UNIVERSIDADE DO CONTESTADO PROGRAMA DE MESTRADO EM DESENVOLVIMENTO REGIONAL SANDRA MARA ZAMONER AS POLÍTICAS PÚBLICAS SOCIAIS DE SAÚDE NOS MUNICÍPIOS DE MAFRA E ITAIÓPOLIS: A INTERFERÊNCIA DO MINISTÉRIO PÚBLICO EM DEFESA DOS DIREITOS SOCIAIS CANOINHAS 2011 SANDRA MARA ZAMONER AS POLÍTICAS PÚBLICAS DE SAÚDE NOS MUNICÍPIOS DE MAFRA E ITAIÓPOLIS: A INTERFERÊNCIA DO MINISTÉRIO PÚBLICO EM DEFESA DOS DIREITOS SOCIAIS Dissertação apresentada para obtenção do título de Mestre em Desenvolvimento Regional, no Programa de Mestrado em Políticas Públicas e Desenvolvimento Regional da Universidade do Contestado, sob orientação da professora Dra. Maria Luiza Milani CANOINHAS 2011 A duas pessoas muito especiais em minha vida: meus filhos Vitoria e Arthur. AGRADECIMENTOS A Deus por ter me concedido sabedoria, saúde, disposições e, por colocar em meu caminho pessoas amigas e preciosas que, de alguma forma, contribuíram para que eu pudesse chagar até aqui. Aos meus filhos, obrigada pela ternura de cada abraço e pelo sorriso de cada dia. A MINHA MÃE Nair e ao MEU PAI Antonio (In memorian). Aos meus irmãos Fernando, Luciana, Eucimar e Vlademir. A minha orientadora, Dra. Maria Luiza Milani, um agradecimento carinhoso por todos os momentos de paciência, compreensão e competência. A todos os professores, coordenação e funcionários do Programa de Mestrado em Desenvolvimento Regional. À instituição Universidade do Contestado que me apoiou para participar do curso. Agradeço também, a todos aqueles, que de uma forma ou outra, contribuíram para que fosse possível a realização deste trabalho. A todos, o meu muito obrigada! Um mundo diferente não pode ser construído por pessoas indiferentes (Autor Desconhecido). RESUMO Este estudo tem como objeto principal pesquisar como as políticas públicas sociais de saúde nos municípios de Mafra e Itaiópolis-SC vêm se desenvolvendo e possibilidade da interferência do ministério público em defesa dos direitos sociais, quando o estado é falho na prestação desses serviços à sociedade. Neste sentido, aborda-se o controle social das políticas públicas de saúde nos municípios estudados, se constatada a falta ou falha na prestação de serviço relativo a estas políticas por parte do governo, o que dá azo à procura do sistema judiciário, por meio do MP, como forma de efetivação desse direito não atendido. Para tanto, são importantes as atribuições dadas ao Ministério Público, a partir da sua institucionalização, o que contribui para a defesa desses direitos sociais. As políticas públicas estão direcionadas na ideia de diretrizes da administração pública, ou seja, de metas, fins sociais que ordenam um programa de ação a ser desenvolvido pelo Estado intervencionista. Prestam-se à realização dos direitos sociais, econômicos e culturais, na qualidade de objeto destes, no entanto, demandam a necessidade de estabelecimento de meios para a consecução de fins determinados, a exemplo, de gestores comprometidos com desenvolvimento social no âmbito local. Como controle da prestação de serviço do estado aos usuários no que se refere à saúde, está à função do Ministério Público, que tem o dever de atuar em defesa da ordem jurídica e dos interesses sociais. Cabe a ele verificar se a lei está sendo obedecida e, não sendo, utilizar mecanismos para que os órgãos do estado efetivamente cumpram as políticas públicas necessárias a saúde. Esta sistemática de interferência atualmente é conhecida como a judicialização das políticas públicas, o que leva os membros do Judiciário a não só dizer o direito tido como justo, mas também a preencher determinados conceitos a partir da interpretação constitucional. Palavras-chave: Direitos Sociais - Política Pública de Saúde – Ministério PúblicoGestores Locais. Linha de Pesquisa: Políticas Públicas e Desenvolvimento Regional. ABSTRACT This study has as main object to investigate how the social public health policies in the municipalities of Mafra Itaiópolis-SC have been developing and the possibility of interference from public ministry in defense of social rights, when the state has failed in providing such services to society. In this sense, addresses the social control of public health policies in the cities studied is indicated lack or failure in providing service on these policies by the government, which gives rise to the demand of the judiciary, through the MP, as a way of putting this right is not granted. To that end, important assignments given to prosecutors, from its institutionalization, which contributes to the defense of social rights. Public policies are directed at the idea of government guidelines, or targets, for social ordering an action plan being developed by the interventionist state. Lend themselves to the achievement of social, economic and cultural, as the object of these, however, need to demand the establishment of means to achieve certain purposes, such as, for managers concerned with social development at the local level. As control of service delivery to users in the state with regard to health, is the role of the prosecutor, who has a duty to act in defense of legal and social interests. It is up to him to verify if the law is being obeyed, and failing, to use mechanisms that state agencies effectively meet the necessary public health policies. This systematic interference is now known as the judicialization of public policy, leading members of the judiciary to say the right not only perceived as fair, but also to fulfill certain concepts from the constitutional interpretation. Key words: Social Rights - Public Health Policy - Ministry of Public Local Management. Research Line: Public Policy and Regional Development. LISTA DE SIGLAS ACS – Agente Comunitário de Saúde ADCT – Ato das Disposições Constitucionais Transitórias AIS – AÇÕES INTEGRADAS DE SAÚDE CAPs – Caixas de Aposentadoria e Pensão CEAP – Centro de Educação e Assessoramento Popular CEO – Centro de Especialidades Odontológicas CRFB – Constituição da República Federativa do Brasil CLT – Consolidação das Leis Trabalhistas CMS – Conselho Municipal de Saúde CNRAC - Central Nacional de Regulação de Alta Complexidade CNS – Conselho Nacional de Saúde COFIN – Comissão de Financiamento e Orçamento CONASEMS – Conselho Nacional dos Secretários Municipais de Saúde CONASP – Conselho Consultivo da Administração da saúde Previdenciária CONASS – Conselho Nacional dos Secretários Estaduais de Saúde COREDES – Conselhos Regionais de Desenvolvimento CPMF – Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira CRFB – Constituição da República Federativa do Brasil CSLL – Contribuição Social sobre o Lucro Líquido DNERU – Departamento Nacional de Endemias Rurais EC – Emenda Constitucional ESF – Estratégia de Saúde da Família FAEC – Fundo de Ações Estratégicas e Compensação FAS – Fundo de Apoio ao Desenvolvimento Social FAT – Fundo de Amparo ao Trabalhador FNDR – Fundo Nacional de Desenvolvimento Regional FPE – Fundo de Participação dos Estados FPM – Fundo de Participação dos Municípios FUNASA – Fundação Nacional de Saúde IAP – Institutos de Aposentadoria e Pensão IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística IDH – Índice de Desenvolvimento Humano INAMPS – Instituto Nacional de Assistência Médica da Previdência Social INPS – Instituto Nacional de Previdência Social IPEA - Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada IPI – Imposto sobre Produtos Industrializados IR – Imposto de Renda IRPJ – Imposto de Renda das Pessoas Jurídicas IVA – Imposto sobre o Valor Adicionado LDB – Lei de Diretrizes e Bases LDO – Lei de Diretrizes Orçamentárias LOAS – Lei Orgânica da Assistência Social MAC - Média e Alta Complexidade MP – Ministério Público MS – Ministério da Saúde NMI – Núcleo Materno Infantil NOAS-SUS – Norma Operacional da Assistência à Saúde NOB-SUS – Normas Operacionais Básicas do Sistema Único de Saúde ONG’s – Organizações não Governamentais ONU – Organização das Nações Unidas OSS – Orçamento da Seguridade Social PACS – Programa de Agentes Comunitários de Saúde PAM – Policlínica Ambulatorial Municipal PEC – Proposta de Emenda a Constituição PIB – Produto Interno Bruto PMS – Plano Municipal de Saúde PNAS – Programa Nacional de Agentes de Saúde PNDR – Política Nacional de Desenvolvimento Regional PNUD – Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento PPA – Plano Plurianual PPI – Programação Pactuada e Integrada PSF – Programa Saúde da Família SAS – Secretaria de Atenção à Saúde SC – Santa Catarina SDR – Secretarias de Desenvolvimento Regional SIOPS – Sistema de Informações sobre Orçamentos Públicos em Saúde STF – Supremo Tribunal Federal SUCAM – Superintendência de Campanha da Saúde Pública SUDS – Sistema Unificado e Descentralizado de Saúde SUS – Sistema Único de Saúde TFD – Tratamento Fora de Domicílio UBS – Unidades Básicas de Saúde UnC – Universidade do Contestado SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO ....................................................................................................... 12 2 REFERENCIAL TEÓRICO..................................................................................... 17 2.1 PROCESSO DE TRANSFORMAÇÃO DO ESTADO .......................................... 17 2.2 POLÍTICAS PÚBLICAS ....................................................................................... 28 2.3 DIREITOS SOCIAIS ............................................................................................ 38 2.4 DIREITO À SAÚDE ............................................................................................. 45 2.5 CONTROLE SOCIAL .......................................................................................... 75 2.6 CONTROLE JUDICIAL DAS POLÍTICAS PÚBLICAS ......................................... 86 2.7 A DESCENTRALIZAÇÃO DA GESTÃO PÚBLICA E O DESENVOLVIMENTO SOCIAL REGIONAL ........................................................................................... 94 2.8 O MINISTÉRIO PÚBLICO: ANTECEDENTES HISTÓRICOS ........................... 100 2.9 O MINISTÉRIO PÚBLICO: OS DIREITOS SOCIAIS......................................... 107 2.10 A EFETIVAÇÃO DOS DIREITOS SOCIAIS E A PARTICIPAÇÃO DOS GESTORES LOCAIS JUNTAMENTE AO MINISTÉRIO PÚBLICO .................. 110 3 REFERENCIAL METODOLÓGICO ..................................................................... 115 4 APRESENTAÇÃO E ANÁLISE DOS DADOS..................................................... 118 CONSIDERAÇÕES FINAIS .................................................................................... 144 REFERÊNCIAS ....................................................................................................... 151 APÊNDICES ........................................................................................................... 162 APÊNDICE A – ROTEIRO DAS QUESTÕES QUE SERÃO REALIZADAS AOS ENTREVISTADOS ............................................................................................ 163 12 1 INTRODUÇÃO Esta dissertação teve como tema estudar como a literatura brasileira vem tratando do assunto da implementação das políticas públicas sociais de saúde por determinação do Poder Judiciário a pedido do Ministério Público. A falta ou falha na prestação de serviço relativo as políticas públicas de saúde por parte do governo dá azo à procura do sistema judiciário, por meio do MP, como forma de efetivação desse direito não atendido. A origem do tema deu-se devido a atividade profissional que exerço (advogada), que a priori, me possibilitou a percepção e conhecimento do conceito teórico a cerca dos direitos sociais e sua efetividade perante a sociedade. A justificativa deu-se, primeiramente, pela percepção das crescentes situações de violação do direito à saúde e pela cresce procura da população pelos órgãos de defesa e garantia desses direitos, dentre eles o Ministério Público. Para a delimitação de estudo do tema optou-se pelos municípios de Mafra e Itaiópolis-SC pelos fato de que ambos fazem parte daqueles abrangidos pela 25ª SDRs1; pela possibilidade de realizar estudo por amostragem entre municípios de maior e menor porte; possibilidade de verificar, segundo a estrutura de cada um deles, se as políticas sociais de saúde podem ou não contribuir para o desenvolvimento regional e também pelo fato que o IDH dos municípios são diferentes. Dessa forma, investigou-se se nos municípios relacionados se houve necessidade de interferência do MP, via extrajudicial ou judicial, para que efetivamente fosse garantido o direito fundamental da saúde. Por fim, buscou-se verificar se os conselhos vêm funcionando como canais de negociação de participação entre a sociedade civil e o Estado. Vale lembrar que o tema aqui tratado é comumente discutido na seara jurídica e pela ciência político-social, principalmente diante de frequentes decisões, inclusive do Supremo Tribunal Federal, determinando que o Poder Executivo adote medidas para que se tornem eficazes os direitos constitucionalmente assegurados, especificamente os direitos sociais. 1 Municípios que fazem parte da 25ª SDRs: Mafra, Itaiópolis, São Bento do Sul, Campo Alegre, Rio Negrinho, Monte Castelo e Papanduva. 13 A CRFB de 1988 declara como fundamental, dentre outros, o princípio da igualdade, conforme o artigo 5º, “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros, residentes no País, a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade”. No entanto, este princípio nem sempre é cumprido, haja vista parte da sociedade vive em desigualdade social. Partindo deste preceito, estudou-se como o defensor da sociedade, o Ministério Público, poderá buscar mecanismos que garantam a igualdade social, mesmo que relativa2, como um dos meios de concretizar os direitos sociais, em especial do acesso universal à saúde. Para as pessoas díspares que têm necessidades diversas, a execução da lei ordena que a elas sejam garantidas as condições ajustadas às particularidades, de forma que todos possam desfrutar das oportunidades existentes, na forma como cada uma necessita e deseja. Como bem ressalta Aranha (2007, p. 2), “[...] tratar desigualmente não se refere à instituição de privilégios, e sim, a disponibilização das condições exigidas pelas peculiaridades individuais na garantia da igualdade real”. Assim sendo, no intuito de assegurar proteção a esta classe da sociedade civil diferenciada, a CRFB de 1988, artigo 1273, proporcionou a consolidação da Instituição do Ministério Público, que se apresenta como o guardião dos direitos sociais assegurados ao homem, defensor dos ideais democráticos e dos interesses sociais. Este novo papel do Ministério Público tem proporcionado uma significativa mudança no Poder Judiciário perante o instrumental jurídico colocado à sua disposição. Com efeito, ações judiciais de natureza social e coletiva passaram a integrar a rotina dos julgamentos dos tribunais, com a análise de questões que nunca haviam sido enfrentadas. Esta nova sistemática atualmente é conhecida como a judicialização das políticas públicas, o que leva os membros do Judiciário a 2 3 Significa dar tratamento igual aos iguais e desigual aos desiguais. A Constituição Federal em seu artigo 127 define o Ministério Público como instituição permanente, essencial à função jurisdicional da justiça e que tem entre suas atribuições a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis. Por outro lado, o artigo 129 da Constituição Federal estabelece que são funções institucionais do Ministério Público zelar pelo efetivo respeito pelos poderes públicos, pelos serviços de relevância pública e aos direitos assegurados na Constituição, promovendo as medidas necessárias para a sua garantia. No exercício de suas atribuições constitucionais e legais, o Ministério Público pode atuar junto ao judiciário ou não. Exemplificando, quando alguém pratica um crime, será acusado por um membro do Ministério Público, que oferecerá uma denúncia perante o Judiciário, e se a denúncia for aceita, o processo terá seguimento. Entretanto, quando o Ministério Público age na defesa de direitos sociais, como aqueles relativos à saúde, à educação, os direitos das crianças e dos adolescentes, das pessoas portadoras de deficiência, poderá agir extrajudicialmente ou perante o Judiciário. 14 não só aplicar o direito tido como justo, mas também a preencher determinados conceitos a partir da interpretação constitucional. Nesse sentido a função do Ministério Público não admite apenas sua atuação para corrigir atos comissivos da administração que desrespeitem os direitos constitucionais do cidadão, mas também a correção dos atos omissivos, ou seja, para a implantação de políticas publicadas que tendem a efetividade da ordem social prevista na CRFB de 1988. No tocante as políticas públicas, segundo Sotto Maior Neto (2010, p.01) estas constituem propostas do Estado, formuladas com o objetivo do cumprimento de seu papel institucional e indelegável de atuar na promoção do bem estar de todos, especialmente pelo asseguramento e universalização dos direitos elementares à cidadania, tais como educação, saúde, habitação, saneamento, urbanização, esporte, cultura, lazer, profissionalização e, em caráter supletivo, assistência social. O mesmo autor continua dizendo que quanto mais injustas as estruturas fundadas numa sociedade, imperativa é a intervenção positiva do Estado no sentido da regulação e proteção social. Portanto, o discurso do Estado-Mínimo cuja idéia pressupõe um deslocamento das atribuições deste perante a economia e a sociedade, comparece absolutamente inadequado à realidade dos países subdesenvolvidos ou em desenvolvimento, onde se encontram no meio social parcelas significativas de marginalizados, ou seja, de pessoas que vivem à margem dos benefícios produzidos pela sociedade. A modificação da realidade social, todavia, não se dá apenas com a formulação de políticas públicas, mas sim com a canalização dos recursos públicos necessários à implementação dos objetivos, diretrizes e estratégias destinadas à sua respectiva execução. No Brasil, constata-se que a economia de mercado não assegura prontamente a inclusão social. E sendo assim, necessária se faz a intervenção do Estado, por meios de políticas públicas, a fim de se ter a redução da desigualdade social. Na visão Teixeira (2002, p. 2), as políticas públicas têm por objetivo responder as demandas sociais, em especial os setores excluídos da sociedade, os considerados como vulneráveis. Enfatiza também, que ordenar uma política pública denota deliberar quem decide o quê, quando, com que conseqüências para quem. Tais definições estão relacionadas com a natureza do regime político em que vive a sociedade, desde o grau de organização da sociedade civil e com a sua cultura 15 política. Para explicar isso, distinguem-se as políticas públicas sociais de políticas governamentais. Explica que nem sempre políticas governamentais são públicas, ainda que sejam estatais, pois para serem públicas, se faz necessário considerar a quem se destinam os resultados ou benefícios e, se o seu processo de elaboração é submetido ao debate público (TEIXEIRA, 2002, p. 2). Deste modo, a presente pesquisa teve como objetivo geral pesquisar a interferência do Ministério Público, quanto à efetividade da aplicação das políticas públicas sociais de saúde, como garantia dos direitos sociais. E, como objetivos específicos, apresentar a atribuição do Ministério Público a partir da sua institucionalização na defesa dos direitos. Estudar as políticas públicas de saúde e sua contribuição para o desenvolvimento social, pesquisar o modo como as políticas públicas de saúde vêm sendo operacionalizadas nos municípios indicados, visando a construção dos direitos sociais. Por fim, analisar a relação entre direitos sociais, políticas públicas de saúde e desenvolvimento social no âmbito local. Quanto à metodologia empregada, registra-se que, seguiu-se a normalização de trabalhos acadêmicos da Universidade do Contestado do ano de 2008. Quanto aos procedimentos para coleta de dados (pesquisa), realizou-se de forma qualitativa: que permite apreender as múltiplas determinações da realidade e descritiva: na qual os fatos foram observados, registrados e analisados; exploratória: entrevistas com pessoas que tem experiências práticas com o problema pesquisado e análise de exemplos que estimulem a compreensão; proporciona a descrição direta da experiência; bibliográfica: para elaboração do referencial teórico. No referencial teórico relacionou-se o processo de transformação do Estado, políticas públicas, direitos sociais, controle social, controle judicial das políticas públicas sociais de saúde, descentralização da gestão pública e o desenvolvimento social regional, o Ministério Público em defesa dos direitos sociais, a efetivação dos direitos sociais e a participação dos gestores locais juntamente ao MP. Dessa forma, foi necessário situar parâmetros para determinar se a legitimidade política e processual dos operadores do sistema judicial, as instituições que operam diretamente à aplicação do direito, em especial, do Ministério Público, são dinâmicos na defesa dos direitos sociais. Utilizou-se como instrumento de coleta de dados, um roteiro de questões que foram utilizadas na realização de entrevistas. O roteiro deu-se com entrevista semiestruturadas aos gestores das secretarias de saúde dos municípios escolhidos, 16 de forma dialogada. Realizou-se o roteiro aplicado como instrumento de percepção dos entrevistados quanto a sua contribuição na construção e defesa dos direitos sociais e da efetividade política pública social de saúde e para verificar de que forma estes têm apoiado a interferência do ministério público para a efetivação das políticas públicas de saúde em seus municípios. A técnica utilizada foi análise do conteúdo coletado. Por fim, a presente dissertação se encerrou com a apresentação de análise dos dados coletados durante as entrevistas realizadas com os representantes do Ministério Público e das Secretarias de Saúde dos Municípios de Mafra e ItaiópolisSC, onde investigou-se em que medida os MP destes municípios têm se desincumbido de suas funções, como instância de conquista, afirmação e democratização dos direitos sociais. Nas considerações finais, foram apresentados pontos conclusivos destacados, seguidos da estimulação à continuidade dos estudos e das reflexões sobre as políticas públicas sociais de saúde nos municípios relacionados e a interferência do Ministério Público em defesa dos direitos sociais. 17 2 REFERENCIAL TEÓRICO 2.1 PROCESSO DE TRANSFORMAÇÃO DO ESTADO Para o entendimento dos anseios dos que defendem as políticas públicas e as ações afirmativas como forma de efetivação dos princípios e normas programáticas constitucionais de um Estado, imprescindível se faz entender o surgimento da sociedade e do Estado, bem como suas características e evolução, e ainda, o comportamento do indivíduo na sociedade, uma vez que repercutem na formação das diretrizes e no funcionamento do Estado. A sociedade, de maneira geral, é um conjunto de pessoas que compartilham propósitos, preocupações e costumes, e que interagem entre si constituindo uma comunidade. Há, basicamente, duas posições que explicam o surgimento da sociedade: a que assevera que ela é fruto da própria natureza humana, teoria naturalista, e a que preleciona a sua formação como ato volitivo, teoria contratualista. Os adeptos da primeira teoria afirmam a existência de fatores naturais determinando que o homem procure a permanente associação com os outros homens, como forma normal de vida. Dentre eles, Aristóteles que afirmava que o homem é um ser social por natureza e que para viver em isolamento, só um indivíduo de natureza vil ou superior. Nesse sentido, segundo Ranelletti apud Dallari (2005, p. 11) o homem é induzido fundamentalmente por uma necessidade natural a se associar, porque isto é, para ele, condição essencial de vida. De outro lado, aqueles que defendem a teoria contratualista, justificam seus argumentos explicativos acerca da origem da sociedade em um acordo de vontades, um contrato hipotético celebrado entre os homens. Segundo esta teoria, é negada a existência do impulso associativo natural do homem, ideia dos naturalistas. De tal modo, a teoria contratualista, na visão de Costa (2006, p. 26): Concebe o Estado como a expressão do pacto firmado entre os indivíduos para assegurar a liberdade e proteger a propriedade. Neste sentido, podemos perceber a vinculação orgânica entre a teoria contratualista e a formação da sociedade capitalista, tendo o mercado como instância mediadora das relações sociais, por meio do estabelecimento de contratos 18 individuais. A ordem jurídica assegura a legitimidade dos contratos firmados entre a os indivíduos, pressuposto da liberdade e igualdade entre as partes. Para Hobbes apud Dallari (2005, p. 14), inicialmente, o homem vive em “estado de natureza”. Essa expressão é utilizada para conceituar não só o homem primitivo, mas também o caos social que se verifica sempre que não há repressão e controle racional das ações humanas. Explica que este estado de natureza é uma constante ameaça à sociedade, podendo acarretar a permanente “guerra de todos contra todos”, pois, nesse estado, os homens são inclinados à agressão, egoístas e luxuriosos. Nessa ordem de ideias é que surge a expressão clássica do autor “o homem é o lobo do homem” (HOBBES apud DALLARI, 2005, p. 14). Com o afloramento da razão, o homem descobre que deve superar o estado de natureza e construir o estado social. Celebra, então, o contrato social. Hobbes formula, ainda, como lei fundamental do pacto de vontades que cada um deve consentir, se os demais também concordam, e enquanto se considere necessário para a paz e a defesa de si mesmo, em renunciar ao seu direito a todas as coisas, e a se satisfazer, em relação aos demais homens, com a mesma liberdade que lhe for concedida, com respeito a si próprio. Assim, por conta desse fato racional é que surge a vida em sociedade, cuja preservação depende de um poder que mantenha os componentes da comunidade dentro dos limites consentidos e os coajam a obedecer às leis, sob pena de punição. Esse poder é o Estado, construção do homem natural para a sua proteção e defesa. Para Dallari (2005, p. 15), mesmo não compactuando com o contratualismo defendido por Hobbes, John Locke e Nicolau Maquiavel, estes defendem ideias nitidamente contratualistas para explicar a origem da sociedade, assim como Jean Jacques Rousseau. Anota o autor, que Hobbes distinguiu duas categorias de Estados: a real e a racional, na primeira, o Estado se forma por imposição da força, enquanto na segunda, o Estado decorre da razão, seguindo a fórmula contratualista. A influência dos fundamentos do pacto social de Rousseau4, sobre a Revolução Francesa e outros movimentos que defendiam os direitos naturais do homem são para ele: a) o povo é soberano (liberdade); b) um dos objetivos 4 Propõe para todos os homens que refaçam um novo contrato social onde se defenda a liberdade do homem baseado na experiência política das antigas civilizações onde predomina o consenso e dessa forma garantir os direitos de todos os cidadãos. 19 fundamentais da sociedade é a isonomia (igualdade) e c) existem interesses coletivos distintos dos interesses de cada membro da sociedade (fraternidade). (DALLARI, 2005, p. 199). É certo que várias das ideias de Rousseau (DALLARI, 2005, p. 199), podem ser consideradas hoje como fundamentos da democracia, dentre estas, predominância da vontade popular, reconhecimento da liberdade natural e busca da igualdade e do bem comum. Para a teoria geral do Estado, o significado da palavra Estado (do latim status = estar firme) se confunde com a própria definição de sociedade. Azambuja (2005, p. 2) admite o Estado pura e simplesmente como uma sociedade - pois se constitui essencialmente de um grupo de indivíduos unidos e organizados permanentemente para realizar um objetivo comum – que é política, já que tem sua organização determinada por normas de direito positivo e é hierarquizada em governantes e governados. O conceito de Estado dado por Gramsci apud Carnooy (1988, p. 99) em que “[...] o Estado é o complexo de atividades práticas e teóricas com o qual a classe dominante não somente justifica e mantém sua dominação, como procura conquistar o consentimento ativo daqueles sobre os quais ele governa”. Dallari (2005, p. 52-53) aponta três correntes fundamentais que resumem as diversas teses explicativas da época em que o Estado surgiu: a) a primeira afirma que o Estado, assim como a sociedade, sempre existiu, pois desde os primórdios o homem vive em uma comunidade integrada, com poder e autoridade para determinar o comportamento de todo o grupo; b) a segunda desvencilha a existência do Estado concomitantemente com a da sociedade; afirma que o Estado foi surgindo em diferentes lugares (onde já existiam sociedades bem definidas) de acordo com as necessidades e conveniência de cada grupo e c) a terceira é dos autores que somente admitem o Estado como sociedade política. Neste sentido, considerando a acepção filosófica, defini-se Estado como a "realidade da ideia moral", a "substância ética consciente de si mesma", a "manifestação visível da divindade", colocando-o na rotação de seus princípios, o valor social mais alto, que concilia as tradições família e sociedade, que abrangem a arte, a religião e a filosofia (FERREIRA, 2010, p. 1). Na visão de Souza (1998, p. 202) o Estado 20 [...] é uma unidade política e jurídica estável, resultante da reunião de famílias e de outros grupos num mesmo território, aí constituindo uma sociedade independente, que, sob a direção de uma autoridade suprema, visa a realizar o bem comum. Segundo texto de Costa (2006, p.35), O conceito de Estado é histórico e a sua formulação acompanhou o desenvolvimento da sociedade humana. O conceito de Estado sempre esteve relacionado com a sua legitimidade. Foi através do processo de legitimação do Estado, onde lhe foram conferidas suas atribuições, que o conceito de Estado ganhou visibilidade e validade histórica. O processo de legitimidade do Estado sempre é tensionado pelos diferentes interesses que existem na sociedade. O conceito de Estado não é algo pré-existente, independente das condições objetivas onde se realizam a construção e o desenvolvimento das condições sociais de existência dos homens. O conceito de Estado é derivado da sociedade que o engendra. Por isso não é possível operar teoricamente com um único conceito para elucidar uma organização humana que depende da diversidade de cada sociedade, a cada etapa histórica de seu desenvolvimento. Por fim, pode-se dizer que o Estado brotou da necessidade que o Homem encontrou em controlar a convivência de distintos sociais de um mesmo território, e, como forma de se ordenar e limitar as atitudes dos sociais nesse ambiente. Foi devido à evolução da simples necessidade do homem de se relacionar com os outros territórios, que surgiu a ideia de controle dos seus direitos e deveres, defendendo a sua comunidade. Miranda (1946, p. 39), faz referência de que o Estado tal qual o conhecemos hoje, surgiu no século XV e o define como sendo o conjunto de todas as relações entre os poderes públicos e os indivíduos, ou daqueles entre si. Já Dallari (2005, p. 70-72), afirma que com a Paz de Westfália – expressão utilizada para designar o conjunto de tratados que, em 1648, puseram fim à Guerra dos Trinta Anos – o Estado passa a ser conceituado como unidade territorial dotada de poder soberano. Nesse contexto, os teóricos começam a apontar notas características, elementos essenciais à existência do Estado. Santi Romano (apud DALLARI, 2005) aponta duas peculiaridades do Estado: soberania e territorialidade. Ainda conforme Dallari (2005), autores como Del Vecchio, apontam três elementos essenciais (soberania, povo e território), Gropalli, Kelsen, admitem quatro elementos: povo, território, poder e finalidade; povo, tempo, poder e território, por fim, o brasileiro Ataliba Nogueira, que admite como indispensáveis cinco notas características: território, povo, soberania, poder de império e finalidade. 21 Ainda que haja divergências com relação aos elementos fundamentais que identificam o Estado, pode-se afirmar a existência de pelo menos três características reconhecidas quase que de forma unânime: território, povo e soberania. A soberania é uma autoridade superior que não pode ser limitada por nenhum outro poder. É una, integral e universal. Povo é o conjunto de cidadãos de um país; pessoas que estão vinculadas a um determinado regime jurídico de um Estado. Território é a área terrestre delimitada em cujo espaço físico o Estado exerce seu poder soberano. Dessa forma o conceito de Moraes (2008, p. 14), diz que O Estado, portanto, é forma histórica de organização jurídica limitada a um determinado território e com população definida e dotado de soberania, que em termos gerais e no sentido moderno, configura-se em poder supremo no plano interno e num poder independente no plano internacional. Mas a Revolução Inglesa e o Bill of Rights (1689), a Revolução Americana e a Declaração da Independência das Treze Colônias (1776) e a Revolução Francesa e a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão (1789), determinaram as diretrizes na organização do Estado, consolidando-se a ideia de Estado democrático. E, a evolução do pensamento liberal e a queda do absolutismo levam ao surgimento do Estado democrático (ANDRADE, 2008). Dallari (2005, p. 151) resume as principais ideias acerca das bases de uma sociedade democrática enumerando três aspectos fundamentais: supremacia da vontade popular (que advém da própria etimologia do termo democracia); preservação da liberdade e igualdade de direitos. Weber (1968, p.62), define o Estado moderno como: Um agrupamento de dominação que apresenta caráter institucional e que procurou (com êxito) monopolizar, nos limites de um território, a violência física legítima como instrumento de domínio e que, tendo esse objetivo, reuniu nas mãos dos dirigentes os meios materiais de gestão. Equivale isso a dizer que o Estado moderno expropriou todos os funcionários que, segundo o princípio dos Estados dispunham outrora, por direito próprio, de meios de gestão, substituindo-se a tais funcionários, inclusive no tôpo da hierarquia. Para Dallari (2005), no final do século XVIII, surgem muitos fatores que determinaram o surgimento das Constituições inspirando características fundamentais. E, foi sob influência do jusnaturalismo, difundido pela obra dos 22 contratualistas, que afirma a superioridade do indivíduo, portanto, deveria receber a proteção do Estado, iniciando-se a luta contra o absolutismo dos monarcas, o que preconizou a limitação dos poderes do governo. Por fim, ocorre ainda “[...] a influência considerável do iluminismo, que levaria ao extremo a crença na Razão, refletindo-se nas relações políticas através da exigência de uma racionalização do poder” (DALLARI, 2005, p. 199). A partir da visão jusnaturalista se fortaleceu a teoria contratualista, que concebe como a expressão do pacto firmado entre os indivíduos para assegurar a liberdade e proteger a propriedade. Seguindo esta idéia, tem-se que o Estado é instância necessária para garantir o convívio social, a defesa da propriedade e o império da justiça (COSTA, 2006, p. 26-27). Com as ideias do racionalismo, passa-se - concomitantemente ao surgimento do ideário democrático e sob influência dos mesmos princípios - a se conceituarem novos objetivos nas relações político-sociais: a afirmação da supremacia do indivíduo, a necessidade de limitação do poder dos governantes, a crença na racionalização do poder. Surgia, pois, o Estado Constitucional (DALLARI, 2005, p. 199). Neste sentido, continua Dallari (2005, p. 198): [...] o constitucionalismo moderno tem sua origem mais remota na Idade Média, na luta contra o absolutismo, nascendo como expressão formal de princípios e objetivos políticos em 1215, quando os barões da Inglaterra obrigaram o João Sem Terra a assinar a Magna Carta, jurando obedecê-la e aceitando a limitação de seus poderes. Depois disso, ainda seriam necessários alguns séculos para que ocorressem avanços substanciais, o que dará na própria Inglaterra, no século XVII, quando a Revolução Inglesa consagra a supremacia do Parlamento como órgão legislativo. Com isso se chega bem próximo da idéia de que o Estado deve ser um governo de leis, não de homens. Importante dizer ainda que o Estado Democrático de Direito a partir da CRFB de 1988 instituiu os direitos de terceira geração, ou seja, aqueles direitos que se referem ao respeito, a fraternidade, os direitos essencialmente coletivos. Neste período o Estado passa a tutelar, além dos interesses individuais e sociais, os transindividuais que compreendem, dentre outros, o respeito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, a paz, a autodeterminação dos povos e a moralidade administrativa. 23 Tem-se ainda, que com a consolidação dos princípios democráticos respaldados nos valores da igualdade, liberdade e fraternidade há o surgimento das primeiras idéias de um Estado Democrático de Direito como sua expressão jurídica. Tal Estado se caracterizaria, como a reunião dos princípios característicos de um Estado de Direito somado aos de um Estado Democrático, rendendo, contudo, não um mero somatório de ideias, mas uma nova concepção (SILVA, 2002, p. 112-119). Este modelo de estado procura extinguir os alicerces constitucionais de governos autoritários. Moraes (2008, p. 87) citando Canotilho, diz que o Estado constitucional é uma tecnologia política de equilíbrio político-social pelo qual se combateram dois arbítrios ligados a modelos anteriores, a saber: a autocracia absolutista do poder e os privilégios orgânico-corporativos medievais. A primazia da lei, a superioridade das normas constitucionais sobre todo o restante do ordenamento jurídico, a separação dos poderes, o controle de eventuais abusos e, a previsão de direitos e garantias fundamentais aos cidadãos, caracterizam o Estado de Direito. O Estado de Direito é aquele em que os poderes públicos estão subordinados às leis gerais do país (limite formal), mas também as leis estão subordinadas ao limite material dos direitos fundamentais considerados constitucionalmente (NASCIMENTO, 2008, p. 5). A possibilidade da escolha de governantes pelos governados numa análise perfunctória do que seria o cerne da democracia, revela o Estado Democrático. A Constituição de 1988 em seu artigo 2º adotou a teoria de Montesquieu da tripartição dos poderes em Legislativo, Executivo e Judiciário, observando-se que a tripartição das funções não é de forma rígida sendo possível o exercício de funções atípicas de acordo com as exceções contempladas no texto constitucional (ANDRADE, 2008). São três as funções em que se divide o poder estatal: legislativa, executiva e judiciária, que devem ser distribuídas há três órgãos autônomos entre si, os quais o exercerão, com exclusividade. Cada uma delas possui uma atribuição precípua, típica. A legislativa é elaborar leis que a todos são impostas coativamente. A executiva compreende a Administração do Estado consoante o ordenamento jurídico. Por fim, a judiciária corresponde à atribuição da justiça e aplicação da lei no caso concreto, em situações de litígio, envolvendo conflitos de interesses, qualificados pela pretensão resistida (PINHO, 2007, p. 50). 24 O equilíbrio dos poderes e a coibição dos abusos, pautado na ideia de Montesquieu de que “só o poder freia o poder”, inseriu as funções estatais dentro de um mecanismo de controles recíprocos, denominado “freios e contrapesos” (check and balances) (SILVEIRA apud MALDONADO, 2011). Montesquieu (1994, p. 25-26) descreve ser indispensável para o equilíbrio dos poderes: [...] precisa-se combinar os Poderes, regrá-los, temperá-los, fazê-los agir; dar a um Poder, por assim dizer, um lastro, para pô-lo em condições de resistir a um outro. É uma obra-prima de legislação que raramente o acaso produz, e raramente se deixa a prudência produzir. [...] Sendo o seu corpo legislativo composto de duas partes, uma acorrentada à outra pela mútua faculdade de impedir. Ambas serão amarradas pelo Poder Executivo, o qual o será, por seu turno, pelo Legislativo. Esses três poderes deveriam originar um impasse, uma inação. Mas como, pelo movimento necessário das coisas, são compelidos a caminhar, eles haverão de caminhar em concerto. No Brasil, a separação das funções do poder está expressa no artigo 2º da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988: são Poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário. Há várias referências na CRB de 1988, da aplicação da teoria dos pesos e contrapesos: as medidas provisórias, que são editadas pelo Poder Executivo e possuem força de Lei (artigo 62, CRFB/1988); o poder de veto que emana do Executivo (artigo 66, CRFB/1988); a possibilidade de os Tribunais declararem a inconstitucionalidade de Lei elaborada pelo Legislativo e dos atos administrativos emanados do Poder Executivo (artigo 97, CRFB/1988). Após o surgimento do estado constitucional caracterizado pelos princípios da liberdade e da igualdade, emerge, no século XX, o Estado social, proveniente das ideias de liberdade e solidariedade previstas nas declarações de direitos, sendo a concretização do terceiro pilar dos princípios da Revolução Francesa: a fraternidade. O Estado Social está relacionado em três momentos históricos: Constituição Mexicana, de 1917; Constituição Alemã, de 1919; Declaração dos Direitos do Povo Trabalhador e Explorado, advinda da Rússia revolucionária (socialista) datada de 1917-1918. O Estado Social, assim, é um Estado que já nasceu ajustado por dois dados históricos de cunho jurídico, ou seja, teve a segurança legal de duas Constituições (Mexicana e Alemã), além de uma Declaração de direitos proletários e socialistas (MARTINEZ, 2005, p. 4). 25 O Estado social busca superar a contradição entre a igualdade política e a desigualdade social. A crítica ao individualismo exacerbado a mais valia, à exploração do capital sobre o trabalho e, o destaque à luta de classes, desempenharam papel fundamental para o nascimento dos direitos do trabalhador, da igualdade material e da intervenção Estatal na economia. A influência ideológica socialista que, em sua base, rejeita os privilégios de classe e a injustiça da ordem liberal, rumo a construção de uma sociedade igualitária, balizou o Estado social, alcançado até mesmo Estados capitalistas. Para melhor explicar o Estado social, escreve Ferreira (2010, p. 6-7) que: Assim como Marx e Engels, Lênin, afirma que a ditadura do proletariado só aconteceria por meio da revolução: ‘O Estado é uma força especial de repressão’. Esta notável e profunda definição de Engels é de uma absoluta clareza. Dela resulta que essa ‘força especial de repressão’ do proletariado pela burguesia, de milhões de trabalhadores por um punhado de ricos, deve ser substituída por uma ‘força especial de repressão’ da burguesia pelo proletariado (a ditadura do proletariado)’; ‘Este (o estado burguês) só pode, em geral, ceder lugar ao Estado proletário por meio da revolução violenta’. Por conta disso é que o Estado socialista (marxista) não se coaduna com o princípio democrático. A democracia era mais uma artimanha burguesa para manter a classe operária subjugada. O sufrágio seria incapaz de impor, verdadeiramente, os desejos da classe operária [Grifo do autor]. Continua o autor: O Estado social é, de fato, um modelo que se mostrou em vários regimes, cujas principais propostas podem ser exemplificadas em três documentos históricos. O primeiro deles foi a declaração dos Direitos do Povo e do Trabalhador, na Revolução Russa de 1917. Os outros dois foram a Constituição Mexicana de 1917, resultado da Revolução Mexicana, e a Constituição de Weimar de 1919, resultado da Alemanha arrasada pela primeira guerra mundial (e base para a sustentação futura do regime nazista). O Estado social, não obstante reconhecer uma série de direitos e implementação de políticas públicas variadas, possui como traço distintivo das formas de Estado que o antecederam a preocupação com os direitos sociais, econômicos e culturais relacionados à igualdade, à dignidade da pessoa humana e à cidadania (FERREIRA, 2010, p.7). Continua argumentando que direitos antes ignorados passaram, de diversas formas, a serem protegidos. Não obstante a isso, além dos direitos individuais então já garantidos. Outras atribuições passaram para o Estado, tais como: educação, saúde, assistência social, previdência e acesso à justiça, bem como trabalho, lazer, segurança e moradia, os chamados direitos de segunda “geração” ou “dimensão”. 