Braz. J. Food Technol., v. 11, n. 4, p. 322-328, out./dez. 2008 Atividade antimicrobiana de Lactococcus lactis subsp. lactis ATCC 11454 produtor de nisina sobre patógenos gram-positivos Antimicrobial activity of nisin-producing Lactococcus lactis subsp. lactis ATCC 11454 on gram-positive pathogens Autores | Authors Maristela da Silva do NASCIMENTO Instituto de Tecnologia de Alimentos (ITAL) Centro de Ciência e Qualidade de Alimentos Laboratório de Microbiologia Av. Brasil, 2880, Jd. Chapadão CEP: 13070-178 Campinas/SP - Brasil e-mail: [email protected] Danilo Pires FINATTI Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP) Faculdade de Engenharia de Alimentos (FEA) Departamento de Tecnologia de Alimentos e-mail: [email protected] Izildinha MORENO Instituto de Tecnologia de Alimentos (ITAL) Centro de Pesquisa e Desenvolvimento de Laticínios e-mail: [email protected] Arnaldo Yoshiteru KUAYE Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP) Faculdade de Engenharia de Alimentos (FEA) Departamento de Tecnologia de Alimentos e-mail: [email protected] Autor Correspondente | Corresponding Author Recebido | Received: 11/10/2007 Aprovado | Approved: 21/09/2008 Resumo Neste trabalho foi determinado o espectro de ação antimicrobiana da bacteriocina produzida por Lactococcus lactis subsp. lactis ATCC 11454 sobre diferentes cepas de Bacillus cereus, Listeria monocytogenes e Staphylococcus aureus. Também foi avaliada a influência do meio de cultura na produção desta bacteriocina. Além disso, a atividade antimicrobiana da cultura bacteriocinogênica foi comparada à do fermento láctico comercial tipo O em leite. A bacteriocina foi capaz de inibir 100% das cepas de Listeria monocytogenes (200 a 400 UA.mL–1) e de S. aureus (150 a 200 UA.mL–1), contudo, apenas 10 (40%) das 25 cepas de B. cereus apresentaram sensibilidade (100 e 200 UA.mL–1). A atividade de bacteriocina em leite foi 50% menor que a observada em caldo MRS. Lc. lactis subsp. lactis ATCC 11454 promoveu redução da velocidade de crescimento dos três patógenos durante as primeiras 12 h de co-cultivo em leite. Porém, o efeito antimicrobiano apresentado pelo fermento láctico comercial foi significativamente superior, com reduções de B. cereus e L. monocytogenes para níveis abaixo dos limites de detecção e redução de S. aureus de 2,61 log UFC.mL–1 após 48 h de incubação. Portanto, a eficiência da atividade antimicrobiana desta bacteriocina está estreitamente relacionada à espécie e cepa do microrganismo alvo e ao meio de cultivo. Além disso, o maior efeito antimicrobiano apresentado pelo fermento láctico em relação à cultura produtora de nisina está principalmente relacionado a sua capacidade acidificante. Palavras-chave: Bacteriocina; Bioconservação; Cultura láctica; Leite. Summary In this work the antimicrobial spectrum of the bacteriocin produced by Lactococcus lactis subsp. lactis ATCC 11454 on different Bacillus cereus, Listeria monocytogenes and Staphylococcus aureus strains, was determined. The influence of the culture media on the production of this bacteriocin was also evaluated. In addition, the antimicrobial activity of the bacteriocinogenic culture was evaluated as compared to the type O commercial starter culture in milk. The bacteriocin was capable of inhibiting 100% of the Listeria monocytogenes strains (200 to 400 AU.mL–1) and S. aureus strains (150 to 200 AU.mL–1). However, only 10 (40%) of the 25 B. cereus strains showed sensibility (100 to 200 AU.mL–1). In milk the bacteriocin activity was 50% lower than that observed in MRS broth. Lc. lactis subsp. lactis