EMOÇÕES E EXPERIÊNCIAS NAS ESCOLHAS FUTURAS DE ESTUDANTES DO CURSO DE LICENCIATURA EM LETRAS Flávia Marina Moreira FERREIRA Hilda Simone Henriques COELHO UFV – Universidade Federal de Viçosa RESUMO Através de narrativas, identificamos e analisamos emoções e experiências no trajeto acadêmico de estudantes de Letras de uma Universidade Federal. As emoções foram analisadas segundo Maturana (2005) e as experiências segundo Miccoli (2010). Resultados confirmam o enlace entre experiências e emoções e suas influências nas escolhas profissionais dos estudantes. Palavras-Chave: Experiências; Emoções; Narrativas. ABSTRACT Through narratives, we identified and analyzed emotions and experiences of undergraduate students in a Language Course of a Federal University. The emotions were analyzed according to Maturana (2005) and the experiences according to Miccoli (2010). Results confirm the link between experiences and emotions and their influences in the students’ career. Keywords: Experiences; Emotions; Narratives. Revista Contexturas, n. 22, p. 178 - 196, 2014. ISSN: 0104-7485 178 Introdução A área de formação de professores de língua inglesa (doravante LI) vem sendo uma renovável fonte de pesquisas conforme apontam alguns trabalhos (MASTRELLA, 2007; MICCOLI, 2010; COELHO, 2011). Esses estudos mostram que a possibilidade de verificar a influência das experiências e emoções na vida de estudantes pode propiciá-los reflexões acerca do processo de sua formação acadêmica. Observamos que os estudos sobre emoções e experiências tem sido fonte crescente de pesquisa na área da Linguística Aplicada (LA), tanto no cenário nacional (ARAGÃO 2007; COELHO, 2010; MICCOLI, 2010; FERREIRA & COELHO, 2013) quanto internacional, (MICCOLI & SWAIN, 1994; ARNOLD, 1999; MATURANA & BUNNEL, 1999) e tem sido classificado como um dos temas mais vibrantes e complexos da área (ARAGÃO, 2008). Em pesquisa realizada em um curso de Licenciatura em Letras (Ferreira & Coelho, 2013) foi possível verificar a importância das experiências e emoções na vida acadêmica dos estudantes e por esse motivo surgiu o interesse em realizar este trabalho com o intuito de mostrar as implicações das emoções e experiências na vida profissional dos estudantes após a graduação. Há mais de uma década é possível verificarmos o aumento no número de publicações de pesquisas na área da Linguística Aplicada (LA) envolvendo experiências e/ou emoções de estudantes do curso de Licenciatura em Letras em pré-serviço (MASTRELLA, 2007; ARAGÃO, 2005, 2007; MICOLI, 2007; COELHO, 2011). O trabalho a ser apresentado dialoga com o trabalho desses pesquisadores por reconhecer a importância de estudos que investiguem experiências e emoções na vida acadêmica dos estudantes e em suas futuras escolhas profissionais. O presente trabalho é um recorte de uma pesquisa de Iniciação Científica1 cujo foco foi investigar a trajetória de aprendizagem de estudantes do sétimo período do curso de Licenciatura em Letras. Nosso objetivo foi relacionar as experiências desses estudantes durante o processo de ensino e aprendizagem na graduação com suas futuras escolhas profissionais. 1 Iniciação Científica realizada com fomento da FAPEMIG. Revista Contexturas, n. 22, p. 178 - 196, 2014. ISSN: 0104-7485 179 Aporte Teórico Nesta seção, discorremos brevemente sobre alguns trabalhos que discutem experiências e emoções de estudantes no contexto da Linguística Aplicada (LA), dentro do processo de formação de professores. Experiências As experiências de estudantes ou professores no contexto de ensino e aprendizagem de línguas vêm sendo alvo de pesquisas na LA há mais de 20 anos (MICCOLI, 1997; MICCOLI & SWAIN, 1994). Acreditamos que o ensino e a aprendizagem em sala de aula não são apenas processos de natureza cognitiva e individual, e sim processos de natureza sociocultural (MICCOLI, 2007), deste modo sofrem a intervenção de fatores externos e internos ao contexto de ensino, como por exemplo, questões referentes à vida pessoal ou às experiências anteriores de ensino vivenciadas pelos estudantes. Investigar experiências é mais do que estudar histórias individuais de estudantes ou professores, é dar sentido ao passado vivido, entender os acontecimentos diários e conhecer as escolhas futuras que os estudantes poderão realizar. As