Um convite ao pensamento sobre vários ramos do Direito Contemporâneo Por Juliana Silva Todos os direitos reservados, conforme a Lei 9.605/98 1 SUMÁRIO APRESENTAÇÃO........................................................................................................3 PARTE I – Reflexões sobre Direito e Ciência..............................................................4 PARTE II – Direito, Corrupção e Sociedade .............................................................34 PARTE III – O Direito e os Problemas do Sistema Penal..........................................42 PARTE IV – Observações sobre temas de Direito Civil – Constitucional .................49 PARTE V – Direito, Meio Ambiente e Sociedade.......................................................55 PARTE VI – Breves Considerações finais: Direito e Sociedade................................64 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS..........................................................................66 2 APRESENTAÇÃO DA AUTORA E INTRODUÇÃO A ESTE TRABALHO Graduada em Direito pela Universidade de Brasília (UnB), Juliana Silva trabalha na área de Direito Civil e do Consumidor, e escreve sobre diferentes temas contemporâneos. Nascida no Distrito Federal, em 12/06/1984, tem participado de diferentes concursos literários, adquirindo seus primeiros êxitos em 1999, quando obteve a 1ª colocação no XXI Concurso Literário Juvenil da Biblioteca Demonstrativa de Brasília. Neste trabalho, especificamente, a autora expõe uma coletânea de artigos sobre diferentes ramos jurídicos, com o intuito de propiciar reflexões sobre temas atuais envolvendo Direito e sociedade. Em tal perspectiva, este livro é dividido em seis partes para fins de organização do pensamento. Na primeira, são expostos artigos que tratam da relação entre Direito e Ciência. Em seguida, são delineadas reflexões sobre Direito, Corrupção e Sociedade. Já na terceira parte deste trabalho, são enfatizados alguns problemas do sistema penal brasileiro da atualidade, com uma série de observações críticas. Na quarta parte, por sua vez, são expostas breves reflexões sobre temas de Direito Civil – Constitucional. Em seguida, são delineados artigos sobre Direito e Meio Ambiente no contexto do século XXI. A sexta parte, enfim, traz considerações gerais sobre a insegurança jurídica que tem sido vista no Brasil, suas consequências sócio-econômicas e desafios correlatos. 3 PARTE I – Reflexões sobre Direito e Ciência A RELAÇÃO ENTRE DIREITO, CIÊNCIA E OUTRAS FORMAS DE CONHECIMENTO Analisar a relação entre ciência, direito e outras formas de conhecimento significa, antes de tudo, perquirir os diversos debates históricos e atuais que têm sido realizados acerca dos vínculos entre tais ramos de estudo. É perceptível que, durante séculos, a ciência tem procurado se afirmar como saber preponderante, em detrimento de outras formas de explicação sobre o mundo. A fim de se demonstrar uma série de equívocos que permeiam tal ideia de “superioridade científica”, inclusive com repercussões no conceito que constantemente se impõe sobre a “ciência do direito”, far-se-á neste artigo uma breve abordagem dividida em quatro tópicos fundamentais. Preliminarmente, será ressaltado o problema da concepção do conhecimento científico como saber por excelência, nos moldes da teoria sustentada por diversos autores do positivismo clássico, entre os quais Auguste Comte. No âmbito desse primeiro tópico, é importante discutir uma série de fundamentos metodológicos com os quais muitos doutrinadores almejaram separar o que era ciência de especulações ditas pseudo-científicas. No segundo tópico, por sua vez, caberá esclarecer o conjunto de objetivos norteadores do positivismo jurídico, especialmente aquele ligado aos argumentos kelsenianos, no sentido de se erigir uma “ciência do direito”, 4 pretensamente racional e incólume a apreciações valorativas. Em prosseguimento a esse estudo, o terceiro tópico traz em seu bojo uma apreciação dos termos “direito” e “ciência” como