ATCC 11454 caused a reduction in the speed of growth of the three pathogens during the first 12 h of co-cultivation in milk. However, the antimicrobial effect shown by the commercial starter culture was better, with reductions in the B. cereus and L. monocytogenes counts to below the detection limits and in the S. aureus count of 2.61 log CFU.mL–1 after 48 h of incubation. Thus, the efficiency of the antimicrobial activity of this bacteriocin was closely related to the target microorganism and to the culture media. Furthermore, the greatest antimicrobial effect shown by the starter culture in relation to the bacteriocin-producing culture was mainly related to its acidifier capacity. Key words: Bacteriocin; Bioconservation; Latic culture; Milk. www.ital.sp.gov.br/bj Atividade antimicrobiana de Lactococcus lactis subsp. lactis ATCC 11454 produtor de nisina sobre patógenos gram-positivos NASCIMENTO, M. S. et al. 1 Introdução O risco potencial da presença de patógenos em produtos lácteos é uma preocupação constante na área de segurança alimentar, tanto do setor industrial quanto dos órgãos governamentais. Alguns surtos de doenças transmitidas por alimentos (DTAs) têm sido relacionados ao consumo destes produtos (MEAD et al., 1999; CARMO, 2004). Embora a maioria destes surtos esteja vinculada ao consumo de produtos processados a partir de leite cru (DE BUYSER et al., 2001; CDC, 2001), a contaminação pós-processamento é um fator importante, sendo considerada uma etapa de risco para produtos lácteos. As bactérias lácticas empregadas na fermentação de alimentos são capazes de inibir ou reduzir a contaminação por microrganismos deteriorantes e/ou patogênicos, por meio da produção de vários agentes antimicrobianos (MAGRO et al., 2000). A acidificação é, provavelmente, o fator mais importante na preservação de produtos de fermentação láctica. Entretanto, outros compostos como diacetil, dióxido de carbono, peróxido, etanol e bacteriocinas podem exercer ação inibitória sobre diferentes grupos de microrganismos (HELANDER et al., 1997; HOLZAPFEL et al., 1995). Dentre todas as bacteriocinas conhecidas, a mais utilizada é a nisina, produzida por inúmeras linhagens de Lactococcus lactis subsp. lactis e estudada há mais de 50 anos. É considerada uma substância segura e não tóxica, sua DL 50 é similar à do cloreto de sódio, 3.330.000 UI.kg–1 (FRAZER et al., 1962). Esta bacteriocina tem sido empregada em larga escala na indústria de alimentos de vários países como agente antimicrobiano em queijos e ovo líquido, além de molhos e alimentos enlatados (CHEN e HOOVER, 2003). Ademais, apresenta amplo espectro antimicrobiano com ação sobre L. monocytogenes, S. aureus, B. cereus, além de diferentes espécies de bactérias lácticas (BENKERROUM et al., 2002; RILLA et al., 2004). No sentido de aumentar a qualidade e segurança de alimentos fermentados, o uso de bactérias lácticas produtoras de bacteriocinas, como culturas adjuntas ou como fermentos lácticos, tem sido estudado (MARTINEZ et al., 2005; MATTILA et al., 2003). O objetivo deste trabalho foi determinar o espectro de ação antimicrobiano de nisina produzida por Lc. lactis subsp. lactis ATCC 11454 sobre diferentes linhagens de B. cereus, L. monocytogenes e S. aureus. Também foi avaliar a influência do meio de cultivo na produção desta bacteriocina, além de avaliar comparativamente o efeito antimicrobiano da cultura bacteriocinogênica e do fermento láctico comercial tipo O sobre esses patógenos durante desenvolvimento associativo em leite. Braz. J. Food Technol., v. 11, n. 4, p. 322-328, out./dez. 2008 