança contra mim de diversas formas, desde falando mal de meus pais até mesmo enxergando maldade em meu inocente olhar. José Dias era capaz de enxergar em uma prova de amor adolescente, como o escrito de dois nomes apaixonados em um muro, uma armação engenhosa e, com isso, ia construindo, aos poucos, na mente de Bento, uma falsa imagem de mim, a de que eu seria uma mulher calculista, meticulosa e aproveitadora, pelo fato de minha família pertencer a uma classe social mais baixa. Ou seja, a fim de disfarçar possíveis suspeitas, o réu colocava Bento contra mim me acusando de ser uma parasita social. Sobre mim e minha família, José Dias certa vez afirmou para Bento, em uma conversa: “— Não é bonito que você ande com o Pádua na rua. — Mas eu andei algumas vezes... — Quando era mais jovem; em criança, era natural, ele podia passar por criado. Mas você está ficando moço e ele vai tomando confiança. D. Glória, afinal, não pode gostar disso. A gente Pádua não é de todo má. Capitu, apesar daqueles olhos que o Diabo lhe deu... Você já reparou nos olhos dela? São assim de cigana oblíqua e dissimulada. Pois, apesar deles, poderia passar, se não fosse a vaidade e a adulação. Oh! a adulação! D. Fortunata merece estima, e ele não nego que seja honesto, tem um bom emprego, possui a casa em que mora, mas honestidade e estima não bastam, e as outras qualidades perdem muito de valor com as más companhias em que ele anda. Pádua tem uma tendência para gente reles. Em lhe cheirando a homem chulo é com ele.” *7 Como os senhores puderam ver por esse episódio, o réu é uma pessoa extremamente maldosa e que, por meio de pequenos comentários, ia, dia-a-dia, construindo essa imagem negativa de mim para Bento. Dessa forma, é perfeitamente possível, aceitável e provável que José Dias seja o responsável por causar o ciúme de Bento que, ao se tornar obsessivo, levou à nossa separação. Juiz: Este tribunal chama agora o réu, José Dias, para se defender das acusações. Réu (José Dias): Caríssimos senhores, cá estou para defender-me dessas gravíssimas e infames acusações à minha pessoa, as quais fui submetido durante este importantíssimo julgamento. Ao chegar à fazenda de Itaguaí realmente me fingi de médico homeopata, no entanto, não fiz isso por mal. “Eu era um charlatão... Não neguei; os motivos do meu procedimento podiam ser e eram dignos; a homeopatia é a verdade, e, para servir à verdade, menti; mas é tempo de restabelecer tudo”. *8 Dessa forma, como defendi a verdade, fui recompensado por Deus, com a família Santiago me perdoando da farsa, me acolhendo e me recebendo de forma carinhosíssima. Por saber que isso foi dádiva de Deus, que está cima de tudo, aceitei ficar lá e, mesmo com a morte do Sr. Santiago, fiquei na fazenda, a pedido de D. Glória que me falou, quando eu decidi ir embora: “—Fique, José Dias. —Obedeço, minha senhora”. *9 Desde então, fui me tornando cada vez mais amigo da família, e não sou um parasita social como afirmaram anteriormente. É importantíssimo destacar um comentário que Bento certa vez fez sobre mim: “com o tempo, adquiriu certa autoridade na família, certa audiência, ao menos; não abusava, e sabia opinar obedecendo. Ao cabo, era amigo (...), a roupa durava-lhe muito; ao contrário das pessoas que enxovalham depressa o vestido novo, ele trazia o velho escovado e liso, cerzido, abotoado, de uma elegância pobre e modesta. Era lido, posto que de atropelo, o bastante para divertir ao serão e à sobremesa, ou explicar algum fenômeno, falar dos efeitos do calor e do frio, dos pólos e de Robespierre. Contava muita vez uma viagem que fizera à Europa, e confessava que a não sermos nós, já teria voltado para lá; tinha amigos em Lisboa, mas a nossa família, dizia ele, abaixo de Deus, era tudo”. *10 Após contar esse episódio, peço ao juiz que chame meus advogados de defesa. Juiz: Este tribunal chama agora o Sr. Quincas Borba, advogado de defesa do réu. Advogado de Defesa (Quincas Borba): como defendo em minha tese, o Humanitismo, os mais fortes vencem, portanto, afirmo que entre Capitu e José Dias, minha teoria se confirma. Isso se comprova, pois o réu, por ser mais forte, venceu e continuou ao lado de Bento, enquanto Capitu, uma simples moça boba e ingênua, por ser mais fraca, perdeu o seu lugar. Dessa forma, José Dias não é responsável pela separação do casal, apenas falava, como amigo e conselheiro, suas opiniões e impressões a respeito de Capitu, impressões que, por sua vez, foram comprovadas por Bento, confirmando a fraqueza da menina. O agregado não tinha más intenções em seus comentários sobre os Pádua e sobre a menina Capitu, sendo apenas um pobre querendo servir aos ricos, e enxergando seu papel e seu lugar na sociedade. O réu não se trata, portanto, de um parasita social, como afirmado pelos senhores que aqui o acusaram. Outro ponto de minha tese que inocenta o réu é o determinismo: o fato de os seres humanos serem fruto do meio em que vivem e de, por