variáveis axiológicas, destituídas de um significado neutro, exato e cosmopolita, a despeito das aspirações racionalistas e universalizantes de vários pensadores. O quarto tópico, por fim, refere-se à teoria anarquista do conhecimento de Feyerabend e à possibilidade de convivência não-hierárquica entre as diversas formas de saber. Em tal abordagem, impende aferir quais são as reais características de complementaridade entre as ciências, como um todo, e se, dessa forma, seria efetivamente infactível a tese segundo a qual existem conhecimentos incólumes a valores, crenças e constatações subjetivas. Assim, o presente artigo tem como escopo avaliar uma série de conceitos inerentes às ciências, em geral, e à dita “ciência do direito”, em particular, a fim de perquirir a consistência e a plausibilidade de tais conceitos. 1. O problema da conceituação do conhecimento científico como saber por excelência. Freqüentes associações entre ciência e razão, ciência e método ou entre ciência e técnica vêm constantemente imbricadas com uma certa pseudosuperioridade do conhecimento científico sobre os demais âmbitos do saber. De 5 fato, como salienta o autor Paul Feyerabend1, a convicção reiterada de que as áreas científicas do saber estariam acima das outras é repleta de equívocos, falhas e preconceitos. No contexto jurídico, mais especificamente, fala-se muito em “ciência do direito”, apesar de existirem ainda muitos questionamentos e críticas a respeito da real cientificidade dos sistemas normativos. A fim de se analisar sucintamente a relação verificada entre ciência, direito e outras formas de conhecimento, far-se-á uma breve abordagem acerca dos principais aspectos filosóficos que norteiam a separação entre os diversos modos de se entender o mundo. Preliminarmente, é fundamental perquirir quais são os elementos da ciência que a distinguem de outros ramos do saber. Nesse sentido, cumpre indagar: o que ontologicamente caracteriza a atividade científica ? Qual é a essência do saber científico a partir de uma perquirição filosófica ? Onde se encontra a linha demarcatória entre ciência e não-ciência ? Em relação a tais perguntas, o autor Imre Lakatos ressalta: O problema da demarcação das fronteiras entre ciência e pseudociência tem sérias implicações... para a institucionalização da crítica. A teoria de Copérnico foi proibida pela Igreja Católica em 1616 por ser considerada pseudocientífica. Em 1820, foi retirada do Index, porque àquela altura a Igreja acreditou que os fatos a haviam comprovado e, 1 - FEYERABEND, Paul. Against Method: Outline of an Anarchistic Theory of Knowledge. Londres: New Left Books, 1975. 6 portanto, ela se tornara científica. O Comitê Central do Partido Comunista Soviético, em 1949, declarou pseudo-científica a genética mendeliana e matou os que a defendiam em campos de concentração (..). Contudo, manteve-se o direito de o partido decidir o que é científico e publicável e o que é pseudocientífico e passível de punição (...). Todos esses julgamentos inevitavelmente baseavam-se em alguma espécie de critério de demarcação. Esta é a razão por que o problema dos limites entre a ciência e a pseudo-ciência não é um pseudo-problema de filósofos de poltrona: ele tem sérias implicações éticas e políticas. 2 Nessa mesma linha argumentativa de Lakatos, Alan Chalmers assevera: Paul Feyerabend é um dos filósofos mais lidos que (...) zomba dessas venerações de ciência. Segundo algumas de suas formulações mais radicais, as atitudes atuais em relação à ciência equivalem a nada menos do que uma ideologia representando um papel afim ao que desempenhou o cristianismo na sociedade ocidental (...). Feyerabend (1975) diz 2 – LAKATOS, I.mre. “Science and pseudo-science”. In : WORRAL, CURRIE, 1978, p. 6-7. 7 que a ciência moderna não tem características que a tornem superior e distinta do vodu ou da astrologia. 