2 Material e métodos 2.1 Culturas microbianas Lc. lactis subsp. lactis ATCC 11454, produtora de nisina, foi adquirida na coleção de culturas do BCCM-LMG (Gent, Bélgica). O fermento láctico comercial utilizado foi mesofílico tipo O, constituído por diferentes linhagens de Lc. lactis subsp. lactis e Lc. lactis subsp. cremoris. Os microrganismos patogênicos foram fornecidos pelo Banco de Culturas do Laboratório de Higiene (FEA-UNICAMP, Campinas, SP) e pela Coleção de Culturas da Fundação Oswaldo Cruz (FIOCRUZ, Rio de Janeiro, RJ). Foram utilizadas 10 cepas de Listeria monocytogenes, 5 de Staphylococcus aureus e 25 de Bacillus cereus, isoladas de diferentes tipos de alimentos e de amostras clínicas. Para a realização dos testes, todas as culturas foram propagadas duas vezes em meio de cultivo adequado para cada espécie. 2.2 Determinação do espectro de ação antimicrobiano O espectro de ação antimicrobiano foi determinado pelo método de diluição crítica adaptado de Mayr-Harting et al. (1972). Após 12 a 18 h de cultivo em caldo MRS (Difco, Sparks, EUA) a 30 °C, a cultura foi centrifugada a 7.500 x g por 15 min a 4 °C (Centrifuga J2-21 Beckman, Palo Alto, EUA), em seguida, o pH do sobrenadante foi corrigido para 6,5 com NaOH 1 N (Merck, Darmstadt, Alemanha). Este foi esterilizado por filtração em membrana filtrante 0,22 µm (Millipore, Carrigtwohill, Irlanda) (MORENO, 1995) e diluído sucessivamente na proporção de 1:2 em solução tampão fosfato de sódio 10 mM a pH 7,0 (Merck), utilizando placas de microtitulação. Então, 10 µl de cada diluição foi depositada sobre placas contendo ágar tripticase de soja (TSA, Difco) semi-sólido (0,9% ágar), previamente inoculado com 1% (106-107 UFC.mL–1) das culturas de S. aureus e B. cereus e sobre placas contendo ágar tripticase de soja, suplementado com extrato de levedura (TSA-YE, Difco) semi-sólido (0,9% ágar), previamente inoculado com 1% (106-107 UFC.mL–1) das culturas de L. monocytogenes. As placas foram incubadas a 35 °C por 24 h e o título de bacteriocina, expresso em unidade arbitrária de bacteriocina por mililitro (UA.mL –1), foi definido como a recíproca da maior diluição que apresentou halo de inibição, multiplicada por 100. Os experimentos foram realizados em duplicata. 2.3 Produção de bacteriocina por Lc. lactis subsp. lactis ATCC 11454 em caldo MRS e em LDR 10% Um mililitro (1 mL) da suspensão celular da cultura bacteriocinogênica (10 5-10 6 UFC.mL –1) foi inoculado em 300 mL de caldo MRS (Difco) e em 300 mL de leite desnatado reconstituído (LDR) a 10% (Molico, Nestlé 323 www.ital.sp.gov.br/bj Atividade antimicrobiana de Lactococcus lactis subsp. lactis ATCC 11454 produtor de nisina sobre patógenos gram-positivos NASCIMENTO, M. S. et al. Brasil, Araçatuba, SP); incubando-se a 30 °C. Em intervalos regulares de 3 h, durante as primeiras 12 h e após 24 e 48 h, foram retiradas alíquotas de 10 mL que foram submetidas a plaqueamento em superfície em ágar M17 (Difco), com incubação a 30 °C por 48 h. O pH do leite foi determinado com o auxílio de pHmetro (Hanna Instruments HI 9110, Singapura). A produção de bacteriocina foi determinada através do método de diluição crítica, adaptado de Mayr-Harting et al. (1972), conforme descrito no item 2.2, utilizando-se L. monocytogenes Scott A como microrganismo indicador. Os experimentos foram realizados em duplicata. 