diferentes experiências podem formar um elo entre si constituindo a resposta de muitos fenômenos que acontecem dentro da sala de aula. É através das experiências vivenciadas que os estudantes e professores moldam suas ações atuais e escolhem suas ações futuras. (Miccoli, 2010). O grande objetivo, ou seja, o resultado mais cobiçado pelos pesquisadores nos estudos que envolvem experiências é propiciar aos participantes reflexões acerca das experiências vivenciadas e das atitudes que adotam dentro da sala de aula (MICCOLI, 2010), pois através da reflexão das suas ações podem se tornar mais conscientes e condizentes com o que desejam academicamente/profissionalmente. De acordo com a categorização proposta por Miccoli (op.cit.), as experiências podem ser de cunho individual, coletiva, direta ou indireta. Dentro dessas grandes categorias, outras são propostas por Miccoli (2010) a Revista Contexturas, n. 22, p. 178 - 196, 2014. ISSN: 0104-7485 180 fim de propiciar uma classificação precisa dos dados (relatos de experiências) obtidos durante a coleta de dados feita para a realização deste trabalho. Neste trabalho descreveremos as categorias de experiências observadas na análise das narrativas no momento em que apresentarmos e discutirmos os dados de nossa pesquisa. Abaixo será apresentado o referencial teórico sobre emoções utilizado como embasamento teórico para a realização deste trabalho. Emoções Assim como as experiências, as emoções também constituem um tema recorrente em pesquisas na área da LA em âmbito nacional (ARAGÃO 2007; COELHO 2011), e na área da educação em âmbito internacional (ISENBARGER & ZEMBYLAS, 2006). Desde o final da década de 80, estudos (ARNOLD, 1989; MASTRELLA, 2007) comprovam a grande influência das emoções no processo de ensino e aprendizagem de língua estrangeira. A investigação que realizamos sobre as emoções de estudantes em suas experiências de sala de aula, tem como principal aporte teórico a Biologia do Conhecer, fruto das pesquisas de Humberto Maturana e seus colaboradores. Segundo Maturana (1999), as emoções são disposições corporais que guiam o nosso domínio de ação, levando-nos a agir de determinado modo, sendo assim, nossas atitudes perante os acontecimentos diários são frutos das emoções que vivenciamos. A razão, por sua vez, é baseada em um sistema de premissas aceitas a priori, consideradas corretas e vivenciadas em um determinado grupo social, partindo de uma determinada emoção. Para o autor, “o racional se constitui nas coerências operacionais dos sistemas argumentativos que construímos na linguagem, para defender ou justificar nossas ações” (MATURANA, 1999, p. 18). De acordo com Maturana (1999), a emoção do amar é primordial para a conservação da espécie humana. O autor compreende que qualquer emoção diferente da do amar torna impossível a existência de um sistema social; toda relação que não é baseada nessa emoção não pode ser dita como um sistema social, e sim como sistema hierárquico, ou seja, um sistema onde o outro é sempre negado, sem oportunidade de existência. Para um sistema ser Revista Contexturas, n. 22, p. 178 - 196, 2014. ISSN: 0104-7485 181 considerado social é necessário conceder a liberdade, a aceitação do outro, e isto é provido apenas pela emoção do amar. Entendemos que para oferecer uma boa formação inicial aos futuros professores, é necessário manter a sala de aula em um ambiente de sistema social, onde todos os estudantes e professores possam coexistir em um mesmo ambiente e consequentemente criarem um ambiente propicio a aprendizagem. Acreditamos que, assim como a investigação das experiências pode propiciar a reflexão das ações em sala de aula, também o estudo sobre emoções pode auxiliar a tomada de consciência do papel das emoções em relação às ações no processo de aprendizagem. Em sua pesquisa, Aragão (2008) afirma que ao refletirem sobre suas histórias de aprendizagem com o pesquisador, os estudantes dão “sentido à sua experiência” e sentem-se “valorizados” (Aragão, 2008, p. 297). Nessa seção apresentamos o aporte teórico que orienta este trabalho e a seguir, discorremos sobre a metodologia, contexto e perfil dos participantes da pesquisa. Metodologia Esta pesquisa, de cunho qualitativo, adota o estudo de caso como formato metodológico, específico