26 Se o Estado social e democrático de direito não é a melhor maneira de estruturar o Estado, talvez seja no mínimo uma tentativa comprometida perante os canais nas instituições oficiais para permitir que os cidadãos transformem o mundo em um lugar mais justo (FERREIRA, 2010, p. 30). No Estado Democrático de Direito, as intervenções diretas passam a ser minimizadas e são priorizadas as intervenções indiretas (eis que aparecem no cenário jurídico as Agências Reguladoras (NASCIMENTO, 2008, p. 4) O sistema político brasileiro vigente extrai, da primeira parte do artigo 1º e parágrafo único da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, que assim dispõe: A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito. [...] Parágrafo único. Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição (BRASIL.1988). O Brasil adotou a forma federativa de Estado, em oposição ao Estado Unitário – rigorosamente centralizado – e a Confederação que é a união dissolúvel de Estados soberanos. O vínculo federativo é indissolúvel, uma vez que o próprio legislador constituinte determinou a impossibilidade de qualquer proposta de emenda constitucional tendente a abolir a Federação (artigo 60, § 4º, I da CRFB de 1988). Já os Estados-membros brasileiros não detêm soberania. O próprio qualificativo de membro afasta a ideia de soberania. Os Estados-membros possuem segundo Moraes (2008, p. 271), uma autonomia caracterizada pela auto-organização e normatização própria, autogoverno e auto-administração. Estas características também são encontradas na autonomia municipal, já que a Constituição consagrou o Município como entidade federativa e como ente político-administrativo. O Estado da pós-modernidade é aquele idealizado na forma democrática, conforme o parágrafo único do artigo 1º da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, estando organizado, institucionalmente, para garantir o exercício da soberania popular. Soberania que procede do fato de que em nome do povo o poder 27 deverá ser exercido e o exercício de tal poder se dará por meio de representantes eleitos. Segundo Dias (2010, p. 6-7), debate-se hoje a crise do Estado de Direito, que se revelou também autoritário, pois legitimou desigualdades, admitiu exclusões, impediu o exercício da cidadania ativa. A crise do Estado se manifesta em sua absoluta incapacidade de fazer frente à miséria através de políticas públicas – sociais e econômicas – eficientes. Para explicar Dias (2010) menciona que Emmanuel Mounier revela o esgotamento não só de um paradigma científico e de um modelo político-econômico, mas uma crise civilizacional e propõem como possibilidade de solução do problema a formação de uma civilização personalista e comunitária. Enxerga como parâmetros da pós-modernidade o desindividualismo e a conseqüente abertura do indivíduo ao comunitário. Para Mounier (apud DIAS, 2010) a pessoa não existe senão para os outros, não se conhece senão pelos outros, não se encontra senão nos outros. Com a compreensão da origem e modo de formação das ideias que embasam os fundamentos da evolução do Estado, pode-se afirmar e acreditar que políticas públicas eficientes, ancoradas na descentralização do poder soberano, possuem o condão de por em prática boa parte dos direitos sociais, em especial o da saúde. O Brasil é um Estado de Direito, possui nas leis a limitação do exercício do poder político, é um Estado Democrático visto que o poder político é subordinado a soberania popular. Assim preceitua a Constituição Federal de 1988 no seu artigo 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: I - a soberania; II - a cidadania; III - a dignidade da pessoa humana; IV - os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa; V - o pluralismo político. Seguindo o dispositivo, tem-se que esse Estado Democrático de Direito possui fundamentos expressos e numerados, conforme demonstrado: soberania: principal atributo da existência do próprio Estado; cidadania: conjunto de direitos e liberdades políticas sociais e econômicas, já estabelecidos ou não pela legislação que garante o exercício pleno de direitos civis, políticos e sociais; dignidade da pessoa humana: valores que vão além do querer do indivíduo, valores intocáveis e garantidos na Constituição para um efetivo exercício do Estado Democrático de Direito; valores sociais do trabalho e da livre iniciativa: as atividades produtivas 28 devem cumprir seu papel social, função de suma importância ao desenvolvimento do país e por ser a fonte de subsistência dos membros da sociedade; pluralismo político: respeito e direito a manifestações de todas as manifestações ideológicas e sua convivência no campo democrático, princípio que garante a todas as pessoas o direito de participar do destino político de país. Deste modo, o Brasil é um Estado de Direito, possui, segundo a CRFB de 1988, leis que limitação o exercício do poder político e, é um Estado Democrático porque o poder político é subordinado a soberania popular. 2.2 POLÍTICAS PÚBLICAS Para refletir sobre as políticas públicas é imprescindível compreender que essas políticas apresentam em sua constituição uma complexidade histórica, já que nascem em uma estreita relação com as características históricas de cada realidade social em que emergem. Desta forma, a peculiaridade mais comum nas políticas sociais, independente no país que são estabelecidas, é que nascem no cerne de um conflito econômicopolítico e social em que as contradições sociais se avultam a ponto de gerarem uma mudança na estratégia adotada pelos governos para manterem a sua governabilidade (MACIEL, 2007, p. 2). A história econômica, política e social de cada país, delineia a ocasião em que as políticas sociais passam a ser tomadas como estratégia de governabilidade. De tal modo, as políticas sociais adquirem as características específicas dos momentos históricos de cada país. No Brasil não poderia ser diferente, suas políticas sociais foram implantadas e operacionalizadas conforme sua maneira própria. Deste modo, especificamente no Brasil, na década de 1960, as políticas públicas já tiveram uma marca explicitamente repressiva. O Estado atuava junto à sociedade como aquele que tinha que garantir a ordem e a paz social não dando prioridade a questão das necessidades da população, como saúde pública, educação, previdência e assistência social e, por fim, habitação popular. A implicação desta conotação é de que as políticas públicas eram estabelecidas a partir de um total desdém as questões sociais que assolavam a realidade nacional (MACIEL, 2007, p. 3). 29 Foi a partir desse período que o Estado passa a desempenhar um papel regulador, ou seja, a intervir efetivamente nas ações de natureza econômica, política e social da sociedade para sustentar a sua legitimidade. Com efeito, assim escreve Maciel (2007, p. 3): Isto evidencia outra característica comum nas políticas sociais que é destacada por Behring (1998), uma vez que passaram a integrar ‘a estratégia global anticrise do capital após 1929’. Isto quer dizer que as políticas sociais foram adotadas nos países capitalistas como parte de uma estratégia de superação das crises cíclicas do capital. É assim que as políticas públicas, especialmente as políticas sociais, se tornaram importantes estratégias na manutenção das relações de poder que o Estado representa. Por isso mesmo Galper (1986) destaca que as políticas sociais nos países de Estado de Bem Estar tem duas funções básicas, uma função econômica já que os recursos gastos nas políticas sociais contribuem para a manutenção das taxas de lucro do capital, e uma função de legitimação, uma vez que mantém uma imagem de preocupação do Estado com os interesses da classe trabalhadora e assim garantem a conservação do controle social [Grifo do autor]. O Estado brasileiro, especificamente (1920-1980) sempre teve uma direção desenvolvimentista (dos anos 1930 até o final dos anos 1960) e/ou intervencionista (até final dos anos 1980), cumprindo função ativa na formulação das diretrizes econômicas, delineando-as para viabilizar o capitalismo industrial e financeiro. O Estado era o promotor do desenvolvimento e não o transformador das relações da sociedade. Considerando esta linha de raciocínio, tratou de providenciar a infraestrutura necessária para a iniciativa privada, fornecendo ainda, os insumos necessários aos empreendimentos que ampararam o processo de desenvolvimento. Tem-se ainda que a crise dos anos 1980, no Brasil, marca o esgotamento do padrão de atuação do Estado desenvolvimentista, levando este a buscar novos modelos de atuação e relação com o mercado. Iniciou-se a privatização significativa das empresas públicas, tinha-se também, intenção de sanear as finanças nacionais. Nesta época, a essência das políticas públicas estava voltada para motivar o crescimento econômico, acelerando o processo de industrialização, o que era almejado pelo Estado brasileiro, sem modificar as relações de propriedade existentes na sociedade brasileira. Mas foi na década de 1980 que a sociedade brasileira teve outro grande desafio, o de romper com o clientelismo e com a dominação da democracia representativa. 30 Após a década de 1990, o Estado teve início de um período de definições econômicas, sociais e políticas, resultando em profundas mudanças que apontavam em direção a um Estado com características neoliberais. Essas mudanças possibilitaram a tomada de medidas políticas, econômicas e sociais no campo da proteção e desenvolvimento social (saúde, educação, assistência e previdência, infraestrutura social e trabalho, entre outros) foram adotadas pelo governo brasileiro. Estas, desde a década de 1990, têm repercutido expressivamente, seja na forma como no conteúdo das políticas públicas. Destacam-se as medidas neoliberais do Consenso de Washington da abertura comercial; da desregulamentação dos fluxos financeiros; da privatização das empresas estatais; da ampla reforma administrativa do Estado (para acabar com estabilidade no emprego público e para abrir os serviços públicos à iniciativa privada); e da reforma dos direitos sociais (MACIEL, 2007, p. 4). Continua Maciel (2007, p. 4-5): Essas medidas têm gerado fortíssimos reflexos no conjunto dos direitos sociais reconhecidos pela constituição federal de 1988, pois se constituíram em uma nova investida do capital no momento em que outra crise cíclica atingia o sistema. A solução encontrada para manter a lucratividade exigia, entre outras coisas, o desmonte dos sistemas de bem estar social que, segundo os neoliberais, eram os grandes responsáveis pelos gastos públicos e as crises fiscais que os Estados passavam. Assim, ‘a reestruturação produtiva vem sendo conduzida em combinação com o ajuste neoliberal, o qual implica a desregulamentação de direitos, o corte dos gastos sociais, deixar milhões de pessoas à sua própria sorte e ‘méritos individuais’ [Grifo do autor]. No que se refere ao planejamento das políticas públicas, foram avançados novos tópicos para discussão: descentralização, desconcentração, flexibilização e a introdução de novas parcerias, e a participação social. No discurso oficial, as políticas sociais adquirem novos contornos, e o leque é reforçado com a inclusão das dimensões ambiental e sanitária, além do emprego e geração de renda (LOWBEER, 2002, p. 74). É bom lembrar que a sociedade brasileira não tem a tradição de Estado regulador, porém de Estado fazedor, protetor; não tem tradição de Estado que regule que negocie com a sociedade os espaços políticos. Porém, hoje está aprendendo a fazer. Nesse sentido, a Constituição Federal de 1988, ao instituir novos princípios e diretrizes para as políticas públicas cumpridas pelo Estado brasileiro, determinou parâmetros precisos ao processo de elaboração e fiscalização 31 das diversas políticas setoriais. Não obstante, mais de vinte anos pós-promulgação da Constituição Federal, pode-se identificar dificuldades para a efetividade desses novos princípios e diretrizes. Nessa lógica, se, por um lado, a atual Constituição é portadora de progressos consideráveis frente à história brasileira, por outro lado, as mazelas do legado da disparidade social e dos longos anos de crises da economia se revelaram obstáculos para a sua implementação, somados ao sucessivo processo de contrarreformas. As constantes ameaças de desregulamentação e as frequentes emendas à Carta Suprema seguem como um dos maiores desafios para toda sociedade (PAIVA; MATTEI, 2009, p. 2). Deste modo, as políticas públicas no Brasil, ainda não conseguiram beneficiar a todos em igualdade de condições, persistindo o aumento da desigualdade e a miserabilidade. As atuais políticas ainda privilegiam setores que ganham os investimentos e a Constituição Federal ainda não vem sendo cumprida nos seus direitos sociais. Na visão de Ferreira (1999, p. 47): Os antigos mecanismos de proteção social, desenvolvidos por meio de políticas sociais públicas, que pretendiam concretizar direitos de cidadania, estão se desintegrando. Hoje em lugar do compromisso governamental com o pleno emprego, com políticas universais e com o provimento de mínimos sociais como direito de todos, predominam políticas sociais residuais, causais, seletivas ou focalizadas na pobreza extrema, como forma de amenizar os impactos desagregadores e destrutivos da nova questão social. Segundo informações prestadas pelo IPEA5, a temática da pobreza, desigualdade de renda e políticas públicas no Brasil, na década de 2000 se apresenta da seguinte forma: Na década atual, a combinação entre a continuidade da estabilidade monetária, a maior expansão econômica e o reforço das políticas públicas, como a elevação real do salário mínimo, a ampliação do crédito popular, reformulação e alargamento dos programas de transferências de renda aos estratos de menor rendimento, entre outras, se mostrou decisiva para a generalizada melhora social no Brasil. Para que essa trajetória de resultados socioeconômicos positivos persista, torna-se cada vez mais necessário considerar os limites da atual conformação do conjunto das políticas públicas frente ao patamar da desigualdade e pobreza existente. Entre 1995 e 2008, por exemplo, a queda média anual na taxa nacional de 5 Este Comunicado contou com a assistência e colaboração de: Jorge Abrahão de Castro, José Valente Chaves, Milko Matijascic, Guilherme Dias, James da Silva, Daniel Castro, Douglas Portari e João Cláudio Garcia. 32 pobreza absoluta (até meio salário mínimo per capita) foi de -0,9%, enquanto na taxa nacional de pobreza extrema (até ¼ de salário mínimo per capita) foi de -0,8% a.a. Para o período mais recente (2003/08), a queda média anual na taxa nacional de pobreza absoluta (até meio salário mínimo per capita) foi de –3,1%, enquanto na taxa nacional de pobreza extrema (até ¼ de salário mínimo per capita) foi de -2,1% a.a. Em todos os períodos de tempo considerados, a taxa de pobreza cai mais rapidamente que a diminuição na medida de desigualdade. O que significa dizer que o combate à pobreza parece ser menos complexo que o enfrentamento da desigualdade de renda (IPEA, 2010). O mesmo órgão informa que: Para além da montagem dos grandes eixos estruturadores da intervenção social do Estado brasileiro, convém destacar ainda três fatores decisivos nas políticas públicas após a Constituição Federal de 1988. O primeiro fator foi a elevação do gasto social. Quando se considera o total das despesas sociais nas três esferas da administração pública do País e se relaciona com o Produto Interno Bruto, nota-se a sua expansão. Ainda que se deva mencionar que o PIB brasileiro cresceu bem abaixo de sua média histórica (6%) e que o gasto social precisa ser considerado por habitante, não há como negar a sua elevação. Mas isso ocorreu, sobretudo, após a aprovação da Constituição Federal. Entre 1985 e 1990, o total do gasto social relativamente ao PIB aumentou 42,9%, passando de 13,3% do PIB, em 1985, para 19,0%, em 1990 (7,4% a.a.), enquanto entre 1990 e 2005 o gasto social em relação ao PIB cresceu somente 15,3% (0,9% a.a.). O segundo fator resulta do movimento de descentralização da política social. [...] Por fim, o terceiro fator está relacionado à participação social na conformação e gestão das políticas sociais brasileiras. De maneira geral, todas as principais políticas sociais possuem conselhos de participação social federal, estadual e municipal, quando não são acompanhadas por conferências populares que evidenciam a maior transparência e eficácia na aplicação dos recursos públicos (IPEA, 2010). Após essa consideração, necessário se faz a definição de política pública que está direcionada na ideia de diretrizes da administração pública (GARCIA, 1996, p. 65-66)6, ou seja, de metas, fins sociais que ordenam um programa de ação a ser desenvolvido pelo Estado intervencionista. Em se tratando de conceito e definições de políticas públicas, conforme entendimento de Bucci (2006, p. 11) podem assim ser dados: As políticas públicas têm distintos suportes legais. Podem ser expressas em dispositivos constitucionais, ou em leis, ou ainda em normas infralegais, como decretos e portarias e até mesmo em instrumentos jurídicos de outra natureza, como com tratos de concessão de serviço público, por exemplo. 6 “Tais diretrizes constituem o que se denominam políticas públicas, ou seja, princípios, ‘metas coletivas conscientes’ que direcionam a atividade do Estado, objetivando o interesse público”. (GARCIA, 1996, p. 65-66). 33 Para Barros (2010, p. 19) Tem-se, pois, até o momento, que as políticas públicas: a) se ligam à atividade promocional do Estado, constituindo-se em metas, programas, fins, objetivos sociais previamente definidos; b) se prestam à realização paulatina dos direitos sociais, econômicos e culturais, na qualidade de objeto destes; c) demandam a necessidade de estabelecimento de meios (legais, pessoais e institucionais) para a consecução de fins determinados; d) não prescindem da destinação de recursos públicos, pelo que se faz mister, dentro de alguns parâmetros, fiscalizar a alocação de recursos e a execução orçamentária, à luz dos ditames constitucionais e legais; e, e) não se compadecem com ações ou, mais freqüentemente, com omissões do Poder Público, que não sobrevivam a uma ponderação de interesses. Bucci (2006, p. 39) descreve que Política pública é o programa de ação governamental que resulta de um processo ou conjunto de processos juridicamente regulados - processo eleitoral, processo de planejamento, processo de governo, processo orçamentário, processo legislativo, processo administrativo, judicial visando coordenar os meios à disposição do Estado e as atividades privadas, para a realização de objetivos socialmente relevantes e politicamente determinados. Como tipo ideal, a política pública deve visar à realização de objetivos definidos, expressando a seleção de prioridades, a reserva de meios necessários à sua consecução e o intervalo de tempo em que se espera o atingimento dos resultados. Tem-se ainda que o conceito de políticas está relacionado com política social, política econômica, política fiscal, política tributária, política de saúde, política habitacional, política de assistência, política educacional, que são políticas sociais, são estratégias governamentais direcionadas a determinado contexto ou problema que se quer resolver. Segundo Derani (2002, p. 239) Políticas são atos oriundos das relações de força na sociedade, materializados sob diversas formas. São denominadas de públicas quando essas ações são comandadas por agentes estatais e destinadas a alterar as relações sociais existentes. As políticas públicas são manifestações das relações de forças sociais refletidas nas instituições estatais e atuam sobre campos institucionais diversos em função do interesse público, destinandose a alterar as relações sociais estabelecidas. No entendimento de Appio (2009, p. 136) As políticas públicas podem ser conceituadas como instrumentos de execução de programas políticos baseados na intervenção estatal na sociedade com a finalidade de assegurar igualdade de oportunidades aos cidadãos, tendo por escopo assegurar as condições materiais de uma 34 existência digna a todos os cidadãos. As políticas públicas no Brasil se desenvolvem em duas frentes, quais sejam, políticas públicas de natureza social e de natureza econômica, ambas com um sentido complementar e uma finalidade comum, qual seja, de impulsionar o desenvolvimento da Nação, através da melhoria das condições gerais de vida de todos os cidadãos. Nas palavras de Teixeira (2002, p. 2) Políticas públicas são diretrizes, princípios norteadores de ação do poder público; regras e procedimentos para as relações entre poder público e sociedade, mediações entre atores da sociedade e do Estado. São, nesse caso, políticas explicitadas, sistematizadas ou formuladas em documentos (leis, programas, linhas de financiamentos) que orientam ações que normalmente envolvem aplicações de recursos públicos. Nem sempre, porém, há compatibilidade entre as intervenções e declarações de vontade e as ações desenvolvidas. Devem ser consideradas também as ‘não-ações’, as omissões, como formas de manifestação de políticas, pois representam opções e orientações dos que ocupam cargos [Grifo do autor]. Conforme ensinamentos de Sen (2000, p. 18), é preciso ressaltar também que as políticas públicas, mormente aquelas voltadas para a concretização dos direitos fundamentais sociais, estão ligadas à concepção de desenvolvimento. Para esclarecer, escreve que: O desenvolvimento requer que se removam as principais fontes de privação de liberdade: pobreza e tirania, carência de oportunidades econômicas e destituição social sistemática, negligência dos serviços públicos e intolerância ou interferência excessiva de Estados repressivos. A despeito de aumentos sem precedentes na opulência global, o mundo atual nega liberdades elementares a um grande número de pessoas – talvez até mesmo à maioria. Às vezes a ausência de liberdades substantivas relaciona-se diretamente com a pobreza econômica, que rouba das pessoas a liberdade de saciar a fome, de obter uma nutrição satisfatória ou remédios para doenças tratáveis, a oportunidade de vestir-se ou morar de modo apropriado, de ter acesso a água tratada ou saneamento básico. Em outros casos, a privação de liberdade vincula-se estreitamente à carência de serviços públicos e assistência social, como por exemplo, a ausência de programas epidemiológicos, de um sistema bem planejado de assistência médica e educação ou de instituições eficazes para a manutenção da paz e da ordem locais. Em outros casos, a violação da liberdade resulta diretamente de uma negação de liberdades políticas e civis por regimes autoritários e de restrições impostas à liberdade de participar da vida social, política e econômica da comunidade (SEN, 2000, p. 18). Na intenção de sistematizar as políticas públicas, na visão de Lopes (2005, p. 133), estas se agrupam em gêneros diversos: a) políticas sociais relacionadas à prestação de serviços essenciais (saúde, educação, segurança, justiça, etc.); b) políticas sociais compensatórias (previdência e assistência social, seguro 35 desemprego, etc.); c) políticas de fomento (créditos, incentivos, preços mínimos, desenvolvimento industrial, tecnológico, agrícola, etc.); d) as reformas de base (reforma urbana, agrária, etc.); e) políticas de estabilização monetária; além de outras mais específicas ou genéricas. Desse modo, as políticas públicas, caracterizadas como programas de atuação estatal, têm como desígnio primordial dar efetividade a direitos sociais que se mostram imprescindíveis ao bem estar dos cidadãos, sendo estas necessariamente desenvolvidas pelo Poder Executivo estatal. Diante disso, surge a necessidade de que estas políticas públicas, tão fundamentais à boa qualidade de vida, sejam avaliadas e controladas para que alcancem suas finalidades. A elaboração de uma política pública tem relação com a atividade de planejamento, sendo esta voltada para a realização do bem comum, permitindo a elevação do nível de racionalidade das decisões que ordenam complexos processos sociais (BUCCI, 2006, p. 259-260). Deste modo, a finalidade das políticas públicas é minimizar as desigualdades sociais, dando a todos um tratamento específico segundo as suas necessidades. Deve-se considerar também que as políticas públicas serão benéficas se excepcionar as peculiaridades locais como diferenciais competitivos e facilitadores do processo de desenvolvimento econômico, sociopolítico e ambiental. Ressalta-se também que o processo precisa ser participativo, independente de diferenças políticas, religiosas ou de qualquer natureza. O Estado é o principal formulador das políticas públicas de desenvolvimento, ao inserir a dimensão política no cálculo econômico, deve buscar composição do sistema econômico nacional. No entanto, para o planejamento e elaboração de políticas, demanda-se uma análise da realidade social e uma definição dos objetivos e metas, bem como, considerar os recursos disponíveis para a realização das ações. Nesse sentido, os indicadores sociais (IBGE: pesquisa básica para censos estatísticos, além destes, há outras pesquisas institucionais do IBGE e de registros administrativos dos ministérios – da Saúde, da Educação e Trabalho, e ainda, o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), que podem ser também bastante úteis na construção de indicadores sociais) são instrumentos empregados para auxiliar a formulação e a avaliação de políticas públicas, não obstante de nem sempre mostrarem as características contraditórias presentes nos Estados e nos municípios 36 como, por exemplo, a coexistência de padrões do desenvolvimento humano com a persistência da pobreza e das desigualdades sociais, que esbarram em questões estruturais, agravadas pelo desemprego e pela redução da renda das famílias (AMORIN; RELON, 2009, p. 6). Observando a estrutura de um planejamento voltado para a elaboração e implementação das políticas públicas se demanda a sua análise em três elementos essenciais: programa; ação-coordenação; e processo. O ‘programa’ tem como finalidade individualizar as unidades de ação administrativa relacionadas aos resultados que se pretende alcançar. Em outras palavras, o programa nos remete ao conteúdo propriamente dito de uma política pública, à sua dimensão material, sendo que nele são especificados os objetivos a atingir e os meios correspondentes. Por outro lado, considerando que a característica primordial de uma política pública é a de buscar a concretização de um objetivo por meio da observância de um determinado programa, mostra-se evidente que este deve ser concebido como um programa de ‘ação coordenada’. Agir coordenadamente permite que o Estado consiga obter os resultados almejados no programa. Por último, quanto ao ‘processo’, tem-se que um programa de ações coordenadas, para efetivar-se, depende da conjugação do procedimento (enquanto conjunto de atos direcionados a um fim) e do contraditório (na medida em que exige a participação ativa e dinâmica dos interessados). (BUCCI, 2006, p. 40-44, Grifo do autor) Bucci (2006, p. 147-148) observa que o planejamento exige um Estado forte, capaz de direção e coordenação. Para promover o desenvolvimento, devem ser formuladas as funções do Estado, bem como devem ser estruturado e seu instrumental. [...] a administração pública brasileira está longe das exigências do desenvolvimento. Neste raciocínio Bucci (2006, p. 147) lembra que No Brasil sempre houve dificuldades para adequar a Administração Pública aos fins da política de desenvolvimento perseguidos pelo estado. As tentativas de planejamento global foram frustradas, sem qualquer continuidade ou institucionalização de estruturas burocráticas planejadoras adequadas: cada plano elaborado por um órgão diferente da Administração Pública. Diante disso, o desenvolvimento de uma política pública envolve: a) o processo de identificação dos problemas a serem tratados; b) o estabelecimento de uma agenda e propositura de soluções, abrangendo a realização dos estudos multidisciplinares necessários; c) a especificação dos objetivos que se pretende 37 alcançar; d) por fim, a indicação dos melhores modos de condução da ação pública, tratando-se, desta maneira, da formulação da política (MASSA-ARZABE, 2006, p. 70). Nesse sentido As definições das políticas públicas relacionam-se com o perfil institucional que cada Estado desenha para si, através de seu ordenamento, e esta questão exerce influência significativa nos resultados substanciais do processo político, pois, conforme as regras definidas, haverá vantagens ou desvantagens para os diversos participantes do processo. Quem toma decisões políticas deve estar investido de autoridade formal para tais atos, já que terá, em conseqüência, autoridade para comprometer os recursos estatais. Cada país estabelece, em sua Constituição, as competências para a definição das escolhas das políticas públicas. Nos Estados democráticos, as decisões surgem da avaliação de, pelo menos, dois poderes, o Legislativo e o Executivo. As decisões políticas costumam ocorrer nos cenários institucionais, onde se reúnem os cidadãos representantes das populações para participar do processo político. Os objetivos desses participantes, todavia, podem não coincidir, pois alguns se orientam pela moral pública, outros, pelos próprios interesses (DAL BOSCO, 2008, p. 248). O Poder Executivo é o responsável direto pela implementação de programas de governo que visem à realização do bem comum, contando com o auxilio dos Conselhos de Gestão no que se refere à elaboração das políticas públicas, principalmente nas áreas da saúde, crianças e adolescentes, educação e assistência social. Para isso, os referidos Conselhos contam com a participação de diversos segmentos da sociedade, exemplificando-se o terceiro setor (Organizações não Governamentais – ONG), as associações, entidades de classe, clubes de serviço, dentre outros. Tais segmentos podem contribuir para a análise das prioridades do ente público nas áreas correspondentes aos direitos sociais, formulando projetos, apontando e encaminhando sugestões e requerimentos ao Poder Executivo no sentido de que sejam implementados. Percebe-se, no entanto, que o Estado tem negligenciado quanto ao atendimento à população das políticas públicas, em especial, da saúde, dando azo para que não só instituições privadas, mas também o poder judiciário, a pedido do Ministério Público, venham intervir para que ocorra a efetivação dessas políticas. Após demonstrar, mesmo que de forma breve, o surgimento das políticas públicas bem como dar sua definição e implementação cumpre agora verificar os direitos sociais e de que forma ocorre seu controle. 38 2.3 DIREITOS SOCIAIS Primeiramente, cumpre dizer que direito social se refere à dimensão globalizada, integrada, buscando-se a máxima concretização da isonomia e da proporcionalidade, são direitos que tendem a alcançar os direitos econômicos e trabalhistas; os direitos individuais, civis e políticos. Os direitos sociais são aqueles, em que o Estado Social de Direito tem a responsabilidade constitucional de garantir as liberdades positivas aos indivíduos. Esses direitos são referentes à educação, saúde, trabalho, previdência social, lazer, segurança, proteção à maternidade e à infância e assistência aos desamparados. Sua essência é a melhoria das condições de vida dos menos favorecidos, em prol da igualdade social, estão enfatizados a partir do artigo 6º da CRFB/1988. Os direitos sociais caracterizam-se, deste modo, como direitos marcados pela busca da igualdade entre os indivíduos. Nesse sentido, ao mesmo passo em que o princípio da igualdade é aquele que alavanca o entendimento de que os direitos sociais se mostram necessários para a liberdade do indivíduo, o princípio da solidariedade se revela como aquele capaz de harmonizar as várias dimensões dos direitos fundamentais, fazendo com que possam ser reconhecidos e garantidos simultaneamente. Neste diapasão, direitos sociais, de acordo com Araújo (2010, p. 310) [...] que os direitos sociais, como os direitos fundamentais de segunda geração, são aqueles que reclamam do Estado um papel prestacional, de minorização das desigualdades sociais. Nesse sentido, o artigo 6 do texto constitucional, embora ainda de forma genérica, faz alusão expressa aos direitos sociais: a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção a maternidade e à infância, a assistência aos desamparados. Ressalta-se que o direito à moradia foi acrescido pela Emenda Constitucional n. 26, de 14 de fevereiro de 2000, colocando-a como direito social explicito. Já a definição de direitos sociais de Ferreira Filho (2003, p. 310), é: São estes direitos a prestações positivas por parte do Estado, vistos como necessários para o estabelecimento de condições mínimas de vida digna para todos os seres humanos. Costumam se apontados como a segunda geração dos direitos fundamentais. 39 Os direitos sociais nasceram das lutas dos trabalhadores pelo direito ao trabalho e a um salário digno, para que assim pudessem desfrutar das riquezas e dos recursos produzidos pelos seres humanos, como a saúde, a moradia, alimentação, lazer e educação. Então esses direitos estão relacionados ao modo de como a sociedade foi se formando. Assim, a Revolução Industrial do século XVIII teve como resultado o surgimento da questão social, assim entendida como “[...] o problema ou a procura das causas das perturbações que dificultam a realização do justo social na totalidade da sociedade e igualmente o esforço para encontrar os meios para superar essas causas” (NASCIMENTO, 2006, p. 10). Com o crescimento da indústria e o surgimento das máquinas (1680), houve o aparecimento do proletariado, exploração da mão-de-obra, condições indignas de trabalho e a inexistência de leis que amparassem o trabalhador. Foi a partir da Revolução Francesa (1789), que se iniciou um processo de reconhecimento das novas exigências econômicas e sociais, que logo se difundiu por toda Europa. As Declarações dela sucedidas, como por exemplo, a Declaração do Direito do Homem de 1789, já davam sinais de novos direitos, denominados sociais. A Constituição Francesa de 1791 previu a criação de um estabelecimento geral de Assistência Pública no antepenúltimo parágrafo do Titulo I: “[...] será criado e organizado um estabelecimento geral de assistência pública, para educar as crianças abandonadas, ajudar os enfermos pobres e fornecer trabalho aos pobres válidos que não tenham podido encontrá-lo" (RAMOS, 2008, p. 3). Segundo Ramos (2008, p. 4-5), em decorrência da insatisfação dos trabalhadores com a exploração do capitalismo em 1848, sob a influência do Manifesto Comunista de Marx e Engels, ocorreu outra vez na França a Revolução que visava a reinstauração da República. Dessa forma, a nova Constituição Francesa de 1848, deu inicio ao processo de criação do que viria a ser o Estado do Bem estar Social no século XX (1940), constituindo deveres sociais do Estado para com os trabalhadores e os necessitados em seu artigo 13. A Constituição garante aos cidadãos a liberdade de trabalho e de indústria. A sociedade favorece e encoraja o desenvolvimento do trabalho [...]; ela fornece assistência às crianças abandonadas, aos doentes e idosos sem recursos e que não podem ser socorridos por suas famílias. 40 A influência do socialismo, no inicio do século XIX, teve grande importância para o fortalecimento dos direitos sociais e direitos econômicos no mundo, já que nesta época o individualismo do capitalismo fez com o proletariado chegasse a um grau de miséria conflitante com a dignidade humana. Tais direitos foram abraçados pelas Constituições do México, de 1917, e a da Alemanha, de 1919. No Brasil, a primeira Constituição a reconhecê-los foi a de 1934. Na visão de Lima Junior (2001, p. 292), o liberalismo clássico do século XVIII deu prioridade ao valor da liberdade e o fim do Estado absolutista, "[...] os movimentos sociais do século XIX buscavam aprofundar essa transformação em termos de proporcionar uma vida melhor para as pessoas [...]", priorizando o valor da igualdade. Assim, os direitos sociais surgiram, de acordo com a história, com a ideologia do movimento socialista que defendia ser crucial a existência das condições de vida digna, quando se refere a valores de igualdade, a todos os grupos ou classes sociais. A Revolução Russa de 1917, com a Declaração dos Direitos do Povo Trabalhador e Explorado7, resultou em mudanças no campo socioeconômico e político. No entanto, tal declaração, seguindo as linhas do Manifesto Comunista de Marx e Engels, só considerava como titular de direitos os trabalhadores com promessas do tipo "esmagar impiedosamente todos os exploradores". Foi, portanto, contrária aos direitos humanos, já que, em razão da luta de classes, não se considerou o princípio da igualdade entre todos os indivíduos, não exercendo grande influência na definição dos novos direitos fundamentais (RAMOS, 2008, p. 6). Por influência dos movimentos sociais acima mostrados, inicia-se no século XX, com a Constituição Mexicana (1917), artigo 5º, a regulamentação dos direitos trabalhistas, como a limitação da jornada de trabalho em 8 horas, a idade mínima para o trabalho, a proteção da maternidade, entre outros, atribuindo à liberdade de trabalho a qualidade de garantia individual (RAMOS, 2008, p. 7). Também, na Alemanha, a Constituição de Weimar (1919), passa a ter como compromisso, a garantia dos direitos individuais, tais como a igualdade jurídica entre marido e mulher (artigo 119 da constituição), equiparação dos filhos ilegítimos aos legitimamente havidos durante o matrimônio, educação gratuita, direito de 7 A Declaração dos Direitos do Povo Trabalhador e Explorado foi promulgada na Rússia, em janeiro de 1918, pelo III Congresso Pan-Russo dos Sovietes dos Deputados Operários, Soldados e Camponeses (RAMOS, 2008). 41 conservarem o seu idioma, função social da propriedade, em fim, teve início a organização das bases da democracia social. Riguetti e Alapanian (2006, p.112) dizem que A presença do Estado, com a ampliação do gasto social e do nível de emprego, não apenas contribuiu para reduzir o número de desempregado, como se mostrou determinante para aqueles que na condição de ‘sem emprego’ não tivessem o padrão de vida rebaixado. O estado subsidiava a mão de obra, com a política do Bem estar Social (Walfare State). Portanto, pleno emprego, serviços sociais definem o estado de Bem estar -Social [Grifo do autor]. Diante disso, em meados do século XIX até os anos de 1930, foi consolidado o Estado do Bem estar , Estado Social, também conhecido como Welfare State8. Este modelo de estado foi desenvolvido principalmente na Europa, tendo sido implementado com maior intensidade nos Estados Escandinavos (ou países nórdicos) tais como Suécia, Dinamarca, Noruega e Finlândia. Este estado é governado pelo princípio de que os governos são responsáveis pela garantia de um mínimo padrão de vida (mínimos sociais, como saúde, educação) como direito social para todos os cidadãos. Ao Estado do bem estar social cabe a garantia dos serviços públicos e proteção à população. O Estado do Bem Estar Social desenvolveu-se então mediante um pacto de classes: a reconstrução econômica e social do capitalismo com geração de emprego, renda e a forma de bem estar social tornou-se consenso político nos países capitalistas avançados (RIGUETTI; ALAPANIAN, 2006, p. 113). No entanto, a percepção da ineficiência do Estado Social em gerir todos os setores dos quais ficou investido, mais especificamente a economia de mercado e o assistencialismo, final da segunda guerra, as principais idéias do Liberalismo retornaram surgindo Neoliberalismo. Deste modo, no século XX (1930), primeiramente na Alemanha e nos Estados Unidos, surge o Estado intervencionista, o qual passou a buscar o bem estar e a justiça social, atuando como instrumento de organização da economia e regulação dos níveis da desigualdade social. Ramos (2008, p. 8-9) observa que após a crise da segunda guerra mundial 8 O Welfare State, de origem inglesa, surgiu nos países europeus devido à expansão do capitalismo após a Revolução Industrial e o Movimento de um Estado Nacional visando à democracia. Segundo Draibe e Henrique (1988, p. 21) “seu início efetivo dá-se exatamente com a superação dos absolutismos e a emergência das democracias de massa”. O Welfare State é uma transformação do próprio Estado a partir das suas estruturas, funções e legitimidade. Também conhecido como Estado providência. 42 As idéias neoliberais passaram a prosperar como forma de combater o comunismo, e se concretizaram a partir do governo Thatcher, na Inglaterra, tendo se difundido rapidamente pelos EUA (1980, com Reagan), Alemanha (1982, com Kohl), Dinamarca (1983, com Schluter), e quase todos os países da Europa Ocidental. [...] O neoliberalismo constitui uma reação teórica e política veemente contra o Estado intervencionista e do Bem estar, no qual a intervenção estatal é vista como ameaça à liberdade individual. [...] Retoma o crescimento da exclusão social. Neste sentido, Stiglitz citado por Ramos (2008, p. 09), observa ao afirmar que o processo de globalização, seguindo o modelo atual, está produzindo "[...] países ricos com pessoas pobres [...]", e que a igualdade social só existirá se "os vencedores dividirem seus benefícios com os perdedores". No Brasil, desde 1824 já existia um indicativo de direitos sociais, seguindo o protótipo das declarações de direito da Revolução Francesa de 1789 e na linha da Constituição de Weimar. No entanto, foi na Constituição brasileira de 1934, que se introduziu uma ordem econômica social, reconheceu-se a maioria dos direitos sociais mais difundidos, principalmente no tocante ao trabalho (salário mínimo, jornada de trabalho de oito horas, isonomia salarial, repouso semanal, as férias remuneradas dentre outros), tornando-se constantes nas Constituições seguintes, 1946, 1967, EC 1969, 1988. A Constituição brasileira de 1934 reconheceu a maioria dos direitos sociais mais difundidos, principalmente no tocante ao trabalho, entre eles: a isonomia salarial, o salário mínimo, a jornada de trabalho de oito horas; a proibição do trabalho de menores, o repouso semanal, as férias remuneradas, a indenização por dispensa sem justa causa, a assistência médica ao trabalhador e à gestante, bem como reconheceu a existência dos sindicatos e associações profissionais, estabeleceu ainda a submissão do direito de propriedade ao interesse social ou coletivo, entre outras medidas. Com o surgimento do Estado Novo, que vigorou entre 1937 e 1945, no Brasil, apontou-se no palco social, a instalação do aparato executor das políticas sociais no país. Pois, além da legislação trabalhista acima descrita, surgiu a obrigatoriedade do ensino e a cobertura previdenciária associada à inserção profissional, no entanto, restrito aos que tinham carteira assinada. O Welfare State no Brasil como aponta Draibe apud Wieczynski (2010, p. 4), surge entre as décadas de 1930 e 1970 e possui as seguintes fases 43 [...] 