2.4 Desenvolvimento associativo em leite de Lc. lactis subsp. lactis ATCC 11454 e fermento láctico tipo O com patógenos gram-positivos Em 200 mL de LDR 10%, foi inoculado 0,5% (1 mL) da cultura produtora de bacteriocina ou do fermento láctico comercial tipo O (10 6-107 UFC.mL–1). Em seguida, B. cereus K1-B041, S. aureus ATCC 27154 e L. monocytogenes Scott A foram inoculados separadamente na concentração de aproximadamente 102 UFC.mL–1. Foram utilizadas como controle amostras de leite inoculadas apenas com as espécies patogênicas. Foram coletadas amostras após 0, 3, 6, 9, 12, 24 e 48 h de incubação a 30 °C. Para a contagem dos patógenos, foi utilizado ágar Oxford modificado (Difco) para L. monocytogenes, ágar Baird-Parker (Difco) para S. aureus, ambos incubados a 35 °C por 48 h e ágar Manitol Polimixina Gema de Ovo (MYP, Difco) para B. cereus, com incubação a 30 °C por 24 h. O pH de cada amostra foi determinado após todas as coletas, utilizando pHmetro (Hanna Instruments HI 9110). A atividade de bacteriocina sobre os três patógenos foi determinada pelo método de diluição crítica, conforme descrito no item 2.2. Os experimentos foram realizados em duplicata. 3 Resultados e discussão 3.1 Espectro de ação antimicrobiano Baseado nos resultados apresentados na Tabela 1, pode-se observar que o espectro de ação antimicrobiano da bacteriocina produzida por Lc. lactis subsp. lactis ATCC 11454 depende da espécie e cepa do microrganismo alvo, sendo que 100% das cepas de L. monocytogenes e S. aureus avaliadas apresentaram sensibilidade à bacteriocina, com atividade entre 200 e 400 UA.mL –1 e entre 150 a 200 UA.mL –1, respectivamente. Enquanto que, apenas 10 (40%) das 25 cepas de B. cereus avaliadas foram sensíveis à bacteriocina (100 a 200 UA.mL–1). A sensibilidade destes patógenos a Lc. lactis subsp. lactis e a suas bacteriocinas já havia sido relatada em alguns estudos (BENKERROUM et al., 2002; ELOTMANI et al., 2002; RILLA et al., 2004). 3.2 Produção de bacteriocina em caldo MRS e em LDR 10% A Figura 1 apresenta as curvas de crescimento, de variação do pH e de atividade de nisina produzida por Lc. lactis subsp. lactis ATCC 11454 em caldo MRS e em LDR 10% durante 48 h a 30 °C. Em caldo MRS, Lc. lactis subsp. lactis ATCC 11454 atingiu população máxima (8,98 log UFC.mL–1) após 12 h, mantendo-se em fase estacionária até 48 h de incubação. O ∆pH, variação entre o pH inicial (0 h) e final (48 h) do meio de cultivo, foi de –1,8. A maior atividade de bacteriocina (200 UA.mL–1), utilizando L. monocytogenes Scott A como microrganismo indicador, foi observada após 12 h, com redução de 50% (100 UA.mL–1) após 24 h e ausência de atividade após 48 h (Figura 1a). Em LDR 10%, Lc. lactis subsp. lactis ATCC 11454 apresentou população máxima após 9 h (8,54 log UFC.mL–1), mantendo-se praticamente constante até 48 h. O pH do leite apresentou um pequeno decréscimo, de aproximadamente 0,6, durante todo o período de incubação. A produção de bacte- Tabela 1. Espectro de ação antimicrobiano da nisina produzida por Lc. lactis subsp. lactis ATCC 11454. Microrganismo Cepa Atividade inibitória alvo (UA.mL–1)* Listeria monocytogenes IOC1 1527, ATCC2 7644 400 IOC 1324, IOC 1359, IOC 1551, IOC 1630, IOC 1898, ATCC 19111, ATCC 200 19115, SCOTT A Staphylococcus aureus ATCC 27154, ATCC 27664 200 ATCC 8095, ATCC 13565, ATCC 19095 150 Bacillus cereus K13- B010, K1-B040, K1-041 200 ATCC 14579, K1-B016, K1-B020, K1-B021, K1-B025, K1-B048, K1-B050 100 K1-B037, K1-B043, K1-B069, K1-B070, K1-B071, K1-B072, K1-B074, K1-B097, ND4 K1-B098, K1-B128, K1-B129, K1-B130, K1-B131, K1-B132, K1-B146 * Unidade arbitrária de bacteriocina por mililitro (UA.mL–1) = recíproca da maior diluição que apresentou halo de inibição multiplicada por 100; 1 IOC: Instituto Oswaldo Cruz (Rio de Janeiro, RJ); 2ATCC: American Type Culture