isso, permanecerem sempre como são. Sendo assim, José Dias, que nasceu pobre, morrerá pobre, faça o que fizer, e afirmo que o réu, por ter consciência desse fato, não pretendia, por saber que isto era impossível, ascender socialmente. Ou seja, não tomou nenhuma atitude ou fez alguma afirmação pensando em seu próprio bem ou na ascensão social. Sendo, portanto, inocente e não tendo participação alguma na separação de Bento e Capitu. Juiz: Passo agora a palavra para o segundo advogado de defesa, Sr. Bento Santiago. Segundo Advogado de Defesa (Bento): venho aqui defender o agregado de minha família e meu amigo, o réu, José Dias. As afirmações feitas pela acusação não são verdadeiras, o réu não é um parasita social cujo principal objetivo na vida é ascender às minhas custas. Apesar de ter chego à fazenda mentindo, pediu desculpas e foi perdoado por meu pai, tendo sido pedido pela minha mãe para que lá permanecesse. Desde então, tornou-se meu amigo e confidente e era tão de confiança que até meu tio, Cosme, lhe entregava seus autos para que deles cuidasse. Por ser muito crítico, José Dias falava muito de Capitu, no entanto, afirmo que seus comentários pouco me influenciavam e, além disso, eu era um menino quando o réu me falava sobre Capitu, e nossa separação ocorreu quando já éramos dois adultos. Dessa forma, afirmo que José Dias é inocente, pois suas impressões sobre Capitu foram confirmadas na prática, ao longo dos anos que passei como seu marido, e até mesmo por meio de Ezequiel, do qual desconfio até hoje de ser filho dela com Escobar, por trazer diversos traços parecidos com os de seu suposto pai. Além disso, o réu é de minha extrema confiança, tendo eu certeza de que seria incapaz de ser um interesseiro, já que ele “tratava-me com extremos de mãe e atenções de servo. Cuidava dos meus arranjos em casa, dos meus livros, dos meus sapatos, da minha higiene e da minha prosódia. Aos oito anos os meus plurais careciam, alguma vez, da desinência exata, ele a corrigia, meio sério para dar autoridade à lição, meio risonho para obter o perdão da emenda Ajudava assim o mestre de primeiras letras. Mais tarde, quando o Padre Cabral me ensinava latim, doutrina e história sagrada, ele assistia às lições, fazia reflexões eclesiásticas, e, no fim, perguntava ao padre: "Não é verdade que o nosso jovem amigo caminha depressa?" Chamava-me "um prodígio"; dizia a minha mãe ter conhecido outrora meninos muito inteligentes, mas que eu excedia a todos esses”. *11 Juiz: Este tribunal entra agora em recesso para que o júri tome uma decisão sobre o veredicto final. Júri: Levando em conta nossas informações sobre as testemunhas aqui presentes, o sr. Promotor, os advogados de defesa e acusação, a galeria e o juiz, declaramos esse julgamento inválido. Essa decisão foi tomada em conjunto pelo júri e baseada nos fatos de que o Sr. Juiz, Major Vidigal, “era o rei absoluto, o árbitro supremo de tudo que dizia respeito a esse ramo de administração; era o juiz que julgava e distribuía a pena, e ao mesmo tempo o guarda que dava caça aos criminosos; nas causas da sua imensa alçada não haviam testemunhas, nem provas, nem razões, nem processo; ele resumia tudo em si; a sua justiça era infalível; não havia apelação das sentenças que dava, fazia o que queria, e ninguém lhe tomava contas. Exercia enfim uma espécie de inquirição policial”. *12 Sendo assim, o juiz não tem condições de fazer um julgamento coerente sobre a causa, por oscilar permanentemente entre a ordem e a desordem, portanto, esse júri declara o julgamento inválido e encerrado, sem um veredicto final. Trechos Usados na Composição do Julgamento: *1: trecho extraído da obra “Memórias Póstumas de Brás Cubas” de Machado de Assis. Editora L & P M Pocket, cap. 4, pág. 20. *2: trecho extraído da obra “Dom Casmurro”, de Machado de Assis. Editora FTD, cap. 4, pág. 22. *3: trecho extraído da obra “Dom Casmurro”, de Machado de Assis. Editora FTD, cap. 21, pág. 49. *4: trecho extraído da obra “Dom Casmurro”, de Machado de Assis. Editora FTD, cap. 78, pág. 127. *5: trecho extraído da obra “Dom Casmurro”, de Machado de Assis. Editora FTD, cap. 61 e 62, pág. 108. *6: trecho extraído da obra “Memórias de Um Sargento de Milícias”, de Manuel Antônio de Almeida. Editora L & PM Pocket, cap. 37, pág. 155. *7: trecho extraído da obra “Dom Casmurro”, de Machado de Assis. Editora Martin Clarete, cap. 25, pág. 55 e 56. *8: trecho extraído da obra “Dom Casmurro”, de Machado de Assis. Editora FTD, cap. 5, pág. 23. *9: trecho extraído da obra “Dom Casmurro”, de Machado de Assis. Editora Martin Clarete, cap. 5, pág. 25. *10: trecho extraído da obra “Dom Casmurro”, de Machado de Assis. Editora Martin Clarete, cap. 5, pág. 25. *11: trecho extraído da obra “Dom Casmurro”, de Machado de Assis. Editora FTD, cap. 24, pág. 51. *12: trecho extraído da obra “Memórias de Um Sargento de Milícias”, de Manuel Antônio de Almeida. Editora Martins Fontes, cap. 5, Tombo I, pág. 27.