1930/1943: criação dos institutos de aposentadorias e pensões, legislação trabalhista, regulação de políticas nas áreas de saúde e educação. Há uma centralização dos recursos na Esfera Federal; 19451964: inovações nos campos da educação, saúde, assistência social e na habitação popular. Estas ações estavam guiadas sob a forma seletiva, heterogênea (benefícios) e fragmentada (institucional e financeiro quanto à intervenção social do Estado). Continua Wieczynski (2010, p. 4-5) que na [...] Déc. de 60 até meados da déc. de 70: supera-se a forma fragmentada e socialmente seletiva, há um espaço para a universalização (educação, saúde, assistência social, previdência e habitação). Este período segue alguns elementos importantes, tais como: a) 1965-77: há uma organização no interior do Estado quanto ao financiamento do Welfare State; b) 1977-81: expansão massiva; c) 1981-85: reestruturação conservadora; d) 1995-88: reestruturação progressista; e) 1988: definição do novo perfil (CRFB/1988). Foi na Constituição brasileira de 1988 que os Direitos Sociais foram elevados ao plano de direitos fundamentais da pessoa humana, inserindo-os no Título II, que trata dos Direitos e Garantias Fundamentais. Nesse sentido, sucedeu a legislação infraconstitucional, sobrevindo direitos sociais de forma ampla, destacando-se a Consolidação das Leis do Trabalho, de 1943, a Lei de Planos de Benefícios (Lei 8.213 de 24 de julho de 1991) e a Lei Orgânica da Assistência Social (Lei 8.742 de 7 de dezembro de 1993). Para melhor explicar a definição de direitos fundamentais, Pinho (2001, p. 60), escreve que Direitos fundamentais são considerados indispensáveis à pessoa humana, necessários para assegurar a todos uma existência digna, livre e igual. Não basta o estado reconhecê-los formalmente; deve buscar concretizá-los, incorporá-los no dia-a-dia dos cidadãos e de seus agentes. Mas para Canotilho (2002, p. 1378) direitos fundamentais são: "[...] direitos do particular perante o Estado, essencialmente direito de autonomia e direitos de defesa". São qualificados como individuais, porque pertencem exclusivamente a pessoa, e o Estado como titular de direitos, com o dever de proteger o cidadão, tem a obrigação de velar pelo seu cumprimento. Para Comparato (2001, p. 56), os direitos fundamentais são os direitos humanos reconhecidos como tal pelas autoridades, às quais se atribui o poder político de editar normas, tanto no interior dos Estados quanto no plano 44 internacional. Os direitos humanos são positivados nas Constituições, nas leis, nos Tratados Internacionais. Pinho (2001, p. 58) observa que A atual Constituição brasileira foi a primeira a fixar objetivos para o Estado, em uma clara inspiração na Constituição portuguesa elaborada após a restauração democrática. Trata-se de uma constituição voltada não só para o presente, mas também para o futuro. Observa-se que os objetivos previstos no seu artigo 3º não se confundem com os fundamentos estabelecidos no artigo 1º. Os fundamentos são princípios inerentes ao próprio Estado brasileiro, fazem parte de sua construção. Já os objetivos fundamentais são as finalidades a serem alcançadas. Essas metas, muito embora passam apresentar-se, de certa forma, como utópicas, servem de claro rumo para os governos nacionais na formulação e implementação de suas políticas. Esses dispositivos constitucionais possuem inegável carga jurídica, sendo inconstitucional qualquer medida que venha a contrariá-lo. Continua Pinho (2001, p. 58-59) que Foram estabelecidos quatro objetivos fundamentais para a República Federativa do Brasil: a) Construir uma sociedade livre, justa e solidária; b) Garantir o desenvolvimento nacional; c) Erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais; d) Promover o bem estar de todos, sem preconceitos de qualquer natureza. O desrespeito a um dos objetivos importa em desobediência de um dos princípios fundamentais da ordem constitucional, justificando séria repulsa pelos poderes constituídos. Tem-se então que o legislador ao inserir na CRFB/1988 o desígnio do estado em construir uma sociedade livre, justa e solidária, estava remetendo-se aos direitos de liberdade, igualdade e solidariedade, vinculando-se ainda à fraternidade. Já a idéia de garantir o desenvolvimento nacional, esta tem relação primariamente econômica. Por fim, quando se refere a erradicação da pobreza, da marginalização e da redução das desigualdades sociais e regionais, expressou que a República deve desfazer, anular a pobreza e a marginalização, diminuindo e minimizando as desigualdades. Nestes termos, os direitos fundamentais são avaliados como materialização do Princípio da Justiça Social. Entende-se que os direitos sociais, elencados no artigo 6º da CRFB/1988 são cláusulas pétreas, não podendo assim, serem abolidos. É admissível tão somente a sua alteração em favor da sociedade. 45 Em 2010 com a emenda Constitucional nº. 649, que alterou o artigo 6º, acrescentou-se ao seu rol a moradia, cujo texto ficou: “são direitos sociais a educação, saúde, alimentação, trabalho, moradia, lazer, segurança, previdência social, proteção à maternidade e à infância, assistência aos desamparados, na forma desta Constituição”. Dessa forma, os direitos fundamentais fazem parte da realidade da pessoa humana, que passou por momentos de discussões e ideologias. O Estado tem o seu papel de responsabilidade com o sujeito, e o indivíduo por sua parte procura sempre resguardar esses direitos, legalizado constitucionalmente. Tais direitos conquistados, tiveram seu caminho temporal, cultural, filosófico, político, dogmático, onde se buscando sempre o bem comum do cidadão no âmbito jurídico e social (SILVA, 2010, p. 02). Nesse sentido, o direito à saúde, pode ser considerado, um direito positivo10, cabendo ao Estado a implementação de políticas públicas sociais que viabilizem a sua concretização para a população. 2.4 DIREITO À SAÚDE O direito à saúde foi reconhecido internacionalmente em 1948, quando da aprovação da Declaração Universal dos Direitos Humanos pela Organização das Nações Unidas (ONU) (BRASIL, 2007). No Brasil, as políticas públicas de saúde praticamente inexistiram nos tempos de colônia, o modelo exploratório da mão de obra nem pensava nessas coisas. As principais doenças eram a varíola, febre amarela e cólera. As condições de vida eram precárias, os tratamentos de saúde eram feitos pelos curandeiros e/ou padres. Foi com a chegada da família real portuguesa em 1808, as necessidades da corte impeliram a criação das duas primeiras escolas de medicina do país, uma na cidade de Salvador e outra no Rio de Janeiro, sendo estas as únicas medidas governamentais até a República (POLIGNANO, 2010). 9 Artigo 6º São direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição. (Redação artigo 6º da Constituição Federal de 1988). Artigo 6º São direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição. (Emenda Constitucional nº 26, de 2000). 10 Criado e preservado pela ação estatal com outorga de prestações fáticas. 46 Foi no governo de Rodrigues Alves (1902-1906) que ouve a primeira medida sanitária no país. A ausência de saneamento básico e das várias doenças graves, este presidente nomeou Oswaldo Cruz para buscar soluções ao mal que se instalara, tendo como seu sucessor Carlos Chagas que estrutura uma campanha de ação e educação sanitária (POLIGNANO, 2010). Na verdade, pouco foi feito pela saúde neste período, mas com a chegada dos europeus, que formaram a primeira massa de operários no Brasil, começou-se a discutir, com forte pressão e manifestações, um modelo de assistência médica para a população pobre. Dessa forma, em 1923, produto do crescimento industrial e da significativa mobilização dos trabalhadores, surge a lei Elói Chaves, instituindo as Caixas de Aposentadoria e Pensão (CAPs ) que eram sustentadas pelas empresas que passaram a oferecer esses serviços aos seus funcionários11. As CAPs consistiam num fundo criado pelas empresas, com o aporte dos empregados, para financiar a aposentadoria dos trabalhadores e a sua assistência médica. (POLIGNANO, 2010) No entanto, aqueles que não participavam na sociedade urbana, eram excluídos. A esse respeito, dizem Silva e Mahar apud Oliveira e Teixeira (1989, p. 33): A lei Eloy Chaves não previa o que se pode chamar, com propriedade contribuição da união. Havia, isto sim, uma participação no custeio, dos usuários das estradas de ferro, provenientes de um aumento das tarifas, decretado para cobrir as despesas das Caixas. A extensão progressiva desse sistema, abrangendo cada vez maior número de usuários de serviços, com a criação de novas Caixas e Institutos, veio afinal fazer o ônus recair sobre o público em geral e assim, a se constituir efetivamente em contribuição da União. O mecanismo de contribuição tríplice (em partes iguais) refere-se à contribuição pelos empregados, empregadores e União foi obrigatoriamente instituído pela Constituição Federal de 1934 (alínea h, § 1º, artigo 21). Essa realidade começa a mudar a partir da Revolução de 1930, fato histórico que leva Getúlio Vargas ao poder, e, incentivada pelo processo de industrialização crescente e pela acumulação capitalista fundada em capital industrial, com o declínio 11 As CAPs eram financiadas pela União, pelas empresas empregadoras e pelos empregados. Elas eram organizadas por empresas, de modo que só os grandes estabelecimentos tinham condições de mantêlas. O presidente das mesmas era nomeado pelo presidente da República e os patrões e empregados participavam paritariamente da administração. Os benefícios eram proporcionais às contribuições e foram previstos: assistência médica-curativa e fornecimento de medicamentos; aposentadoria por tempo de serviço, velhice e invalidez, pensão para os dependentes e auxílio funeral. 47 da atividade agrícola, além da integração social de amplas massas de trabalhadores na estrutura sindical, o que levou o Estado a implantar políticas sociais. Foi na década de 1930, que Getúlio Vargas converte as CAPs em Institutos de Aposentadoria e Pensão (IAPs), unificando as diversas CAPs de uma mesma categoria. Com a centralização da administração dos recursos, foi possível ampliar e estender os benefícios, já que na forma anterior as pequenas empresas encontravam dificuldades de organizar as suas CAPs (POLIGNANO, 2010). O Centro de Educação e Assessoramento Popular (CEAP), (2005, p. 8) mostra que Os IAPs passaram a gerenciar grandes somas de recursos, pois o número de empregados com carteira assinada que contribuíam com os institutos crescia bastante e a quantidade de aposentados ainda era pequena. No entanto, o direito à saúde continuava restrito a quem contribuísse. Devemos salientar, também, que os IAPs dedicavam apenas uma pequena parcela para a saúde. Alguns investiam 33% dos recursos (como era o caso dos bancários); outros destinavam menos de 10% (como era o caso dos industriários, com 8,6%). As principais alternativas adotadas para a saúde pública, no período de 1930 a 1940, segundo Braga e Paula (apud Bravo, 2006, p. 4), foram Ênfase nas campanhas sanitárias; coordenação dos serviços estaduais de saúde dos estados de fraco poder político e econômico, em 1937, pelo Departamento Nacional de Saúde; interiorização das ações para as áreas de endemias rurais, a partir de 1937, em decorrência dos fluxos migratórios de mão-de-obra para as cidades; criação de serviços de combate às endemias (Serviço Nacional de Febre Amarela, 1937; Serviço de Malária do Nordeste, 1939; Serviço de Malária da Baixada Fluminense, 1940, financiados, os dois primeiros, pela Fundação Rockefeller – de origem norte americana); reorganização do Departamento Nacional de Saúde, em 1941, que incorporou vários serviços de combate às endemias e assumiu o controle da formação de técnicos em saúde pública. Com o fim da segunda guerra mundial (1945), surge uma nova ordem constitucional. No Brasil, a Constituição de 18 de setembro de 1946 passou a disciplinar os direitos fundamentais do indivíduo na norma contida em seu artigo 141. O caput deste artigo reconhece o direito à vida como expresso status de liberdade pública (SILVA, 2009, p. 74). Em 1933, é criado o Ministério da Educação e Saúde e as Caixas de Aposentadoria e Pensão são substituídas pelos Institutos de Aposentadoria e Pensões (IAPs), as quais passam a ser dirigidas por entidades sindicais e não mais 48 por empresas como as antigas caixas. O primeiro IAP foi o dos funcionários marítimo, mas a União continuou se eximindo do financiamento do modelo. Assim, a contribuição sindical continuou a manter a instituição. Já nos anos 1940 a 1964, inicio da ditadura militar no Brasil, discutiu-se a sobre a saúde pública, tendo como base a unificação dos IAPs no sentido de tornar o sistema mais abrangente. Em 1960, cria-se a Lei Orgânica de Previdência Social (LOPS), a qual unifica os IAPs em um regime único para os trabalhadores regido pela Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT), no entanto, excluindo os trabalhadores rurais, empregados domésticos e funcionários públicos. Pela primeira vez o Estado passa a participar da administração financeira da saúde, mesmo que de forma tímida, não sendo mais responsabilidade somente dos trabalhadores e das empresas (POLIGNANO, 2010), mas excluiu os trabalhadores da gestão e decisões. Em 1956, foi criado o Departamento Nacional de Endemias Rurais (DNERU), incorporando os antigos serviços nacionais de febre amarela, malária, peste. A concretização de tais propostas só ocorreu em 1967, pelo comando dos militares, com a unificação de IAPs e a criação do Instituto Nacional de Previdência Social (INPS), como política pública, o que levou ao surgimento de muita demanda para pouca oferta, e o governo encontrou como solução pagar a rede privada pelos serviços prestados à população. Antes de 1974, o governo federal criou o Fundo de Apoio ao Desenvolvimento Social (FAS) que ajudou a ampliar a rede privada de hospitais. Com o tempo essa estrutura foi se modificando e criou-se o Instituto Nacional de Assistência Médica da Previdência Social (INAMPS). Mesmo com estas políticas, de 1969 a 1984, o número de leitos privados cresceu significativamente, no entanto, poucas medidas de saneamento básico foram tomadas, mas a mais importante foi a criação da Superintendência de Campanha da Saúde Pública (SUCAM), um grande salto na história, sem falar da reforma sanitária. Com a CRFB de1988, a saúde passa a ser um direito de todos e um dever do Estado. Deste modo, é dever do Estado garantir os recursos necessários e gerenciar o sistema para que seja concretizado o direito à saúde para toda a população. Não obstante esse direito ser garantido, existe dificuldade do Estado (União, estados e municípios) em garantir recursos suficientes e gerenciá-los adequadamente para consolidar o direito à saúde. 49 Ma foi durante a transição democrática que a saúde passa a ter fiscalização da sociedade. Em 1981, é criado o Conselho Consultivo da Administração da Saúde Previdenciária (CONASP), e, por conseguinte, surgem outros órgãos que incluem a participação da sociedade civil como o Conselho Nacional dos Secretários Estaduais de Saúde (CONASS) e o Conselho Nacional dos Secretários Municipais de Saúde (CONASEMS). Com a criação do CONASP a sociedade civil passou a ser mais ouvida e o sistema privado de saúde precisou buscar alternativas para a administração da saúde, fortalecendo-se o subsistema de atenção médico-suplementar. Inicia-se a era dos convênios médicos que se apresentam nas seguintes modalidades: medicina de grupo, cooperativas médicas, auto-gestão, seguro-saúde e plano de administração. Dessa maneira, a classe média passa a aderir estes convênios, respondendo contra as falhas da saúde pública. Em contrapartida, os constituintes da transição democrática, representado pelo fim do regime autoritário e o advento da nova república, coincidem com o fortalecimento do movimento municipalista. Neste contexto se dá em 1986, a VIII Conferência Nacional de Saúde (VIII CNS), considerada como um dos marcos da Reforma Sanitária. Em 1987 é criado por decreto presidencial, o Sistema Unificado e Descentralizado de Saúde (SUDS), concebido pelo movimento sanitarista servindo de base para a criação do Sistema Único da Saúde (SUS)12, incorporado pela Constituição Federal do Brasil promulgada em 1988 (MATTOS; SANTOS, 2010, p. 4-5). A CRFB de 1988, capítulo VIII, da Ordem social na secção II define no artigo 196 que “A saúde é direito de todos e dever do estado, garantindo mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e 12 O sistema único de saúde, integrado de uma rede regionalizada e hierarquizada de ações e serviços de saúde constitui o meio pelo qual o Poder Público cumpre o seu dever na relação jurídica de saúde que tem no pólo ativo qualquer pessoa e a comunidade, já que o direito e à proteção da saúde é também um direito coletivo. O SUS rege-se pelos princípios da descentralização, com direção única em cada esfera de governo, do atendimento integral, com prioridade para as atividades preventivas, e da participação da comunidade, que confirma seu caráter de direito socialpessoal, de um lado, e de direito social-coletivo do outro. O sistema é financiado com recursos do orçamento da seguridade social da União, dos Estados do Distrito Federal e dos Municípios. A EC29/2000, dando nova redação ao artigo 198 da CRFB/1988, previu que essas entidades apliquem, anualmente, em ações e serviços de saúde pública os recursos de produto de suas arrecadações tributárias e de transferências em percentagens e critérios estabelecidos em lei complementar, mas o artigo 77 do ADCT, acrescido pela mesma Emenda, já estabelece o percentual de 5% para a União,12% para os Estados e 15% para os Municípios e o Distrito Federal (SILVA apud MATTOS; SANTOS, 2010, p.19). O financiamento do SUS está previsto em lei, tanto na Constituição Federal como na Lei Orgânica da Saúde, que reúne as leis federais 8.080 e 8.142 de 1990. 50 ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação”. Igualmente, verifica-se que o legislador constituinte reconheceu que são de relevância pública as ações e serviços de saúde, artigo 197, alentando, assim, a exigibilidade do direito à saúde, atribuindo-lhe o caráter de serviço público essencial. Mas antes disso, o artigo 194 diz que a omissão seguridade social compreende um conjunto integrado de ações de iniciativa dos Poderes Públicos e da sociedade, destinadas a assegurar os direitos relativos à saúde, à previdência e à assistência social. A partir daí, novas legislações passam a ser implantadas considerando o novo modelo de saúde pública no país. Assim, em 1990 o governo edita as Leis 8.080 e 8.142, conhecidas como as Leis Orgânicas da Saúde, que regulamentam o SUS. Nesse contexto ganha importância o debate sobre a municipalização da gestão do sistema e as alternativas da redefinição do(s) modelo(s) assistencial (ais) do SUS. Este artigo apresenta uma sistematização teóricoconceitual e metodológica sobre a Vigilância da Saúde [...] Enfatiza o uso da epidemiologia e das ciências sociais em saúde na análise da situação de saúde da população, no planejamento e programação local e na organização de operações dirigidas ao enfrentamento de problemas específicos, em territórios delimitados, com ênfase nas ações intersetoriais e setoriais de promoção da saúde, prevenção de riscos e agravos, e reorganização da assistência médico ambulatorial e hospitalar (BRASIL, 2002). Desse modo toda a política de saúde pública precisa estar em consonância com o que dispõe as Leis 8.080/1990 a 8.142/1990. Também a CRFB de 1988, dispõe nos seus artigo 196 a 200, princípios, diretrizes, bases de financiamento e competências ferais do SUS. Mas as Ações e serviços públicos de saúde integram uma rede regionalizada e hierarquizada, e constituem um sistema único, organizado de acordo com as seguintes diretrizes: I. Descentralização, com direção única em cada esfera de governo; II. Atendimento integral, com prioridade para as atividades preventivas, sem prejuízo dos serviços assistenciais; III. Participação da comunidade Parágrafo único - o sistema único de saúde será financiado, com recursos do orçamento da seguridade social, da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, além de outras fontes (BRASIL, 2002). 51 Ainda, de acordo com a Lei 8.080/1990, artigo 7º, são princípios do SUS: I– universalidade de acesso aos serviços de saúde em todos os níveis de assistência; II– integralidade de assistência, entendida como conjunto articulado e contínuo das ações e serviços preventivos e curativos, individuais e coletivos, exigidos para cada caso em todos os níveis de complexidade do sistema; III– preservação da autonomia das pessoas na defesa de sua integridade física e moral; IV– igualdade da assistência à saúde, sem preconceitos ou privilégios de qualquer espécie; V– direito à informação, às pessoas assistidas, sobre sua saúde; VI– divulgação de informações quanto ao potencial dos serviços de saúde e a sua utilização pelo usuário; VII– utilização da epidemiologia para o estabelecimento de prioridades, a alocação de recursos e a orientação programática; VIII– participação da comunidade; IX– descentralização político administrativa, com direção única em cada esfera de governo: a) ênfase na descentralização dos serviços para os municípios; b) regionalização e hierarquização da rede de serviços de saúde; X– integração em nível executivo das ações de saúde, meio ambiente e saneamento básico; XI– conjugação dos recursos financeiros, tecnológicos, materiais e humanos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios na prestação de serviços de assistência à saúde da população; XII– capacidade de resolução dos serviços em todos os níveis de assistência; XIII– organização dos serviços públicos de modo a evitar duplicidade de meios para fins idênticos. Desse modo toda política de saúde pública precisa estar em consonância com o que dispõe a CRFB e com as Leis 8.080/1990 e 8.142/1990. Esta dispõe nos artigos 196 a 200, princípios, diretrizes, bases de financiamento e competências gerais do SUS. Mas a Lei 8080/1990 dispõe sobre as condições para a promoção, proteção e recuperação da saúde, e sobre a organização e o funcionamento dos serviços correspondentes, detalhando as seguintes matérias: I) a composição institucional do SUS, seus objetivos e atribuições gerais, princípios e diretrizes, forma de organização, direção e gestão, atribuições comuns e competências específicas de cada esfera político-administrativa da federação brasileira (União, estados e municípios); - II) o funcionamento e participação dos serviços privados de assistência médica; e, III) o financiamento do sistema, contemplando disposições relativas às receitas necessárias à realização de suas finalidades, à gestão financeira dos recursos, ao planejamento e ornamentação de suas atividades. Além disso, tratam de alguns aspectos da política de recursos humanos e de disposições transitórias relativas a patrimônio, hospitais universitários, convênios SUDS, alguns aspectos da relação com o setor privado, 52 gratuidade das ações e serviços, participação no investimento em ciência e tecnologias (BRASIL, 2005). Já a Lei 8142/1990 Promulgada por força de um amplo processo de pressão e negociação política, complementa a Lei 8080/90. Especialmente no que se refere à participação da comunidade na gestão do sistema e às transferências intergovernamentais de recursos financeiros na área da saúde. Matérias que foram objeto de vetos presidenciais quando da promulgação da Lei 8080/90. Vale destacar que no ano 2000, foi aprovada uma emenda constitucional, a Emenda Constitucional nº 29, já incorporada ao texto constitucional, que estabeleceu um patamar para a aplicação de recursos dos orçamentos públicos (União, estados, do Distrito Federal e Municípios), para o financiamento das ações e serviços de saúde. Em termos normativos, destacam-se as Normas Operacionais Básicas do Sistema Único de Saúde (NOB-SUS). [...] Correspondem à síntese das negociações e dos pactos firmados entre os gestores dos três níveis de direção do SUS – nacional, estadual e municipal – na Comissão Intergestores Tripartite, 13 discutida e aprovada pelo Conselho Nacional de Saúde (BRASIL, 2005). O texto constitucional demonstra que o SUS tem por base a formulação de um modelo de saúde volvido para as necessidades da população, buscando resgatar a obrigação do Estado para com o bem estar social, sobretudo no que refere à saúde coletiva, consolidando-o como um dos direitos da cidadania, assegurando, portanto, a participação do cidadão nas instâncias do poder. Na década de 1990, que houve avanço da política neoliberal-privatizante, levando a implantação de políticas econômicas racionalizadoras, atingindo diretamente a efetivação de políticas sociais, o que levou a ampliação da oferta da saúde à sociedade pela iniciação de saúde privada. Nesse sentido, Mattos e Santos (2010, p. 5-6), dizem que O governo Collor impôs vetos a pontos importantes da Lei 8080, de 19 de setembro de 1990 que previam transferência direta e automática de recursos federais aos fundos estaduais e municipais de saúde e a participação deliberativa da população no SUS, através dos conselhos de saúde. Mais uns vês a sociedade civil se mobiliza e exige o cumprimento dos pontos acordados na discussão do texto da lei. E no VII Encontro Nacional de Secretários Municipais de Saúde realizado em Fortaleza de 9 à 13 de dezembro de 1990, o ministro da Saúde, Alcemi Guerra, reconhece o erro do governo e no último dia da conferencia envia ao congresso a Lei 8142, que dispõe sobre a participação da população e a transferência de recursos aos estados e municípios, sancionada em 28 de dezembro de 1990. Esta vitória deveu-se não só ao CONASEMS5, mas também a 13 Entre o período 1991 a 2002, foram publicadas quatro normas operacionais: a NOB-SUS 01/91, (revisada e reeditada em 92); a NOB-SUS 01/93; a NOB-SUS 01/96; e, a Norma Operacional da Assistência à Saúde (NOAS-SUS) 01/2001 (revisada e reeditada em 2002). 53 articulação de mais de duas centenas de entidades da sociedade civil, fórum que ficou conhecido como Plenária Nacional pela Saúde na Constituinte. De tal modo o sistema de saúde brasileiro passou a obedecer a diretrizes como descentralização, com direção única em cada esfera de governo, atendimento integral com prioridade para as atividades preventivas. O Estado passou a assumir, apenas, o papel de promotor e regulador dessas políticas não estatal, situada na sociedade civil, e por isso, fortemente incentivada pela lógica da administração privada e da contabilidade empresarial (SIMÕES, 2008, p. 128). Continuam, os autores, Mattos e Santos (2010, p. 12) dizendo que A CRFB/1988 definiu uma nova forma de organização dos serviços de Saúde que se baseia na gestão única em cada esfera de governo diferenciando do modelo do SUDS que se dava pelos colegiados interinstitucionais. O SUS foi regulamentado pela Lei Orgânica nº 8.080/19/12/1990 e apresentou alterações em relação ao projeto original: a questão do financiamento do SUS não foi resolvida, não foram definidas as fontes estáveis disponíveis em volume suficiente para financiar um atendimento à saúde que deveria ser equânime e integral. [...] No ano de 1992 ocorreu a IX Conferência Nacional de Saúde e os reformistas adotaram a idéia de que o município era o caminho sendo que passaram a considerar a municipalização o meio de contemplar a transformação. Em 1996, com o impeachment do Presidente Collor de Mello, buscou-se resgatar o modelo do SUS baseado nas idéias reformistas que defendiam a municipalização, estabeleceu-se a descentralização, criando-se a Norma Operacional Básica (NOB) de 1993. Esta era intitulada como descentralização das ações e serviços de saúde, tornando-o permeável ao controle social. Houve a reiteração do papel dos conselhos de saúde que já eram previstos na Lei nº 8.142, de 28/12/1990. Surgiram também as comissões de intergestores, composta paritariamente por dirigentes da secretaria de estado da saúde e do órgão de representação dos secretários municipais de saúde do estado (MATTOS; SANTOS, 2010, p.13). Há dessa forma percepção de que a qualidade de vida resulta da convergência de um amplo leque de políticas – indo do saneamento, da habitação, da educação e da cultura até as políticas voltadas para a geração de renda emprego (BRASIL, 2008, p. 13). 54 Dessa forma A Saúde constitui um direito social básico para as condições de cidadania da população brasileira. Um país somente pode ser denominado ‘desenvolvido’ se seus cidadãos forem saudáveis, o que depende tanto da organização e do funcionamento do sistema de saúde quando das condições gerais de vida associadas ao modelo de desenvolvimento vigente. Não basta ter uma economia dinâmica, com elevadas taxas de crescimento e participação crescente no comércio internacional, se o modelo de desenvolvimento não contemplar a inclusão social, a revisão das iniqüidades entre as pessoas e as regiões, o combate à pobreza e a participação e organização da sociedade na definição dos rumos da expansão pretendida (BRASIL, 2008 p. 5, Grifo do autor). Em 1993, em função da criação do SUS e do comando centralizado do sistema pertencer ao Ministério da Saúde, o INAMPS se torna obsoleto e é extinto. Neste período, o governo, descumprindo Leis Federais que determinava a previdência o repassar dos recursos financeiros para o Ministério da Saúde, o Ministério da Previdência a partir daquela data não mais transferiu recursos para a área da saúde, agravando a crise financeira do setor. Em 1995 Fernando Henrique Cardoso assume o governo, mantendo e intensificando a implementação do modelo neoliberal, atrelado a ideologia da globalização e da redução o do ‘tamanho do estado’. A crise de financiamento do setor saúde se agrava, e o próprio ministro da Saúde (1996) reconhece a incapacidade do governo em remunerar adequadamente os prestadores de serviços médicos e de que a cobrança por fora é um fato. Dessa forma, a alternativa encontrada para financiar a saúde encontrada pelo Ministro da Saúde – Adib Janete – foi a criação da CPMF (contribuição provisória sobre movimentação financeira), que entrou em vigor em 1997 (POLIGNANO, 2010, p. 27, Grifo do autor). Apesar da medida adotada, a crise financeira do setor de saúde não é superada, o que leva o governo ao processo de desestatização, caracterizando acréscimo da prestação indireta dos serviços a saúde, aumentando as delegações destes serviços nas modalidades de concessão, permissão, autorização e terceirização. Nesta nova fase governamental, o Estado não é mais o único provedor de serviços públicos, pois com a quebra do monopólio estatal, estes foram delegados à iniciativa privada. Em decorrência disso, o governo federal propõe aos municípios, o enquadramento em dois novos modelos de administração: Gestão Plena de Atenção Básica e Gestão Plena do Sistema Municipal. Tais modelos propõem a transferência para os municípios de determinadas responsabilidades de gestão direta do sistema hospitalar. 55 A partir de 1991 o Ministério da Saúde implanta o Programa Nacional de Agentes de Saúde (PNAS), que em 1992 passa a se chamar Programa de Agentes Comunitários de Saúde (PACS). Em 1994, o Ministério da Saúde cria o Programa Saúde da Família (PSF). Este programa foi proposto pelo governo federal brasileiro aos municípios para implementação da atenção básica em saúde pública. O PSF é tido como uma das principais estratégias de reorganização dos serviços e de reorientação das práticas profissionais neste nível de assistência, promoção da saúde, prevenção de doenças e reabilitação. Depois da mobilização dos setores organizados da sociedade, é aprovada a Lei 8.080/1990 que passa a regulamentar as políticas de saúde determinadas pela CRFB de 1988. O governo daquele período, representado pelo presidente Fernando Collor, resistiu ao cunho descentralizador dessa lei, vetando diversos artigos. Em novembro de 1998, o governo federal regulamentou a lei 9656/1998 sobre os planos e seguros privados de saúde, que fora aprovada pelo Congresso Nacional em junho daquele ano. De tal modo, os referidos programas que estavam vinculados à Fundação Nacional de Saúde (FUNASA) até que, em 1995, o PACS e o PSF, foram transferidos para a Secretaria de Assistência Saúde (SAS). Em torno de 1999 estes programas passaram à responsabilidade da Coordenação da Atenção Básica da Saúde. Neste mesmo ano o governo federal define as atribuições do ACS (BRASIL, 2003). Sendo assim, são pressupostos que orientam o PACS e atribuições dos ACS, segundo a Lei 10507 de 2002: [...] conhecer o processo saúde doença; conhecer o paradigma sanitário; praticar a vigilância em saúde; trabalhar estruturas e não somente a conjuntura, desconstruindo estruturas obsoletas e desgastantes a fim de fortalecer estruturas adequadas e satisfatórias; transformar a informação em conhecimento; considerar o processo de educação a partir das necessidades básicas do ser humano. Fazer do convívio familiar e da comunidade, espaços de cuidados; democratizar as relações, socializando saberes. Resignificar o trabalho e resgatar a essência das pessoas, a vida; favorecer e fortalecer os espaços familiares, horizontalizando essa prática na perspectiva de autonomia não apenas da família a atrelada a um modelo, mas diversas constituições de família; desenvolver uma linguagem para a interpretação da vida, reconhecendo o valor da cultura popular; fortalecer a interface educação/ensino/serviço através de quatro pilares: aprender a ser; aprender a fazer; aprender a conhecer e aprender a conviver (BRASIL, 2002). 56 Observa Gil (2005, p. 490-491) que No âmbito da reorganização dos serviços de saúde, a estratégia da saúde da família vai ao encontro dos debates e análises referentes ao processo de mudança do paradigma que orienta o modelo de atenção à saúde vigente e que vem sendo enfrentada, desde a década de 1970, pelo conjunto de atores e sujeitos sociais comprometidos com um novo modelo que valorize as ações de promoção e proteção da saúde. [...] Estes pressupostos, tidos como capazes de produzir um impacto positivo na orientação do novo modelo e na superação do anterior, calcado na supervalorização das práticas da assistência curativa, especializada e hospitalar, e que induz ao excesso de procedimentos tecnológicos e medicamentosos e, sobretudo, na fragmentação do cuidado, encontra, em relação aos recursos humanos para o Sistema Único de Saúde - SUS, um outro desafio. [...] ao longo do tempo, tem sido unânime o reconhecimento acerca da importância de se criar um ‘novo modo de fazer saúde’ [Grifo do autor]. Dessa forma, um dos principais problemas enfrentados pelo Sistema Único de Saúde (SUS) desde a sua criação pela Lei 8.080/1990 refere-se à natureza instável do seu processo de financiamento. A curta vigência da norma constitucional prevendo a alocação mínima de 30% do Orçamento da Seguridade Social para a saúde, os empréstimos junto ao Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT) e a criação da Contribuição Provisória sobre a Movimentação ou Transmissão de Valores e de Créditos e Direitos de Natureza Financeira (CPMF) e a conseqüente redução de outras fontes são exemplos da instabilidade e da insuficiência de recursos que caracterizam o financiamento do setor, inviabilizando o adequado cumprimento da norma constitucional. Em decorrência dessa instabilidade, surge a luta pelo projeto de emenda constitucional (PEC 169) e após a regulamentação vira Emenda Constitucional nº 29. A Emenda Constitucional nº 29/2000, representou importante conquista da sociedade para a construção do SUS, já que com a sua aprovação, houve definição quanto aos percentuais mínimos de aplicação em ações e serviços públicos de saúde e institui regras para o período de 2000 a 200414. 14 Apesar de o Artigo 198 da CRFB, definir, em seu parágrafo 3º, a criação da Lei Complementar, a ser reavaliada pelo menos a cada cinco anos, estabelecendo percentuais, normas de fiscalização, avaliação e controle das despesas com saúde nas esferas Federal, Estadual, Municipal e no Distrito Federal, o texto constitucional não contempla as fontes de recursos federais e a base de cálculo de forma adequada. A falta de definição do processo de financiamento para depois de 2004 faz necessária à luta pela regulamentação da Emenda. 57 Mas a EC 2915 representou progresso para diminuir a instabilidade no financiamento que o setor de saúde enfrentou a partir da Constituição de 1988 (com o não cumprimento dos 30% do orçamento da seguridade social), bem como uma vitória da sociedade na questão da vinculação orçamentária como forma de diminuir essa instabilidade (CONSELHO NACIONAL DE SAÚDE (BRASIL), 2006). O Conselho Nacional de Saúde manifestou-se dizendo que De acordo com levantamento realizado pela consultoria técnica da Comissão de Financiamento e Orçamento - COFIN/CNS, a pedido do Conselho Nacional de Saúde, os gastos de ações em serviços de saúde na esfera federal após a vigência da EC 29 tiveram uma ligeira oscilação, ficando em torno de 1,85% do Produto Interno Bruto, o que representa uma estabilidade desses gastos em relação ao PIB. Já os gastos Estaduais apresentaram um crescimento, passando de 0,57% do PIB em 2000 para 0,79% do PIB em 2003, enquanto os gastos municipais passaram de 0,67% do PIB para 0,91% do PIB no mesmo período, segundo dados do SIOPS. Déficit - De acordo com o levantamento realizado pela consultoria técnica da COFIN, existe um déficit acumulado de aplicação pela União em 2001, 2002 e 2003, que totaliza R$ 1,6 bilhão, considerado o excesso que teve em 2004. Essa diferença foi adotada tendo como base de cálculo ou o valor empenhado ou o valor mínimo calculado segundo os critérios da Resolução 322 do Conselho Nacional de Saúde, o que fosse maior (CONSELHO NACIONAL DA SAÚDE (BRASIL), 2006). Segundo o Centro de Educação e Assessoramento Popular (CEAP) (2005) é importante observar que o investimento em saúde, por parte dos estados e, principalmente, dos municípios, vem crescendo, notadamente a partir de 2000, por efeito da EC 29. A participação dos municípios no orçamento público da saúde passou no período de 2000 a 2004, em média, de 25% para 50%. A participação do setor público no gasto nacional em saúde, passando de 44,15% para 59,60%. Destarte, o aumento do percentual de investimento passou dos municípios não pode justificar a estagnação ou redução do percentual de investimento por parte da União. 15 A regulamentação da EC 29 - A luta pela regulamentação se dá por não haver definição do processo para depois de 2004, e o Artigo 198 da Constituição Federal, em seu parágrafo 3º, define a criação da Lei Complementar, a ser reavaliada pelo menos a cada 5 (cinco) anos, estabelecendo os seguintes parâmetros: percentuais, normas de fiscalização, avaliação e controle das despesas com saúde nas esferas Federal, Estadual, Municipal e no Distrito Federal. PLC 01/2003 - O Projeto de Lei Complementar 01/2003 regulamenta a Emenda Constitucional nº 29. O referido PLC é de autoria do Deputado Roberto Gouveia (PT/SP), e o substitutivo, do Deputado Guilherme Menezes. O substitutivo foi aprovado na Comissão de Seguridade Social e Família no dia 11/08/2004, aprovado por unanimidade na Comissão de Tributação e Finanças da Câmara Federal no dia 09/11/2004. No momento o Projeto está tramitando na Comissão de Constituição e Justiça - CCJ, cujo relator, Dep. José Pimentel (PT-CE), já deu parecer favorável ao projeto e, agora, o PLC está aguardando a votação. O CNS fez gestão junto ao presidente desta Comissão colocando a importância desta votação. (Nota Técnica 009/2005 editada pela Assessoria de Comunicação do CNS) 58 De acordo com informações do IPEA e MS/SIOPS, assim decorreu nos anos de 1980 a 2005, a estimativa de participação em percentual nos gastos com saúde entre União, Estados e Municípios: Tabela 1 - Participação em percentual nos gastos com saúde Ano/Gov União Estados Municípios Est. + Mun. 1980 75,00 17,80 7,20 25,00 1985 71,70 18,90 9,50 28,40 1990 72,70 15,40 11,80 27,20 1995 63,80 18,80 17,40 36,20 2000 59,70 18,50 21,70 40,30 2005 49,80 25,50 24,70 50,20 Os dados de 2005 são estimativa. Fonte: IPEA e MS/SIOPS. Na visão de Mendonça (2009), percebendo a expansão do PSF que se solidificou como estratégia prioritária para a reorganização da Atenção Básica no Brasil, o governo emitiu a Portaria Nº 648, de 28 de Março de 2006, na qual estabelece que o PSF é a estratégia prioritária do Ministério da Saúde para organizar a Atenção Básica - que tem como um dos seus fundamentos possibilitar o acesso universal e contínuo a serviços de saúde de qualidade, reafirmando os princípios básicos do SUS: universalização, equidade, descentralização, integralidade e participação da comunidade - mediante o cadastramento e a vinculação dos usuários. Em 2006, o governo divulga a Portaria nº 399, de 22 de fevereiro de 2006, referente ao Pacto pela Saúde (2006) que contempla o compromisso consolidado entre as três instâncias federativas de gestão do Sistema Único de Saúde (SUS), e estabelece como prioridades o Pacto Pela Vida, o Pacto em Defesa do SUS e o Pacto de Gestão do SUS. O Pacto pela Saúde reforça o SUS como uma política de Estado que tem seus princípios garantidos na Constituição Federal. É um compromisso entre os gestores do SUS para a efetivação de iniciativas que ampliem a mobilização social e promovam a cidadania, favorecendo o acesso e maior qualidade aos serviços de saúde (BRASIL, 2007). 59 Segundo o Conselho Nacional da Saúde (SIOPS - Nota Técnica 009/2005), os Conselhos de Saúde e a sociedade devem lutar pelo financiamento da saúde e pela regulamentação da Emenda Constitucional nº 29 aprovada em setembro de 200016. Este Conselho aponta que "O SUS tem propostas de atendimento universal e equânime que precisam de orçamentos que atendam essas demandas" (CONSELHO NACIONAL DA SAÚDE (BRASIL), 2005). Em maio de 2008 o Senado aprovou a regulamentação da Emenda Constitucional nº 29. Os Conselhos e a sociedade devem estar atentos às constantes tentativas de dilapidação do orçamento da saúde, pois a todo o momento surgem projetos que anseiam abarcar despesas neste orçamento. "Precisamos ampliar o orçamento da área social, e não dividir um orçamento insuficiente com outras áreas sociais", disse o Ministro (CONSELHO NACIONAL DA SAÚDE (BRASIL), 2005). O SUS e seus princípios (Universalidade, Integralidade e Equidade) trouxeram ao povo brasileiro mais qualidade de vida. Porém, não pode-se negar os desafios impostos a cada dia, como o subfinanciamento; a privatização das ações, serviços e da gestão por meio da ingerência político partidária, de grupos e corporações organizadas; a manutenção do modelo hospital ocêntrico e médicodependente e a absoluta precarização nas relações e na remuneração do trabalho. Outro problema a enfrentar é a flagrante impunidade a compactuar, legitimar e institucionalizar todos esses equívocos estruturantes. 16 Em função do texto da Lei estar anexo, iremos apenas comentar as questões centrais aprovadas com a EC. Ela altera os artigos 34, 35, 156, 160, 167 e 198 da Constituição Federal. Ainda acrescentou um artigo ao Ato das Disposições Constitucionais Transitórias. Por se tratar de uma Emenda Constitucional, teve que passar pela aprovação do plenário do Congresso. 60 Segundo a Agenda Política do Conselho Nacional de Saúde17 (2010), os desafios impostos a cada dia na questão da saúde não param. Tem-se o subfinanciamento; a privatização das ações; os serviços e gestão por meio da ingerência político partidária de grupos e corporações organizadas; a manutenção do modelo hospitalocêntrico e médico-dependente; a absoluta precarização nas relações e na remuneração do trabalho, os quais exigirão daqueles que têm compromisso e responsabilidades com essa conquista histórica (SUS), medidas e ações imediatas que apontem para o resgate dos seus princípios e conseqüente fortalecimento e consolidação (CONSELHO NACIONAL DA SAÚDE (BRASIL), 2010). Destaca ainda que Foi nessa perspectiva que o Conselho Nacional de Saúde realizou, em 2009, a Caravana em Defesa do SUS. Após os debates por todo o País, a primeira Caravana em Defesa do SUS apresentou as propostas que 17 Em reunião realizada em maio de 2008 o CNS e outras instituições e especialistas na área da saúde pública, particularmente do Sistema Único de Saúde, manifestaram preocupação em relação ao impacto negativo do Projeto de Emenda Constitucional da Reforma Tributária para o financiamento da Seguridade Social, quando foram discutidas e tiradas as seguintes conclusões: O projeto nº 233/08, prevê a eliminação da COFINS, PIS e Salário-Educação e, em substituição, a criação do Imposto sobre o Valor Adicionado (IVA-Federal), além da extinção da CSLL e sua incorporação ao Imposto de Renda das Pessoas Jurídicas (IRPJ). Outra mudança importante refere-se à unificação da legislação do ICMS no âmbito federal, mantida a competência de tributar para os Estados. Quanto ao Orçamento da Seguridade Social. O projeto reduz as fontes de financiamento exclusivas com a extinção das Contribuições e a redução gradativa da base de cálculo das contribuições previdenciárias dos empregadores sobre a folha de pagamento. Estabelece também que a participação do Orçamento Fiscal para o financiamento da Seguridade Social corresponderá a 39,7% da soma dos recursos arrecadados com o IR, IPI e IVA-F. Por fim, o projeto estabelece a criação do FNDR (Fundo Nacional de Desenvolvimento Regional), para estimular as políticas de desenvolvimento regional, e do FER (Fundo de Equalização corresponderá a 39,7% da soma dos recursos arrecadados com o IR, IPI e IVA-F. Equalização o projeto de reforma tributária que pode representar o “desmonte” das bases de financiamento das políticas sociais introduzidas pela Constituição de 1988, considerando a nova redação proposta para o artigo 195 (que manterá apenas a contribuição sobre a folha de salários, a contribuição do trabalhador e a receita de concursos e prognósticos). A incorporação constitucional do que está sendo proposto na PEC 233, pode trazer mais duas graves consequências para o campo da saúde pública. Em primeiro lugar, há o risco do “sepultamento” do projeto de lei de regulamentação da Emenda Constitucional 29, visto que, entre outros pontos, um dos mais importantes dessa regulamentação seria a definição de um percentual da receita corrente bruta para o financiamento das ações e serviços públicos de saúde no âmbito da União, o que estaria prejudicada pela definição de uma nova base de cálculo trazida pela PEC 233 da Reforma Tributária. Em segundo lugar, o risco de nova redução da participação relativa do governo federal no financiamento da saúde pública e, conseqüentemente, uma maior alocação de recursos dos governos estaduais e municipais, além daquela que ocorreu nos últimos anos: em relação ao PIB, os gastos de saúde do governo federal ficaram estagnados nesta década, enquanto que os dos Estados e Municípios cresceram no mesmo período. Assim sendo, o possível ganho dos Estados e Municípios com a ampliação da base de cálculo para definir os valores de transferências do Fundo de Participação dos Estados (FPE) e do Fundo de Participação dos Municípios (FPM). O Impacto da Reforma Tributária sobre o Financiamento da Seguridade Social – COFIN/CNS (Texto coletivo elaborado pelos membros da COFIN/CNS em Maio de 2009). 