Collection (Rockville, USA); 3K1: Faculdade de Engenharia de Alimentos, Universidade Estadual de Campinas (Campinas, SP); e 4Não detectado. Braz. J. Food Technol., v. 11, n. 4, p. 322-328, out./dez. 2008 324 www.ital.sp.gov.br/bj Atividade antimicrobiana de Lactococcus lactis subsp. lactis ATCC 11454 produtor de nisina sobre patógenos gram-positivos NASCIMENTO, M. S. et al. 3.3 Co-cultivo de patógenos gram-positivos com Lc. lactis subsp. lactis ATCC 11454 e fermento láctico tipo O em leite O uso de bacteriocinas ou culturas bacteriocinogênicas na biopreservação de alimentos pode ser considerado um obstáculo adicional ao desenvolvimento de microrganismos indesejáveis, contribuindo para o 10 500 8 400 7 300 6 200 5 4 100 3 0 12 24 Tempo (h) 36 600 b pH Log UFC.mL-1 500 7 400 6 300 5 200 4 100 3 0 12 24 Tempo (h) 36 Na Figura 2, são apresentados os resultados do crescimento de B. cereus K1-B041 em LDR 10% em cultivo puro e em co-cultivo com Lc. lactis subsp. lactis ATCC 11454 e com o fermento láctico tipo O. Na amostra controle, o patógeno foi inoculado na proporção de 1,65 log UFC.mL–1, alcançando contagem média de 8,37 log UFC.mL–1 após 48 h de incubação a 30 °C. No ensaio de desenvolvimento associativo com Lc. lactis subsp. lactis ATCC 11454, no período de 6 a 12 h, B. cereus apresentou contagens microbianas entre 1,04 e 1,94 log UFC.mL–1 menores que o da amostra controle. Porém, após 12 h, não foi mais observada influência de Lc. lactis subsp. lactis sobre o desenvolvimento do patógeno, que atingiu contagem de 8,58 log UFC.mL–1 após 24 h, permanecendo semelhante à contagem apresentada pela amostra controle até o final do período de incubação (48 h). Esta ação exercida sobre B. cereus entre 6 e 12 h, em que se notou menor velocidade de crescimento (µ) e, conseqüentemente, aumento do tempo de duração da fase logarítmica de 9 para 24 h em relação à amostra controle, não pode ser atribuída à ação do pH, uma vez que a curva de acidificação da amostra mista 48 9 8 3.3.1 Bacillus cereus K1-B041 48 0 Figura 1. Crescimento de Lc. lactis subsp. lactis ATCC 11454 em caldo MRS a) e em LDR 10% b). Crescimento (▲), atividade de bacteriocina sobre L. monocytogenes Scott A, (■) variação do pH (♦). Braz. J. Food Technol., v. 11, n. 4, p. 322-328, out./dez. 2008 Log UFC.mL-1 0 Atividade (UA.mL-1) pH Log UFC.mL-1 9 Atividade (UA.mL-1) 600 a aumento da segurança microbiológica e reduzindo o risco de desenvolvimento de alguns deteriorantes. Entretanto, muitas espécies apresentam variações na susceptibilidade e na capacidade de desenvolvimento de resistência às bacteriocinas. Visando verificar a viabilidade de emprego de Lc. lactis subsp. lactis ATCC 11454 como cultura protetora em derivados lácteos, foi realizada uma avaliação comparativa de seu efeito antimicrobiano e do fermento láctico tipo O sobre os principais patógenos gram-positivos veiculados por estes alimentos. 10,0 7,0 8,0 6,5 6,0 6,0 5,5 4,0 pH riocina foi observada somente após 6 h de incubação, com atividade de 100 UA.mL–1 e, após este período, não foi mais detectada (Figura 1b). Moreno (1995) também verificou menor produção de bacteriocina por Lc. lactis subsp. lactis ATCC 11454 em LDR 10% (1.600 UA.mL–1) quando comparado ao caldo APT (6.400 UA.mL –1). A menor atividade de bacteriocina observada em LDR 10% comparativamente ao caldo pode estar relacionada à adsorção dessas moléculas aos componentes do leite (AASEN et al., 2003) ou então às células produtoras (YANG et al., 1992). Em ambos os meios, a produção de bacteriocina foi detectada no final da fase logarítmica, condizendo com Benkerroum et al. (2002). Elotmani et al. (2002) relataram máxima produção de nisina pela cultura no final da fase exponencial em meio de cultivo, porém, em leite UHT a maior atividade foi observada durante a fase estacionária. 