3 Pelo que se infere dos textos supracitados, a demarcação efetiva entre o que é e não é ciência está inequivocamente impregnada de questões políticas, éticas e ideológicas. Apesar da plausibilidade dessa constatação, diversos pensadores propuseram critérios para uma demarcação estanque da linha fronteiriça entre os modos de conhecimento. Nesse sentido, o positivismo científico forneceu bases para se identificar o que é ciência e para diferenciá-la de outros ramos do saber. Além disso, os positivistas concederam ao conhecimento científico um questionável status de “saber por excelência” , intrínseco ao estágio superior do progresso humano. Tal concepção se torna nítida por meio das seguintes idéias de Auguste Comte: Estudando (...) o desenvolvimento total da inteligência humana em suas diversas esferas de atividade, desde seu primeiro vôo mais simples até nossos dias, creio ter descoberto uma grande lei fundamental (...). Essa lei consiste em que (...) cada ramo de nossos conhecimentos, passa sucessivamente por três estágios históricos diferentes: estado teológico ou fictício, estado metafísico ou abstrato, estado científico ou positivo (...). No estado teológico, o espírito humano (...) apresenta os 3 – CHALMERS, Alan. A fabricação da ciência. Trad. de Beatriz Sidou. São Paulo: Fundação Editora da UNESP, 1994, p.13 - 37 . 8 fenômenos como produzidos pela ação direta e contínua de agentes sobrenaturais (...). No estado metafísico, os agentes sobrenaturais são substituídos por forças abstratas (...). Enfim, no estado positivo, o espírito humano (...) renuncia a procurar o destino do universo, para preocupar-se unicamente em descobrir, graças ao uso combinado do raciocínio e da observação, suas leis efetivas.4 Conforme a explanação anterior de Comte, vê-se claramente uma tentativa de hierarquização entre conhecimentos, de modo que o científico venha a preponderar sobre os demais. A referida lei dos três estágios explicita bem a idéia arraigada a muitos pensadores modernos, no sentido de que a ciência possui os métodos universais para se alcançar o verdadeiro saber. Segundo Comte e diversos outros positivistas, o conhecimento religioso ou mítico estaria muito aquém das possibilidades científicas de explicação do universo. No cerne dessa concepção positivista, não só está presente uma idéia de hierarquia entre as formas de conhecimento, como também uma abordagem a respeito de graus hierárquicos entre as próprias ciências. Nesse sentido, Auguste Comte elucida: A filosofia positiva se encontra, pois, naturalmente dividida em cinco ciências fundamentais, cuja sucessão é determinada pela subordinação necessária e invariável, fundada (...) na simples 4 – COMTE, Auguste. Curso de filosofia positiva. São Paulo: Ed. Abril Cultural. Col. Os pensadores, p. 9-11. 9 comparação aprofundada dos fenômenos correspondentes: a astronomia, a física, a química, a fisiologia e, enfim, a física social.5 Ressalte-se que a física social, segundo Comte, nada mais era do que a sociologia. Dessa forma, percebe-se uma nítida influência das ciências ditas naturais sobre as humanas. Essas últimas, por serem relativamente recentes, ainda são alvos de algumas objeções quanto ao seu real status científico. Há muita discussão acadêmica em torno da cientificidade de estudos como os da História, da Filosofia ou do Direito, por exemplo. Muitos salientam que tais ramos de conhecimento não são científicos, em virtude de critérios metodológicos ou em decorrência de seu próprio conteúdo. 2. O advento da “ciência jurídica”: cientifização da norma e normatização da ciência . O debate acerca da cientificidade ou não do direito certamente envolve muitos aspectos históricos e culturais. De fato, o saber jurídico tem passado por um certo processo de institucionalização , perceptível em diversas circunstâncias históricas, nas mais diferentes regiões do mundo. Vislumbrar o modo pelo qual as variáveis tempo e lugar influenciaram essa construção do saber jurídico é imprescindível ao entendimento dos recursos com os quais esse saber foi, paulatinamente, instituído. Entre tais recursos, destaca-se a tentativa de 5 – COMTE, Auguste. Curso de filosofia positiva, p. 39. 10