61 entende como fundamentais para a superação dos problemas elencados. São essas propostas que, após análise da conjuntura atual, foram definidas pelo Plano do CNS em sua 205º Reunião Ordinária, em janeiro de 2010, prioridades da Agenda Política do CNS deste ano: criação da Carreira Única da Saúde; Estabelecimento do Serviço Civil em Saúde; prover a autonomia administrativa e financeira dos serviços SUS; Profissionalizar a administração e a gestão do SUS; flexibilização da Lei de Responsabilidade Fiscal; aprovação da Lei de Responsabilidade Sanitária; Estruturação da atenção primária (CONSELHO NACIONAL DA SAÚDE (BRASIL), 2010). O Conselho Nacional de Saúde entende que é necessária a realização de novas ações de modo que venha a aproximar-se mais dos demais atores sociais ligados ao SUS e, reafirma sua deliberação de estar mobilizado e lutar pelas transformações sociais e políticas em prol dos direitos do usuário cidadão (CONSELHO NACIONAL DA SAÚDE (BRASIL), 2010). Desse modo, com as considerações acerca da saúde, percebe-se que com o advento da CRFB de 1988, esta passou a ser, de maneira explícita, direito fundamental social, ficando registrado que este direito à saúde é de todos, indistintamente, constituindo-se em dever do Estado assegurar o acesso universal e igualitário às ações e serviços de saúde, os quais devem integrar uma rede regionalizada e hierarquizada, constituindo-se num sistema único (SUS) organizado de acordo com a diretriz do atendimento integral, dentre outras (TAVARES, 2010). Enfatiza o mesmo autor que o direito à saúde é concebido como direito de todos e dever do Estado, devendo ser atendido mediante políticas sociais e econômicas visando à redução de doenças, garantindo assim, o principal direito, o direito à vida. Importante observar ainda que no Brasil, o órgão do Poder Executivo Federal, o Ministério da Saúde, é o responsável pela organização e elaboração de planos e políticas públicas voltados para a promoção, prevenção e assistência à saúde dos brasileiros. Tem como função dispor de condições para a proteção e recuperação da saúde da população, reduzindo as enfermidades, controlando as doenças endêmicas e parasitárias e melhorando a vigilância à saúde, dando, assim, mais qualidade de vida ao brasileiro (BRASIL, 2011). Segundo informações dadas pelo Ministério da Saúde, é incumbência deste Promover a saúde da população mediante a integração e a construção de parcerias com os órgãos federais, as unidades da Federação, os municípios, a iniciativa privada e a sociedade, contribuindo para a melhoria da qualidade de vida e para o exercício da cidadania (BRASIL, 2011). 62 No que se refere aos assuntos de competência do Ministério da Saúde são, segundo informação fornecida pelo mesmo, são elas: Política Nacional de Saúde, Coordenação e fiscalização do Sistema Único de Saúde, Saúde ambiental e ações de promoção, proteção e recuperação da saúde individual e coletiva, inclusive a dos trabalhadores e dos índios, Informações de saúde, Insumos críticos para a saúde, Ação preventiva em geral, vigilância e controle sanitário de fronteiras e de portos marítimos, fluviais e aéreos, vigilância de saúde, especialmente drogas, medicamentos e alimentos e Pesquisa científica e tecnologia na área de saúde (BRASIL, 2011). O Ministério da Saúde desempenha várias ações programas com a finalidade de trazer a saúde para perto do cidadão e, dar ao profissional, a especialização necessária para que ele possa exercer seu trabalho com mais qualidade. Neste espaço, o usuário tem acesso aos principais programas e projetos desenvolvidos recentemente pelo ministério e fica sabendo como o dinheiro público está sendo investido na promoção da saúde e na qualidade de vida do brasileiro (BRASIL, 2011). Ainda, é atribuição do Ministério da Saúde (MS) definir e coordenar os sistemas de redes integradas de assistência de alta complexidade e de rede de laboratórios de saúde pública, conforme preceito do artigo 16, Inciso III da CRFB de 1988. O MS tem competência também para identificar os serviços estaduais e municipais de referência nacional para o estabelecimento de padrões técnicos de assistência à saúde, estabelecer o Sistema Nacional de Auditoria e coordenar a avaliação técnica e financeira do SUS em todo o território nacional, em cooperação técnica com as outras esferas de governo (artigo 16, Inciso XI e XIX) (BRASIL. Conselho Nacional de Secretários de Saúde, 2007, p. 26). Como órgão deliberativo às questões de saúde, foi formado o Conselho Nacional de Saúde (CNS), instância máxima de deliberação do Sistema Único de Saúde (SUS) de caráter permanente e deliberativo, que tem como missão a deliberação, fiscalização, acompanhamento e monitoramento das políticas públicas de saúde (CONSELHO NACIONAL DE SAÚDE (BRASIL), 2011). Do mesmo modo, tem-se que O CNS é um órgão vinculado ao Ministério da Saúde composto por representantes de entidades e movimentos representativos de usuários, entidades representativas de trabalhadores da área da saúde, governo e 63 prestadores de serviços de saúde, sendo o seu Presidente eleito entre os membros do Conselho. É competência do Conselho, dentre outras, aprovar o orçamento da saúde assim como, acompanhar a sua execução orçamentária. Também cabe ao pleno do CNS a responsabilidade de aprovar a cada quatro anos o Plano Nacional de Saúde (CONSELHO NACIONAL DE SAÚDE (BRASIL), 2011). Não obstante a existência dos CNS, a CRFB de 1988, recepcionou o princípio da participação popular na administração pública, constituindo vários mecanismos de reforços às iniciativas populares. Para tanto, decorreu o sistema de descentralização quanto à organização e elaboração de planos e políticas públicas volvidas à promoção, prevenção e assistência à saúde dos brasileiros. Para melhor compreender, tem-se como definição da descentralização [...] processo de transferência de responsabilidades e prerrogativas de gestão para os estados e municípios, atendendo às determinações institucionais e legais que embasam o SUS e que definem atribuições comuns e competências específicas à União, aos estados, ao Distrito Federal e aos municípios (BRASIL, 2011). Considerando o processo de descentralização, a estrutura da saúde pública no Brasil conta também com atuação das secretarias estaduais e municipais de saúde. A CRFB de 1988 deu um importante passo na garantia do direito à saúde com a criação do Sistema Único de Saúde, o SUS. Seus princípios apontam para a democratização nos serviços de saúde, que deixam de ser restritos e passam a ser universais. Com esta nova sistemática, tais prestações do estado passam a ser norteados pela descentralização, os estados e municípios passam a assumir suas responsabilidades e prerrogativas diante do SUS, bem como desenvolvendo ações que dêem prioridade à prevenção e à promoção da saúde (BRASIL, 2011). Considerando o tema aqui tratado, necessário se faz fazer um breve apanhado quanto à incumbência da Secretaria de Estado da Saúde no Estado de Santa Catarina e de como se apresentam os órgãos que distribuem o cesso aos usuários na questão da saúde, em específico, nos municípios selecionados neste trabalho, iniciando-se por Mafra. De acordo com Brasil (2007, p. 27) às Secretarias Estaduais de Saúde é atribuída competência de acompanhar, controlar e avaliar as redes hierarquizadas do SUS (Lei n. 8.080/1990, artigo 17, Inciso II). É atribuída também às Secretarias Estaduais a identificação dos estabelecimentos hospitalares de referência, a gestão dos sistemas públicos de alta complexidade, de referência estadual e regional, e a 64 coordenação da rede estadual de laboratórios de saúde pública e hemocentros, além da gerência das unidades que permaneçam em sua organização administrativa (mesma lei, artigo 17, Incisos IX e X). E, conforme o divulgado no portal eletrônico da Secretaria de Saúde do Estado de Santa Catarina (2011), esta deverá assegurar aos usuários catarinenses: [...] aos catarinenses o acesso aos serviços de saúde, coordenando, planejando e avaliando a política e as ações de saúde no Estado, tendo como referência a resolutividade dos serviços, estímulo a parcerias, regionalização da saúde e o controle social, visando a promoção, a prevenção e a recuperação da saúde para a melhoria da qualidade de vida da população. Assim sendo, compete à Secretaria de Estado da Saúde desenvolver as atividades relacionadas ao Sistema Único de Saúde, especialmente, a saúde pública e medicina preventiva18. Já as Secretarias de Desenvolvimento Regional (SDR) respondem pela formulação, concepção e iniciativas gerais de implementação da Política Nacional de Desenvolvimento Regional (PNDR), bem como por seus instrumentos básicos, como os planos regionais estratégicos. Respondem também pela definição de diretrizes, prioridades e pelo acompanhamento dos mecanismos de apoio ao desenvolvimento regional (FLORIANO, 2010, p. 23). As SDR operam para promover a convergência de suas ações com as prioridades e objetivos da Política Nacional de Desenvolvimento Regional (PNDR) voltados para a redução das desigualdades regionais e ativação das potencialidades de desenvolvimento das diferentes regiões de Santa Catarina (BRASIL, 2007, p. 11). As SDR atuam no sentido de promover a convergência de suas ações com as prioridades e objetivos da PNDR voltados para a redução das desigualdades regionais e ativação das potencialidades de desenvolvimento das diferentes regiões de Santa Catarina. Com relação às Secretarias da Saúde dos municípios, compete a estas programar, coordenar e executar a política municipal de saúde pública e 18 A Secretaria de Estado da Saúde compete desenvolver as atividades relacionadas com o Sistema Único de Saúde, especialmente: I - saúde pública e medicina preventiva; II - atividades médicas, para-médicas odontológicas e sanitárias; III - educação para a saúde; IV - administração hospitalar e ambulatorial; V - vigilância sanitária; VI - vigilância epidemiológica; VII - saneamento básico e atividades de meio ambiente relacionados com a sua área de atuação; VIII - pesquisa, produção e distribuição de medicamentos básicos; IX - formulação de políticas de saúde; X – vigilância laboratorial (SANTA CATARINA, 2011). 65 manter-se permanentemente integrada aos órgãos equivalentes da União e do Estado, para o desenvolvimento de programas. Contudo, na prática, os gestores estaduais têm se defrontado com o dilema da garantia do acesso, da qualidade e resolutividade por meio de conformação de redes de atenção à saúde, de forma equânime e integral, dentro do quadro de insuficiência financeira (BRASIL, 2007, p. 11). Principalmente quando são necessários atendimentos para tratamento de média e alta complexidade. Segundo o CONASS, as ações e procedimentos considerados de média e alta complexidade ambulatorial e hospitalar se constituem para os gestores um importante elenco de responsabilidades, serviços e procedimentos relevantes para a garantia da resolutividade e integralidade da assistência ao cidadão. Além disso, este componente consome em torno de 40% dos recursos da União alocados no Orçamento da Saúde (Média e Alta Complexidade – MAC e Fundo de Ações Estratégicas e Compensação – FAEC) (BRASIL, 2007, p. 11). Antes de delimitar o entendimento das áreas de atenção em média e alta complexidade no SUS, cumpre estabelecer os conceitos de atenção primária ou básica, conforme definições adotadas pelo Ministério da Saúde, segundo a Portaria nº. 648/2006, que aprovou a Política Nacional de Atenção Básica: A Portaria do Ministério da Saúde n. 648/2006, que aprovou a Política Nacional de Atenção Básica, estabelecendo a revisão de diretrizes e normas para a organização da atenção básica para o Programa Saúde da Família (PSF) e o Programa Agentes Comunitários de Saúde (PACS), define assim a atenção básica em saúde, em seu anexo. A atenção básica caracteriza-se por um conjunto de ações de saúde, no âmbito individual e coletivo, que abrangem a promoção e a proteção da saúde, a prevenção de agravos, o diagnóstico, o tratamento, a reabilitação e a manutenção da saúde. É desenvolvida por meio do exercício de práticas gerenciais e sanitárias, democráticas e participativas, sob forma de trabalho em equipe, e dirigidas a populações de territórios bem delimitados, pelas quais assume a responsabilidade sanitária, considerando a dinamicidade existente no território em que vivem essas populações. Utiliza tecnologias de elevada complexidade e baixa densidade, que devem resolver os problemas de saúde de maior freqüência e relevância em seu território. É o contato preferencial dos usuários com os sistemas de saúde. Orienta-se pelos princípios da universalidade, da acessibilidade e da coordenação do cuidado, do vínculo e da continuidade, da integralidade, da responsabilização, da humanização, da equidade e da participação social [...]. A atenção básica tem a Saúde da Família como estratégia prioritária para sua organização de acordo com os preceitos do Sistema Único de Saúde (BRASIL, 2007, p. 16). 66 Deste modo, a atenção básica é entendida como o primeiro nível da atenção à saúde no SUS (contato preferencial dos usuários), que se orienta por todos os princípios do sistema, inclusive a integralidade, mas emprega tecnologia de baixa densidade (BRASIL, 2007, p. 16). Por outro lado, a Secretaria de Atenção à Saúde (SAS), do Ministério da Saúde (MS), define média e alta complexidade em saúde, dizendo que A média complexidade ambulatorial é composta por ações e serviços que visam atender aos principais problemas e agravos de saúde da população, cuja complexidade da assistência na prática clínica demande a disponibilidade de profissionais especializados e a utilização de recursos tecnológicos, para o apoio diagnóstico e tratamento (BRASIL, 2011). No portal da saúde (BRASIL. Conselho Nacional de Secretários de Saúde, 2007, p. 18-19) encontra-se a seguinte definição de tratamentos de alta complexidade: Conjunto de procedimentos que, no contexto do SUS, envolve alta tecnologia e alto custo, objetivando propiciar à população acesso a serviços qualificados, integrando-os aos demais níveis de atenção à saúde (atenção básica e de média complexidade). Principais áreas que compõem a alta complexidade do SUS, organizadas em redes são: • assistência ao paciente portador de doença renal crônica (por meio dos procedimentos de diálise); • assistência ao paciente oncológico; cirurgia cardiovascular; cirurgia vascular; cirurgia cardiovascular pediátrica; procedimentos da cardiologia intervencionista; procedimentos endovasculares extracardíacos; laboratório de eletrofisiologia; assistência em tráumato-ortopedia; procedimentos de neurocirurgia; assistência em otologia; cirurgia de implante coclear; cirurgia das vias aéreas superiores e da região cervical; cirurgia da calota craniana, da face e do sistema estomatognático; procedimentos em fissuras lábiopalatais; reabilitação protética e funcional das doenças da calota craniana, da face e do sistema estomatognático; procedimentos para a avaliação e o tratamento dos transtornos respiratórios do sono; assistência aos pacientes portadores de queimaduras; assistência aos pacientes portadores de obesidade (cirurgia bariátrica); cirurgia reprodutiva; genética clínica; terapia nutricional; distrofia muscular progressiva; osteogênese imperfecta; fibrose cística e reprodução assistida. Os procedimentos da alta complexidade encontram-se relacionados na tabela do SUS, em sua maioria no Sistema de Informação Hospitalar, e estão também no Sistema de Informações Ambulatoriais em pequena quantidade, mas com impacto financeiro extremamente alto, como é o caso dos procedimentos de diálise, quimioterapia, radioterapia e hemoterapia (BRASIL. Conselho Nacional de Secretários de Saúde, 2007, p. 18-19). Segundo Brasil (Conselho Nacional de Secretários de Saúde, 2007, p. 24), as dificuldades da realização de procedimentos de maior complexidade para a população, são vivenciadas por muitos municípios que tentaram construir sistemas 67 de saúde municipais autônomos, ampliando a rede municipal sem articulação regional e sem dimensionar as necessidades da população. De tal modo é de suma importância que os gestores do SUS levem à discussão os critérios para a organização das ações de maior complexidade, possibilitando a aplicação do princípio de “regionalização” da assistência, sem o qual dificilmente o SUS poderá garantir a integralidade das ações de saúde para a população brasileira. Para o melhor entendimento quanto às dificuldades encontradas pelos gestores da saúde quando se refere a tratamento de média e alta complexidade, a CRFB de 1988, define que o SUS se constitui num sistema único, arranjado como uma rede regionalizada e hierarquizada e com a diretriz de descentralização, com direção única em cada esfera de governo (artigo 198). No entanto, não define o tipo de descentralização que o SUS deverá adotar, nem como se constituirá efetivamente a rede hierarquizada e regionalizada. A Lei Federal n. 8.080/1990, que regulamentou o SUS, apresenta, no artigo 15, as atribuições comuns dos três gestores e, nos artigos 16, 17 e 18, as atribuições específicas de cada esfera, tratando de diversos assuntos, porém, abordando poucos pontos sobre as competências assistenciais em saúde. Isso tudo, na prática, quando o usuário necessita de um dos tratamentos ora mencionados, ocorre conflito de competência entre as Unidades Federadas e os municípios. Ou seja, deixa-se de levar em consideração que a responsabilidade é das três esferas de governo, de forma concorrente, em suas respectivas áreas de abrangência, uma vez que o direito universal à saúde é dever do Estado (sem distinção) e o financiamento do sistema (BRASIL, Conselho Nacional de Secretários de Saúde, 2007, p. 24-25) É importante lembrar também que é de competência da esfera municipal de saúde, o planejamento, organização, controle e avaliação das ações dos serviços de saúde e gerencia e execução dos serviços públicos de saúde (inclusive laboratórios públicos de saúde e hemocentros (Lei n. 8.080/1990, artigos 18, Incisos I e VIII)). Cabe, também, às prefeituras, participar do planejamento, da programação e da organização da rede regionalizada e hierarquizada do SUS, em articulação com sua direção estadual (mesma lei, artigos 18, Inciso II) (BRASIL, Conselho Nacional de Secretários de Saúde, 2007, p. 27). No mesmo sentido, têm-se como responsabilidades das esferas de governo Federal a definição das normas nacionais, incorporação dos procedimentos a serem ofertados à população pelo SUS, definição de elenco de procedimentos, por 68 complexidade, estabelecimento de estratégias que possibilitem o acesso, equânime, diminuindo as diferenças regionais na alocação de serviços, formulação de mecanismos voltados à melhoria da qualidade dos serviços prestados e garantia de acesso às referências interestaduais, por intermédio da CNRAC. Enquanto que são de responsabilidade da esfera estadual, a formulação da política de alta complexidade/custo, alocação de recursos orçamentários para cada área de alta complexidade, definição de prioridades de investimentos para garantia de acesso da população, otimizando a oferta de serviços, programação de assistência de alta complexidade no âmbito regional/estadual, considerando a alta densidade tecnológica e o alto custo, a economia de escala, a escassez de profissionais especializados e a concentração de oferta em poucos municípios, programação da referência de pacientes para outros estados, coordenação do processo de garantia de acesso da população de referência intermunicipal, definição dos limites financeiros municipais, com explicitação da parcela correspondente à população referida e referenciada, coordenação da implementação de mecanismos de regulação da assistência em alta complexidade, controle e avaliação dos sistemas quanto a sua resolubilidade e acessibilidade. Por fim, são de responsabilidade da esfera municipal, a autorização para realização dos procedimentos, programação das metas físicas e financeiras para os prestadores sob sua gestão, garantia de acesso à população referida e referenciada, acordada na Programação Pactuada e Integrada (PPI), definição de fluxos de rotinas intermunicipais, compatíveis com os fluxos e rotinas estaduais, realização de prestação de contas dos procedimentos de controle, avaliação e auditoria de serviços, programação das metas, físicas e financeiras e para os prestadores sob sua gestão (BRASIL, Conselho Nacional de Secretários de Saúde, 2007, p. 79-80). Após estas considerações, cumpre agora demonstrar como são distribuídos os serviços à saúde para os usuários do município de Mafra e Itaiópolis. Os Serviços e Programas Municipais, órgãos responsáveis pelo programa da saúde no município de Mafra, estão à disposição dos usuários, segundo o Plano de Saúde de Mafra 2010-2013, os seguintes serviços: 69 − Policlínica Ambulatorial Municipal19 (PAM): realiza atenção primária em saúde e secundária na execução do pronto atendimento em pequenos procedimentos como pequenas cirurgias, assistência de enfermagem e consultas clínicas por agendamento (MAFRA. Prefeitura Municipal, 2010, p. 75). − Assistência Farmacêutica: de acordo com a Resolução n° 338 de 6 de maio de 2004, do Conselho Nacional de Saúde, que aprovou a Política Nacional de Assistência Farmacêutica, tem por objetivo amparar as ações de saúde na promoção do acesso aos medicamentos essenciais e promover seu uso racional. Contribuindo, portanto, para a melhoria de qualidade de vida da população, integrando ações de promoção, prevenção, recuperação e reabilitação da saúde (MAFRA. Prefeitura Municipal, 2010, p. 75-76). − Serviço de Odontologia: o município tem postos distribuídos pelo interior, além do PAM e o Núcleo Materno Infantil (NMI), que além das exodontias, hoje em número muito reduzido, oferecem muitos outros serviços como restaurações de todos os tipos limpezas dentárias, emergências, radiografias20 (MAFRA, Prefeitura Municipal, 2010, p. 78). − Programa Agentes Comunitários de Saúde (PACS): este é formado por três equipes, totalizando 68 Agentes Comunitários de Saúde e três enfermeiras instrutoras/supervisoras, permitindo, deste modo, o atendimento a 13 comunidades urbanas e 32 rurais, compreendendo cerca de 6300 famílias. Observando-se que, os PACS juntamente com as nove equipes de PSF 19 20 A Policlínica Ambulatorial iniciou suas atividades em 1986 com a emissão da Lei 1451/86, em que o poder executivo, celebrou o termo de Adesão com o Ministério da Previdência e Assistência Social, através do INAMPS, o Ministério da Saúde e o Estado de Santa Catarina, através da Secretaria de Saúde, tendo por objetivo a implantação e execução das AÇÕES INTEGRADAS DE SAÚDE (AIS) no Município de Mafra. Após, com a Lei 1516 de 12 de agosto de 1988, é criada a Secretaria Municipal de Saúde e partir desta data passou a fazer parte do Sistema Único de SaúdeSUS. A policlínica atende a região central do município e áreas interioranas que ainda não dispõe de Unidades Básicas de Saúde e não integram a Estratégia Saúde da Família (MAFRA. Prefeitura Municipal, 2010). Estes serviços foram completados com a criação do CEO - Centro de Especialidades Odontológicas do Município de Mafra, fundado em 22 de fevereiro de 2006. No CEO são prestados outros tipos de atendimentos como cirurgias, atendimento a pacientes especiais, periodontia, (tratamentos ao redor do dente, ossos e gengivas), endodontia (tratamento de canal) e próteses dentais/dentaduras e pontes) (MAFRA. Prefeitura Municipal, 2010). 70 garantem cobertura total ao município21·(MAFRA, Prefeitura Municipal, 2010, p. 79). − Unidades de Saúde do Interior do Município: a Secretaria Municipal de Saúde de Mafra conta com cinco unidades de saúde na zona rural do município, localizadas nas comunidades de Butiá dos Tabordas, Saltinho do Canivete, Avencal do Saltinho, Bela Vista do Sul e Avencal de Cima. Estas Unidades oferecem atendimento também às suas comunidades vizinhas (MAFRA. Prefeitura Municipal, 2010, p. 78-79). − Programa de Controle do Tabagismo: através deste programa o município vem trabalhando as questões do tabagismo através de ações educativas, o que leva a diminuição do consumo do tabaco. Com isso, o município passa a ter menos gastos com internações hospitalares e tratamentos, além do exfumante ganha em qualidade de vida (MAFRA. Prefeitura Municipal, 2010, p. 80) − Programa HIPERDIA: O Programa de Controle de Hipertensão e Diabetes Mellitus, possibilita que o usuário seja cadastrado no Programa de Hipertensão e Diabetes. Com isso, ele recebe um cartão além de orientações para que possa realizar os controles e tomar os cuidados apropriados para que haja melhora na sua qualidade de vida, prevenindo deste modo, as principais complicações na Hipertensão e Diabetes (MAFRA. Prefeitura Municipal, 2010, p. 81). − Programa de Assistência ao Ostomizado: por meio deste programa, são oferecidos aos usuários, serviços desde as orientações técnicas, de enfermagem, orientação social e psicológica até a aquisição, o fornecimento e controle dos materiais utilizados pelos ostomizados (MAFRA. Prefeitura Municipal, 2010, p. 81-82). − Programa Mafra em Forma: o Município se apresenta comprometido na prevenção, promoção e tratamento de doenças para todos os usuários. Para o objetivo de concretize, o desenvolvimento das ações segue três temáticas: processo de educação em saúde, ações de atividades físicas e de 21 O PACS tem como objetivo geral capacitar a população para cuidar de sua própria saúde, proporcionar informações e partilhar conhecimentos que levem à melhoria da qualidade de saúde da comunidade e contribuir para um sistema de saúde preventivo, onde as pessoas, através da educação, saibam mais como prevenir e evitar doenças. 71 prevenção e promoção da saúde (MAFRA. Prefeitura Municipal, 2010, p. 82). − Serviço de Psicologia: o Município coloca à disposição dos usuários profissional habilitado para identificar as características de interações psicológicas e promover condições que as mantenham ou modifiquem. − Serviço Social: com a atuação do assistente social, desenvolvem-se políticas públicas que respondem pelo acesso dos segmentos de populações aos serviços e benefícios construídos e conquistados socialmente, sobretudo, aquelas da área da Seguridade Social (MAFRA. Prefeitura Municipal, 2010, p. 87). − Tratamento Fora de Domicílio (TFD): este programa funciona como instrumento legal que permite através do Sistema Único de Saúde (SUS), o encaminhamento de pacientes a outras unidades de saúde a fim de realizar tratamento médico fora da sua microrregião, quando esgotados todos os meios de tratamento na localidade de residência/estado, e desde que haja possibilidade de cura total ou parcial, limitado ao período estritamente necessário e aos recursos orçamentários existentes22·(MAFRA. Prefeitura Municipal, 2010, p. 92). − Casa Azul/Saúde Mental (CAPS): objetiva um espaço terapêutico, que oferecesse alternativa de acolhimento e sentimento de inclusão social para as pessoas que apresentavam sofrimento mental23 (MAFRA. Prefeitura Municipal, 2010, p. 93) − Clinica de Reabilitação Municipal: tem por desígnio a fisioterapia (reabilitação funcional em traumatismo, pré e pós-operatório e respiratória); a fonoaudiologia realiza avaliações e reabilitações nas patologias, tais com, a voz, audição, fissura lábio palatal, afasia, atraso de aquisição de linguagem, motricidade oral e distúrbio de leitura e escrita; psicologia (saúde mental, desenvolvimento humano e transformação social). Hoje a Clinica de 22 No município de Mafra o Setor possui 02 funcionárias e tem fluxo de atendimento ao público no período da manhã, sendo atendidas em torno de 30 pessoas/dia. O período da tarde é destinado às providências de encaminhamentos/viagens. Abrange todo o município de Mafra, realizando os encaminhamentos oriundos dos ESF’s e Unidades de Saúde Básica (MAFRA. Prefeitura Municipal, 2010) 23 Atualmente o CAPS Casa Azul conta com 150 usuários, sendo que estão divididos em intensivos, semi-intensivos e não intensivos. O DSM atende em média 250 a 300 usuários mês, tanto na continuidade dos tratamentos, quanto avaliações e retornos para Rede Básica (MAFRA. Prefeitura Municipal, 2010, p.93). 72 Reabilitação Municipal conta com 6 fisioterapeutas, 2 fonoaudiólogas, 1 psicóloga, 1 auxiliar de limpeza, 1 estagiária na recepção no período vespertino (MAFRA. Prefeitura Municipal, 2010, p. 98-99). − O Município também conta com a Estratégia de Saúde da Família (ESF) composta da seguinte forma: Doze unidades básicas de saúde – UBS, das quais seis são exclusivamente da Estratégia da Saúde da Família. A Estratégia da Saúde da Família tem 9 equipes, sendo que, 03 equipes concentram-se na UBS da Vila Nova, 02 equipes na UBS CAIC. Os demais possuem 01 equipe em cada unidade de saúde e 02 delas não possuem odontologia. A área de abrangência da ESF é principalmente bairros periféricos da cidade e duas com atendimento a áreas rurais, ao todo atingem 52% da população, ficando descoberto a área central da cidade, com cerca de 14mil habitantes e grande parte da área rural, cerca de 12mil habitantes. [...] O município conta com um total de 110 Agentes Comunitários de Saúde – ACS, sendo que o são necessários 135 ACS para viabilizar a cobertura total da população, isto é, de 52.676 pessoas (MAFRA. Prefeitura Municipal, 2010, p. 102). − Núcleo Materno Infantil – Vigilância Epidemiológica: foi criado com a intenção de centralizar o atendimento materno e infantil, para suprir as necessidades das mulheres e crianças do município de Mafra. Instituição conta com cerca de 32 funcionários, atendendo a população do município de Mafra difundidos entre mulheres e crianças (MAFRA. Prefeitura Municipal, 2010, p. 104). − Pronto Atendimento: é importante oportunizar que todos os cidadãos posam ter acesso aos serviços de saúde. Esta unidade tem por finalidade realizar atendimento de urgência e emergência adulto e infantil contando com plantão 24h. Presta atendimento imediato e provisório dado em casos de acidentes ou enfermarias imprevistas. Estatisticamente, nesta unidade se atende em média 5100 pacientes mês, destes, população Mafrense e residente em municípios vizinhos em caráter de emergência (MAFRA. Prefeitura Municipal, 2010, p. 112). 73 − Redes24: as redes de atenção à saúde vêm sendo desenvolvidas no município de Mafra em consonância com a determinação do Ministério da Saúde para o atendimento com mais eficiência e organização dos usuários do SUS (MAFRA. Prefeitura Municipal, 2010, p. 113). A rede de Mafra dispõe dos seguintes serviços aos usuários: Exames, procedimentos, consultas generalistas e especializadas. Dentre elas podemos citar exames laboratoriais, endoscopia, colonoscopia, retossingmoidoscopia, anatomia patológica, ecografias, eletrocardiografia, ecocardiografia, mamografia, tomografia, ressonância, densitometria óssea dentre outros. Sendo que alguns destes são realizados fora do município como a Ressonância em Canoinhas e a Mamografia em Joinville. O ambulatório próprio do Município de Mafra conta com psicologia, fisioterapia, oncologia, dermatologia, otorrinolaringologia, oftalmologia, ambulatório de pequenas cirurgias, cirurgia geral, reumatologia, psiquiatria, peumologia, ortopedia. Algumas especialidades são referenciadas para consultórios particulares, porém pagos pela secretaria, como Urologia, Cirurgia Vascular. Os critérios de contratação, licitação e valores não são bem claros. [...] As dificuldades são ainda maiores nos casos de transferências de pacientes internados ou que necessitam de internamento em hospitais com maiores recursos ou terapias específicas como cirurgia cardiológica, vascular, neurológica, oncológica. A transferência ainda necessita de contato com o médico chefe de setor, há uma necessidade de ‘implorar’ a vaga além da grande dificuldade de conseguir o transporte através da regulação do SAMU (MAFRA. Prefeitura Municipal, 2010, p. 114). 24 O processo de regionalização da saúde iniciou-se em Minas Gerais, no final da década de 60, com a implantação dos Centros Regionais de Saúde, estruturas desconcentradas da Secretaria de Estado de Saúde de Minas Gerais. Teve como objetivo principal a criação de entes descentralizados de supervisão dos serviços de atenção primária à saúde que eram de responsabilidade da Secretaria Estadual. Criou-se um Plano Diretor de Regionalização (PDR) e, em 2003, a Secretaria de saúde passou a coordenar redes de atenção à saúde no estado. A função do PDR é subdividir o espaço de um estado em macro e microrregiões sanitárias para que se distribuam, otimamente, nesses territórios, os equipamentos de atenção secundária e terciária. O PDR/MG objetiva superar os problemas de fragmentação, ineficiência e baixa qualidade no setor da saúde. Segundo o projeto desenvolvido, uma rede deve ofertar a atenção primária à saúde em todos os municípios, mas os equipamentos de atenção secundária devem estar concentrados nos pólos microrregionais e os de atenção terciária nos pólos macrorregionais (MENDES, 2008, p. 1) Tem-se como definição de redes, a organização de serviços de saúde, com o centro de comunicação na atenção primária à saúde, que permite prestar uma assistência contínua a determinada população, no tempo certo, no lugar certo, com o custo certo e com a qualidade certa, e que se responsabiliza pelos resultados sanitários e econômicos relativos a essa população. Fonte: Mendes, E.V. As Redes de Atenção à Saúde. Escola de Saúde Pública de Minas Gerais. 2009. Assim, a rede de saúde tem por objetivo articular atores institucionais na produção de informações que permitam a tomada de decisões para a formulação de políticas de gestão e regulação de recursos humanos em saúde. Com base na experiência bem sucedida em Minas Gerais, o estado de Santa Catarina após adquirir o mesmo projeto, passou a desenvolver nas regiões do planalto norte e nordeste. Os municípios de Itaiópolis e Mafra já adquiriram este projeto que vem sendo implantado por meio de orientações da secretaria de saúde do estado. A implementação ocorre com a distribuição de funções às redes, sendo elas: fortalecimento na atenção básica à saúde; saúde mental; emergência e urgência. Com o fortalecimento destas redes, acredita-se que serão resolvidas as grandes demandas nas estratégicas de saúde de família, por exemplo. Vai potencializar a eficiência dos trabalhos de política públicas de saúde. Diante da eficiência esperada, poderá ocorrer menos incidência quanto a procura dos usuários pelo Ministério Público no que se refere a intervenção judicial para a efetivação de políticas públicas de saúde (MENDES, 2008, p. 1). 74 − Vigilância Sanitária: o artigo 200 e seus incisos da Constituição Federal, a Lei Orgânica do Município de Mafra de 1990, a lei 8.080, de 19 de setembro de 1990, deliberam as ações e funções da Vigilância Sanitária, traçando como objetivos principais a realização de ações capazes de eliminar, diminuir ou prevenir riscos à saúde. Ainda, de intervir nos problemas sanitários decorrentes do meio ambiente, da produção e circulação de bens e da prestação de serviços de interesse da saúde, enfim, o controle da prestação de serviços que se relacionam direta ou indiretamente com a saúde (MAFRA. Prefeitura Municipal, 2010, p. 116). Após estas observações, fica demonstrado que os membros da comissão de organização do Plano Municipal de Mafra 2010-2013 buscam o aperfeiçoamento da gestão dos serviços de saúde no município, estruturando e ampliando adequadamente a Secretaria Municipal de Saúde em todos os seus níveis de atuação frente à nova realidade advinda do Pacto pela Saúde. Além disso, pretendeu-se com o plano, criar e fortalecer a Gestão do Sistema Municipal de Vigilância em Saúde, no que se refere à vigilância alimentar e nutricional, epidemiológica, sanitária, ambiental e de saúde do trabalhador, de forma a ampliar a sua capacidade de análise de situação de saúde e de respostas às necessidades da população25 (MAFRA. Prefeitura Municipal, 2010, p. 133). O Município de Mafra, com 51,2 mil habitantes, atualmente conta com o Hospital São Vicente de Paula, com a Maternidade Catarina Kuss, Amplamed e com os seguintes Postos de Saúde: Posto de Saúde Jardim América - Jardim América, Unidade de Posto de Saúde da Família Caic, Posto de Saúde Osvaldo Sampaio, Unidade de Posto de Saúde da Família Guilherme Ganzer , Unidade de Posto de Saúde da Família Espigão do Bugre, Unidade de Posto de Saúde da Família Guilherme Ganzer, Unidade de Posto de Saúde da Família Jardim America, Unidade de Posto de Saúde da Família Ricardo Gregorio, Posto de Saúde Alvino Altmann, Posto de Saúde do Sindicato, Posto de Saúde Edmond Saliba. Importante frisar que 25 O processo de elaboração do Plano Municipal de Saúde de Mafra 2010-2013 ocorreu através de um grupo intersetorial e multidisciplinar de trabalhadores da saúde, nomeados através da Resolução CMS nº 02/09, que fomentou a participação dos demais trabalhadores, seja de maneira direta nas discussões e elaboração, seja de maneira indireta através da produção dos documentos de planejamento local elaborados pelas unidades de saúde e setores da Secretaria Municipal da Saúde de Mafra (MAFRA. Prefeitura Municipal, 2010, p. 133). 75 todos estão aptos para atender os usuários que assim precisarem de atendimento à saúde. Já o Município de Itaiópolis, com seus 20.181 habitantes, conta com um hospital, a Fundação Hospitalar Santo Antônio e nove Postos de Saúde. No que se refere à área especializada, os usuários podem contar com Oftalmologista, Ginecologista, Clínico Geral, Pediatra, Laboratório de Análises Clinicas, Fonoaudióloga, Psicóloga e Cardiologista. Após estas considerações, é importante destacar que a questão do direito à saúde, é uma conquista popular em constante processo de construção e aperfeiçoamento, guiado pelas idéias de Estado de Bem Estar Social. O Sistema Único de Saúde brasileiro ainda não proporcionou, em número suficiente e em condições adequadas ao atendimento das necessidades e demandas de saúde de toda a população, os serviços de média e alta complexidade, ou seja, aqueles que demandam maiores investimentos e que interessam, de forma particular, ao setor privado (BRASIL, 2007, p. 11). Mas, está se trilhando caminhos que poderão dar condições de se consolidar o verdadeiro direito à saúde. 2.5 CONTROLE SOCIAL O controle social não é assunto novo e se relaciona aos embasamentos de criação do Estado capitalista. Histórica e politicamente analisando, antes da CRFB de 1988, a categoria controle social foi entendida como controle do Estado e dos setores dominantes sobre os cidadãos. Nessa visão de controle social, o Estado é o aparato por excelência para o exercício da dominação sobre a sociedade. Pertence ao Estado à decisão sobre as políticas a serem adotadas e a imposição de padrões, valores e normas às classes subordinadas, tendo em vista o ajuste às formas de organização vigentes na sociedade (RAICHELIS, 2008, p. 3). Com a Constituição Federal de 1988, ocorreu inversão quanto à concepção controle social da sociedade civil sobre o Estado, aumentaram as vozes da sociedade civil e os atores sociais passam a participam mais das decisões políticas. Destacando-se, como marco político, o processo de luta pela democratização da sociedade brasileira, em que temas como democracia, descentralização, participação da sociedade civil, emerge com força, objetivando transformar o Estado autoritário em privatizado (RAICHELIS, 2008, p. 5). 76 Ainda, a Constituição Federal de 1988, introduziu os princípios do controle social e da participação popular como instrumentos de concretização de gestão político administrativa-financeira e técnico-operativa, com caráter democrático e descentralizado, nas diversas políticas públicas. Vivendo agora num Estado democrático de direito, iniciam-se debates no espaço público, posições, concepções e propostas, ampliam-se os canais de participação da sociedade civil na elaboração, implementação e inspeção das políticas sociais. Criam-se novos organismos de democracia participativa, como: plebiscito, referendo popular, audiências públicas, iniciativa popular de lei, entre outros. Desfaz-se a ideia de público como sendo algo privativo do Estado, nasce a ideia de público como espaço compartilhado com a sociedade e não como exclusividade do Estado. Com a reforma do Estado houve o fortalecimento gradativo de mecanismos que privilegiam a participação popular, seja na formulação como na avaliação de políticas públicas, viabilizando o controle social das mesmas. Surge um novo conceito de controle social, supõe a existência de espaços públicos onde este controle da sociedade organizada sobre o Estado possa se realizar. Têm-se como espaço público, as instâncias deliberativas que permitem o reconhecimento e dão voz a novos atores e temas que não são monopolizadas por algum ator social ou político ou pelo próprio Estado. Refletem sim, a pluralidade social e política, a disputa legítima de concepções e projetos que tornam visíveis os conflitos, oferecendo condições para tratá-los de maneira tal que se reconheçam os interesses e opiniões na sua diversidade nos quais haja tendência à igualdade de recursos dos participantes em termos de informação, conhecimento e poder (RAICHELIS, 2008, p. 12-13). Assim, define-se controle social as ações desenvolvidas pela sociedade civil organizada que tem por escopo: fiscalizar, monitorar e avaliar as condições em que a política de saúde está sendo desenvolvida (fiscalizar e avaliar a qualidade das ações; a aplicação de recursos públicos e o resultado das ações na vida dos assistidos). Também é a influência que a sociedade civil exerce na formação da agenda governamental, na definição das prioridades para o município (CAMPOS, 2003). 