em sua complexidade e dinamismo (NUNAN, 1992; ANDRÉ, 1995). A metodologia escolhida também se justifica pelo fato deste estudo ter como foco de interesse um fenômeno contemporâneo que ocorre numa situação de vida real. Neste estudo, o objetivo é retratar as experiências e emoções de estudantes de Língua Inglesa vivenciadas no ambiente de formação. Contexto Este trabalho foi desenvolvido em uma Universidade Federal, localizada na Zona da Mata Mineira, com estudantes do curso de Licenciatura em Letras. Essa graduação oferece aos seus estudantes quatro habilitações, a Revista Contexturas, n. 22, p. 178 - 196, 2014. ISSN: 0104-7485 182 saber: Português/Inglês; Português/Francês; Português/Espanhol; Português/ Literatura. O curso é composto de nove períodos. Participantes Neste trabalho serão apresentados três participantes. No intuito de preservar suas identidades esses serão identificados como: Participante número I, Participante número II, Participante número III, e não com pseudônimos pois nesta pesquisa temos apenas um participante do sexo masculino. O participante Número I sempre estudou em escola pública e acredita que é impossível aprender LI naquele contexto. Além do contato com a Língua durante o ensino fundamental e médio, também estudou em um curso particular de idiomas. Na época do vestibular não tinha certeza de qual curso pretendia estudar, então optou pelo curso de Licenciatura em Letras por gostar de Português e para ter a oportunidade de continuar estudando o Inglês que vinha aprendendo no curso de idiomas. Durante o curso sempre teve uma boa interação com os colegas de classe, porém se considerava como um aluno tímido. É estagiário do CELIN2, onde atua como professor de LI. O participante número II estudou em escola pública durante o ensino fundamental e médio, onde teve o contato com a LI. O participante escolheu o curso de licenciatura em Letras por ter vontade de dar aulas. Não relatou qualquer outro tipo de experiência com a LI. O Participante número III ao ingressar no curso de Letras, já trazia consigo a crença de que não era competente linguisticamente o suficiente para interagir com os colegas em sala de aula pelo fato de ter tido contato com a LI apenas durante o ensino fundamental e médio, em uma escola pública de ensino regular. O interesse em estudar Letras adveio de uma enorme admiração que o participante tinha por uma banda americana de hard rock. Instrumentos de coleta de dados 2 Centro de Extensão em Língua Inglesa. Revista Contexturas, n. 22, p. 178 - 196, 2014. ISSN: 0104-7485 183 Para a realização deste trabalho foi utilizado como instrumento de coleta de dados narrativas escritas. A investigação por meio de narrativas é dotada de aspectos sociais, culturais, políticos e históricos. É através do contar histórias que construímos a nossa história perante a sociedade e, implicitamente, deixamos claro o nosso julgamento referente a nós mesmos e a outras pessoas. Com o uso dessa ferramenta os participantes têm suas histórias valorizadas como indivíduos e têm a oportunidade de contá-las de acordo com suas emoções e ponto de vista. Na próxima seção traremos a análise e discussão dos dados apresentados através das narrativas. Análise e discussão das Narrativas Orientados pela categorização de experiências criadas por Miccoli (2010) apresentamos as experiências observadas e categorizadas nas três narrativas escritas pelos participantes e simultaneamente, destacaremos as emoções percebidas. A fim de obtermos uma visão clara e de fácil entendimento, criamos uma tabela com a categorização das experiências destacadas e contamos com a ajuda de outra profissional da área de formação de professores, que também estuda experiências, para validação da categorização dos dados obtidos. As experiências diretas (MICCOLI, 2010), aquelas que dizem respeito ao contexto da sala de aula, encontradas nas narrativas foram as de cunho afetivo, social e as cognitivas (op.cit.). As experiências diretas afetivas, segundo Miccoli (2010), são as experiências referentes ao lado afetivo ou emocional dos estudantes e professores. Abrangem os sentimentos negativos ou positivos, a motivação em sala de aula, a autoestima, as atitudes dos professores e as estratégias afetivas. Estas podem ser observadas nos seguintes excertos: ‘(...) pois gostava da maioria dos meus professores’ (Participante Número I; excerto I) Revista Contexturas, n. 22, p. 178 - 196, 2014. ISSN: 0104-7485 184 ‘pois eu sempre gostei de português e queria dar continuidade no inglês que tinha começado no cursinho’(Participante Número I; excerto II) ‘É claro que, tenho muito o que agradecer a muitos professores do departamento que me incentivaram e mostraram o quanto eu era capaz.’ (Participante Número II; excerto III) ‘Mesmo com todas essas experiências positivas eu passei por uma situação muito traumática durante a minha formação em língua inglesa’. (Participante Número II; excerto IV) Nos excertos expostos acima, retirados das narrativas dos Participantes Número I e II, é possível percebermos experiências afetivas de sentimentos em relação aos professores do curso de Letras que os participantes conviveram durante a graduação. Segundo Miccoli (2010), as experiências são um grande marco tanto na vida pessoal como profissional do professor, ou do estudante em formação, e o fato do participante gostar e possuir um bom relacionamento com os professores pode se apresentar como um fator de relação direta com o desenvolvimento do estudante dentro do curso. Nos dois primeiros excertos expostos verificamos que os participantes agregam emoções positivas em relação aos professores, e um participante, inclusive, exalta gratidão aos professores que o incentivaram durante o curso. No último excerto apresentando pelo Participante Número II notamos o relato de uma experiência negativa vivenciada com um professor de Língua Inglesa, que segundo o próprio participante, teve grande repercussão negativa em sua formação acadêmica durante o curso. Esta experiência se tornou um fator desestimulante para o participante em relação à graduação, o que reafirma a importância que o professor possui na formação de seus estudantes. O excerto número II, trazido pelo participante número II, diferentemente dos outros participantes apresentados, além de citar experiências afetivas em relação aos professores, apresenta também uma relação de afetividade com a Língua Portuguesa. Através do excerto apresentado podemos verificar que o participante não escolheu a habilitação Inglês/Português pelo gosto pela LI já que este não foi o fator decisivo em sua escolha. Outro fator intrigante neste excerto é o participante mencionar que Revista Contexturas, n. 22, p. 178 - 196, 2014. ISSN: 0104-7485 185 queria dar continuidade ao Inglês que estava aprendendo no cursinho. Este discurso é extremamente comum entre os estudantes de Licenciatura em Letras, o que é um grande fator desmotivador já que os alunos ingressam no curso acreditando que irão ter aulas de LI como se tivessem em um cursinho, esquecendo-se de que o curso não é voltado apenas para a aprendizagem de LI, e sim para a formação de professores na área e com isso terão que cursar disciplinas referentes à didática, à educação, à prática docente e terão que conviver em uma sala heterogênea com alunos de diferentes níveis de competência linguística já que o foco está na formação do professor de LI e não na uniformização linguística de determinado grupo de estudantes. Bem como o relacionamento entre professores e estudantes, os participantes citaram também o relacionamento entre os colegas em sala de aula. ‘superiores á mim, por achar que eles sabiam mais, eram mais inteligentes, tudo isso aliado á uma enorme timidez que influenciou para tornar um início que já não seria fácil ainda mais complicado. Atualmente me sinto mais amadurecido e consigo assimilar as dificuldades de uma maneira que me prejudique menos (Participante Número III; excerto V) O excerto trazido pelo Participante Número III expõe um problema relatado por outros participantes durante a pesquisa: a heterogeneidade linguística. O Participante se sentia inferior aos outros estudantes presentes em sala de aula pelo fato de não ter tido experiências linguísticas semelhantes à maioria dos colegas, como cursos de idiomas ou intercâmbios. É possível percebermos que esta emoção de inferioridade, pelo fato de não ter sido refletida e trabalhada juntamente com o participante, deixou marcas em sua formação acadêmica. Isto pode ser exemplificado através do último excerto exposto acima, em que