5,0 2,0 4,5 0,0 0 12 24 36 4,0 48 Tempo (h) Figura 2. Desenvolvimento associativo de B. cereus K1-B041 com Lc. lactis subsp. lactis ATCC 11454 e fermento láctico em leite desnatado por 48 h a 30 °C. Contagem microbiana (―), variação do pH do leite (- - -), B. cereus K1-B041 em cultivo puro (♦), durante co-cultivo com Lc. lactis subsp. lactis ATCC 11454 (▲) e com o fermento láctico tipo O(■). 325 www.ital.sp.gov.br/bj Atividade antimicrobiana de Lactococcus lactis subsp. lactis ATCC 11454 produtor de nisina sobre patógenos gram-positivos NASCIMENTO, M. S. et al. foi semelhante à da amostra contendo apenas B. cereus. Como não foi detectada atividade de bacteriocina sobre o patógeno, sua inibição poderia estar relacionada à competição por nutrientes durante o co-cultivo. Resultados semelhantes aos obtidos neste estudo foram relatados por Olasupo et al. (1999) que, ao utilizarem uma linhagem de Lc. lactis subps. lactis produtora de nisina, observaram inibição do desenvolvimento de B. cereus DSM 2301 por 12 h. Rossland et al. (2003), por sua vez, não detectaram B. cereus NVH 45 nas amostras de leite contendo Lc. lactis subsp. lactis ML 8 ou lac 952 após 24 h de incubação a 30 °C. resultou em uma redução da velocidade de desenvolvimento do patógeno e aumento do tempo de duração da fase logarítmica de 9 para 24 h. Contudo, não impediu que este atingisse contagens superiores a 8,00 log UFC.mL–1 após 24 h. Conforme ocorrido com B. cereus, também não foi detectada atividade de bacteriocina sobre S. aureus durante todo o período de incubação. Rilla et al. (2004) analisaram a ação de Lc. lactis subsp. lactis IPLA 729 sobre S. aureus CECT 4013 inoculado a 1,8 x 104 (A) e a 7,2 x 106 UFC.mL–1 (B). Após 24 h de incubação, não detectaram S. aureus na amostra A e a amostra B apresentou contagem de 5,0 x 104 UFC.mL–1. Quando o fermento láctico foi empregado em associação ao B. cereus, foi observado, após 24 h, redução nas contagens do patógeno acima de 6,00 log UFC.mL–1 em relação à amostra controle, permanecendo abaixo do limite de detecção (<1,00 log UFC.mL–1) após 48 h. Esta forte ação antimicrobiana foi observada após redução do pH para índices abaixo de 4,4. De acordo com Wong e Chen (1988), o desenvolvimento de B. cereus fica prejudicado quando o pH do meio de cultivo é inferior a 5,0. Segundo Rossland et al. (2003), um rápido decréscimo do pH durante o início da fase logarítmica estaria fortemente relacionado à inibição do patógeno. Durante o desenvolvimento associativo com o fermento láctico, a população de S. aureus não ultrapassou 6,7 log UFC.mL–1 ao longo das 48 h de incubação, com reduções de até 2,6 log UFC.mL –1 em relação à amostra controle. Segundo Rilla et al. (2004), o pH parece não exercer efeito predominante sobre o desenvolvimento deste patógeno durante curtos períodos de incubação. Portanto, a ação inibitória promovida pelo fermento láctico tipo O sobre S. aureus ATCC 27154 poderia estar relacionada a algum composto antimicrobiano produzido por ele e não pela cultura bacteriocinogênica ou, então, à competição por nutrientes do meio durante o co-cultivo. 