77 Cumpre ainda destacar que o controle social é um advento do Estado Social de Direito26, exercido pela sociedade para monitoramento das ações estatais, tendo como finalidade básica o aperfeiçoamento da relação entre o Estado e a sociedade civil, alargando dessa forma, uma relação de co-responsabilidade na administração e uso do bem destinado ao uso comum dos cidadãos. Tem como característica a participação popular em instâncias do aparelho do Estado, órgãos, agências ou serviços públicos responsáveis pelas políticas públicas, tornando-se instrumento necessário e indispensável para que haja eficácia dos direitos positivados em lei. Para a efetivação do controle social, é essencial implementar e acompanhar um Conselho Municipal de Saúde atuante, com câmaras técnicas e grupos de trabalhos funcionando, constituir uma legislação que apóie a criação de Conselhos Locais de Saúde e, a capacitação e monitoramento permanentemente dos conselheiros na execução dos serviços de saúde. (MAFRA. Prefeitura Municipal, 2010, p. 101). Quanto mais organizada for a sociedade, mais consciente dos seus direitos sociais, mais ela passará a exigir do Estado a eficácia desses direitos. De tal modo, fará com que a relação do Estado com as organizações da sociedade civil, contribua para o fortalecimento da cidadania e do monitoramento e controle das políticas públicas, de forma que estas sirvam à materialização dos direitos sociais tais como: educação, trabalho, lazer, saúde, seguridade social, trabalho, direito do consumidor. Por meio do controle social ter-se-á a possibilidade de garantir serviços de qualidade, pois se o Estado deixar de participar, tendo as funções de somente promovê-los e gerenciá-los, possibilitará, o controle social direto e a participação da sociedade. Além disso, o controle social é uma forma de se estabelecer parceria eficaz e gerar a partir dela um compromisso entre poder público e população capaz de garantir a construção de saídas para o desenvolvimento econômico e social do país. No que diz respeito aos direitos sociais e seu controle, assim dispõe Bucci (2006, p. 5): 26 O Estado social pode ser definido como um modelo de Estado que tem por objetivo garantir condições mínimas de alimentação, saúde, habitação, educação, que devem ser assegurados a todos os cidadãos não como benesse estatal, mas como direito político inerente ao ser-cidadão (BOBBIO; MATTEUCCI; PASQUINO, 2004, p. 416) 78 Esse processo de ampliação de direitos, por demandas da cidadania, enseja um incremento da intervenção do Estado no domínio econômico. A intervenção do estado ma vida econômica e social é uma realidade, a partir do século XX. E apensar das alterações qualitativas dessa presença estatal, que foram realizadas em diversas ocasiões, a pretexto variados, ao longo desse período, o fato essencial é a indispensabilidade da presença do Estado, seja como partícipe, indutor ou regulador do processo econômico. Desta feita, o controle social ocorre pelas ações desenvolvidas pela sociedade civil devidamente organizada que tem por finalidade fiscalizar e avaliar a qualidade das ações no que se refere à aplicação de recursos públicos bem como o resultado dessas ações na vida dos cidadãos. Os objetivos principais desse controle são para possibilitar o envolvimento da sociedade nos assuntos do governo, tornar o governo mais público e a sociedade civil mais atenta e cooperativa, zelar pela utilização dos recursos públicos e democratizar a gestão das políticas públicas (CAMPOS, 2010, p. 3). Para relacionar os direitos sociais e seu controle, é preciso dizer também, que no preceito constitucional encontram-se quatro gerações de direitos fundamentais, sendo que o termo “geração” serve para distinguir o momento histórico em que surgiu a tutela de novos direitos. E, segundo esta teoria, os direitos fundamentais distingue-se em direitos de primeira geração (Direitos Civis) são os relacionados à proteção da vida e da liberdade; segunda geração (Diretos Políticos) são os chamados direitos de proteção sociais, que se caracterizam pelo direito dos cidadãos em exigirem uma prestação positiva do Estado para sua proteção, são as chamadas liberdades positivas dos cidadãos; terceira geração de direitos humanos (econômicos e sociais) está relacionada aos direitos de fraternidade e a quarta geração (Direitos de Solidariedade) aqueles ligados ao direito de informação. Também se discute a estruturação de direitos relacionados à genética e ao pluralismo. Quanto à dimensão dos direitos fundamentais, os direitos de primeira geração estão os relacionados ao próprio indivíduo, os quais cuidam da proteção das liberdades públicas (direitos civis e políticos): a) direitos de garantia, que são as liberdades públicas como a liberdade de expressão e de pensamento, por exemplo; b) direitos individuais exercidos coletivamente: liberdades de associação: formação de partidos, sindicatos, direito de greve, por exemplo. Estes limitam o poder de atuação do Estado na liberdade individual, conforme observa Trentin (2003, p. 37) na segunda geração, estão os chamados direitos sociais que correspondem aos 79 direitos econômicos e culturais, estes exigem intervenção do Estado para que a liberdade do homem seja protegida totalmente (o direito à saúde, ao trabalho, à educação, o direito de greve, entre outros). Os da terceira geração, chamados de solidariedade ou fraternidade, são voltados para a proteção da coletividade, nestes o Estado tem obrigação de resguardar a coletividade de pessoas, não o ser humano de forma isolada, mas o bem estar social (TRENTIN, 2003, p. 39). São eles, qualidade de vida, paz, autodeterminação dos povos, defesa do consumidor, da criança, do idoso e o meio ambiente. A partir destes, identificou-se os direitos de quarta geração que são resultado da globalização dos direitos fundamentais, são os novos direitos sociais decorrentes da evolução da sociedade: "[...] globalização política na esfera da normatividade jurídica que introduziu os direitos de quarta geração, que, aliás, correspondem à derradeira fase de institucionalização do Estado social" (BONAVIDES, 2010, p. 524-526). Neste contexto, o controle social, prerrogativa da sociedade civil, encontra amparo legal na Constituição Federal de 1988, nos seguintes artigo: artigo 194, inciso VII – Seguridade Social; artigo 198, inciso III – Políticas de Saúde; artigo 204, inciso II que assegura a “[...] participação da população, por meio de organizações representativas, na formulação das políticas públicas e no controle das ações em todos os níveis”. Ainda, na Lei Complementar nº. 101/2000 (Lei de Responsabilidade Fiscal), que trata da gestão fiscal; Lei 8080/90 Políticas de Saúde em seu artigo 7, inciso VIII; Lei nº. 9394/1996 LDB (artigo 9, § Primeiro; artigo 14 – participação das comunidades escolar e local em conselhos; Lei nº. 8.742/93 - Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS), Plano Diretor (CRFB/1998, artigo 182), nas Normas Operacionais Básicas de Saúde (NOB 1993, NOB 1996, NOAS 2000). Tem-se então que são várias as possibilidades do controle social na aplicação das políticas públicas. No entanto, necessário se faz a coordenação, seja na atuação dos Poderes Públicos, Executivo, Legislativo e Judiciário, seja entre níveis federativos, seja no interior do Governo, entre as várias pastas, e seja, ainda, considerando a interação entre organismos da sociedade civil e o Estado (BUCCI, 2006, p. 44). No que se refere ao orçamento, instrumentos de organização da gestão pública de saúde, seja do município, do estado e da União, conforme a Constituição brasileira, é constituído a partir de três leis: 80 a) Plano Plurianual (PPA): estabelece o planejamento global da ação governamental. Define os objetivos e as metas da gestão pública num período de quatro anos. b) Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO): é uma lei anual e trata das normas que orientam a elaboração da lei orçamentária e do próprio orçamento público. c) Lei Orçamentária Anual (LOA): é a peça orçamentária propriamente dita. Define o orçamento do município, do estado ou da União, abarcando os seus fundos, empresas públicas e demais órgãos instituídos e mantidos pelo poder público (CENTRO DE EDUCAÇÃO E ASSESSORAMENTO POPULAR, 2005, p. 39-40). A elaboração das leis acima referidas envolve o Poder Executivo e o Poder Legislativo. Na prática, as leis são elaboradas pelos Executivos e negociadas no Legislativo que tem a missão de aprová-las (com ou sem emendas) para que possam ter validade. Em relação ao SUS, o orçamento dever respeitar a EC 29 que dispõe sobre a vinculação da receita pública a ser investida em saúde. Além disso, está estabelecido na Lei 8.080 que é imprescindível que cada administração mantenha o seu Fundo Municipal de Saúde (CENTRO DE EDUCAÇÃO E ASSESSORAMENTO POPULAR, 2005, p. 40). Neste raciocínio, para o acompanhamento e avaliação de resultados das políticas públicas, imprescindível é a institucionalização de órgãos colegiados deliberativos, representativos da sociedade, de caráter permanente. O controle social do orçamento da saúde está previsto na legislação do SUS. Os conselhos de saúde têm a responsabilidade de acompanhar a aplicação dos orçamentos, deliberando e fiscalizando. Dessa maneira, o exercício do controle social do SUS tem função de controlar as despesas públicas relacionadas à saúde no Brasil (CENTRO DE EDUCAÇÃO E ASSESSORAMENTO POPULAR, 2005, p. 40). Melhor colocando, para a participação da sociedade nos planejamentos e decisões acerca das políticas públicas relativas aos direitos sociais, há a possibilidade da participação, conhecimento no acompanhamento e verificação das ações da gestão pública na execução das políticas públicas, analisando os objetivos, processos e resultados. Então as pesquisas e estudos realizados no Brasil, demonstram que a sociedade civil vem participando nas decisões do Estado de forma significativa, ou seja, nas decisões no que se refere à implementação de políticas públicas que têm como objetivo a descentralização de recursos para a prestação de serviços na área social, dando maior efetividade aos processos de descentralização, em curso no Governo Federal. 81 No que se refere aos instrumentos de controle social, há uma pluralidade de canais de participação da sociedade civil, sendo alguns deles os conselhos, conferências, fóruns, audiências públicas e ação civil publica. De acordo com Soares e Gondim (1998, p. 75) a própria Constituição de 1988 incorporou o princípio da participação popular direta na administração pública e ampliou a cidadania política, estabelecendo vários mecanismos de reforços a iniciativas populares. Com relação aos conselhos, no Brasil, estes são resultantes do esforço de mobilização social e dos debates públicos que precederam a Constituição Federal de 1988, Esta adotou o princípio da participação popular na elaboração das políticas públicas da saúde, da assistência social, educação e direitos da criança e do adolescente, buscando possibilitar a sociedade participar com o Estado na definição de prioridades e a formulação de políticas públicas como forma de exercício da cidadania e de controle social (artigo 29, XII; 194, parágrafo único, VII; 198, III; 204, II; 206, VI; e 227, § 1º.). A criação dos Conselhos de Políticas Públicas (conselhos setoriais) se dá por meio de lei com instituição de suas competências, tais como: planejamento, gestão, fiscalização e avaliação no tocante ao princípio da eficiência (MARTINS, 2008, p. 116-117). Ainda, mantendo a mesma orientação, assim se manifestam Mattos e Santos (2010, p.1-2), tomando como base a citação de Cohn (1996): A Constituição Federal contempla a saúde como um direito social e dever do Estado, prevendo a estruturação do Sistema Único de Saúde (SUS) universal no acesso: igualitário no atendimento assistencial e equânime na distribuição dos recursos e a participação da comunidade difundida como controle social, no sentido daquele controle exercido pela sociedade através dos Conselhos de Saúde [...] Com a promulgação do Sistema Único de Saúde pela Constituição de 1988, ocorreu em seu bojo textual à preservação dos princípios da oitava Conferência Nacional de Saúde o que possibilitou a abertura de discussões na arena política do Congresso Nacional, em que se deu a regulamentação das medidas constitucionais por intermédio das leis orgânicas da saúde nº 8.080/1990 e 8.142/1990 (SILVA apud MATTOS; SANTOS, 2010), que instruíram arranjos institucionais com vistas a propiciar a participação dos cidadãos na gestão das políticas públicas e no controle 82 público sobre os governos no que Dagnino (apud MATTOS; SANTOS, 2010) chamou de “encontros entre o Estado e a Sociedade civil”. Segundo Raichelis (2008, p. 16), estes se realçaram como espaços singulares para a participação da sociedade no exercício do controle social sobre as políticas públicas, no entanto, não são os únicos que podem contribuir para o fortalecimento do poder local, deve ser combinado e complementado com outras modalidades de organização e mediação política. Continua dizendo o autor, que os Conselhos são espaços de exercício do controle social, mas estes, igualmente, devem ser controlados pela sociedade civil organizada, precisam ser ativados pela ação dos movimentos populares, e organizações sociais e políticas que devem estar representados. No mesmo raciocínio, Raichelis (2008, p. 17) destaca que os conselhos sofrem limitações para o controle social, sendo eles: controle do executivo sobre a agenda política, burocratização, centralização do poder nas mãos do executivo fragiliza a autonomia dos conselhos, sonegação de informações (principalmente orçamento), fragilidade das representações de trabalhadores e usuários, nomeação dos representantes da sociedade civil sem mediação de processo eleitoral democrático, mudanças unilaterais e manipulação nas regras da eleição, agregação de conselheiros, presidências impostas (nos conselhos de assistência social presença forte das primeiras damas). Não obstante a isso, os conselhos encontram desafios para o controle social, como por exemplo: o acesso à informação, principalmente de orçamento, mesmo para quem é do governo; a autonomia da sociedade civil exige organização em outros espaços que não apenas os conselhos; há desarticulação entre as políticas públicas. Assim, é de suma importância que quem estiver na função de agente público com representatividade sociopolítica, seja por parte do governo como da sociedade civil, tenham as seguintes definições: para o primeiro, que as pessoas investidas de capacidade decisória, sejam dotadas de autoridade institucional, e com relação à segunda, que se tenha lideranças representativas dotadas de reconhecimento público, com capacidade para estabelecer interlocução com as representações governamentais (RAICHELIS, 2008, p. 27-28). Os conselhos não são os únicos meios de atuação da sociedade civil que possam ampliar e fortalecer novos espaços de participação existe também, como já mencionado acima, os fóruns que são menos formalizados e mais permeáveis à 83 participação popular. Estes são compostos por diversos representantes da sociedade civil organizada como: organizações populares e organizações não governamentais, sindicatos, movimentos sociais. Contudo, há um equilíbrio de gênero entre os representantes das organizações no espaço de discussão do fórum. Com o engajamento de diferentes organizações, ele pode se tornar um espaço educativo e democrático de inserções plurais em torno de um tema comum (LIMA, 2009, p. 06). Lima (2009, p. 10), continua destacando que os fóruns se constituem como um instrumento político importante na promoção e legitimação de uma prática de participação popular em meio às organizações populares da sociedade civil. Para que o modelo de democracia participativa se concretize cada vez mais como uma prática cidadã, é necessário avançar e qualificar a participação, garantindo o bom funcionamento dos espaços públicos que são ocupados para que se garanta o direito à participação, objetivando uma significativa mudança na forma de discutir e implantar as políticas públicas. Para esclarecer aos cidadãos sobre o tema do controle social, a Secretaria Municipal de Saúde de Mafra, por meio da Comissão Intersetorial e Multidisciplinar nomeada pela Resolução CMS 2009, apresentou o Plano Municipal de Saúde 20102013. Para a produção deste documento, participaram diversos setores da secretaria e do Conselho Municipal de Saúde. Os representantes destes setores utilizaram para embasamento, documentos que compõem a gestão, como a Conferência Municipal de Saúde de 2007, relatórios financeiros, planejamento local de unidades, programas e setores da secretaria e participação dos conselhos de direito existentes no município (MAFRA. Prefeitura Municipal, 2010, p. 100). Assim, indica o Plano Municipal da Saúde de Mafra 2010-2013: A formulação e a implantação de um sistema de monitoramento e avaliação são providências urgentes e ferramentas essenciais a serem desencadeadas para a consolidação da Política de Saúde e para a implementação do Sistema Único de Saúde – SUS, devendo ser uma construção coletiva envolvendo esforços de todos. (Lei n.º 8080/90 e nº 8142/90) Afinados ao princípio de descentralização e hierarquização das ações, os programas serão o ponto de partida, formando a base de um sistema que há de se implementar e consolidar, assegurando aos usuários a integralidade de assistência já referida. A participação popular há que se buscar de todas as formas. Não basta aquela participação de usuários assegurada no Conselho Municipal de Saúde (MAFRA. Prefeitura Municipal, 2010, p. 100). 84 Com relação a utilização dos instrumentos de participação popular, as audiências públicas têm progredido no sentido de contemplar o princípio democrático (SOUTO, 2004, p.231). Versa sobre o instituto que possibilita no âmbito da sociedade civil, espaço para tomada de decisões, manifestação de opiniões e de aspirações da população. Moreira Neto (1997, p. 14) escreve que a [...] audiência pública é um processo administrativo de participação aberto a indivíduos e a grupos sociais determinados, visando ao aperfeiçoamento da legitimidade das decisões da Administração Pública, criado por lei, que lhe preceitua a forma e a eficácia vinculatória, pela qual os administrados exercem o direito de expor tendências, preferências e opções que possam conduzir o Poder Público a decisões de maior aceitação consensual. Deste modo, o embasamento prático da realização da audiência pública versa no interesse público em se produzirem atos legítimos, do interesse dos particulares em apresentar argumentos e provas anteriormente à decisão. Uma audiência pública tem natureza consultiva à sociedade ou a grupos sociais interessados em determinado problema. A legislação brasileira prevê a convocação de audiência pública para realização da função administrativa, dentro do processo administrativo, por qualquer um dos Poderes da União, até mesmo nos casos específicos que versam sobre meio ambiente, licitações e contratos administrativos, concessão e permissão de serviços públicos, serviços de telecomunicações e agências reguladoras. Será obrigatória nos seguintes casos: pelo órgão ambiental, sempre que julgar necessário; quando solicitada pelo Ministério Público; quando solicitada por entidade civil e quando solicitada por 50 (cinqüenta) ou mais cidadãos (BRASIL. MINISTÉRIO PÚBLICO, 2008). Cumpre destacar também, que o Ministério Público, antes de ser um instrumento de controle social, é um aliado do cidadão nesse controle. A Lei nº 8.625/1993 (Lei Orgânica Nacional do Ministério Público, que dispõe sobre normas gerais para a organização do Ministério Público, entre outras providências), quando versa sobre as funções gerais da Instituição, no artigo 27, parágrafo único, IV, determina ao promotor da justiça, entre outras medidas imperativas a defesa dos direitos assegurados nas Constituições Federal e Estadual, que promova audiências públicas: 85 Artigo 27. Cabe ao Ministério Público exercer a defesa dos direitos assegurados nas Constituições Federal e Estadual, sempre que se cuidar de garantir-lhe o respeito: IV - promover audiências públicas e emitir relatórios, anuais ou especiais, e recomendações dirigidas aos órgãos e entidades mencionadas no caput deste artigo, requisitando ao destinatário sua divulgação adequada e imediata, assim como resposta por escrito. A Constituição Federal, em seu artigo 129, inciso III, (BRASIL. Constituição, 1988) dá ao Ministério Público a legitimidade ativa para a propositura da ação civil pública para a proteção do patrimônio público e social, bem como de outros interesses difusos e coletivos. Artigo 129 - São funções institucionais do Ministério Público (5): I – [...] II – [...] III - promover o inquérito civil e a ação civil pública, para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos; O artigo 6º da Lei n° 7.347/85 (Lei da Ação Civil P ública), prevê que: “Qualquer pessoa poderá e o servidor público deverá provocar a iniciativa do Ministério Público, ministrando-lhe informações sobre fatos que constituam objeto da ação civil e indicando-lhe os elementos de convicção”. Assim, o Promotor de Justiça se configura hoje como advogado pelo fato de propor ações, requerer diligências, produzir provas, atuando em defesa dos interesses sociais coletivos ou difusos. Nos crimes de Improbidade Administrativa, cabe a ele, pelo Inquérito Civil, obter todas as provas necessárias para a posterior propositura da ação civil pública. As audiências públicas estão ligadas, deste modo, com a passagem de uma democracia representativa para uma democracia participativa. Outro instrumento de controle social são as conferências de políticas convocadas pelos conselhos setoriais. Este instrumento legal de participação popular, significa o compromisso do gestor público com as mudanças no sistema político, tendo como objetivo avaliar e propor diretrizes de determinada política pública, discutir temas específicos, escolher delegados para as conferências estaduais e nacionais, quando for o caso, permite a eleição de delegados que irão representar determinado segmento da sociedade civil. 86 Martins (2010, p. 3) corrobora dizendo que a forma de gestão no sistema descentralizado e participativo, permeado pelo exercício do controle social, tem como espaço de concretização dessa participação as Conferências cujas responsabilidades são, entre outras, a de avaliar a gestão e deliberar novas diretrizes; e, os conselhos têm como fundamentais atribuições a fiscalização da execução e do financiamento desta política. A formulação e a implantação de um sistema de monitoramento e avaliação são providências urgentes e ferramentas essenciais a serem desencadeadas para a consolidação da Política de Saúde e para a implementação do SUS, devendo ser uma construção coletiva envolvendo esforços de todos (Lei n.º 8080/1990 e nº 8142/1990). Afinados ao princípio de descentralização e hierarquização das ações, os programas serão o ponto de partida, formando a alicerce de um sistema que há de se implementar e concretizar, garantindo aos usuários a integralidade de assistência já referida (BRASIL. Conselho Nacional de Secretários de Saúde, 2007). Após estas considerações, verifica-se que estimular a participação de movimentos sociais e de organizações populares, como instrumentos dinamizadores e ativadores dos organismos de controle social, faz com que estes possam ganhar maior representatividade e legitimidade social. No entanto, o exercício de descentralização, considerando a construção histórica e que a sociedade brasileira não tem uma experiência republicana que instituiu a cidadania e a democracia como prática social cotidiana, precisa-se te tempo para o amadurecido quanto à responsabilidade de cada membro participante da sociedade civil. 2.6 CONTROLE JUDICIAL DAS POLÍTICAS PÚBLICAS Mesmo que os direitos humanos e sociais encontrem-se ameaçados pelo impulso dado pelo capitalismo contemporâneo e pela globalização, resultando interferência econômica e sociopolítica, não quer dizer que eles não encontrem respaldo na gestão pública para que eles possam respaldar a execução e garantia de acesso a esses direitos. Difícil escapar das influências dos conflitos internacionais, da insuficiência de recursos além das instabilidades econômicas. Nesse contexto observa Nogueira (2005, p. 9) que O quadro de direitos humanos encontra-se complicado e ameaçado pelos impactos e pelas implicações da globalização que entre outras coisas retira 87 soberania dos Estados nacionais e, com isso, reduz a capacidade que estes estados têm de regular, controlar e proteger, perturbando-os como fonte de garantia de expectativas normativas. Desse modo, os direitos humanos em geral e os direitos sociais em particular ficam, sem o devido anteparo estatal, correndo o risco de se perderem ou simplesmente não serem efetivados. A efetivação dos direitos sociais prevista nos textos constitucionais, muitas vezes é negada pelos canais do poder público. A universalização dos direitos sociais é abandonada pelo favorecimento de setores específicos. Com isso, a normatização dos direitos permanece apenas enunciada, sendo aproveitada como instrumento ideológico de domínio das expectativas sociais. Faria (2001, p. 17) destaca ainda que Acionado pelos excluídos para dirimir conflito que afetam o processo de apropriação das riquezas e dos benefícios sociais, mas desprezado e ignorado por muitos setores ‘incluídos’ na economia transnacionalizada, que têm suas próprias normas, seus próprios ritos e suas próprias justiças, o poder judiciário vem vivendo, desde a aceleração da trasnacionalização dos mercados de bens, serviços e finanças, um dilema de feições algo pirandellianas: é um Poder em busca não de um autor, mas de espaços mais nítidos de atuação, se uma identidade funcional mais precisa e de maior legitimidade política [Grifo do autor]. Na contemporaneidade, diante do crescente corte nos gastos públicos e da crescente processo de exclusão social, o poder Judiciário depara-se numa encruzilhada, pois vê às voltas com os limites do estado em garantir à população em geral as leis conquistadas (RIGUETTI; ALAPANIAN, 2006, p. 120). O Poder Judiciário tem como uma das suas funções, proteger os direitos fundamentais e a própria Constituição Federal. Destarte, deve-se ponderar sobre a sua possível legitimidade, dentro de critérios de razoabilidade e proporcionalidade, avaliar o acertamento, a licitude e a validade das ações estatais, na execução de políticas públicas, tendo em vista que estas refletem a consolidação e o exercício pelos cidadãos de direitos fundamentais constitucionalmente garantidos. Segundo observa Canela Junior (2011, p. 89), enquanto aos poderes legislativo e executivo cabem características pró-ativas, ao poder Judiciário incumbe o exame de constitucionalidade e da legalidade dos atos praticados pelo demais poderes. Continua o mesmo autor dizendo que cabe ao Poder Judiciário analisar, em qualquer situação, e desde que provocado (CRFB de 1988, artigo 5º, XXXV), a constitucionalidade respectiva, aquilo que de convencionou chamar de atos de 88 governo ou questões políticas deverá ser examinado pelo Poder Judiciário sob o prisma do atendimento aos fins do Estado. Diante disso, percebe-se, que no cotidiano forense e no direito contemporâneo, vêm ocorrendo julgados que defendem a possibilidade do controle jurisdicional de políticas públicas. No mesmo sentido, está mais aberto a teses inovadoras, vêm trazendo entendimentos mais adequados à efetivação dos direitos fundamentais, com inclusão dos que demandam políticas públicas. O poder judiciário, com amparo ao princípio da discricionariedade administrativa27, caminha no sentido de uma teoria condizente com o controle jurisdicional das políticas públicas e com a concretização dos valores constitucionais supremos. Para a efetivação dos direitos fundamentais, o Estado brasileiro anotou no artigo 3º da Constituição Federal os seus objetivos fundamentais, aos quais estão vinculados todos os poderes, inclusive o Poder Judiciário, que passou a ocupar o patamar de poder político ao assumir o controle de constitucionalidade. De tal modo, o artigo 2º à luz dos artigos 3º e 5º, XXXV no mesmo texto constitucional, conduz à conclusão de que compete ao Poder Judiciário, no exercício do controle de constitucionalidade, proceder ao exame da “[...] compatibilidade dos atos praticados pelas demais formas de expressão do poder estatal a partir de sua conformidade com os objetivos do Estado” (CANELA JUNIOR, 2011, p. 09-10). Cabe destacar que a intervenção do judiciário na execução das políticas públicas não é nova, pois “Com a ampliação das funções do Estado no período intervencionista, o poder judiciário, como parte da estrutura do estado, também amplia suas funções e passa a atuar como um mecanismo de redução das desigualdades sociais” (RIGUETTI; ALAPANIAN, 2006, p. 113). Abordando esta questão, Faria (2001, p. 8) mostra que: Originariamente, no período histórico do capitalismo concorrencial, ele foi concebido para, no exercício dessas funções, preservar a propriedade privada, conferir eficácia aos direitos individuais, assegurar os direitos fundamentais, garantir as liberdades políticas e afirmar o império da lei; proteger os cidadãos contra os abusos de poder do estado. Mai tarde, no período histórico do capitalismo organizado, o Poder Judiciário também 27 Discricionariedade é à margem de ‘liberdade’ que remanesce ao administrador para eleger, segundo critérios consistentes de razoabilidade, um, dentre pelo menos dois comportamentos, cabíveis perante cada caso concreto, a fim de cumprir o dever de adotar a solução mais adequada à satisfação da finalidade legal, quando, por força da fluidez das expressões da lei ou da liberdade conferida no mandamento, dela não se possa extrair objetivamente uma solução unívoca para a situação vertente (MELLO, 2003, p. 831, Grifo do autor). 89 passou a implementar direitos sociais, condicionando a formulação e execução de políticas públicas com propósitos compensatórios e distributivistas. Neste contexto, o judiciário tem função especial de guardião da legalidade e da moralidade das eleições e do controle das políticas públicas, garantir a plena eficácia dos programas do Estado. Segundo Barros (2010, p. 6), O tema do controle jurisdicional de políticas públicas também foi examinado e recebeu novos contornos no seio do Superior Tribunal de Justiça, guardião-mor da integridade da legislação infraconstitucional. Tradicionalmente, o STJ sempre se notabilizou pela adoção de exegese comprometida com as idéias liberais em torno da discricionariedade administrativa e da separação dos poderes, fazendo tábula rasa da possibilidade de o Poder Judiciário intervir, diante de ações ou omissões administrativas, em programas de governo - ligados à efetivação de direitos prestacionais - executados em descompasso com a Constituição ou a 28 legislação infraconstitucional . Assim, o Poder Judiciário tem papel relevante e ativo no seio da sociedade, bem como o Ministério Público, órgão autônomo e independente essencial à função jurisdicional do Estado (TESSEROLI FILHO, 2008, p. 1). No direito contemporâneo, sem qualquer agravo à independência dos poderes constituídos (artigo 2º, CRFB/1988), o mando constitucional outorga ao Poder Judiciário competência para obrigar o Executivo, quando inerte ou omisso, a adotar determinadas medidas em favor dos indivíduos desprovidos de amparo estatal. Neste contexto, observa Riguetti e Alapanian (2006, p. 108): As conquistas no campo dos direitos sociais obtidas pela Constituição Federal de 1988, tais como a universalização dos direitos à saúde, o reconhecimento da Assistência Social como política, os direitos da criança e do adolescente, os direitos dos idosos, entre outras, encontram-se 28 Eis um exemplo: “CONSTITUCIONAL – ADMINISTRATIVO – AÇÃO CIVIL PÚBLICA – PODER DISCRICIONÁRIO DA ADMINISTRAÇÃO – EXERCÍCIO PELO JUIZ – IMPOSSIBILIDADE – PRINCÍPIO DA HARMONIA ENTRE OS PODERES. O juiz não pode substituir a Administração Pública no exercício do poder discricionário. Assim, fica a cargo do Executivo a verificação da conveniência e da oportunidade de serem realizados atos de administração, tais como, a compra de ambulâncias e de obras de reforma de hospital público. O princípio da harmonia e independência entre os poderes há de ser observado, ainda que, em tese, em ação civil pública, possa o Município ser condenado à obrigação de fazer. Agravo a que se nega provimento.” (STJ-2ª Turma, REsp 252.083, Rel. Min. Nancy Andrighi, unânime, j. 31/5/2000, DJ 26/3/2001). Outros acórdãos também defendem a tese da intromissão indébita do Poder Judiciário em matéria de políticas públicas: STJ1ª Turma, REsp 169.876, Rel. Min. José Delgado, unânime, j. 16/6/1998, DJ 21/9/1998; STJ-6ª Turma, REsp 63.128, Rel. Min. Adhemar Maciel, unânime, j. 11/3/1996, DJ 20/5/1996. 90 ameaçadas pelas condições de aplicabilidade e efetividade, e correm o risco de sua negação, em termos práticos, por parte da ação ou omissão do próprio poder público. Nesse ponto de raciocínio, há a possibilidade de submeter uma política pública ao controle judicial, ou seja, diante de uma garantia ampla, constante no artigo 5º, XXXV, da Constituição Federal, que assim prevê: “A lei não excluirá da apreciação do poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”. Pelo o que diz Bucci (2006, p. 31) A proposição constitucional centra-se na proteção a direito, sendo esse o elemento de conexão a considerar. O Judiciário tutela as políticas públicas na medida em que elas expressam direitos. Excluem-se, portanto, os juízos acerca da qualidade ou da adequação, em si, de opções ou caminhos políticos ou administrativos do governo, consubstanciados na política pública. Nesse sentido, o modo de acionar o controle judicial das políticas públicas são vários. Alguns desses mais ‘compreensíveis’ ou adequados à atuação do poder Judiciário [Grifo do autor]. Continua a mesma autora, citando Appio (2009, p. 33), que: A principal função do Poder Judiciário brasileiro no contexto político do século XXI será a de permitir a efetiva participação de grupos e segmentos da sociedade que não têm acesso aos canais de comunicação com o poder político. Neste sentido, não cabe ao Poder Judiciário utilizar de uma discricionariedade política quando do exame das omissões do Estado, mas sim, possibilitar que o jogo político se desenvolva a partir de regras equitativas que considerem com igual respeito todos os cidadãos. Dessa forma, sustenta-se que o poder judiciário, quando provocado pela parte interessada, tem a dever de garantir os direitos sociais assegurados constitucionalmente, contestando os obstáculos que impedem o desenvolvimento das políticas públicas, no entanto, não substituindo a função do Pode Executivo. Não obstante o entendimento de que compete aos governantes pôr em prática as políticas públicas e sociais, uma vez que os magistrados não estariam aptos a enfrentar a judicialização da política (TESSEROLI FILHO, 2008, p. 1) Seguem neste raciocínio Riguetti e Alapanian (2006, p. 124), dizendo que: O Judiciário, se devidamente provocado, pode nesse contexto ser elemento de garantia de formulação de políticas públicas, mediante a intimação dos demais poderes, para que cumpram com suas obrigações. Isso se coloca preponderantemente na relação do Poder Judiciário com o Poder Executivo, quando trata de fazer que o último cumpra leis estabelecidas, garantindo que os direitos conquistados em leis sejam materializados. 91 Contudo, na visão de Faria (1998, p. 109), o Judiciário, nem sempre assim procede, mas Invocando a independência dos poderes na melhor tradição da democracia liberal clássica e esquecendo-se de que também é parte fundamental do Estado, ele se tem furtado a enquadrar o Executivo. No momento em que este poder, a pretexto da resolução da crise fiscal vem promovendo cortes drásticos em suas políticas públicas e, sob a forma de programas de privatização nos campos de saúde, educação e previdência, procurando fugir de suas obrigações sociais. Não se pode esquecer que nos limites da Constituição Federal de 1988, mostra-nos que os juízes são, em última instância, os únicos intérpretes e responsáveis por decidir quais são os limites de suas atuações, já que difere ao poder jurisdicional analisar a legalidade dos atos administrativos praticados pela administração estatal. Ou seja, cabe exclusivamente ao poder judiciário aplicar o direito ao caso concreto quando este não for cumprido pela ineficiência administrativa do executivo, do descaso governamental com os direitos básicos dos cidadãos, da incapacidade de gerir os recursos públicos, respeitando, no entanto, os limites de independência de cada um dos três poderes (legislativo executivo e judiciário). Nessa linha de raciocínio, para Appio (2009, p. 71) A fixação dos limites à própria jurisdição representa, nesse contexto, uma das mais graves funções outorgadas ao Poder Judiciário. A busca da plena normatividade constitucional não pode significar o rompimento do delicado equilíbrio necessário à democracia. Um governo de juízes, neste sentido, em nada difere de um governo aristocrático, pois o regime democrático não se coaduna com a concentração extremada de poder político junto a um único órgão. Ao tratar especificamente do tema, Bucci (2006, p. 31) entende que A questão se coloca sob o prisma da ‘reserva do possível’, já identificada na jurisprudência constitucional alemã, que nada mais expressa senão o fato de que os direitos sociais têm custos e que o limite, pode haver concorrência pelo atendimento ao direito. A pulverização dos conflitos na arena judicial, mesmo quando agregados os interesses coletivos sob a representação processual no Ministério Público, não impede que ocorra de modo desordenado e sem uma racionalidade explicita e consciente, uma seleção de prioridades, segundo as condições concretas de cada grupo de interesse de se fazer defender perante o Poder Judiciário [Grifo do autor]. No entanto, como escreve Gomes (2003, p. 108) 92 Em relação às omissões, nem todas devem ser consideradas judicialmente. Luís Roberto Gomes concorda que não é qualquer omissão estatal que é suscetível de controle, mas somente a omissão ilícita. Isto vale também para as atitudes comissivas. Há, pois, um parâmetro para o controle das políticas públicas: a existência de atos ou omissões ilícitas que desviem as políticas públicas de seu objetivo, qual seja, a efetivação paulatina dos direitos fundamentais sociais, econômicos e culturais. Para Grinover (2010, p. 17), o poder judiciário, para interferir no controle das políticas públicas, deve obedecer três condições: [...] (1) o limite fixado pelo mínimo existencial a ser garantido ao cidadão; (2) a razoabilidade da pretensão individual/social deduzida em face do Poder Público e (3) a existência de disponibilidade financeira do Estado para tornar efetivas as prestações positivas dele reclamadas. Examinem se esses requisitos, que traçam os limites para a intervenção do Judiciário nas políticas públicas. Neste sentido, decidiu o Supremo Tribunal Federal que: Não obstante a formulação e a execução de políticas públicas dependam de opções políticas a cargo daqueles que, por delegação popular, receberam investidura em mandato eletivo, cumpre reconhecer que não se revela absoluta, nesse domínio, a liberdade de conformação do legislador, nem a de atuação do Poder Executivo. É que, se tais Poderes do Estado agirem de modo irrazoável ou procederem com a clara intenção de neutralizar, comprometendo-a, a eficácia dos direitos sociais, econômicos e culturais, afetando, como decorrência causal de uma injustificável inércia estatal ou de um abusivo comportamento governamental, aquele núcleo intangível consubstanciador de um conjunto irredutível de condições mínimas necessárias a uma existência digna e essencial à própria sobrevivência do indivíduo, aí, então, justificar-se-á, como precedentemente já enfatizado — e até mesmo por razões fundadas em um imperativo ético-jurídico —, a possibilidade de intervenção do Poder Judiciário, em ordem a viabilizar, a todos, o acesso aos bens cuja fruição lhes haja sido injustamente recusada pelo Estado (BRASIL, SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, 2004). O Estado, como óbice para o não-fornecimento de medicação de alto custo ao usuário do SUS, por exemplo, argumenta que os direitos sociais (saúde), só podem ser respeitados quando houver recursos financeiros públicos suficientes para isso. No entanto, merece destaque os ensinamentos do jurista Sarlet (2005, p. 355) Como dá conta à problemática posta pelo ‘custo dos direitos’, por sua vez, indissociável, da assim designada ‘reserva do possível’ (que não pode servir como barreira intransponível à realização dos direitos a prestações sociais), a crise de efetividade vivenciada com cada vez maior agudeza pelos direitos fundamentais de todas as dimensões está diretamente conectada com a maior ou menor carência de recursos disponíveis para o atendimento das 93 demandas em termos de políticas sociais. Com efeito, quanto mais diminuta a disponibilidade de recursos, mais se impõe uma deliberação responsável a respeito de sua destinação, o que nos remete diretamente à necessidade de buscarmos o aprimoramento dos mecanismos de gestão democrática do orçamento público [Grifo do autor]. Adverte ainda Grinover (2010, p. 18), que a interferência do Judiciário na implementação das políticas públicas, “[...] costuma-se incluir no mínimo existencial, entre outros, o direito à educação fundamental, o direito à saúde básica, o saneamento básico, a concessão de assistência social, a tutela do ambiente, o acesso à justiça”. Observa ainda, que “[...] esse núcleo central, esse mínimo existencial que, uma vez descumprido, justifica a intervenção do Judiciário nas políticas públicas, para corrigir seus rumos ou implementá-las” (GRINOVER, 2010, p. 18). De tal modo, verifica-se que o Poder Público vem demorando demais para ofertar aos usuários do SUS novos medicamentos excepcionais de eficácia comprovada; demora esta que vem provocando o aumento de ações judiciais que buscam exatamente o fornecimento destes medicamentos (de alto custo), os quais asseguram a vida e a saúde destas pessoas (TAVARES, 2010. p. 3). Igualmente, verifica-se que o legislador constituinte reconheceu que “são de relevância pública as ações e serviços de saúde” (artigo 197 da CRFB de1988), reforçando, deste modo, a exigibilidade do direito à saúde, atribuindo-lhe o caráter de serviço público essencial. Ante as considerações ora anotadas, pode se finalizar dizendo que o Poder Judiciário pode exercer o controle das políticas públicas, entendidas como programas e ações do Poder Público, para aferir sua compatibilização com os objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil (artigo 3º CRFB de1998), não ferindo o princípio da separação dos poderes. No entanto, há limites postos à intervenção, citando como principais, a restrição à garantia do mínimo existencial; a razoabilidade da pretensão individual/social deduzida em face do poder público, pois a poder judiciário se encontra constitucionalmente vinculado à política estatal. 94 2.7 A DESCENTRALIZAÇÃO DA GESTÃO PÚBLICA E O DESENVOLVIMENTO SOCIAL REGIONAL Foi a partir de meados do Século XX que o tema descentralização desenvolvimento ganhou espaço nos debates econômicos e políticos. O fim da Segunda Guerra Mundial possibilitou um espaço favorável à superação das crises econômicas, sociais e políticas. São instituídos mecanismos para interceder junto aos países para a superação dos problemas que levaram às duas grandes guerras do século. Foi nesta conjuntura que, após o surgimento da Organização das Nações Unidas e o Fundo Monetário Internacional, os países em crise tiveram ajuda. Ortega (2005, p. 1) analisa que A própria Guerra Fria entre as nações hegemônicas do mundo capitalista e comunista acabou incentivando o debate em torno do desenvolvimento. Afinal, fosse para impedir o avanço de um sistema sobre o outro em regiões pobres, fosse para demonstrar a superioridade de um sobre o outro, o certo é que a busca do desenvolvimento de regiões ditas subdesenvolvidas tornou-se prioridade de capitalistas e comunistas. Nesse processo, e tendo como referência os postulados teóricos keynesianos, a participação do Estado no desenvolvimento das nações capitalistas assumiu um protagonismo nunca antes visto, emergindo discussões em torno do desenvolvimento regional, com tentativas de formulação de políticas para a superação das desigualdades regionais das nações. Continuam ressaltando Mendonça e Ortega (2005, p. 2): Entretanto, depois de algumas décadas, o debate em torno do desenvolvimento esteve marginalizado, e somente no final dos anos 1990 do século passado é que voltou a ser valorizado pela literatura econômica e pelas políticas públicas. Com base em experiências específicas, ocorridas a partir dos anos 1970, difundiu-se, em nível internacional, a idéia do surgimento de um novo paradigma de desenvolvimento, associado ao processo de ‘globalização’ e fundamentado numa nova forma de organização da economia e da sociedade – flexível e descentralizada.). Nesse sentido, a criação do conceito de desenvolvimento humano pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) foi um marco dessa reformulação, explicitando o processo de adaptação pelo qual os organismos multilaterais passaram nesse período. Com a criação do IDH (Índice de Desenvolvimento Humano), por exemplo, seus programas de desenvolvimento passaram a considerar também indicadores sociais (educação, saúde, longevidade), e não apenas os econômicos (PIB, renda per capita, etc.), como expressão do estágio de desenvolvimento de uma nação ou localidade. Ganha importância na construção desse desenvolvimento noções de capital humano e social, que num ambiente de liberdade (econômica e política) e de incentivo à descentralização da gestão pública impulsionaria o desenvolvimento [Grifo do autor]. 95 Já no Brasil, em meados nos anos 1990, as experiências de desenvolvimento territorial adquirem significativa expressão considerando a crise econômica e de reformas liberais que ocorriam. A partir daí, tem-se procurado descobrir alternativas autônomas para o desenvolvimento nos seus espaços locais. Ortega (2005, p. 2) diz que Em contraste com essa visão hegemônica, surgiram, também nesse mesmo período, outras visões e experiências sobre o desenvolvimento territorial. Experiências que, mesmo reconhecendo a força desse processo liberalizante ‘global’, implementaram respostas específicas e intencionais valorizando as diversidades econômicas, sociais e políticas existentes em seus territórios locais. Em todas elas, a motivação principal tem sido contribuir com o enfrentamento da pobreza e das desigualdades sociais e regionais brasileiras, representando uma ‘alternativa real’ de geração de cidadania e de inserção competitiva dos territórios nos circuitos econômicos regionais, nacionais e internacionais mais dinâmicos [Grifo do autor]. De tal modo, o tema do desenvolvimento local passou a ter destaque no Brasil em decorrência de diversos fatores além daqueles observados anteriormente. A título de exemplos, destacam-se os seguintes: 1) causa institucional (Constituição de 1988): ocorreram avanços das responsabilidades de estados e municípios pela formulação e gestão de políticas públicas, criação de arranjos sociais locais (conselhos). Estes conselhos passaram a ser obrigatórios nos municípios (Conselho Municipal de Saúde, Conselhos Municipais de Educação, Conselhos Municipais de Assistência Social, Conselhos Municipais de Desenvolvimento Rural Sustentável, dentre outros. De tal modo, mediante os novos espaços de governança, aumentou a participação da sociedade civil nas tomadas de decisão. 2) Fortalecimento de forças locais na luta pela redemocratização do país: a conquista da sociedade civil, organizada por mais espaço na formulação e gestão de políticas públicas motivou um processo de luta pela radicalização da democracia por meio dos espaços locais. Em meio a este cenário, houve consolidação do descrédito na capacidade do governo central em dirigir um processo de desenvolvimento sustentável, acontecia a organização da sociedade civil contra o Estado autoritário; 3) Recomendação das agências multilaterais: o Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacional passaram a recomendar aos países em desenvolvimento o controle de suas contas públicas e o desenvolvimento local, mediante a indução de arranjos sócio-produtivos locais; 4) Desregulamentação da economia: o Brasil, na década de 1990, teve um intenso processo de desregulamentação na economia, seguido das idéias do 96 neoliberalismo, houve redução da participação do Estado na economia, emergiram espaços de concertação social local que levaram a experiências autônomas e ao desenvolvimento locais (municipais ou intermunicipais) (ORTEGA, 2005, p. 2-4). Dessa forma, o debate sobre descentralização, desconcentração da gestão pública para o desenvolvimento apresenta diferentes enfoques. Aponta-se que a cooperação entre pessoas, organizações sociais, empresas ou governos tem sido uma prática utilizada ao longo da história do homem. Dessa forma, pela cooperação os problemas que individualmente são de difícil resolução poderão ser enfrentados. De tal modo, percebe-se que a cooperação intermunicipal pode ser considerada uma alternativa viável para o desenvolvimento e execução de projetos e ações (DALLABRIDA; ZIMERMANN, 2009, p. 3). Segundo Dallabrida e Zimermann (2009, p. 7), É na Constituição Brasileira de 1988 que o princípio da descentralização da gestão pública se manifesta mais claramente. Por outro lado, as Constituições Estaduais, elaboradas a partir de 1989, atendendo aos princípios da descentralização e da participação cidadã na gestão pública, muitas avançaram em relação à Constituição Federal. No Estado do Rio Grande do Sul, por exemplo, a Constituição Estadual de 1989 previu a ampliação da participação cidadã na gestão pública. O Artigo 149 determina que os orçamentos anuais e a lei de diretrizes orçamentárias, compatibilizados com o plano plurianual, deverão ser regionalizados e terão, entre suas finalidades, a de reduzir as desigualdades sociais e regionais. Já o Artigo 167 determina que a definição das diretrizes globais, regionais e setoriais da política de desenvolvimento, caberá a órgão específico, com representação paritária do Governo do Estado e da sociedade civil, através dos trabalhadores rurais e urbanos, servidores públicos e privados, dentre outros, todos eleitos em suas entidades representativas. Continuam Dallabrida e Zimermann (2009, p. 7), lembrando que Partidos políticos e de instituições comunitárias de ensino superior, depois de longos meses de discussão na Assembléia Legislativa, foi promulgada, em 1994, uma Lei que previu a organização de conselhos em cada região, os Conselhos Regionais de Desenvolvimento - Coredes. Desde sua origem, tais conselhos têm efetivar a descentralização das decisões de planejamento do governo, além de oportunizar à sociedade organizada participar na proposição de estratégias de desenvolvimento regional. A partir de 2003, por extensão, propôs-se a criação de conselhos em cada município, os Conselhos Municipais de Desenvolvimento – Comudes, com funções similares. Assim constituídos, os Coredes e Comudes podem ser considerados estruturas de governança territorial para a gestão do desenvolvimento, havendo já várias reflexões sobre estas Experiências. De tal modo, na última década, a partir de 1988, com a descentralização e municipalização, o governo federal vem delegando a Estados e Municípios, de forma 97 expressiva, parte das funções de gestão das políticas, seja de habitação, saneamento básico, de saúde e assistência social. Segundo o Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão - Secretaria de Planejamento e Investimentos Estratégicos, a descentralização para uma gestão pública democrática e eficiente, deve ter os seguintes objetivos: a) aproximar as decisões da gestão pública do cidadão: participação dos interessados; b) tornar a ação governamental mais eficaz, porque próxima do problema: o princípio da subsidiariedade; c) otimizar o gasto público dos três níveis de governo, pela redução de superposições e convergência de prioridades; d) sair de uma política de oferta para a de demanda, a partir de territórios de programação: projeto de desenvolvimento local; e) enfrentar com as ferramentas da gestão pública o problema das desigualdades (BRASIL. MINISTÉRIO DO PLANEJAMENTO, ORÇAMENTO E GESTÃO, 2005, p. 1-2). Este mesmo Ministério mostra que as diretrizes a serem perseguida são: a) assegurar os objetivos de eqüidade entre os territórios; b) definir com clareza as competências partilhadas e as transferidas, dentro de uma política de eqüidade e subsidiariedade, c) ter co-responsabilidade e não delegação de responsabilidades; d) estar associado a um processo simultâneo de integração econômica dos territórios, por meio da valorização da diversidade dos territórios; e) estar associado a uma política de solidariedade entre os territórios, por meio de tratamento diferenciado segundo o nível de renda e dinamismo dos territórios; f) valorizar uma nova escala de intervenção pública: os agrupamentos de municípios; g) ter responsabilidade indelegável às atividades voltadas para a segurança dos cidadãos e às atividades produtivas (BRASIL. MINISTÉRIO DO PLANEJAMENTO, ORÇAMENTO E GESTÃO, 2005, p. 4-5). No mesmo sentido, para que ocorra o desenvolvimento local, o Pacto de Concertamento, previsto na Lei nº (10). 933, de 11.08.2004 (PPA 2004-2007), instrumento previsto também artigo 11 do Decreto n°(5.233), de 06.10.2004, é colocado à disposição da sociedade civil, conforme se observa em seu artigo 12: O Poder Executivo poderá firmar compromissos, agrupados por subregiões, com Estados, Distrito Federal e Municípios, na forma de pacto de concertamento, definindo atribuições e responsabilidades das partes, com vistas à execução do Plano Plurianual e de seus programas. §2º Os pactos de concertamento, de que trata o caput, abrangerão os programas e ações que contribuam para os objetivos do Plano Plurianual, 98 em nível estadual e sub-regional, e definirão as condições em que a União, os Estados e o Distrito Federal, os Municípios e a sociedade civil organizada participarão do ciclo de gestão deste Plano. O mencionado Pacto de Concertamento tem os seguintes objetivos: a) Implementar programas e ações selecionados em comum acordo com os três entes da federação, considerando a demanda da sociedade e visando apoiar um projeto de desenvolvimento sustentável em nível sub-regional, articulado à estratégia nacional de desenvolvimento que orienta a formulação do PPA do Governo Federal. b) Implicar no envolvimento da sociedade civil na medida em que é consultada previamente, exerce o controle social sobre a ação governamental e, eventualmente, participa de ações específicas de apoio ao plano de desenvolvimento do território (BRASIL. MINISTÉRIO DO PLANEJAMENTO, ORÇAMENTO E GESTÃO, 2005, p. 13-15). Desta compreensão, é necessário ressaltar que as políticas públicas, mormente aquelas voltadas para a consolidação dos direitos fundamentais sociais, estão ligadas à concepção de desenvolvimento. Para explicitar essa ideia, entendese que O desenvolvimento requer que se removam as principais fontes de privação de liberdade: pobreza e tirania, carência de oportunidades econômicas e destituição social sistemática, negligência dos serviços públicos e intolerância ou interferência excessiva de Estados repressivos. A despeito de aumentos sem precedentes na opulência global, o mundo atual nega liberdades elementares a um grande número de pessoas – talvez até mesmo à maioria. Às vezes a ausência de liberdades substantivas relaciona-se diretamente com a pobreza econômica, que rouba das pessoas a liberdade de saciar a fome, de obter uma nutrição satisfatória ou remédios para doenças tratáveis, a oportunidade de vestir-se ou morar de modo apropriado, de ter acesso a água tratada ou saneamento básico. Em outros casos, a privação de liberdade vincula-se estreitamente à carência de serviços públicos e assistência social, como por exemplo, a ausência de programas epidemiológicos, de um sistema bem planejado de assistência médica e educação ou de instituições eficazes para a manutenção da paz e da ordem locais. Em outros casos, a violação da liberdade resulta diretamente de uma negação de liberdades políticas e civis por regimes autoritários e de restrições impostas à liberdade de participar da vida social, política e econômica da comunidade (SEN, 2000, p. 18). Com estas considerações, importante dizer que as experiências de desenvolvimento territorial balizam a necessidade de organização da sociedade em torno de fins comuns e de que essas condições podem ser construídas. O Brasil se transformou em um país descentralizado em decorrência da democratização, ou 99 seja, descentralização política, financeira e administrativa, com conseqüentes repercussões sobre as políticas públicas. Os resultados da descentralização na esfera federal são bastante visíveis: o governo federal tem enfrentado problemas fiscais e financeiros e dificuldades, embora não intransponíveis, para formar e sustentar coalizões que permitam aos Presidentes governarem e implementarem políticas públicas, de maneira especial aquelas voltadas para o controle fiscal. Na esfera dos estados, entretanto, os resultados da descentralização são heterogêneos devido às significativas desigualdades regionais (SOUZA, 1998, p. 3). Nota-se que até pouco tempo, o poder municipal era reflexo do poder central dominante e não do poder local. A legitimidade política municipal era anulada pelos interesses de grupos políticos centralizados. A ausência de lideranças políticas locais somava-se ao despreparo administrativo causando dependência ao poder central e aos seus interesses não coincidentes com os das comunidades locais. Esta condição de dependência perpetuou-se por muitos séculos (SAULE JÚNIOR, 2001). Souza (1998, p. 2) diz que Com a descentralização política, os municípios adquiriram uma maior autonomia para decidir as políticas públicas de sua responsabilidade, dando prioridade às ações que atendam as demandas da população local. No entanto, para a efetividade dessas políticas públicas é necessário que as prefeituras dos municípios faça parcerias com o poder privado. O conceito de parceria está vinculado à possibilidade de planejamento e desenvolvimento de projetos integrados, pelos setores governamentais e não governamentais, públicos e privados. O parceiro é aquele que oferece efetivo aporte de recursos – humanos, físicos, financeiros, de tecnologia e conhecimentos – à realização dos programas e projetos. A descentralização pode forçar o sistema político a encaminhar soluções apropriadas para acomodar as diferenças regionais, oportunizando a sociedade civil, o acesso ao processo decisório regional, de forma participativa, democrática. No entanto, no Brasil, a descentralização por si só não é satisfatória para que se possa alcançar o desenvolvimento local, faz-se necessário o fortalecimento da organização municipal. Ou seja, que os municípios adquiriram uma maior autonomia para definir as políticas públicas de sua responsabilidade, priorizando quais ações que atenderão as necessidades da população local. Necessário também, para a efetivação dessas políticas, que as prefeituras dos municípios possibilitem parcerias com o poder privado. 100 Porém, Oliveira (2005, p. 5), ao abordar a descentralização dos serviços sociais mostra que há um desmonte dos programas de âmbito nacional, provocando um desequilíbrio ainda maior entre as diversas regiões, pois estas não possuem as mesmas condições financeiras, técnicas e políticas para manutenção dos serviços de forma equitativa. O mesmo autor entende que estratégia de desenvolvimento local a partir de políticas públicas federais, não apenas pela indução da composição de um arranjo social territorial, como também de ações de fomento, pode estimular o desenvolvimento local-regional. Nesse sentido, as experiências internacionais já evidenciaram a viabilidade dessas estratégias de desenvolvimento local. Necessário, no entanto, ocorrer o rompimento de práticas tradicionais existentes nas políticas públicas brasileiras, tais como: políticas fragmentadas e setoriais; pulverização e competição entre os setores da administração pública; terminar com a natureza clientelista e assistencialista, reconhecendo as diferentes concepções do papel do Estado nos processos de desenvolvimento territorial. Dessa forma, o processo de descentralização é benéfico à sociedade civil, todavia, demanda adequações e tempo para sua total implementação. 2.8 O MINISTÉRIO PÚBLICO: ANTECEDENTES HISTÓRICOS Teoricamente, no direito romano, o germe da instituição do Ministério Público. nasce dos Procuradores Caesaris, constituído pelo Imperador Augusto (27 a.C. a 14 d.C.), baseado no modelo dos procuradores privados para a gestão das propriedades imperiais e a arrecadação tributária (RIBEIRO, 2003, p. 13). No Egito a concepção da instituição refere-se ao funcionário real egípcio, denominado de magiaí, que foram os procuradores do rei, há cerca de 4000 anos a.C. Segundo Machado (1989, p. 10) Eram eles genericamente ‘a língua e os olhos do rei’, desempenhando no campo penal o dever de castigar os rebeldes, reprimir os violentos, proteger os cidadãos pacíficos, acolher os pedidos do homem justo e verdadeiro, perseguindo os malvados e mentirosos; na área processual penal era de sua responsabilidade ‘fazer ouvir as palavras da acusação, indicando as disposições da lei que se aplicavam, ao caso’, bem como ‘participar das instruções para descobrir a verdade’, e, finalmente, no cível, competia-lhe a defesa de certas pessoas, já que eram tidos como ‘o marido da viúva e o pai do órfão’ [Grifo do autor]. 101 No ano 2000 a.C, diante dos tribunais babilônicos de juízes civis, haja vista que Hamurabi secularizou a Justiça, atuava um representante do rei conhecido como redoudaini que cumpria a função peculiar de uma espécie de Ministério Público. Em Roma, figuras como o praefectus urbis, originariamente chamados de custos urbis; os praesides; e os procuratoes caesaris, ainda são os precursore da instituição. Chega-se a desprezar completamente a origem egípcia para dar todo crédito as instituições romanas. Porém, a visão predominante é a de que essas figuras cumpriam funções jurisdicionais e não as próprias do Ministério Público, como se concebe hoje (MACHADO, 1989, p. 10-11). Tem-se ainda, que com a dissolução do regime feudal, a administração da justiça começou a ter regulamentação estável e a magistratura passou a estabelecer no Estado uma ordem constante e sedentária. Diante disso, foi necessário instituir junto aos tribunais, advogados e procuradores, que conservassem o domínio da coroa, para representar a autoridade da lei e o interesse da nação contra os privilégios dos vassalos e as aspirações do foro eclesiástico. Em seguida, a função primitiva de administração da justiça aduziu-se uma função de promoção da ação civil pública, fazer parecer que os procuradores fossem órgãos de defesa dos interesses sociais e antecessores do Ministério Público atual (RIBEIRO, 2003, p. 18). Entretanto, o surgimento do Ministério Público, na evolução histórica do Brasil, mostra que antes da Independência, o desenvolvimento desta instituição esteve indissociavelmente ligado ao direito português. Para a teoria portuguesa, a revelação do Ministério Público, como organização estável e permanente, se conferiu no século XIV. Antes disso, o fórum judicium ou Código Visigótico previa a ação pública contra o homicídio sem instituir magistrados especiais para promoverem. Tal código regulou a ação da justiça, a organização e competência dos tribunais na península hispânica. Durante a monarquia, a evolução deu-se a partir da procuração do Rei de Portugal, citado no alvará de 28 de março de 1514, até o Procurador-Geral da Coroa e Fazenda, definindo-se o Ministério Público com características que persiste no tempo, tornando-se definitivo em seu desenho institucional (RIBEIRO, 2003, p. 16). Em 1609 se criou a Relação da Bahia, junto à qual o procurador da Coroa e da Fazenda tinha função de promotor de justiça. No Brasil-Colônia e no BrasilImpério, o procurador-geral ainda concentrava a ocupação, não se podendo o 102 reconhecer propriamente como uma instituição, muito menos em qualquer garantia ou independência dos promotores públicos, eram meros agentes do Poder Executivo. Após, a Constituição de 1824, se conferiu ao procurador da Coroa e Soberania Nacional a acusação no juízo de crimes, reservando as hipóteses de iniciativa acusatória da Câmara dos Deputados. Deduz aí que o nome Ministério Público não é dessa época. Por sua vez, o Código de Processo Criminal do Império de 1832 previa uma seção reservada aos promotores, com os primeiros requisitos para sua nomeação e o rol das principais funções previstas nos artigos 36 a 38. Todavia, com a reforma de 1841 e com os respectivos regulamentos, a qualidade de "bacharel idôneo" passou a ser requisito da nomeação dos promotores públicos. Devido á adoção por Portugal, do Regulamento do Ministério Público, em 1835, o qual tratou o MP como uma instituição independente do poder judiciário, o Brasil por influência portuguesa, pelo Decreto nº. 848 de 11 de outubro de 1890, editado por Campos Sales, terceiro presidente da República brasileira, reconheceu o Ministério Público como instituição, o mesmo acontecendo com o Decreto n. 1.030, de 14 de novembro de 1890, que organizou a justiça no Distrito Federal. A Constituição de 15 de julho de 1934, marco do processo democrático e que durou pouco mais que três anos, referiu-se, de forma sistemática, ao Ministério Público, incluindo-o no título da organização federal, no capítulo Dos Órgãos de Cooperação nas Atividades Governamentais. Posteriormente, na Constituição de 1937, com a influência fascista e o retrocesso institucional propagado pelo Estado Novo, o Ministério Público passou a integrar o capítulo destinado ao Supremo Tribunal Federal, regressando deste modo, ao Poder Judiciário, reproduzindo-se o sistema de 1891 (RIBEIRO, 2003, p. 54-55). Em 1936, restabelecida a democracia, o Estado concedeu ao Ministério Público um título próprio, fora das estruturas já conhecidas e submetendo ao Senado Federal à aprovação do procurador-geral, antes de sua nomeação pelo Presidente da República. Neste interregno foram estabelecidos os princípios para o Ministério Público nacional, federal e estadual. Em meio às mudanças constitucionais, em 1941, em decorrência do Código de Processo Penal, o Ministério Público conquistou o poder de requisição de inquérito policial e diligências. Passou a ser regra sua titularidade na promoção da ação penal pública. Em 1967, sob outro regime governamental, após o golpe militar de 1964, a Constituição retornou o 103 Ministério Público ao capítulo do Poder Judiciário. A Constituição de 1969, chamada Emenda Constitucional, o Ministério Público foi transferido do Poder Judiciário para a estrutura do Ministério da Justiça e o Presidente da República, foi reinvestido de poderes absolutos para a nomeação do Procurador-Geral da República sem a participação do Senado Federal (RIBEIRO, 2003, p. 55-56). Importante crescimento ocorreu quando da Lei Complementar Federal nº. 40/1981 - a primeira Lei Orgânica Nacional do Ministério Público (prevista pela EC nº. 7/1977), esta foi o primeiro diploma legal a definir um estatuto básico e uniforme para o Ministério Público nacional, com suas principais atribuições, garantias e vedações. Em 1985, a Lei n. 7.347, da Ação Civil Pública, conferiu-lhe a significativa iniciativa na promoção de ações para a proteção de interesses difusos e coletivos (meio ambiente, consumidor, bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico). Foi, porém, com a Constituição democrática de 1988 que o Ministério Público brasileiro foi inserido no Capítulo denominado “Das funções essenciais à justiça”, ao lado da advocacia e da Defensoria Pública, no título destinado à “Organização dos Poderes”. Esse estatuto processual também lhe atribuiu à tarefa de promover e fiscalizar a execução da lei. Desta forma, atualmente, o Ministério Público deve ser tratado como instituição à parte, com autonomia financeira e administrativa conforme o artigo 127 desta Constituição (PINHO, 2007, p. 132). A legislação posterior ampliou a atuação ou a intervenção do Ministério Público nas diferentes áreas: da criança e do adolescente (Lei n. 8.069/1990), da pessoa portadora de deficiência (Lei n. 7.853/1989), dos investidores no mercado de valores mobiliários (Lei n. 7.913/1989), do consumidor e de outros interesses difusos e coletivos (Lei n. 8.078/1990), da ordem econômica e da livre concorrência (Lei n. 8.884/1994) e do patrimônio público (Leis n. 8.429/1992 e 8.625/1993). Segundo preceito do artigo 127 da Constituição Federativa do Brasil de 1988: "O Ministério Público é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis". Desmembrando o caput do artigo 127 do texto constitucional encontraremos os seguintes conceitos e atribuições do Ministério Público: 104 a) Instituição Permanente: o Ministério Público é uma das instituições pela qual o Estado manifesta sua soberania, sendo, portanto, ente indispensável. b) Função Jurisdicional: o Ministério Público exerce uma função de auxílio da função jurisdicional, contribuindo para a boa administração da Justiça. Cabe ressaltar que o MP não intervém em todas as ações da Justiça, mas somente quando se trate de feitos nos quais estejam em jogo interesses sociais e individuais indisponíveis. Ademais, sua responsabilidade de guardião da ordem jurídica pode ser considerada perante os Poderes do Estado e não apenas perante o Judiciário. c) Defesa da Ordem Jurídica: o MP deve zelar pela fiel observância e pelo cumprimento das normas jurídicas. Trata-se de seu papel tradicional: o de custos legis, ou melhor, o de fiscal da lei, velando pela defesa do ordenamento jurídico. d) Defesa do Regime Democrático: há estreita ligação entre a democracia e um Ministério Público forte e independente. Mais: o Ministério Público é instituição que só atinge sua destinação última em meio essencialmente democrático. e) Defesa dos Interesses Sociais e Individuais Indisponíveis: genericamente, entende-se por indisponível aquele que concerne a um interesse público, como por exemplo, o direito à vida. Ou seja, são direitos indisponíveis aqueles em relação aos quais os seus titulares não têm qualquer poder de disposição, pois nascem, desenvolve-se e extinguem-se independentemente da vontade dos titulares. Abrangem os direitos da personalidade, os referentes ao estado e capacidade da pessoa. São irrenunciáveis e em regra intransmissíveis. Isto quer dizer, que é dever do MP zelar por todo interesse indisponível, quer relacionado à coletividade em geral, quer vinculado a um indivíduo determinado. O artigo 128 da Constituição Federal de 1988 prevê a estrutura do Ministério Público da seguinte forma: I- Ministério Público Federal da União a) Ministério Público Federal; b) Ministério Público do Trabalho; 105 c) Ministério Público Militar; d) Ministério Público do distrito Federal e territórios; e) Ministérios Públicos dos Estados. Sendo assim, importante destacar que é indispensável a existência de um órgão independente que movimente o Poder Judiciário em defesa dos interesses sociais e individuais indispensáveis. Esta é a razão pela qual o Ministério Público é considerado essencial á função jurisdicional do Estado (PINHO, 2007, p. 132). A Constituição atual (CRFB/1988, artigo 127, §1º) estabelece três princípios institucionais para o Ministério Público: 1º) Unidade: os membros do Ministério Público integram um só órgão. 2º) Indivisibilidade: os integrantes do Ministério Público atuam sempre em nome de toda a instituição, podendo ser substituídos uns pelos outros, dentro dos critérios estabelecidos pela lei. 3º) Independência funcional: Os membros do Ministério Público devem atuar somente de acordo com a lei e sua consciência. No exercício de suas atividades institucionais não estão sujeitos às convicções dos órgãos da administração superior da instituição (PINHO, 2007, p. 133-134). Assim sendo, o membro do Ministério Público, no exercício de suas funções, não se encontra sujeito às ordens de nenhum dos poderes do Estado (legislativo ou executivo ou judiciário). Os instrumentos jurídicos postos à disposição do Ministério Público para a tutela dos direitos sociais são, primordialmente, o inquérito civil e a ação civil pública. Dessa forma, a Constituição Federal em seu artigo 129, incisos III e IX, estabelece ser função do Ministério Público promover o inquérito civil público e a ação civil pública para a proteção dos interesses difusos e coletivos, bem como, outras funções que forem conferidas por outros diplomas legais, tais como, função essencial à administração da justiça, defender a ordem jurídica e defender todos os direitos que abrangem a noção de cidadania. Sendo assim, o inquérito civil, que se caracteriza como um procedimento administrativo de natureza inquisitiva, tendente a recolher elementos de prova capazes de ensejar o ajuizamento da ação civil pública, também pode viabilizar a intervenção do Ministério Público na esfera extrajudicial. 106 Sobre o inquérito civil, Mazzilli (2010, p. 463) aborda que ele foi Criado na Lei nº. 73347/85 e logo depois consagrado na Constituição de 1988, o inquérito civil é uma investigação administrativa a cargo do Ministério Público, destinada basicamente a colher elementos de convicção para eventual propositura de ação civil pública; subsidiariamente, serve para que o Ministério Público: a) prepare a tomada de compromissos de ajustamento de conduta ou realize audiências públicas e expeça recomendações dentro de suas atribuições; b) colha elementos necessários para o exercício de qualquer ação pública ou para se aparelhar para o exercício de qualquer outra atuação a seu cargo. Nesse raciocínio Mazzilli (2010, p. 467) lembra que O inquérito civil presta-se não só a apurar lesões e interesses difusos, coletivos e individuais homogêneos, como também, por analogia, a colher elementos preparatórios para a instauração de qualquer ação judicial de iniciativa do Ministério Público. No inquérito civil também podem ser elaboradas atas compromissárias entre várias partes envolvidas com determinada política pública. Tais partes não necessariamente poderiam ser acionadas em uma ação civil pública ou, mesmo que pudessem, gerariam inúmeras contestações, sem que uma sentença conseguisse impor obrigações principais e secundárias para cada uma delas. Já a ação civil pública, regulamentada pela Lei 7.347/1985, é utilizada em defesa dos interesses públicos, no sentido geral, tem um enorme alcance social porque os benefícios por ela trazidos serão sentidos por toda a sociedade. Santos (1995, p. 3) a define dizendo que [...] a ação judicial é denominada civil porque tramita perante o juízo civil e não criminal. Acentue-se que no Brasil não existem tribunais administrativos. A ação é também chamada pública porque defende bens que compõem o patrimônio social e público, assim, como os interesses difusos e coletivos, como se vê do artigo 129, III, da CRFB/1988. Quanto às finalidades deste instituto: cumprimento de obrigações de fazer, cumprimento de obrigação de não fazer. Enquanto Lenza (2003, p.186), dá a seguinte definição para a natureza da legitimação da ação civil pública: [...] pode-se dizer, que a legitimação para a tutela coletiva é extraordinária, autônoma, exclusiva, concorrente e disjuntiva: a) extraordinária, já que haverá sempre substituição da coletividade; b) autônoma, no sentido de ser a presença do legitimado ordinário, quando identificado, totalmente 107 dispensada; c) exclusiva em relação à coletividade substituída, já que o contraditório se forma suficientemente com a presença do legitimado ativo; c) concorrente em relação aos representantes adequados, entre si, que concorrem em igualdade para a propositura da ação; e, e) disjuntiva, já que qualquer entidade poderá propor a ação sozinha, sem a anuência, intervenção ou autorização dos demais, sendo o litisconsórcio eventualmente formado, sempre facultativo. Dessa forma, a ação civil pública tem por objeto a tutela coletiva do meio ambiente, do consumidor, dos bens e direitos de valor estético, histórico, turístico, paisagístico, às infrações da ordem econômica, e qualquer outro direito difuso ou coletivo e a guarda dos interesses individuais homogêneos. 2.9 O MINISTÉRIO PÚBLICO: OS DIREITOS SOCIAIS No que diz respeito aos direitos sociais constitucionalmente instituídos, atribuindo ao Ministério Público o seu defensor, pelo texto do artigo 127, é imperioso se considerar que todo e qualquer ato atentatório dará ensejo à atuação ministerial, para que sejam erradicadas as ameaças e impedidos os prejuízos à ordem instituída pela Assembleia Nacional Constituinte, em 1987. Desta forma, competindo-lhe a defesa da ordem jurídica e dos interesses sociais, configura-se o Ministério Público como o defensor do povo e dos direitos sociais. O Ministério Público, deste modo, é um [...] pedaço vivo da Constituição; órgão que o Executivo, mergulhado num oceano de podridão, num mar de lama, num abismo de miséria, desejara morto ou inibido para o desempenho de sua missão ética e saneadora das instituições (BONAVIDES, 2003, p. 383). O Ministério Público é a instituição do Estado, cuja finalidade é verificar se a lei está sendo obedecida e, em caso contrário, provocar (geralmente pelo Poder Judiciário), os órgãos do Estado com incumbência de obrigar seu cumprimento. É neste sentido que o Ministério Público promove a aplicação das leis, a fim de que suas normas estejam presentes nas relações sociais e não apenas nos textos legais (LOPES, 2000, p. 32). Tem-se então com relação à instituição, que com a Constituição de 1988, abriram-se canais de influência do povo nas decisões do governo, e neste sentido, manifesta Scaramucci (2010, p. 3), que 108 A Constituinte de 1988 trouxe ao Ministério Público mais independência e mais efetividade em suas ações em face do controle do Poder Executivo, também no tocante a suas atribuições, a instituição foi amplamente reformulada, pelo artigo 129. Foi a partir de 88, que o órgão passou ter sob sua responsabilidade a defesa do regime democrático, dos interesses individuais indisponíveis e sociais, entre os quais se incluem os direitos coletivos e os interesses difusos, vivenciando assim a sociedade brasileira, as transformações radicais relativas ao papel do Ministério Público. Já Silva e Moreira (1999, p. 231) discorrendo sobre o tema, dizendo que A Constituição Federal de 1988 ao conferir ao Ministério Público a defesa dos interesses sociais e individuais indisponíveis, confiou-lhe também a guarda do regime democrático e a defesa da ordem jurídica, dando-lhe um novo perfil, que o aproximou do povo: o procurador do rei transformou-se no Procurador da Sociedade. Também Silva e Moreira (1999, p. 233) complementam que No Estado de Direito há um compromisso social de que todos os componentes de uma Nação devem se submeter à ordem jurídica. Desse modo, no sentido de cumprir os fins sociais pactuados, e ante a supremacia da lei, emerge ao Estado organizado juridicamente, no qual a divisão das funções estatais visam aparelhá-lo com os mecanismos necessários no intuito de atingir suas finalidades – o bem estar social. Para entender a possibilidade de o Ministério Público intervir, pelo judiciário, em defesa dos direitos sociais não efetivos, cumpre definir discricionariedade da administração pública, uma vez que os atos administrativos podem ser objetos de autocontrole, de controle político, de controle judicial e ainda pelo próprio MP. Com relação ao tema, escrevem Silva e Moreira (1999, p. 239) que A discricionariedade administrativa, assim considerada neste trabalho, caracteriza-se pela identificação de pelo menos duas opções, igualmente lícitas e possíveis, colocadas à disposição do administrador para a escolha de uma ou algumas delas frente ao caso concreto, podendo o mesmo se valer ara tanto da conveniência e oportunidade, as quais serão examinadas face os princípios insculpidos do direito positivo, bem como, face aos critérios da razoabilidade, da boa e melhor administração, da proporcionalidade, sem prejuízo dos usos e costumes administrativos. Então o Ministério Público poderá utilizar-se dos instrumentos infraconstitucionais, como por exemplo, a ação civil pública29, a fim de coibir a 29 Ação Civil Pública é o instrumento de controle da omissão do poder Público, de quem se pede a condenação em obrigação de fazer, o artigo 129, incisos III e IX da Constituição Federal estabelece que o Ministério Público tem a função de promover o além da ação civil publica, o inquérito civil público, para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos, bem como outras funções que forem conferidas por outros diplomas legais. A ação civil públicas poderá também ser proposta por associação, que esteja constituída há pelo menos um ano e inclua entre suas finalidades a defesa dos interesses e direitos sociais. 109 improbidade administrativa bem como o ressarcimento dos danos causados por ato de improbidade. E mais, ele tem a obrigação de observar os atos administrativos praticados pela administração, caso tenha indícios de ilegalidade, ou ainda, quando desatenderem os princípios da razoabilidade, da proporcionalidade e da boa administração. Gomes (2003, p. 22), analisa ainda que Destarte, quando o Estado se revela omisso, e a omissão é ilícita, dado que deveria agir, é perfeitamente possível que o Ministério Público, ainda que não eleito por voto popular, intervenha, invocando o controle jurisdicional, ou mesmo por veículo extraprocessual, como a recomendação, para, respectivamente, obrigar o agente estatal à ação ou indicar-lhe o caminho legal para suprir a omissão, sob pena de responsabilização, porque agente político constitucionalmente qualificado para tanto, pelo próprio titular soberano do poder político estatal. Cumpre salientar que, em pouco espaço de tempo, em virtude de intenso esforço institucional, a sociedade civil vem contando com a atuação do Ministério Público que vem se mostrando um agente essencial na implementação de políticas públicas, notadamente atuando como legitimado ativo em processos individuais e coletivos. Observando esta realidade, Godinho (2009, p. 189), escreve que Na implementação judicial de políticas públicas, o Ministério Público vem atuando intensamente, seja por meio de ações coletivas, seja por meio de ações na defesa de direitos individuais indisponíveis, em temas como, por exemplo, direito à saúde, à educação, ao saneamento básico, à ordem urbanística, ao patrimônio cultural, ao meio ambiente, à segurança no trânsito, ao patrimônio público, na defesa de crianças, adolescentes, idosos, portadores de deficiência, comunidades indígenas, entre outras diversas hipóteses, além de ter na ação de improbidade um importante instrumento para a realização de políticas públicas, inclusive por seu caráter pedagógico. Em sua atuação, pode o Ministério Público contribuir decisivamente para a admissibilidade dos processos envolvendo políticas públicas, seja por meio de ações tecnicamente cuidadosas, explicitando as razões que autorizam a iniciativa judicial, seja por uma ativa participação como interveniente, aditando a petição inicial e manifestando-se de modo a suprir falhas que podem impedir indevida e desnecessariamente o julgamento do mérito. Desta feita, as políticas públicas relativas aos direitos sociais encontram-se reguladas na Constituição Federal e nas leis ordinárias, integrando, o ordenamento jurídico brasileiro. Estes por sua vez, visam precipuamente, instituir uma sociedade na qual a cidadania seja não somente um direito, mas realidade. Na intenção de 110 proteger esses direitos, posiciona-se o Ministério Público em defesa dos interesses sociais e na defesa da ordem jurídica, cabendo a esta instituição zelar também pela efetiva implementação e funcionamento dos conselhos gestores de políticas públicas. 2.10 A EFETIVAÇÃO DOS DIREITOS SOCIAIS E A PARTICIPAÇÃO DOS GESTORES LOCAIS JUNTAMENTE AO MINISTÉRIO PÚBLICO Com o surgimento da Declaração Universal dos Direitos do Homem (1948), os direitos sociais passaram a ser reconhecidos juntamente aos direitos civis, políticos e humanos, que englobam: direito ao trabalho, direito ao salário igual por trabalho igual, direito à educação, entre outros. Todos estes direitos são conferidos ao indivíduo, independentemente da raça, religião, idade ou sexo. O tema adquiriu dimensão jurídica na ocasião em que as leis maiores (cartas políticas), passaram a apreciar esta categoria, iniciando-se com a de Virgínia, anterior à Declaração de Independência dos Estados Unidos, (12 de janeiro de 1776 e, a Declaração de Independência é de14 de julho do mesmo), a Declaração de Direitos mais famosa, todavia, é a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, que veio no bojo da Revolução Francesa, de 1789, seguiu-se a da Bélgica, de 1831 e no México em 1917. O constitucionalismo brotou, aliás, associado à garantia dos direitos fundamentais, conforme registra Ferreira Filho (2009, p. 246). A Constituição republicana brasileira, de 1891 consagrou os direitos individuais, seguida pela de 1924 e 1934. Na atual, (CRFB/1988) tem-se um capítulo próprio a respeito dos direitos sociais (Capítulo II do Título. II). Assim, devido a sua importância, tais direitos fazem parte da Constituição de quase todos os países objetivando um mundo mais justo e igualitário. Tais direitos, nomeados direitos individuais, postos nas Declarações nos Séculos XVIII e XIX, Outras declarações lhes seguiram e todas se preocupam, mormente, em proteger os homens contra o poder estatal. Ferreira Filho (2009, p. 247) ressalta que elas têm por finalidade: “[...] armar os indivíduos de meios de resistência contra o Estado”. Seja por meio delas estabelecendo zona interdita à sua ingerência - liberdades-limites, seja por meio delas armando o indivíduo contra o poder no próprio domínio deste - liberdades oposição. 111 Além das atuações dos Poderes Executivos e Legislativos, para a efetivação dos direitos sociais, é importante que se abra espaço para a participação da sociedade, representada por diversos segmentos, destacando-se a atuação dos conselhos de gestão. Estes importantes organismos, atuando em conjunto com os Poderes do Estado no âmbito da elaboração das políticas públicas, poderão buscar a concretização dos direitos sociais, podendo contar ainda com a participação e atuação do Ministério Público, que, considerando suas atribuições no âmbito da tutela dos direitos sociais, poderá buscar a implementação de políticas públicas, priorizando o atendimento das metas nomeadas no texto constitucional. Os conselhos gestores de políticas públicas são resultado do princípio da participação da sociedade civil na elaboração e implementação de políticas públicas no que concerne aos direitos sociais, instituídos pela Constituição Federal. São constituídos por meio de leis (federal e estadual) que regulamentam sua existência e lhes dão o poder de receber verbas federais, estaduais e municipais, compostos, em sua maioria, por 50% de seus membros originários do poder executivo e os outros 50% de pessoas da comunidade local. A escolha dos gestores ocorre da seguinte forma: os conselhos municipais, os representantes do governo, são indicados pelo prefeito. Já os representantes da sociedade civil ou são indicados pelas entidades/organizações da qual fazem parte ou são indicados em plenárias. Destaca-se ainda, que é obrigatória a criação dos conselhos em todos os municípios e estados, como por exemplo: Conselhos de Saúde, da Criança e do Adolescente, da Assistência Social. Outros são criados apenas por leis municipais, como os Conselhos de Cultura, de Mulheres, Portadores de Deficiência, Idosos. Aos gestores são incumbidas as atribuições de elaboração, supervisão e avaliação das políticas públicas, e ainda, deliberar sobre matérias que envolvem os recursos; aprovar diretrizes e programas de alocação destes recursos; acompanhar e avaliar o impacto social, a gestão econômica/financeira e o desempenho dos projetos, seja no nível federal, estadual e municipal. Na Constituição Federal de 1988 está prevista a participação democrática na formulação de políticas públicas, entre outras, a de saúde, assistência social, crianças e adolescentes. O inciso II, do artigo 204 da referida Constituição prevê a "[...] participação popular, por meio de organizações representativas, na formulação e no controle das ações em todos os níveis". 112 O objetivo da existência desse princípio é de afastar as barreiras tradicionais na comunicação entre Estado e a Sociedade, como a burocracia, a falta de transparência, a impunidade dos servidores e dirigentes faltosos e possibilitar a participação popular na formulação de políticas bem assim à definição de programas adequados às necessidades da sociedade. As leis federais que regulamentam a existência e implantação dos conselhos prevêem, em regra, que o Ministério Público zelará pelos direitos assegurados nas referidas leis. No mesmo sentido, cabe aos conselhos agir na fiscalização dos gastos das verbas públicas reservadas aos municípios quer pela União Federal, quer pelos Estados, e ainda dos próprios orçamentos municipais, para a efetivação de políticas públicas específicas. Para tanto, a lei determina que tais verbas só poderão ser repassadas se os conselhos e fundos existirem, e se os municípios tiverem os planos municipais de políticas públicas em cada uma das áreas (FRISCHEISEN, 2010, p. 01). Com relação à importância dos conselhos gestores, Souza (1998, p. 7), observa que As políticas públicas locais é o modo de prover o desenvolvimento que possibilita o surgimento de comunidades sustentáveis, capazes de suprir suas necessidades imediatas, de descobrir ou despertar vocações locais, de desenvolver potencialidades específicas e ainda de fomentar o intercâmbio externo aproveitando-se de vantagens competitivas da região. Com a descentralização, o município, conhecendo as suas carências e suas potencialidades, pode desenvolver políticas públicas que possibilitem maior eficácia dos direitos humanos A participação da população na formulação, gestão, desenvolvimento, avaliação e até de fiscalização das políticas públicas dão maior efetividade aos direitos humanos. Conselhos gestores podem ser considerados, neste sentido, como instrumento primordial para a efetivação das políticas públicas. No entanto, na prática isto parece não ocorrer, pois a não efetivação dos direitos sociais é evidente. O Ministério Público, no processo de mobilização social, por intermédio de seus representantes, deve formar alianças com a sociedade civil e, deste modo, identificar os problemas a serem enfrentados por meio da formulação de políticas públicas. Para conseguir tais metas, cinco etapas devem ser cumpridas 1 – decidir que existe um problema; 2 – decidir que se deve tentar resolver o problema; 3 – decidir a melhor estratégia para enfrentar o problema; 4 – atuar na solução do problema; 5 – institucionalizar a solução do problema mediante a formulação de políticas públicas (TARIN, 2009, p. 67). 