3.3.2 Staphylococcus aureus ATCC 27154 3.3.3 Listeria monocytogenes Scott A A Figura 3 mostra os resultados do desenvolvimento associativo em LDR 10% de S. aureus ATCC 27154 com a cultura produtora de nisina e com o fermento láctico tipo O. A amostra controle, inicialmente inoculada com 2,79 log UFC.mL–1 de S. aureus, apresentou população de 8,80 log UFC.mL–1 após 24 h de incubação a 30 °C. O efeito inibitório exercido por Lc. lactis subsp. lactis ATCC 11454 sobre S. aureus entre 6 e 12 h de incubação Na Figura 4, estão apresentadas as contagens microbianas de L. monocytogenes Scott A durante o desenvolvimento associativo em LDR 10% com Lc. lactis subsp. lactis ATCC 11454 e com o fermento láctico tipo O. A amostra controle inicialmente inoculada com 2,63 log UFC.mL–1, após 48 h de incubação a 30 °C, atingiu 7,26 log UFC.mL–1. A cultura bacteriocinogênica, mesmo tendo apresentado atividade de bacteriocina 7,0 5,5 4,0 5,0 2,0 0,0 pH Log UFC.mL-1 6,0 6,0 4,5 0 12 24 36 48 4,0 Log UFC.mL-1 6,5 8,0 10,0 7,0 8,0 6,5 6,0 6,0 5,5 4,0 pH 10,0 5,0 2,0 4,5 0,0 0 12 24 36 4,0 48 Tempo (h) Tempo (h) Figura 3. Desenvolvimento associativo de S. aureus ATCC 27154 com Lc. lactis subsp. lactis ATCC 11454 e fermento láctico em leite desnatado por 48 h a 30 °C. Contagem microbiana (―), variação do pH do leite (- - -), S. aureus ATCC 27154 em cultivo puro (♦), durante co-cultivo com Lc. lactis subsp. lactis ATCC 11454 (▲) e com o fermento láctico tipo O(■). Figura 4. Desenvolvimento associativo de L. monocytogenes Scott A com Lc. lactis subsp. lactis ATCC 11454 e fermento láctico em leite desnatado por 48 h a 30 °C. Contagem microbiana (―), variação do pH do leite (- - -), L. monocytogenes Scott A em cultivo puro (♦), durante co-cultivo com Lc. lactis subsp. lactis ATCC 11454 (▲) e com o fermento láctico tipo O (■). Braz. J. Food Technol., v. 11, n. 4, p. 322-328, out./dez. 2008 326 www.ital.sp.gov.br/bj Atividade antimicrobiana de Lactococcus lactis subsp. lactis ATCC 11454 produtor de nisina sobre patógenos gram-positivos NASCIMENTO, M. S. et al. (100 UA.mL–1) apenas após 6 h, promoveu inibição semelhante à do fermento láctico durante as primeiras 12 h, com reduções de até 1,90 log UFC.mL–1. A forte ação antimicrobiana exercida pelo fermento sobre o patógeno após 12 h de co-cultivo pode ser atribuída a sua capacidade acidificante, uma vez que a inibição coincide com a redução do pH do leite para valores abaixo de 4,9. Segundo Elotmani et al. (2002), o efeito bacteriostático, promovido por uma linhagem de Lc. lactis subsp. lactis não produtora de bacteriocina sobre L. monocytogenes ATCC 15313, estaria relacionado à redução do pH do meio. 4 Conclusões Baseado nos resultados obtidos, pôde-se verificar que a eficiência da atividade antimicrobiana de Lc. lactis subsp. lactis ATCC 11454 está estreitamente relacionada ao meio de cultivo empregado e à espécie e cepa do microrganismo alvo. Durante o co-cultivo com patógenos gram-positivos, a cultura bacteriocinogênica promoveu redução inicial da velocidade de crescimento, porém não impediu o desenvolvimento deles. Além disso, o maior efeito antimicrobiano apresentado pelo fermento láctico em relação à cultura produtora de nisina está principalmente relacionado a sua capacidade acidificante. Agradecimentos À Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP) e ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) pelo apoio financeiro. Referências AASEN, I. M.; MARKUSSEN, S.; MORETRO, T.; KATLA, T.; AXELSSON, L.; NATERSTAD, K. Interactions of the bacteriocins sakacin P and nisin with food constituents. International Journal of Food Microbiology, Amsterdam, v. 87, n. 1, p. 35-43, 2003. BENKERROUM, N.; GHOUATI, Y.; GHALFI, H.; ELMEJDOUB, T.; ROBLAIN, D.; JACQUES, P.; THONART, P. 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