113 Os procedimentos administrativos das atribuições do Ministério Público permitem a negociação com a Administração ou com os entes privados responsáveis pela implementação de políticas públicas. A importância deste espaço de negociação é inegável porque nele poderão ser discutidas e contempladas as questões atinentes à efetivação de tais políticas (como as temporais e orçamentárias), permitindo a conciliação entre as várias demandas existentes na sociedade por meio da fixação de prazos para o cumprimento das exigências legais e eventuais adequações orçamentárias (FRISCHEISEN, 2000, p. 133). Igualmente, cabe ao Ministério Público atuar na defesa dos interesses sociais e na defesa da ordem jurídica, e dessa forma, verificar se os conselhos gestores de políticas públicas existem, pois podem auxiliá-lo nesta função. Para tanto, deverá zelar pela implementação e funcionamento dos conselhos gestores de políticas públicas. Importante ainda destacar que os conselhos, juntamente com o Ministério Público, são os principais responsáveis pela fiscalização das políticas públicas. Os membros dos conselhos, por terem acesso às políticas públicas desde seu planejamento até a implementação de suas ações, têm acessos inclusive as contas correntes dos fundos, podem desta forma, havendo irregularidades, denunciar ao Ministério Público. No caso da falta dos conselhos, o Ministério Público pode abrir um inquérito público para apurar porque o poder local não instituiu conselhos gestores de políticas públicas e dependendo das investigações conseguidas com o inquérito pode ou não agir judicialmente por intermédio de uma ação civil pública. A participação da sociedade civil por meio dos seus conselhos gestores nas ações do Estado é fundamental, pois além de concretizar o exercício da democracia, possibilita que seus representantes, pessoas capacitadas nos assuntos que lhes são afetos e conhecedores da realidade social local, possam contribuir e desenvolver políticas públicas relativas aos direitos sociais que possibilitem maior eficácia dos direitos humanos. Daí ser importante o apoio do Ministério Público aos conselhos de participação popular. O Promotor de Justiça deve sustentar contatos com estes conselhos para constituir parceria no que tange à cobrança das resoluções que versam sobre a implementação de políticas públicas que venham a ser descumpridas pelo gestor. Dessa forma, quando o Ministério Público ordena ao 114 gestor o cumprimento de uma resolução procedida de um conselho de participação popular o faz com legitimidade democrática. Deste modo, a interposição de uma ação civil pública, por exemplo, baseada em resolução de conselho descumprida, terá, sem dúvida, maior força e peso quando apresentada perante o Judiciário. Assim sendo, cabe ao Ministério Público atuar na defesa dos interesses sociais e na defesa da ordem jurídica, zelar pela efetiva implementação e funcionamento dos conselhos gestores de políticas públicas e pelos direitos socais assegurados constitucionalmente. 115 3 REFERENCIAL METODOLÓGICO A realização desta pesquisa seguiu as orientações da normalização da Universidade do Contestado, (2008). A natureza da pesquisa foi qualitativa, o que permitiu apreender as múltiplas determinações da realidade; exploratória30 por entrevistar pessoas com experiências práticas com o problema pesquisado, fazendo análise de exemplos que estimularam a compreensão; descritiva, pelos fatos observados, registrados e analisados, com a finalidade de avaliar as políticas públicas de saúde; o que proporcionou a descrição direta da experiência e bibliográfica, utilizada para elaboração do referencial teórico Para desenvolver este estudo foram seguidos passos para atingir os objetivos propostos. A primeira etapa da pesquisa se constituiu em levantamento bibliográfico31 e análise documental iniciada pela identificação de fontes que tratam das questões relacionadas ao tema. Visando aprofundar os estudos, a bibliografia norteadora foi precedida localização das fontes sobre as quais realizaram-se estudos para embasamento teórico. Após a análise do fichamento das fontes permitiu-se a identificação dos livros e artigos que trataram da temática em questão bem como o reconhecimento dos conceitos a respeito de: a) o Ministério Público em defesa dos direitos sociais; b) a finalidade das políticas públicas para o desenvolvimento de uma sociedade; c) como as políticas públicas são operacionalizadas pelos municípios de Mafra e Itaiópolis; d) a partir da análise de dados, verificar a relação entre direitos sociais, políticas públicas e desenvolvimento social no âmbito local. 30 Pesquisa Exploratória: Um trabalho é de natureza exploratória quando envolver levantamento bibliográfico, entrevistas com pessoas que tiveram (ou tem) experiências práticas com o problema pesquisado e análise de exemplos que estimulem a compreensão. Possui ainda a finalidade básica de desenvolver, esclarecer e modificar conceitos e idéias para a formulação de abordagens posteriores. Dessa forma, este tipo de estudo visa proporcionar um maior conhecimento para o pesquisador acerca do assunto, a fim de que esse possa formular problemas mais precisos ou criar hipóteses que possam ser pesquisadas por estudos posteriores. As pesquisas exploratórias, segundo o autor, visam proporcionar uma visão geral de um determinado fato, do tipo aproximativo. (GIL, 1999, p. 43) 31 A modalidade de pesquisa escolhida foi a bibliográfica, privilegiando os estudos e as reflexões que têm sido produzidos recentemente sobre a temática. A pesquisa bibliográfica, na visão de Gil (1999, p. 65), “permite ao investigador a cobertura de uma gama de fenômenos muito mais ampla do que aquela que poderia pesquisar diretamente”. Sua finalidade é fazer com que o pesquisador entre em contato direto com o que já foi elaborado sobre o assunto, oferecendo meios para definir e resolver não somente problemas já conhecidos, mas também explorar novas áreas. 116 Na segunda etapa foi sistematizado o conteúdo das entrevistas semiestruturadas que foram aplicadas aos promotores de Justiça dos municípios de Mafra e Itaiópolis-SC. Esta ação teve como objetivo apresentar a atribuição do Ministério Público a partir da sua institucionalização em defesa dos direitos sociais. Ainda, de que forma esta instituição tem interferido na efetivação das políticas públicas de saúde. Nesta mesma etapa foram aplicadas entrevista semiestruturadas aos gestores das secretarias de saúde dos municípios de Mafra e Itaiópolis-SC. Esta ação teve como objetivo apresentar a atribuição destes gestores quanto a sua responsabilidade na execução das políticas públicas de saúde, de forma municipalizada, conforme prevê o atual marco legal da saúde pública no Brasil. Também foi pesquisado como estes gestores entendem a sua contribuição na construção e defesa dos direitos sociais e de que forma estes têm se apoiado na interferência do ministério público para a efetivação das políticas públicas de saúde em seus municípios. As entrevistas foram destinadas a obtenção de informações pertinentes ao objeto de pesquisa. Antes da realização de cada entrevista, a pesquisadora preencheu uma ficha contendo informações como: I - Dados do Entrevistado, II e III Roteiros da Entrevista Semiestruturada, tanto para promotores, quanto para os gestores das Secretarias Municipais de Saúde. As questões apresentadas durante a entrevista seguiram um roteiro préestabelecido, visando apreender o entendimento dos entrevistados e suas manifestações a respeito do tema da pesquisa e dos objetivos específicos a serem distinguidos pela execução deste procedimento. Antes mesmo de se iniciar a entrevista propriamente dita, teve-se cuidado com as falas dos pesquisados. A opção pela aplicação da entrevista semiestruturada se deu pelo fato desta ser composta por questões abertas que oportunizam ao entrevistador, no decorrer da entrevista direcionar, de acordo com seu próprio interesse, novos questionamentos que possibilitem maior esclarecimento acerca do problema investigado32. 32 [...] a entrevista oferece maior amplitude do que o questionário, quanto à sua organização: estas não estando mais irremediavelmente presas a um documento entregue a cada um dos interrogados, os entrevistadores permitem-se, muitas vezes, explicar algumas questões no curso da entrevista, reformulálas para atender às necessidades do entrevistado. [...] em compensação, sua flexibilidade possibilita um contato mais íntimo entre o entrevistador e o entrevistando, favorecendo assim a exploração em profundidade de seus saberes (LAVILLE; DIONNE, 1999, p.189). 117 A terceira etapa deste estudo compreendeu a análise e interpretação inferencial qualitativo dos dados apresentados pelos dois conjuntos de conhecimento (teórico e empírico), utilizando-se a técnica de análise de conteúdo33, distribuídos da seguinte forma: a) por meio de leituras que se forma no referencial teórico, obedecendo aos diferentes temas; b) após as entrevistas os dados serão tabulados, condensados em gráficos contendo percentuais absolutos, seguido da redação de texto comparativo com a finalidade de atingir os objetivos propostos. Por estes procedimentos sistemáticos e objetivos e com a descrição do conteúdo das mensagens se obteve conhecimentos que permitiram expor as posições nelas contidas. Seguindo essa técnica de interpretação, a partir da leitura e anotações acerca dos textos selecionados, procedeu-se a construção das categorias de análise com a classificação dos textos em assuntos conforme estes temas, e posterior elaboração escrita da dissertação, considerando todo o material coletado e estudado. Quanto a questão ética, os critérios da dignidade do ser humano, a proteção aos direitos, o sigilo e o anonimato, estes serão assegurados pelo Termo de Consentimento Livre Esclarecido, fundamentado na resolução nº. 196/1996, sobre pesquisa envolvendo seres humanos, que após ser lido pelo informante será assinado por ambos, o participante e o pesquisador, com uma via entregue apo informante. Os participantes do estudo foram informados de que a participação na pesquisa não envolveria riscos nem benefícios, sendo voluntária e livre sua participação e que teriam o direito de desistir a qualquer momento, sem justificar dia decisão. Os direitos, interesses e identidade dos informantes foram protegidos. 33 A técnica de análise de conteúdo configura-se como um “conjunto de técnicas de investigação que através de uma descrição objetiva, sistemática e quantitativa do conteúdo manifesto das comunicações, tendo por finalidade a interpretação destas mesmas comunicações” (BARDIN, 1977, p. 36). 118 4 APRESENTAÇÃO E ANÁLISE DOS DADOS Para estudar a interferência do Ministério Público em defesa dos direitos sociais no campo da saúde garantidos por políticas públicas e como estas estão sendo operacionalizadas, limitou-se o estudo nos municípios de Mafra e ItaiópolisSC, já que ambos fazem parte daqueles abrangidos pela 25ª SDR, pela possibilidade de realizar estudo por amostragem entre municípios de maior e menor porte e porque possibilita verificar, segundo a estrutura de cada um deles, se as políticas sociais de saúde podem ou não contribuir para o desenvolvimento regional, Com este material buscaram-se subsídios a respeito de como o Estado vem garantindo a efetivação das políticas públicas de saúde, revelando-se como instrumento para a consolidação da democracia no país, pelo controle social. Considerando as bibliografias utilizadas e citando especificamente a Constituição Federal do Brasil de 1988, artigo 5º, tem-se que o princípio da igualdade34, conquista do constitucionalismo contemporâneo estabelecido no rol dos direitos fundamentais e inserido na categoria de direito natural, representa idéia de justiça, o que deve ser a regra de conduta de qualquer sociedade humana bem ordenada. O atual modelo de Estado reconhece a igualdade como forma absoluta, tendo preocupação de equiparar politicamente a participação de todos os cidadãos, estando o conceito de igualdade vinculado ao Estado democrático de Direito. Deste modo, o principio da igualdade estabelece que todos devem ser tratados sem distinção de qualquer natureza, garantindo a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade. Nesta ponderação, apresenta-se o Ministério Público como instituição permanente e fundamental à função jurisdicional do Estado, competindo a ele a defesa de interesses sociais e individuais indisponíveis. Este, instituído como defensor da sociedade, poderá buscar mecanismos para garantir a concretização desta igualdade entre os cidadãos, conforme preceitua o artigo 127 da mesma legislação. As respostas dos entrevistados foram objetivas quanto às políticas públicas como recursos de atendimento aos interesses da sociedade, em especial, a saúde, 34 "Todos os cidadãos têm a mesma dignidade social e são iguais perante a lei" 119 haja vista que a descentralização administrativa e a insuficiência de verbas por parte do governo federal dificultam a execução. A seguir serão apresentadas as questões e as respectivas respostas: 1) Como os pesquisados entendem o Estado e suas atribuições com relação aos direitos sociais? O MP do município de Mafra se pronunciou no sentido de que a nossa Constituição é clara quando traça o desígnio fundamental da construção de uma sociedade livre, justa e solidária, quando tem a finalidade de erradicar a pobreza e reduzir as desigualdades sociais. Sendo assim, impõe ao Estado (Legislativo, Executivo e Judiciário), a responsabilidade de garantir os direitos dessa natureza e, principalmente, implementá-los de forma efetiva. Já para o segundo entrevistado, o MP, corrobora a resposta do primeiro anotando ainda que, a CRFB/1988, em inúmeros artigos, como por exemplo, artigo 1º, inciso II e III, 3º, 5°, 6° conjugado com o art igo 60, § 4°, inciso IV, é taxativa quanto às atribuições do Estado com relação aos direitos sociais. O Estado tem como objetivos também de reduzir as desigualdades sociais além de promover o bem de todos, cuidando de ações positivas35 que os garantam. Para garantir esta prestação de serviço à sociedade, a CRFB/1988 elenca como direitos sociais (artigo 6º): educação, saúde, alimentação, trabalho, moradia, lazer, segurança, previdência social. No entanto, ressalta que o que se torna difícil é o exercício das atribuições de cada uma das esferas governamentais. Enfatiza ainda, que o direito a saúde está dentro das obrigações de fazer do Estado, e, para cumprir esta obrigação, o Estado institucionalizou o SUS, possibilitando ações e serviços públicos de saúde que integram uma rede regionalizada e hierarquizada. Segundo o entrevistado, a construção do SUS vem se aprimorando, principalmente na última década, mas o SUS proposto na Constituição Federal de 1988 ainda está distante de efetivamente garantir a igualdade de acesso e a qualidade a todos os cidadãos à saúde. Em análise às respostas da primeira questão, constata-se que a realidade vivida pelos cidadãos brasileiros, inúmeras vezes, é adversa ao ordenado na CRFB. No Brasil, além do processo de distribuição ocorrer de forma desigual, permitindo-se concentração desta nas mãos de poucos, os serviços prestados pelas instituições públicas a sociedade, de saúde em especial, ainda mostra deficiências. 35 A ação positiva pretende que o indivíduo socialmente fragilizado seja munido de instrumentos eficazes para promover a sua inclusão no seio da sociedade (ROCHA, 2005). 120 Destarte, na questão da saúde, a população sofre pela ausência do Estado que deixa de promover a eqüidade no atendimento das necessidades de saúde da população, não dedicando serviços com qualidades adequadas às necessidades daquelas, independente do poder aquisitivo do cidadão. Neste sentido, importante lembrar a partir da CRB de 1988 e depois com as Leis números 8.080 e 8.142, de 1990, o Estado se propôs a construir o Sistema Único de Saúde dando autonomia aos setores dos Municípios para executar a política de saúde de maneira adequada às suas condições e prioridades. Todavia, o Estado na esfera federal tem mostrado dificuldades em ostentar seu papel perante a sociedade, gerando desta forma, carência seja na administração como na distribuição de recursos à esfera estadual para s ações de saúde. Em vista disso, destaca-se o teor do artigo 3º que demonstra os objetivos fundamentais da República Brasileira, os quais instituem obrigações de resultado que o poder público e a sociedade precisam conjuntamente buscar. Que, o mesmo ordenamento, impõe aos administradores econômicos a obrigatoriedade de agir de acordo com os objetivos fundamentais, sejam eles, saúde, alimentação, educação, moradia, segurança, laser, trabalho, entre outros, como emana também o artigo 170 e seus incisos, por exemplo, assegurar a educação e sobrepujar as desigualdades regionais e sociais. A Constituição, deste modo, no artigo 23, inciso X, atribuiu competência comum à União, Estados, Distrito Federal e Municípios para combater as causas da pobreza, incumbindo ao Estado a inclusão dos segmentos empobrecidos em primeira instância. Nota-se, portanto, que sistematicamente analisando as atribuições do Estado (CRFB de 1988) quanto às questões sociais, estas não se apresentariam tão deficitárias, porém, parece que a articulação do direito para a distribuição do poder político e econômico aos cidadãos brasileiros, opera-se para cultivar a distribuição desigual do poder e da riqueza. O segundo entrevistado observa que ocorrem dificuldades na efetivação da prestação de serviço da saúde ao usuário, também, por conta da distribuição de responsabilidades entre as esferas governamentais, ou seja, pela descentralização administrativa. Sabe-se que o Sistema Único de Saúde, previsto na Constituição brasileira de 1988 e implementado pela Lei 8.080/90, é a principal política pública com função de 121 garantir o direito constitucional à saúde. Para a implementação desta política, na vida prática dos cidadãos brasileiros, ocorre a descentralização e distribuição de tarefas entre União, Estado e Município. A exemplo pode-se citar o artigo 17, inciso I da Lei 8080/199036 que determina entre as competências das Secretarias Estaduais de Saúde “promover a descentralização para os municípios dos serviços e das ações de saúde”. Portanto, sempre que possível, de acordo com sua abrangência, os serviços de saúde devem ser municipalizados ou estadualizados, atendendo as necessidades dos usuários. De acordo com aquela legislação, os critérios de rateio dos recursos da União vinculados à saúde destinados aos governos estaduais e municipais, que objetivam a progressiva redução das disparidades regionais, devem ser respeitados por todos aqueles que direta ou indiretamente administram e distribuem tais verbas. As diferenças partidárias devem ser esquecidas a partir do momento em que os representantes governamentais eleitos ou não, assumem seus cargos, quando o clientelismo precisa ser abolido. Somente assim será possível construir uma sociedade livre, justa e solidária, erradicar a pobreza, reduzir as desigualdades sociais e regionais, promover o bem de todos, sem preconceitos de origem e quaisquer outras formas de discriminação, conforme são os objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil. De tal modo, observam os MP que diante da omissão do Estado, se vêem na obrigação de ajuizar ações judiciais, para que efetivamente, o cidadão tenha seu direito à saúde devidamente garantido, assegurando a literalidade do texto constitucional de maneira a atender ao postulado maior, que é a garantia à vida digna, conforme preceito dos artigos 196, 197 e 198, todos da CRFB/1988. Pronuncia ainda o segundo promotor entrevistado, na mesma questão, que ao executivo cabe a função de executar [Grifo nosso] políticas públicas, tarefa exclusiva sua, enquanto que ao judiciário, cabe o papel de garantir [Grifo nosso], tudo conforme preceito da CRFB de 1988. E, quando o executivo é falho quanto as suas atribuições, cabe ao judiciário a realização deste controle de constitucionalidade. De tal sorte, o judiciário funciona como garantia à sociedade quanto à execução das políticas públicas, mesmo dando decisões contra o próprio Estado. 36 Artigo 17. - À direção estadual do Sistema Único de Saúde-SUS compete: I - promover a descentralização, para os Municípios, dos serviços e das ações de saúde; [...] 122 Em virtude disso, o Supremo Tribunal Federal já assentou entendimento da não aplicação da teoria da reserva do possível (define que os direitos já previstos só podem ser garantidos quando há recursos públicos) em relação aos direitos à vida e a saúde. Desse modo, o papel do Poder Judiciário é o de observar se as normas são cumpridas e, quando necessário, ordenar que o Estado (poder executivo) realize as políticas públicas constitucionalmente previstas. Este é o entendimento do STF, que tem como diretriz jurisprudencial que O Poder Judiciário, quando intervém para assegurar as franquias constitucionais e para garantir a integridade e a supremacia da Constituição, desempenha, de maneira plenamente legitima as atribuições que lhe conferiu a própria Carta da República (REGÍLIO, 2009, p. 1). Quanto aos gestores locais entrevistados, o representante da secretaria de saúde do município de Mafra, em resposta à primeira pergunta, entende que o Estado tem o dever de dar acompanhamento, orientações e apoio aos municípios no que se refere à execução dos direitos sociais, em especial a saúde. Entretanto, nas observações do cotidiano, o Estado, demonstra-se ausente quanto as suas atribuições. Por conta disso, o município encontra dificuldades inerentes à construção de um sistema único de saúde eficiente. Assegura ainda, que dentre as responsabilidades do município, estão o programa de saúde da família, os serviços de urgência de baixa complexidade; viabilização de exames de mamografia, a realização de exames preventivos de câncer de colo de útero; assistência aos partos naturais (parteiras e maternidades); distribuição de medicamentos da atenção básica, atenção em clínica geral, psiquiatria, ginecologia/obstetrícia e pediatria além da atenção básica. Afirma, todavia, que dentro da razoabilidade, o município vem cumprindo suas obrigações quanto aos serviços de saúde aos usuários. O entrevistado mostra preocupação quanto à prevenção de doenças, dever do Estado com relação aos usuários do sistema de saúde ora existente. No mesmo sentido, o entrevistado frisa que é dever do Estado viabilizar programas de redução de doenças dentre outros agravos à população. Considerando que o SUS é destinado a todos os cidadãos, todas as esferas governamentais devem, sem medir esforços, promover a saúde priorizando as ações preventivas, democratizando 123 subsídios relevantes para que a população conheça seus direitos e os riscos à sua saúde. No mesmo sentido, o segundo entrevistado que representa a secretaria de saúde do município de Itaiópolis, entende que o Estado não garante os direitos sociais à população por mais que se encontram previstos na Constituição Federal de 1988. Enfatiza que a população está insatisfeita e que não há efetivação dos direitos sociais por parte do Estado, seja por insuficiência de verbas como pela falta de implementação e continuidade de políticas públicas que venham garantir os diretos sociais. Já o entrevistado representante da 25ª SDR, diz que a questão da saúde melhorou bastante após a CRFB de 1988, mas argumenta que ainda há que se trabalhar bastante para que esta possa ser considerada boa. Observa o entrevistado, que a burocracia e as diferenças regionais também dificultam sobremaneira a execução das políticas públicas de saúde, principalmente o protocolo que sobrevém do governo federal. Em análise ao entendimento do primeiro entrevistado, gestor municipal da saúde (Mafra), torna-se apropriado mencionar que segundo o artigo 30 da CRFB de 1988, inciso VII, compete aos municípios: “prestar, com a cooperação técnica e financeira da União e do Estado, serviços de atendimento à saúde da população”. Veja que a União e Estado têm o dever de cooperação para com os municípios. O cidadão pode buscar seu direito à saúde sob a responsabilidade de qualquer um dos obrigados, já que a existência da solidariedade entre resta evidente, pela própria constituição. Para demonstrar os avanços observados pelo mesmo entrevistado, compete citar o Plano Municipal de Saúde (PMS) de 2010, (Mafra) foi elaborado pelos gestores da saúde deste município. A organização deste PMS objetivou proporcionar condições ao exercício do direito à saúde garantindo o texto constitucional que consagrou o SUS, financiado por toda a sociedade, que, de forma direta ou indiretamente, por meio de receitas públicas originadas de tributos da União, Estados, Municípios e Distrito Federal, assim o implantou. Todavia, observase que não ficou determinada nenhuma fonte exclusiva para financiar o setor da saúde, nem a porcentagem dos recursos que deveria ser destinada. Fazendo paralelo deste PMS com o Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT), verifica-se que seu artigo 55 determina que até que fosse aprovada a Lei de 124 Diretrizes Orçamentárias (LDO), quinze por cento (15%), no mínimo, do Orçamento da Seguridade Social (OSS), excluído o seguro-desemprego, seriam destinados ao setor da saúde, o que na prática não se apresentou eficiente, já que são abarcados itens não considerados como despesa de saúde, achatando, portanto, o orçamento a ser investido realmente no setor (MAFRA. Prefeitura Municipal, 2010). No mesmo PMS encontramos que Em 2000, após mobilização do Conselho Nacional de Secretários de Saúde (CONASEMS), Conselho Nacional de Saúde (CNS) e Ministério da Saúde, conseguiu-se fazer a pressão necessária para que fosse aprovada no Senado a PEC 86-A, (Proposta de Emenda constitucional, que foi editada em 13 de setembro de dois mil como Emenda Constitucional 29 (EC nº 29). Alterando a Constituição Federal de 1988. O novo texto assegura a efetiva co-participação da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios no financiamento das ações e serviços públicos de saúde. A emenda estabeleceu percentuais mínimos das receitas dos três níveis de Governo, a serem aplicados em ações e serviços públicos de saúde e estabelece para os Municípios a obrigatoriedade de aplicação de um percentual mínimo de 15% das receitas municipais a partir de 2004 [...] (MAFRA. Prefeitura Municipal, 2010). Partindo da identificação das informações durante a entrevista (primeira questão), as instituições públicas responsáveis pelo programa da saúde no município de Mafra, os quais estão à disposição dos usuários, são: Núcleo Materno Infantil - Médicos, Posto de Saúde - Vila Nova, Centro de Valorização da Vida, Atendimento Pré Natal - Núcleo Materno Infantil, Programa do aleitamento materno, Posto de Saúde: São Lourenço, Jardim América, Avencal de Cima, Avencal do Saltinho, Bela Vista, Butiá dos Tabordas, Espigão do Bugre, Saltinho do Canivete, Caic, Faxinal, Vigilância Sanitária, Ações e Programas desenvolvidos no Núcleo Materno Infantil, Programa Agentes Comunitários de Saúde (PACS), Plano Municipal de Saúde37. Dando continuidade a análise quantos às atribuições do Estado com relação ao direito a saúde, observa-se que mesmo que o município coloque à disposição dos usuários, todos os programas acima mencionados, existem dificuldades dos gestores quanto à prevenção de doenças, pois, encontram resistência à adoção de medidas preventivas por parte da população. 37 O Plano Municipal de Saúde é um documento é o resultado do trabalho de diversos setores da secretaria e do Conselho Municipal de Saúde, embasados por documentos que compõem a gestão, como a Conferência Municipal de Saúde de 2007, relatórios financeiros, planejamento local de unidades, programas e setores da secretaria e participação dos conselhos de direito existentes no município (MAFRA. PREFEITURA MUNICIPAL, 2010) 125 Deste modo, de nada adianta o Estado garantir o acesso à saúde por meio de políticas sociais e econômicas no intento de reduzir doenças e outros agravos se a própria sociedade abdicar do direito às ações preventivas para consecução das políticas de saúde. Não obstante a esta problemática, os entrevistados (representantes das Secretarias Municipais da Saúde) acreditam que as Secretarias da Saúde estão organizadas e preparadas para responder dúvidas da população quanto às questões de saúde, além de proporcionar atendimento quando necessário. Demonstram os entrevistados, que os municípios cumprem, dentro do possível, as medidas preventivas, bem como as ações educacionais à população, fornecendo orientações nos postos do Programa Saúde da Família (PSF), nas Unidades Básicas de Saúde (UBS), na Policlínica Central (SUS), no Pronto Atendimento e nas visitas domiciliares pelos agentes comunitários. Constatou-se também, que um dos pontos positivos com relação aos trabalhos realizados pelos gestores na prevenção em saúde, é a viabilização da educação continuada como o exemplo da academia para a terceira idade em parceria com instituições como a UnC, controle de diabetes e hipertensão com o programa hipersaudável, acompanhamento a gestante e prevenção do câncer de mama e de útero. Percebe-se que os gestores locais procuram implementar as ações e procedimentos acompanhamento à saúde já existentes, mas pelos resultados dos estudos já concluídos mostram que há graves problemas de execução das políticas públicas sociais. Em contrapartida, os entrevistados enfatizam que encontram dificuldades quanto à prestação de serviços aos usuários para os tratamentos considerados de média e alta complexidade. Reconhecem que os municípios ainda executam os programas e as políticas públicas de saúde que priorizam as atenções primárias da saúde à população e não as de média e alta complexidade, já que não possuem estrutura física e humana para atendimento dessas últimas questões. Desta forma, no caso concreto, ao cidadão não resta alternativa senão procurar os centros que ofereçam recursos para tratamento de média e alta complexidade, enfrentando, dessa forma, a burocracia e as filas, além de ficar na expectativa de ser ou não atendido, experimentando, a deficiência na execução das políticas públicas de saúde. Nesse sentido, cabe considerar a orientação dada pelo Conselho Nacional de Secretários de Saúde (2007, p. 24) no que se refere às dificuldades na realização de 126 procedimentos de maior complexidade à população, já que esta problemática é vivenciada por muitos municípios. Segundo o CNSS, aquele conselho procurou construir sistemas de saúde municipais autônomos, ampliando a rede municipal sem articulação regional e sem dimensionar das necessidades da população. De tal modo, é de suma importância que os gestores do SUS levem à discussão os critérios para a organização das ações de maior complexidade, possibilitando a aplicação do princípio de “regionalização” da assistência, sem o qual dificilmente o SUS poderá garantir a integralidade das ações de saúde para a população brasileira. 2) Ao se contornar a apresentação e análise dos dados, a 2ª questão é como os pesquisados entendem as políticas públicas como recursos de atendimento aos interesses da sociedade, em especial, a saúde? Os representantes do MP de ambos os municípios, expuseram que as políticas públicas são essenciais para atender aos direitos sociais e fundamentais, incluindo-se o próprio direito à saúde. Seguindo as políticas públicas, o Estado deixa de agir de maneira pontual e individual, para tratar o tema com prestações positivas e gerais38, a fim de atender a um número maior de cidadãos. Prosseguindo, os representantes das Secretarias Municipais de Saúde monstram preocupações com a questão da saúde, mesmo reconhecendo que tenham ocorrido avanços nos últimos vinte anos. Pronunciaram no sentido de que é preciso melhorar muito. Expõem que as pessoas ainda estão muito pobres, no entanto, conhecedoras dos seus direitos, mas mesmo assim, as pessoas têm, ainda, resistência à realização das ações previstas aos agentes de saúde, bem como, dos médicos no que se refere à prevenção de doenças. Exemplo disso é quando ocorrem visitas familiares pelos agentes comunitários que orientam as pessoas de como procederem para a prevenção de doenças. As pessoas recebem as orientações, no entanto, não as seguem, mas, quando adoecem, procuram atendimento nos PSs ou solicitam agendamento junto ao SUS de consulta médica, o que muitas vezes acabam gerando maior custo para a realização de determinado tratamento. 38 Os direitos sociais são prestações positivas proporcionadas pelo Estado direta ou indiretamente, enunciadas em normas constitucionais, possibilitando melhores condições de vida aos menos favorecidos, são direitos que se ligam ao direito de igualdade e, na maioria das vezes, dependem de uma atuação do Estado. 127 Segundo o representante da 25ª SDR, existe pouco investimento do governo federal na questão da saúde, de modo geral. Mostra esta afirmativa quando se faz um paralelo com os recursos utilizados na educação, os quais são maiores que na saúde. Percebe ainda que dentro da legalidade39, o governo federal vem cumprindo com suas obrigações, mas há necessidade de majoração no investimento a saúde. Com a descentralização, diz ele, entre as três esferas de governo, o federal atribuiu maior responsabilidade aos municípios, que, acabam tendo que utilizar recursos próprios para a saúde, já que os repasses federais e estadual são insuficientes. Ressalta que se a SDR recebesse mais investimentos por parte da esfera federal, a região teria melhor estrutura, podendo assim, proporcionar melhor atendimentos aos usuários, quanto a média e alta complexidade. Em análise das respostas dos entrevistados da segunda questão, quanto às políticas públicas como recursos de atendimento aos interesses da sociedade, em especial, a saúde, pode-se observar que mesmo estando claro os objetivos das políticas públicas de saúde, estas ainda se apresentam vulneráveis. De nada adianta a existência de legislação acerca das políticas públicas se os seus objetivos não são concretizados. As demandas da sociedade são interpretadas por aqueles que estão no poder, mas que são influenciadas por uma agenda que se institui na sociedade civil por meio da mobilização social. No entanto, percebe-se que tanto a sociedade civil como os representantes desta, ainda não estão prontos para efetivar a agenda pública de gestão, pois, estão presentes conflitos entre os diversos atores sociais que têm contradições de interesses. Percebe-se, que a execução dos objetivos das políticas públicas possui referência valorativa e, sendo assim, revelam escolhas daqueles que controlam o poder, ainda que, para sua legitimação, precisem considerar interesses de segmentos sociais dominados, dependendo deste modo, da sua habilidade de organização e negociação. Considerando tais indagações, constata-se que mesmo que a sociedade brasileira esteja diante de um o Estado democrático de Direito que intervém pelas políticas públicas sociais, por outro lado, este mesmo Estado também legitima 39 Legalidade é um princípio jurídico fundamental que estabelece que o Estado deve se submeter ao que determina a lei. A certeza de que este princípio será cumprido demonstra que vivemos num Estado Democrático de Direito, garantindo dessa forma, que a sociedade não está presa às vontades particulares, pessoais, daquele que governa. Está previsto no inciso II do artigo 5º da Constituição Federal, normatiza que “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”. 128 desigualdades sociais quando admite exclusões, ou seja, a falta de acesso universal às oportunidades oferecidas pela sociedade aos seus membros. Tal ocorrência impede, consequentemente, o efetivo exercício da cidadania ativa, impossibilitando a participação plena da sociedade nos diferentes níveis em que esta se organiza e se revela, seja cultural, econômico, político e social. Por fim, a deficiência do Estado manifesta-se em sua incapacidade de fazer frente à miséria por meio de políticas públicas – sociais e econômicas – adequadas ao equilíbrio da inclusão social. Neste sentido, a prática de ações afirmativas deve partir do Estado, que, com a adoção destas, poderá programar medidas que visem garantir maior equilíbrio social. Poderá o Estado buscar contrapartidas com instituições particulares e/ou públicas como forma de inclusão social, por exemplo, redução de impostos, criação de postos de saúde e contratação de pessoas competentes no desempenho de suas funções. Os entrevistados entendem as políticas públicas sociais como recursos de atendimento aos interesses da sociedade, em especial, a saúde, sendo dever do Estado a sua implantação e eficiência. As políticas sociais de Estado fundamentadas em direitos sociais devem atender as necessidades básicas das pessoas, proporcionando seu bem estar sob a forma de prestação de serviços públicos essenciais à manutenção da vida digna. 3) Qual é o perfil atual da saúde pública em andamento nos municípios de Mafra e Itaiópolis? Ao responder esta questão o representante do MP de Mafra se pronunciou no sentido de que pode ser considerado regular, comparando-o com outros municípios e regiões. Reconhece a existência de problemas pontuais (demora no atendimento, poucos funcionários, falta de equipamentos, entre outros), porém, de forma geral, a população é atendida razoavelmente bem. Nesta mesma questão, o MP do segundo município (Itaiópolis), entende que os usuários enfrentam dificuldades para atendimentos considerados de média e alta complexidade, o que os levam até a promotoria no intuito de buscar judicialmente a satisfação do seu direito à saúde. Destaca também que havendo necessidade deste tipo de tratamento, ou os usuários serem deslocam para outras cidades abrangidas pela SDR, correndo o risco de não serem atendidos, enfrentando inclusive demora pelo atendimento, ou então demandam judicial a determinação para realização do tratamento de saúde necessário. 129 Explica ainda o MP entrevistado (que pertence a Justiça Estadual), que após a implementação da Justiça Federal no município de Mafra, passou a enfrentar dificuldades processuais, quanto à possibilidade de buscar em nome do usuário (legitimidade extraordinária) na Justiça Estadual (Itaiópolis) o acesso à saúde, tendo em vista que nas demandas judiciais que envolvem a União, é o MP (da Justiça Federal) quem deve ajuizar a ação representando o usuário e, a competência de julgá-las, é da Justiça Federal e não da Estadual. Já os representantes das Secretarias Municipais de Saúde, responderam que avaliam o perfil atual da saúde pública em andamento nos municípios, como satisfatório. Esclarecem que nos exames solicitados, 90% dos pedidos são atendidos nos municípios, e, não sendo possível, procura-se atendimento para o(s) usuário(s) em Joinville-SC ou Florianópolis-SC, o que normalmente ocorre. Por fim, o representante da SDR, avalia ser satisfatório o perfil da saúde na região, acreditando que ocorrerão melhorias para os próximos três anos, considerando a agenda já estabelecida. Antecipa que a questão da saúde será alavancada pelo estudo e proposição de um projeto piloto em parceria com governo federal que já foi implantado em Minas Gerais, onde houve sucesso40. Tal programa será implantado em Santa Catarina após o término da construção de um hospital que irá atender a região, ou seja, os sete municípios abarcados pela 25ª SDR-MafraSC (Mafra, Campo Alegre, Itaiópolis, Monte Castelo, Papanduva, Rio Negrinho e São Bento do Sul), terão profissionais especializados além de equipamentos que irão atender questões consideradas de alta e média complexidade, o que hoje são deficientes. Ocorrendo isso, os usuários não mais precisarão ser deslocados para os grandes centros distantes, o que onera a saúde pública. Analisando as respostas dos entrevistados, percebe-se inquietação de todos quanto ao tratamento de saúde à população. Entendem ser de responsabilidade do Estado a ampliação de recursos necessários que possibilitem qualidade de vida as pessoas, viabilizando deste modo, os atendimentos e internação necessários a usuários que precisam de cuidados, especialmente de saúde. Desse modo, os programas de saúde estabelecidos pelo estado não bastam existir, precisam ser eficazes dando atendimento imediato à população, a começar dando destino correto 40 Este projeto está suspenso em função da troca de governo. 130 as verbas de saúde recebidas pelas esferas governamentais, comprometendo-se com o setor hospitalar e especializado. No estudo da questão, percebe-se que a política de Estado aplicada para a saúde pública no país, ainda é deficiente, a iniciativa de investimento em saúde de qualidade não é prioridade para os representantes políticos, principalmente fora do período eleitoral. Os brasileiros são obrigados a pagar carga tributária onerosa, no entanto, o retorno que se tem, por exemplo, na saúde de qualidade, é muito pequeno a comparar-se a outros países. Os gestores descentralizados do SUS são levados a depender uma parte cada vez maior dos recursos próprios para viabilizar atendimentos a saúde e fornecimento de medicamentos, principalmente nos casos graves e de urgências. Enfrentam as ações judiciais mandatórias para procedimentos de maior custo, o que implica na diminuição dos recursos destinados ao atendimento eletivo e preventivo, que além de contemplar direitos, reduzem os agravamentos e as urgências. Ao se acompanhar os noticiários vistos diariamente e comparando-os aos argumentos dos entrevistados, mostra-se que a realidade dos dois municípios estudados são diferente com relação a outros situados no país, onde a população depende de atendimentos exclusivo do SUS. De acordo com as informações dadas, nos municípios pesquisados, a espera pelo atendimento médico e hospitalar não é morosa, não obstante enfrentarem problemas quanto aos atendimentos de doenças consideradas de média e alta complexidade. A partir da identificação das informações, observa-se que problemas ao acesso a saúde de qualidade existem, fato que exige solução rápida para que a população mais carente deixe de sofrer quanto a esta questão. Por efeito, compete trazer aqui a divulgação no jornal eletrônico “Portal de Mafra”, no qual consta que o município elegeu na pasta da saúde prioridades, investido, desta forma, mais recursos que nos anos anteriores. Segundo este jornal online, em 2007 o município de Mafra investiu 32% da sua arrecadação, (a lei exige aplicação de no mínimo 15%). Além disso, sobre a implantação de sete nova equipes de Programas de Saúde da Família e da construção do Posto de Saúde da Vila Nova, com a implantação de três PSFs. Com os PSFs ocorre a descentralização da Saúde de Mafra (PORTAL CLICK RIOMAFRA, 2011). Também, há de se analisar a observação do segundo MP entrevistado, que destaca que no caso concreto, diante do não cumprimento enunciado do artigo 196 131 da CRFB/1988, vê-se na obrigação em demandar judicialmente contra Estado e Município (responsabilidade solidária) em defesa de direito individual ou coletivo. O Estado e/ou o Município quando apresentam defesa (contestação) na ação ajuizada contra ele, tem por praxe requerer o chamamento ao processo da União, nome dado para que este último venha integrar o pólo passivo da ação, invocando a responsabilidade solidária entre as três esferas. Neste caso, a demora na prestação jurisdicional será maior, pois a competência para julgar o processo será declinada para a Justiça Federal, localizada no Município de Mafra. Diante desta constatação, dependendo do caso concreto, e para não correr o risco do Judiciário entender que cabe ao procurador geral da república da Justiça Federal ajuizar a ação cabível em favor do indivíduo, o usuário é orientado a procurar advogado para buscar amparo no Poder Judiciário, já que a possibilidade de declinação de competência para outro juiz julgar, resultará na demora da prestação jurisdicional. Neste sentido, constata-se que o fornecimento de medicamentos pelo SUS, por força de decisões judiciais, experimenta nos últimos anos crescente ajuizamento de medidas judiciais solicitando tal espécie de prestação de serviços, seja em ações individuais quanto em ações coletivas. 4) Como os pesquisados entendem as principais dificuldades em relação à execução das políticas públicas de saúde em Mafra - Itaiópolis? Os entrevistados, representantes do Ministério Público dos municípios estudados, se manifestaram no mesmo sentido ao responder esta questão. Destacaram que existem dificuldades nos municípios, como a necessidade de deslocamento de pessoas doentes, para hospitais localizados em Curitiba-PR ou Florianópolis-SC. De regra, o hospital de referência deve estar localizado no Estado de Santa Catarina. Entrementes, há situações excepcionais, como a falta de leitos ou a impossibilidade de um deslocamento mais longo, o que exige providência mais rápida, as vezes imediata. Nestes casos, relatam os médicos e gestores da saúde, encontrar dificuldades para conseguir transporte diferenciado, principalmente para outro Estado da Federação, que eventualmente possua hospital mais capacitado para atender ao município. Corrobora também que o volume dos atendimentos no Pronto Atendimento é outra dificuldade relatada pelos profissionais que lá atuam, gerando, também, reclamações por parte da população, que, às vezes, não compreende a necessidade de os médicos trabalharem com prioridades. 132 Nesta mesma questão, o MP de Itaiópolis, argumenta que a maior dificuldade está nos atendimentos para os casos de média e alta complexidade que o município não tem profissionais e equipamentos necessários para atender os usuários que assim necessitam. Eventualmente as pessoas que precisam de medicamentos que não fazem parte da farmácia básica, o procuram solicitando ajuda para obtê-lo já que não lhe foi fornecido pela Secretaria Municipal de Saúde. As dificuldades assinaladas pelos representantes do Ministério Público são ratificadas pelas respostas obtidas dos gestores das Secretarias Municipais de Saúde como também da SDR, pois todos dizem enfrentarem dificuldades quanto à execução da política pública de saúde, principalmente para tratamentos de média e alta complexidade, pois os municípios não então devidamente preparados para prestar os referidos tratamentos aos usuários. Expõem que o problema maior está na insuficiência de verba para executá-las além da demora do repasse desta aos municípios. Corroboram também que a baixa arrecadação do município prejudica a implementação das políticas de saúde, já que legalmente também é responsável financeiramente pela prestação de serviço de saúde a coletividade. Ainda, de acordo com as respostas dos entrevistados, igualmente são encontradas dificuldades quanto à falta de especialistas na área de saúde, cuja contratação é de responsabilidade do estado que é deficiente nesta questão. A partir das respostas foi constatado que a questão da saúde carece de ações que possam ajustar incoerências na administração da verba direcionadas pelas esferas governamentais. Para que ocorra a efetiva prestação de serviços pelo estado (saúde), é de suma importância que se tenha uma boa organização também dos serviços dos gestores locais (informação e participação dos usuários e funcionários dos serviços de saúde não só no controle, mas também no planejamento e gestão das ações de saúde em todos os níveis), dando assim, mais credibilidade aos serviços públicos de saúde. É imprescindível, deste modo, avançar as próprias técnicas de planejamento, tomando como ponto de partida o planejamento enquanto um processo político, no qual, cada intervenção é negociada com os vários atores interessados. As políticas públicas em saúde devem integrar o campo de ação social do Estado apontado para a melhoria das condições de saúde da população. Especificamente incide em organizar as funções públicas governamentais para a promoção, proteção e recuperação da saúde dos indivíduos e da coletividade (FONSECA, 2011). 133 Constatou-se durante a realização da pesquisa, que tanto aos representantes do MP como as Secretarias de Saúde e da SDR, a inércia do cumprimento do texto constitucional por parte do governo federal, que quando questionado sobre a insuficiência de recursos repassados aos municípios, entende estar cumprindo com sua obrigação (solidária) de prestar serviços de saúde a população. Argumenta que atua de acordo com os princípios da razoabilidade41 e da legalidade na aplicação do orçamento público, de acordo com a CRFB/1988, artigo 5º, LIV. Em contrapartida, os municípios experimentam a carência de recursos para financiar as políticas públicas de saúde, limitando sua atuação no que diz respeito ao processo de descentralização administrativa como também quanto à execução dos serviços aos usuários. De tal modo, os gestores da saúde mostram-se impossibilitados em proceder expansão quanto os atendimentos médico-hospitalares, fato que resulta a insatisfação da população quanto à efetividade das políticas de saúde que, por sua vez, objetivam a redução das doenças, programação de saúde e o acesso universal e igualitário às ações e serviços responsáveis pela eficácia dos direitos sociais. 5) Qual é o perfil atual da saúde pública em andamento nos municípios de Mafra e Itaiópolis? Os entrevistados foram unânimes nas respostas no sentido de que o perfil atual de saúde nos municípios estudados se revelam adequados para atender a população. Argumentam que a partir de 1988 e após a implantação do SUS, os serviços oferecidos pelo Estado relativos à saúde melhoraram se comparando-os as políticas em execução anteriormente. No entanto, para afirmar-se que está satisfatório, ainda há um longo caminho a percorrer, pois desafios e dificuldades ainda existem neste campo. O Estado precisa aperfeiçoar o seu sistema de saúde para poder proporcionar atendimento pronto, completo e eficaz às necessidades dos cidadãos. É preciso, além disso, aumentar os recursos financeiros destinados à saúde, aumentar a contratação e manter os profissionais com ações competentes e compromisso com a política. Também há a necessidade de empenho para ampliar e melhorar o acesso igualitário. O número significativo de pessoas que ainda 41 O princípio da razoabilidade é uma diretriz de bom-senso, aplicada ao Direito, atendendo também o principio da legalidade, reforçando mais o texto das normas, a vontade do legislador, proibindo o excesso no momento da aplicação da norma ao caso concreto. Está de acordo com os princípios da proporcionalidade e da razão suficiente. Este princípio está implícito na Constituição Federal de 1988 artigo 5º, LIV. 134 enfrentam longas filas de espera para obter atendimentos relacionados a questões básicas, como também a espera pelo atendimento de média e alta complexidade, tem levado os usuários a se posicionarem contra o SUS. Fazendo análise desta questão, foi possível apreender que os próprios entrevistados, no exercício de suas atribuições nas suas funções, sentem-se responsáveis quanto às formulações e ações de políticas sociais que possam melhorar o acesso do cidadão aos serviços de saúde, como, por exemplo, garantir o fornecimento de medicamentos e o pronto atendimentos hospitalar. Estas preocupações mostradas pelos entrevistados destacam o dever do Estado em prover políticas públicas sociais que garantam o acesso universal da saúde à população, de acordo com o artigo 196 da CRFB de 1988. Os entrevistados revelam que a população, no legítimo exercício dos seus direitos, vem cobrando por mais qualidade no setor da saúde, e, os gestores públicos devem procuram alternativas que resultem neste anseio. Reconhece-se dessa forma, que a reforma sanitária que institui o SUS, descentralizado e participativo, possibilitou a proximidade dos gestores locais quanto as reais necessidades e deficiências encontradas no setor da saúde. Não obstante, estão cientes de que melhorias ainda serão necessárias. 6) Como os pesquisados entendem a organização dos setores do estado em relação à execução das políticas públicas da saúde? No que se refere a organização dos setores do Estado em relação à execução das políticas públicas sociais de saúde, o representante do MP do município de Mafra, entende que o Estado, de forma geral, parece ainda desorganizado ou não está plenamente preparado para entregar à população uma política social de saúde com qualidade. Tal situação é perceptível nos noticiários, quanto a demora nos atendimentos, quando há ausência ou falta de tratamentos, consultas e cirurgias. Também os profissionais saem despreparados das universidades, colocando em risco a saúde da população. Complementa ainda, que não existe uma cobrança efetiva aos gestores governamentais quanto à carga horária dos profissionais (médicos), situação tratadas em Santa Catarina, decorrente de iniciativas como a do Ministério Público Catarinense, que exigiu dos Municípios a observância e cobrança de tais horários. Com efeito, é inaceitável imaginar que um médico, servidor público que é, seja 135 contratado para trabalhar quarenta horas semanais e cumpra metade ou menos desse período. É imoral, sobretudo, do ponto de vista administrativo. Já os entrevistados do Ministério Público de Itaiópolis, entende que a organização dos setores é satisfatória, não obstante a população ainda ter resistência quanto à saúde preventiva, o que resulta atendimento do usuário quando já está doente além de ocorrer retardamento ou impossibilidade de tratamento. Em sua opinião, o governo federal, ainda, de modo tímido, procura coordenar a programação da assistência à saúde no âmbito nacional, o que é de sua competência. Da mesma forma, o governo estadual coordena o mesmo processo em seu território, ou seja, procura garantir, na medida do possível, o acesso da população aos serviços de saúde, institui mecanismos de regulação, avaliação e controle de políticas sociais (saúde). Aos gestores municipais, cabe a elaboração do Plano Municipal de Saúde, o gerenciamento do Sistema de Assistência à Saúde e a garantia do acesso universal aos usuários no SUS do município. Fazendo-se a mesma pergunta aos representantes das Secretarias Municipais de Saúde, estes responderam que na relação entre Estado e Municípios, encontram-se dificuldades (política de apoio financeiro, política de recursos humanos qualificados em saúde), mas que para os gestores dos municípios, acreditam estar ocorrendo um bom trabalho, a exemplo da implantação do protocolo saúde continuada (preventiva). Para melhor entender a temática da insuficiência de verbas enviada pelos governos federal e estadual, a representante da Secretaria de Saúde do município de Mafra exemplifica a questão de solicitação de medicamentos não considerados de farmácia básica pelos usuários. Expõe que devido a insuficiência de recursos enviados pelo Estado ao Município para este fim, em situações que exigem atendimentos considerados de média e alta complexidade, não lhe resta alternativa senão o descumprimento desta obrigação. Argumenta que para o município de Mafra, em 2010, houve repasse de verba do governo estadual, no valor de R$ 528.000,00 para aplicação na saúde (farmácia), no entanto, foram necessários R$ 700.000,00. Finaliza dizendo que são insuficientes os recursos para atender aos pedidos entendidos de média e alta complexidade. Na opinião do representante da SDR, os gestores de saúde da região têm boa vontade, boas idéias, mas ainda encontram dificuldades quanto à descentralização. Acredita o entrevistado, que o Estado deve viabilizar estratégias 136 de fortalecimento de gestão, incentivar o compromisso dos gestores na questão da saúde como forma de garantir o acesso, a avaliação e regulação das políticas de saúde. Por fim, entende ele que são problemáticas dos municípios: a falta de recursos para o setor da saúde, descontinuidade dos projetos iniciados por determinação da administração dos municípios (gestões anteriores), necessidade de aperfeiçoamento quanto ao acesso universal a saúde, além das dificuldades para redução das desigualdades nos perfis de saúde nos municípios. Analisando os argumentos dos entrevistados, merece destacar que de acordo com a Constituição Federal de 1988, artigo 198, parágrafo único, é de responsabilidade comum das três esferas de governo o financiamento do SUS e, a cada uma delas, cabe o dever de garantir o aporte regular de recursos atinente ao fundo de saúde. Nessa perspectiva é que se definiu a política de descentralização da execução e administração das políticas públicas sociais de saúde, definindo que os municípios também assumissem sua responsabilidade, seja com os prestadores de serviço como pela destinação e aplicação das verbas recebidas da esfera federal. De tal modo, a norma em vigor (NOAS-SUS 01/01) define duas condições de gestão municipal: (a) Gestão Plena da Atenção Básica Ampliada, pela qual o município se habilita a receber um montante definido em base per capita para o financiamento das ações de atenção básica, e (b) Gestão Plena do Sistema Municipal, pela qual o município recebe o total de recursos federais programados para o custeio da assistência em seu território. Cabe esclarecer também, que o financiamento da saúde por base per capita não dispensa o gestor de alimentar o sistema de informações ambulatoriais, cuja produção servirá como insumo para futuras negociações de alocação de recursos financeiros (SOUZA, 2002, p. 18-19). A distribuição de responsabilidade nas três esferas governamentais na execução das políticas públicas em especial as sociais, proporciona o ambiente para controle social pela sociedade no monitoramento das ações estatais, no qual as ações desenvolvidas pela sociedade civil organizada não só pode fiscalizar e avaliar as condições em que a política de assistência social está sendo desenvolvida como também pode incitar a participação popular na definição das prioridades para o município, de acordo com a necessidade local. A finalidade da reforma gerencial do Estado, ocorrida após a Constituição Federal de 1988 no setor da saúde, vem sendo no sentido de promover a 137 modernização e flexibilização da gestão pública, ajustar o controle social sobre ações dos agentes públicos, melhorar a qualidade do serviço público e garantir a satisfação das necessidades dos cidadãos. Deste modo, universalizar o acesso aos serviços de saúde em todos os níveis de assistência, conforme estabelece a Lei nº 8080/90, artigo 7º. Na mesma direção, o processo de descentralização das ações e serviços de saúde, passadas duas décadas da institucionalização do SUS, vem aumentando os desafios dos gestores da saúde. Dessa forma, os setores de saúde precisam estar atentos aos indicadores42 de qualidade para efetivamente delinear mudanças e melhorias nos serviços prestados e, da mesma forma, superar a fragmentação dos programas de saúde pela formação das redes hierarquizadas de ações e serviços de saúde e da qualificação da gestão, reduzindo, portanto, as desigualdades nos perfis de saúde nas regiões e municípios. É importante lembrar também, que as diretrizes da descentralização políticoadministrativa na gestão dos setores da saúde implicam na participação da sociedade civil na formulação e controle das decisões relativas às políticas públicas em todos os níveis de governo, entretanto é de responsabilidade do governo municipal a execução das ações de atenção à saúde, cabendo ao Estado e a União sustentar o financeiramente destas, de acordo com o artigo 30 do texto constitucional. Do mesmo modo, é obrigação constitucional dos entes federados, organizar o sistema de descentralização, de maneira que seja garantida a autonomia das esferas de gestão bem como de seu funcionamento já que os setores locais encontram dificuldades no processo de articulação das políticas seja no nível local como regional. Dentre as dificuldades enfrentadas, está a mudança política administrativa, já que a construção de agendas públicas que representam os interesses coletivos nem sempre são dos administradores destas. 7) O que falta ainda em relação à execução das políticas públicas de saúde em Itaiópolis e Mafra para atender à demanda dos usuários? Em resposta, o representante do MP do município de Mafra, disse que como em parte dos municípios brasileiros, neste município, não é diferente, já que ainda existe carência de recursos para o investimento na saúde pública. Igualmente, falta 42 Como exemplos de indicadores estão o acesso, qualidade, desempenho assistencial dos profissionais e a efetividade quanto acesso universal e igualitário às ações e serviços de saúde. 138 aperfeiçoamento na qualificação técnica e emocional dos profissionais que atuam na área médica. Mormente, falta harmonia entre os órgãos de atuação da cidade coirmã, ou seja, municípios vizinhos e que se dividem pelos Estados do Paraná e de Santa Catarina. Os municípios de Rio Negro-PR e Mafra-SC, formam um conjunto único de cidadãos (diz-se, inclusive, “Rio-Mafra”). Inaceitável, é que nestes casos, inexista uma estratégia que una o atendimento e cooperação entre elas, por pertencerem a ente federados distintos. Para melhor atender a população, os municípios vizinhos poderiam trabalhar em parceria. As Secretarias de Saúde poderiam apoiar iniciativas para implementação da gestão compartilhada entre os municípios em vários setores estratégicos, a exemplo dos atendimentos nos locais de difícil acesso pela população. No mesmo sentido, para que se tenha o desenvolvimento regional, são necessárias iniciativas locais que aspirem solucionar problemas comuns das regiões, podendo ser meio da colaboração e integração dos atores sociais, assegurado pela participação da sociedade. Já o representante do MP do município de Itaiópolis, diz desconhecer a situação de outros municípios, mas que neste município, o que falta para melhorar a execução das políticas públicas sociais de saúde, é a questão financeira, pois faltam verbas para garantir as necessidades dos usuários. No mesmo sentido responderam os representantes das Secretarias de Saúde e da SDR, de que a problemática financeira leva a falta de contratação de profissionais especializados já que há carência desde a fonoaudiologia a serviço social e cardiologia. Com as informações dos entrevistados, nota-se que o financiamento do governo federal no setor da saúde dos municípios, ainda é insuficiente e isso se apresenta como uma das dificuldades a serem superadas para que o Sistema Único de Saúde universal e integral aconteça de fato. Não podemos olvidar que a norma constitucional, artigo 196 da CRFB/1988, garante que a saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação. Todos os entrevistados revelam que o volume dos atendimentos no Pronto Atendimento é outra dificuldade relatada pelos profissionais que lá atuam, gerando, 139 também, reclamações por parte da população, que, às vezes, não entendem a necessidade de os médicos precisam trabalhar com prioridades. Dentre as dificuldades enfrentadas pelos profissionais e usuários dos PAs, estão as queixas da demora no atendimento ou fila de espera; poucos médicos disponíveis para o atendimento; dificuldade em marcar consulta em curto prazo; demora na autorização de exames ou a liberação de guias, inclusive de internação. As dificuldades ora relacionadas, levam os usuários ao reclame não só perante o órgão prestador de serviço, mas também ao Ministério Público, que na medida do possível, via administrativa por meios de ofícios requisitórios, no intuito de viabilizar as necessidades quanto a gestão do sistema de Saúde da população ou, judicial, por meio da ação civil pública, busca que o gestor municipal empreenda novas estratégias de resolutividade. Para se alcançar esta resolutividade na questão do atendimento aos usuários do setor da saúde, a gestão dos municípios estudados pode utilizar-se da implantação do Protocolo de Manchester em experiência no município de JoinvileSC, que visa melhorar o atendimento a quem recorre a um Serviço de Urgência, no qual se exige rapidez, na proporção da gravidade. Este sistema utiliza um protocolo clínico que permite classificar a gravidade da situação de cada doente que recorre ao Serviço de Urgência, permitindo atender, em primeiro lugar, os doentes mais graves e não, necessariamente, quem chega primeiro. Este sistema de atendimento quando implantado por um serviço de urgência, ocorre da seguinte forma: o usuário, independentemente da condição que chega ao hospital, enviado de um PS, ou pelo Médico Assistente, terá de ser avaliado na triagem de prioridades, e se a sua situação for avaliada não urgente deverá esperar o atendimento dos doentes mais graves. A Triagem de Prioridades ocorre após efetuar a inscrição do usuário na admissão de doentes e após é encaminhado para o local de triagem, onde será submetido a uma observação prévia que permite atribuir uma cor que corresponde a um grau de prioridade clínica no atendimento e a um tempo de espera recomendado, até à primeira observação médica. Os usuários receberão identificação de acordo com a patologia apresentada, desde a mais graves, que corresponde a um atendimento imediato, aos casos muito urgentes, com um tempo de espera recomendado de dez minutos e aos casos urgentes que terão um tempo de espera recomendado de até 60 minutos. Já os casos de menor 140 gravidade (pouco ou não urgentes) deverão ser atendidos no espaço de duas e quatro horas, respectivamente, após atendimento dos doentes mais graves. Assim, pelo referido método de atendimento, simplifica-se e priorizam-se as situações clínicas mais graves que devem ter prioridade no atendimento. No entanto, a união de esforços de todos os profissionais de saúde, é indispensável para poder oferecer mais e melhores cuidados, a quem deles necessita. Nos municípios estudados, a implantação do Protocolo de Manchester ainda não ocorreu, mas os gestores locais vêm dedicando-se para que ele ocorra. Por fim, de modo geral, enfatizaram que a baixa arrecadação de tributos pelos municípios prejudica a implementação de política pública social de saúde, já que em primeira mão, são os responsáveis pela prestação de serviço à população. Ao se analisar as respostas obtidas dos entrevistados ressalta-se que a preocupação e empenho deles no sentido de que a sociedade tenha garantido seu direito à saúde. Contudo, faltam mudanças e tomada de consciência sociopolítica, melhor organização do Estado e concretização de projetos por ele planejados em sua plenitude. Constata-se que dentre os problemas encontrados pelos usuários na questão da saúde estão (1) grandes filas de pacientes a espera dos serviços de saúde, (2) falta de leitos hospitalares para atender a demanda da população, (3) insuficiência de recursos financeiros, materiais e humanos, (4) atraso no repasse de verbas do Ministério da Saúde aos serviços conveniados. De igual modo, foi observado que nos municípios pesquisados, quando ocorrem situações em que os usuários precisam de internamento e ou de remédios considerados de média complexidade (com atenção especializada, sem grande demanda tecnológica) e alta complexidade (com alto nível de incorporação tecnológica), o Estado não é eficiente para garantir o direito à saúde a todos os cidadãos. Tal problemática, excepcionalmente, é resolvida pela interferência do Ministério Público, seja como provocador da ação do Judiciário, seja atuando extrajudicialmente por meio de meios legalmente assegurados, quando busca sujeitar o estado a efetiva implementação de políticas públicas imprescindíveis. A possibilidade de serem utilizadas estas vias, sobretudo, por meio da ação civil pública, na busca da efetivação dos direitos sociais negligenciados pelo Estado, busca afastar a ineficiência do Estado quanto às políticas públicas sociais de saúde, o que compromete o respeito ao princípio da dignidade da pessoa humana. 141 A interferência do Ministério Público quanto à efetivação das políticas púbicas sociais de saúde, pode ocorrer desde a formulação das políticas públicas até a sua fiscalização. Ocorre de forma judicial, quando ele ajuíza perante o judiciário a ação coletiva, enquanto que de forma administrativa, quando realiza compromisso de ajustamento de conduta com entes públicos responsáveis pelas ações materiais que assegurem à coletividade a fruição dos direitos assegurados na Constituição de 1988, ao promover debate público nos Conselhos Municipais, ao atuar no processo legislativo e na fiscalização de fundos e conselhos gestores, na realização de audiências públicas e ao requer instauração de inquéritos civis. A atuação e desempenho do Ministério Público se legitimam socialmente e criam as condições necessárias para a fiscalização judicial do comportamento dos governantes. Esta iniciativa do MP não poderia ser diferente, pois de acordo com o disposto no artigo 129, inciso II da CRFB/1988, é atribuição institucional do Ministério Público: zelar pelo efetivo respeito dos poderes públicos e dos serviços de relevância pública aos direitos assegurados nesta Constituição, promovendo as medidas necessárias a sua garantia. Ainda, é importante lembrar que, conforme o texto constitucional, a criação do SUS foi baseada na formulação de um modelo de saúde voltado para as necessidades da população, cujo objetivo foi o de resgatar o compromisso do Estado para o bem estar social, sobretudo no que refere à saúde coletiva, consolidando-o assim, como um dos direitos de cidadania. De tal forma, a população, no legítimo exercício dos seus direitos, deve cobrar por mais qualidade na gestão pública, e em sua maioria, ao acesso às ações e serviços que deve ser garantido a todos sem distinção. De tal sorte, o reclame dos gestores da saúde dos municípios analisados é no sentido de que ocorrendo interferência do judiciário, determinando-se que o Município e/ou o Estado forneça medicamentos ou realize certos procedimentos que foi negado ao usuário (administrativamente), o Município se vê obrigado a utilizar verba ordinária para cumprir esta determinação judicial. Logo, é utilizado recurso que ele próprio produz (já que os recursos vindos do Estado são insuficientes) obstando assim, a aplicação da verba pública em outras prioridades do Município, por exemplo, na educação. Todavia, há de se considerar que o Sistema Único de Saúde possui gestão tripartite, ou seja, da União partem as diretrizes gerais; dos 142 Estados o acompanhamento, orientação e apoio aos Municípios; e, a estes, por sua vez, cabe a execução de ações e serviços de saúde específicos para a população. Também ao se considerar estas manifestações dos entrevistados e o referencial teórico já demonstrado, conclui-se que para melhorar a questão da saúde nos municípios estudados, há necessidade de: 1) mudanças sociopolíticoadministrativa; 2) aperfeiçoamento da organização nos setores da saúde; 3) concretização dos projetos elaborados pelo governo (federal estadual e municipal); 4) ampliação das verbas direcionadas as políticas de saúde já que a escassez de recursos tem obrigado os municípios a limitar atendimentos a sociedade; 5) priorizar as atividades preventivas (6) dar fim ao sofrimento da população na morosidade do atendimento na saúde pública o que é um desrespeito ao cidadão; 7) incentivar a participação da sociedade nos projetos direcionados a saúde, e, por fim; 8) abolir o clientelismo existente nos setores responsáveis pelos serviços de saúde pública. Cumpre observar desse modo, que a questão da saúde no Brasil precisa melhorar muito, não obstante pela evolução significativa que teve nos últimos vinte anos. Mas mesmo assim o Brasil se coloca entre os países que mais apresenta desigualdades no mundo no que se refere à questão dos direitos sociais da sua população. Então cabe ao Estado via os gestores públicos manter esse escopo para o enfrentamento da desigualdade e da pobreza inicialmente pontos cruciais para a inclusão social. As políticas públicas não podem assumir sozinhas a transformação da pobreza e exclusão em igualdade e justiça social, mas encontrar-se com as demais políticas sociais e executar efetivamente a intersetorialidade. Considerando esta ressalva, segundo Costa (2006, p. 14), o Censo de 2000 mostra que o Brasil aumentou sua riqueza em quase 12 vezes, no entanto, a distribuição de renda aumentou, ou seja, 51,9% dos brasileiros ganham até dois salários mínimos, e apenas 2,6 até 20 salários mínimos. A mesma autora destaca que a concentração de riqueza é tão grande, que na virada deste século, o 1% dos mais ricos ganhava praticamente o mesmo que os 50% mais pobres, deste modo, a desigualdade é marca nacional do país (COSTA, 2006, p.14). Por fim, é apropriado dizer ainda, que o perfil da saúde pública nos municípios estudados reflete a necessidade de um melhor investimento de recursos e, do mesmo modo, dar encaminhamento das prioridades a serem executadas pelos 143 gestores públicos como forma de interferir nesses reflexos de insatisfação com um dos setores de maior importância no contexto social, a saúde púbica. Espera-se que outras pesquisas que sejam realizadas nesta temática, principalmente no que diz respeito às responsabilidades e atuação dos gestores municipais da saúde juntamente com a esfera federal e estadual e, ainda, da importância das atribuições dos Ministérios Público em busca da efetivação das políticas públicas sociais como forma de inclusão social. 144 CONSIDERAÇÕES FINAIS A escolha do tema da pesquisa apresentada se deu em virtude da literatura nacional vir dando ênfase ao assunto intitulado como judicialização das políticas públicas, denominação dada à interferência do Poder Judiciário que, impelido pelo Ministério Público, advogado ou procurador da república, em questões que envolvam a prestação de serviços de saúde pelo Estado, ordenar o cumprimento efetivo de políticas públicas de saúde. Inclusive já existem julgados do Tribunal Regional Federal43 bem como do Superior Tribunal Federal determinando que o Poder Executivo adote medidas para que se tornem eficazes os direitos constitucionalmente assegurados, especificamente os direitos sociais. Para a realização desta pesquisa, fez-se necessário relacionar o processo de transformação do Estado, bem como estudo sobre as políticas públicas, direitos sociais, direito a saúde, controle social, espaços de controle social, controle judicial das políticas públicas, descentralização da gestão pública e o desenvolvimento social regional, o ministério público em defesa dos direitos sociais, a efetivação dos direitos sociais e a participação dos gestores locais juntamente ao Ministério Público e do texto constitucional. Dessa forma, situou-se parâmetros para determinar se a legitimidade política e processual dos operadores do sistema judicial (as instituições que operam diretamente à aplicação do direito), em específico, do Ministério Público e dos gestores da saúde locais, opera-se em defesa dos direitos sociais. E, como meio de inclusão social se investigou em que medida os representantes do Ministério Público e os gestores locais da saúde, dos municípios estudados, vêm se desincumbindo no 43 AGRAVO EM AGRAVO DE INSTRUMENTO. ADMINISTRATIVO. SUS. FORNECIMENTO DE MEDICAMENTO. SOLIDARIEDADE ENTRE OS ENTES FEDERATIVOS. 1. É obrigação do Estado, no sentido genérico (União, Estados e Municípios) assegurar às pessoas desprovidas de recursos financeiros o acesso à medicação necessária para a cura de suas mazelas, em especial, as mais graves. 2. No que tange à legitimidade passiva da União, está caracterizada em face da solidariedade dos entes federativos para cumprir o desiderato imposto pelo Constituinte ao instituir o Sistema Único de Saúde - SUS. (Tribunal Regional Federal da 4ª Região, AGRAVO 2009.04.00.004696-9, Terceira Turma, Relator p/ Acórdão Alcides Vettorazzi, Diário Estadual, 17 jun. 2009, Grifo nosso) DIREITO À SAÚDE. DEVER DO ESTADO. SOLIDARIEDADE PASSIVA DOS ENTES FEDERADOS. FORNECIMENTO DE MEDICAMENTO. A Constituição Federal de 1988 erige a saúde como um direito de todos e dever do Estado, consoante disposto no artigo 196. É obrigação do Estado, no sentido genérico (União, Estados, Distrito Federal e Municípios), assegurar às pessoas o acesso à medicação ou ao serviço necessário para o tratamento do mal de que padecem, especial, as mais graves. (TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 4ª REGIÃO, Apelação Cível 2007.72.07.001334-3, Quarta Turma, Relator João Batista Lazzari, Diário Estadual, 04 maio 2009, Grifo nosso). 145 uso de suas atribuições, em defesa dos interesses sociais, proporcionando o acesso universal e igualitário à saúde, conforme os comandos do texto constitucional. Com estes esclarecimentos foi possível apontar quais as intervenções locais e regionais que podem ocorrer e que, de tal forma, possam interferir no desenvolvimento social da sociedade civil nos municípios estudados. Destacou-se que o Ministério Público, a partir da sua institucionalização no Brasil, CRFB de 1988, finalmente lhe foi conferido o poder-dever de defender os direitos sociais, tornando-se um verdadeiro defensor do povo e da democracia. A Constituição Federal de 1988, artigo 127, caput, reconhece o Ministério Público, como instituição permanente, figura fundamental à função jurisdicional do Estado, passando a ser o defensor da ordem jurídica e dos interesses sociais e individuais indisponíveis. Conferindo-lhe ainda, o dever de fiscalizar o cumprimento da Constituição e das leis, na defesa da própria democracia. Com efeito, ao Ministério Público cumpre o papel de prestar atenção também àquela sociedade que se encontra à margem dos benefícios produzidos pela sociedade. E da mesma forma, funciona como ponto de equilíbrio entre as relações da administração pública e administrativa, buscando um bom e correto funcionamento entre as esferas estatais no que se refere à preservação dos direitos aos cidadãos como também aos deveres dos administrados da res publica, buscando assim, harmonia entre os três poderes (executivo, legislativo e judiciário), quanto à concretização da execução dos serviços públicos. Este novo papel do Ministério Público tem proporcionado uma significativa mudança no Poder Judiciário perante o instrumental jurídico colocado à sua disposição. Com efeito, ações judiciais de natureza social e coletiva passaram a integrar a rotina dos julgamentos de nossos tribunais, com a análise de questões que nunca haviam sido enfrentadas. Dessa forma, esta nova sistemática atualmente é conhecida como a judicialização das políticas públicas, o que leva os membros do Judiciário a não só dizer o direito tido como justo, mas também a preencher determinados conceitos a partir da interpretação constitucional. O Ministério Público, certo do seu papel e procurando cumprir o que determina a legislação, pode buscar a efetivação das políticas públicas necessárias a saúde, relacionando-as à inclusão social. Poderá também organizar parcerias com instituições para possibilitar a conquista dos direitos sociais (saúde e previdência). 146 Sendo assim, nesta nova sistemática institucional, é admissível a iniciativa por parte do Ministério Público, por meio de ações judiciais e extrajudiciais, buscar a efetivação dos direitos sociais, com caráter de prioridade absoluta. Cumpre destacar que contemplar os direitos sociais implica conceber obrigações de caráter positivo por parte do Poder Público, com o objetivo de proporcionar o bem estar e a justiça social, a fim de assegurar à sociedade, uma existência digna, com a diminuição das desigualdades, possibilitando o desenvolvimento pessoal e social44. No tocante as políticas públicas, foi destacado que, segundo Sotto Maior Neto (2010, p. 01), estas constituem propostas do Estado formuladas com o objetivo do cumprimento de seu papel institucional e indelegável de atuar na promoção do bem estar de todos, especialmente pelo asseguramento e universalização dos direitos elementares à cidadania, tais como educação, saúde, habitação, saneamento, urbanização, esporte, cultura, lazer, profissionalização e, em caráter supletivo, assistência social. Segundo a CRB de 1988, artigo 5º, é direito fundamental o princípio da igualdade, ou seja, “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros, residentes no País, a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade”. No entanto, este princípio nem sempre é respeitado já que há pessoas vivendo com desigualdade social. Porquanto, no Brasil, constata-se que a economia de mercado não assegura prontamente a inclusão social. Sendo assim, necessária se faz a intervenção do Estado, por meios de políticas públicas, a fim de se ter a redução da desigualdade social. Apresentou-se como problema para a investigação, como o Ministério Público intervém em defesa dos direitos sociais no campo da saúde garantidos por políticas públicas e operacionalizadas nos municípios de Mafra e Itaiópolis e sua relação com o desenvolvimento social. Como questões norteadoras, no intuito de verificar se as políticas públicas de saúde estão efetivamente sendo cumpridas pela esfera executiva nos municípios estudados, foram estilizadas a seguintes indagações aos representantes do MP, das Secretárias de Saúde e da SDR: 1) qual é a atribuição do Ministério Público no 44 Constituição Federal, artigo 6º - São direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição. 147 Brasil a partir da sua institucionalização; 2) como o Ministério Público contribui para a defesa dos direitos sociais; 3) como as políticas públicas têm contribuído para a inclusão social e a garantia de direitos de proteção social; 4) o controle social das políticas públicas se revela como instrumento para a consolidação da democracia no país, (5) que políticas públicas devem ser operacionalizadas pelos municípios de Mafra e Itaiópolis visando à proteção social; 6) que políticas públicas podem contribuir para o desenvolvimento social nesses municípios estudados. Após construção do referencial teórico e com os resultados da pesquisa de campo, foi possível atingir os objetivos propostos para a pesquisa. Quanto ao objetivo geral, pode-se observar que a relação entre as políticas públicas de alcance local (políticas municipais) e a reestruturação do Estado brasileiro no que se refere as suas políticas econômicas de âmbito nacional, precisam ser amadurecidas, pois as diferenças sociais ainda são muito significativas. As reformas ocorridas no Estado brasileiro extinguiram monopólios e ocorreram privatizações, mas ainda inexiste a compreensão de que o atual aparelho estatal se apresenta como Estado mínimo. No entanto, sendo o atual Estado brasileiro neoliberalista de regulação, é preciso tomar a frente para que ocorram as mudanças sociais necessárias para que todos tenham o verdadeiro acesso ao direito fundamental à saúde. Não obstante até que isso ocorra, o Ministério Público, instituição permanente do Estado, defensor da sociedade, verificando desobediência do texto constitucional no que se refere à obrigação de prestação de serviços pelo executivo (especificamente o da saúde), poderá por meio de demanda judicial obrigar os órgãos do Estado a cumprir sua obrigação assistencial ao indivíduo prejudicado. Nos municípios estudados, o MP se manifesta nesse sentido nas situações em que o indivíduo precisa de tratamento e ou medicamentos considerados de média e alta complexidade, já que, ao serem entrevistados afiram não existir problemas com relação a tratamento de farmácia básica e de atendimentos não considerados complexos. Portanto, os entrevistados se valem de instrumento jurídico hábil a compelir o agente público à prestação necessária, somente nos casos considerados complexos. Quanto aos objetivos específicos, verificou-se, seguindo o mesmo entendimento, que o Ministério Público também tem tarefa importante a desempenhar perante a sociedade, pois na condição de garante dos direitos estabelecidos na Constituição, notadamente pelo que consta no artigo 197 e no 148 artigo 127, inciso II da Constituição, pode lançar mão de instrumentos valiosos, como o inquérito civil e a ação civil pública, na busca da concretização dos direitos sociais negligenciados pelo Estado. Notou-se também que as políticas públicas de saúde têm papel fundamental para o desenvolvimento social, visto que para se garantir atendimento igualitário, justo e eficaz, é necessário que ocorra maior intervenção por parte do Estado, proporcionando o fortalecimento do SUS, sobretudo pelo incentivo da municipalização e regionalização apropriada ao atendimento, nos moldes propostos pelas NOB-SUS/1996, NOAS-SUS/2001 e NOAS-SUS/200245, que dão ênfase às ações preventivas e educativas, não só da população em geral, mas, principalmente de profissionais de saúde, indo além do modelo de atendimento meramente clínico. Deve-se salientar que o desenvolvimento do SUS, de acordo com a Constituição Federal, é de responsabilidade das três esferas de governo, de forma concorrente, respeitando suas áreas de abrangência, pois o direito universal à saúde é dever do Estado e o financiamento do sistema tem como fonte conjunta, recursos do orçamento da União, dos estados e dos municípios. Os limites para a consecução das prestações do Estado devem ser obtidos sempre considerando as políticas sociais estabelecidas, devidamente chanceladas pelos conselhos dos respectivos níveis, os planos de saúde corretamente atualizados, e a aplicação dos percentuais mínimos das verbas dos respectivos níveis, conforme o proposto pela EC 29/2000 e resolução 316 do Conselho Nacional de Saúde. Constatou-se, que as diretrizes do executivo no que se refere às políticas públicas de saúde, não estão sendo cumpridas na íntegra em nenhum dos municípios estudados. No entanto, tais políticas não estão sendo cumpridas em detrimento de que a União e o Estado não estão contribuindo de forma eficaz quanto a estruturação e a atenção nos casos de tratamento de saúde de média e alta complexidade e desta forma, não estão cumprindo com o preceito constitucional de direito a saúde como direito fundamental. Desta forma, a esfera executiva não está proporcionando a inclusão social nem favorecendo o desenvolvimento local e regional. 45 Norma Operacional da Assistência à Saúde – NOAS-SUS 01/02 (Portaria MS/GM n.º 373, de 27 de fevereiro de 2002, e regulamentação complementar). 149 Verificou-se que os Conselhos deliberativos, resultados do esforço de mobilização social e dos debates públicos, são importantes instrumentos de participação popular na elaboração das políticas públicas da saúde, possibilitando que a sociedade compartilhe com o Estado a definição de prioridades e a formulação de políticas públicas como forma de exercício da cidadania e de controle social (artigos 29, XII; 194, parágrafo único, VII; 198, III; 204, II; 206, VI; e 227, § 1º.). Os Conselhos de Políticas Públicas (conselhos setoriais) têm competências para: 1) planejamento; 2) gestão; 3) fiscalização e 4) avaliação no tocante ao princípio da eficiência (MARTINS, 2008, p. 116-117). Nesse sentido, o Poder Executivo, responsável direto pela implementação de programas de governo que visem à realização do bem comum, contam com auxílio dos Conselhos de Gestão em suas atividades no que diz respeito à elaboração das políticas públicas, sobretudo nas áreas da saúde. Tais Conselhos, que contam com a participação de diversos segmentos da sociedade (Poder Público, entidades de classe, associações, clubes de serviço), contribuem para o diagnóstico das prioridades do ente público nas áreas correspondentes aos direitos sociais, formulando projetos, encaminhando sugestões e requerimentos ao Poder Executivo no sentido de que sejam implementados (GONÇALVES, 2010). Durante a pesquisa de campo realizada nos municípios relacionados, constatou-se que os conselhos setoriais, ainda que de forma tímida, estão presentes perante a sociedade, desenvolvendo políticas públicas eficazes, por exemplo, a saúde preventiva. No mesmo sentido, os representantes das Secretarias da Saúde demonstram interesse em incentivar o planejamento de melhorias na prestação de serviços públicos de saúde a população local. Em contrapartida, analisando a relação entre direitos sociais, políticas públicas de saúde e desenvolvimento social no âmbito local, se verificou que a evolução e o cenário atual das políticas públicas mostram que, um dos pontos frágeis a ser destacado, é que o Estado se mostra insuficiente quanto aos recursos financeiros, materiais e humanos disponíveis para o bom desempenho das Secretarias, o que dificulta o cumprimento das atividades de fomento e articulação de políticas sociais. Em decorrência da insuficiência de recursos financeiros, os problemas mais comuns encontrados nos municípios estudados são: 1) filas frequentes de pessoas nos serviços de saúde; 2) falta de leitos hospitalares para atender a demanda da 150 população; 3) insuficiência de materiais; 4) falta de contratação de profissionais; 5) insuficiência de recursos para manter os serviços de saúde operando-o com eficácia e eficiência; 6) atraso no repasse dos pagamentos do Ministério da Saúde para os serviços conveniados e 7) baixos valores pagos pelo SUS aos diversos procedimentos médicos hospitalares contratados. Além disso, importante destacar que cabe à Administração Pública a função de efetivar os comandos gerais estabelecidos no ordenamento jurídico, principalmente do texto constitucional. Para que ocorra o desenvolvimento social, é necessário que o Estado siga os ditames dos princípios constitucionais e os direitos fundamentais, construindo meios de articulação entre desenvolvimento e saúde. De tal modo, o Estado permanecerá vinculado à obrigação de tornar concreto o ideal de uma nação desenvolvida e sem desigualdades sociais, tendo como desígnio a proteção à dignidade humana. Para a materialização deste fim, devem os gestores das res publica se utilizar das políticas públicas como forma de inclusão social. O Sistema Único de Saúde, é uma política pública que pode favorecer a inclusão social, no entanto, seu modelo ainda precisa ser aprimorado em vários aspectos, ofertando-o com mais quantidade e qualidade adequadas às necessidades da sociedade. Em termos gerais, apresenta-se como desafio social aos brasileiros, reconhecer que a universalização das políticas sociais é a estratégia mais indicada para eliminar as desigualdades sociais, a começar garantindo o acesso universal à saúde. Para que isso ocorra é imprescindível que as três esferas do Estado e os segmentos da sociedade civil tenham como perspectiva a consolidação da própria democracia brasileira, garantir a cidadania e a dignidade dos cidadãos, garantindo a construção de uma sociedade livre, justa e solidária, conforme determina a Constituição de 1988. Como se percebe, é preciso destacar que a proteção à saúde está sujeita, mormente, as discussões políticas e a participação da sociedade, e é o meio mais importante para garantir a melhoria da saúde no país. 151 REFERÊNCIAS AMORIM, Maria Salete Souza de; REOLON, Rodrigo. Gestão governamental e políticas públicas locais. Revista Debates, Porto Alegre, v.3, n.1, p. 126-140, jan.jun. 2009. Disponível em: <http://seer.ufrgs.br/index.php/debates/article/ viewFile/7019/5453>. Acesso em: 06 set. 2010 ANDRADE, Helena Cristina de Almeida. O redimensionamento da teoria da separação dos poderes: o papel normativo do poder judiciário no Brasil, 2008. 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