o participante alega conseguir assimilar as dificuldades de uma maneira em que o prejudique menos, deixando evidente que este ainda sofre pela diferença de experiências linguísticas entre os colegas em sala de aula, mesmo após oito semestres de formação. Revista Contexturas, n. 22, p. 178 - 196, 2014. ISSN: 0104-7485 186 Maturana (2005), através de suas reflexões acerca das relações humanas, afirma que é impossível viver uma relação social perante a exclusão do outro. Como pode ser observado no excerto V do participante Número III, pode-se dizer que falta neste contexto de aprendizagem um ambiente interativo e acolhedor, onde os alunos consigam conviver (e aprender) de modo efetivo. A segunda categoria de experiências identificadas nas narrativas, segundo a categorização de experiências de Miccoli (2010) são as experiências diretas, de cunho social. As experiências diretas sociais são aquelas que enfatizam o lado social da sala de aula. Abrangem as relações entre colegas, às tensões entre professores e estudantes, como os estudantes se vêm no papel de aprendizes da língua, como lidam com a competição existente entre alunos dentro da sala de aula, como é a interação entre diferentes grupos de colegas e como o professor se vê no papel que representa (op.cit.). Essa experiência é encontrada no excerto abaixo: ‘Desde o início sempre tive uma boa relação com os colegas e professores’. (Participante Número I; excerto VI) ‘Em relação aos colegas de curso, quando iniciei os estudos me sentia muito incomodado com eles’. (Participante Número III; excerto VII) Corroborando a definição de Miccoli (2010) sobre experiências sociais, neste tipo de experiências os participantes relatam sobre seus relacionamentos com os colegas e professores em sala de aula, como pode ser observado nos dois excertos acima, retirados das narrativas de dois participantes diferentes. O excerto VII apresenta uma experiência direta social de interação e relações interpessoais em sala de aula entre estudantes e professores, e através do relato é possível notarmos que o participante descreve seu relacionamento com professores e colegas como positivo, o que Revista Contexturas, n. 22, p. 178 - 196, 2014. ISSN: 0104-7485 187 pode ser considerado como um fator de grande valia e motivação ao processo de ensino e aprendizagem. No excerto VIII, também referente ao relacionamento com os colegas em sala de aula, percebemos outro tipo de relacionamento existente; verificamos uma relação de incômodo entre o participante e os outros colegas em sala de aula. Novamente o Participante III alegou se sentir incomodado com a heterogeneidade linguística. Isto afirma que é difícil existir uma relação saudável em um ambiente onde existam emoções de competição ou insatisfação em relação ao outro (MATURANA, 2005). Nos próximos excertos a serem expostos são mencionados pelos participantes os relacionamentos sociais com os professores durante a graduação. É percebido que estes relacionamentos possuem como característica principal a presença de emoções marcantes na vida acadêmica dos estudantes. ‘Mesmo com todas essas experiências positivas eu passei por uma situação muito traumática durante a minha formação em língua inglesa. Enfrentei um professor extremamente grosseiro e sem ética nenhuma (...)’ (Participante Número II; excerto VIII). ‘me humilhou e ridicularizou em diversos momentos e em inúmeras oportunidades’ (Participante Número II; excerto IX). Em relação às experiências sociais envolvendo professores, destacamos o Participante Número II, pelo fato deste ter exposto em sua narrativa momentos de tensão vividos com um professor de LI, que de acordo com o relato do próprio estudante, teve influência e repercussão negativa em suas experiências e emoções relacionadas à vida acadêmica e desenvolvimento linguístico dentro do curso. A seguir, apresentam-se as experiências diretas cognitivas, segundo a categorização proposta pela categorização de Miccoli (2010), vividas pelos estudantes participantes desta pesquisa durante a graduação de acordo com os Revista Contexturas, n. 22, p. 178 - 196, 2014. ISSN: 0104-7485 188 seus relatos. Segundo Miccoli (op.cit.), as experiências diretas cognitivas são as experiências referentes ao processo de ensino e aprendizagem dentro da sala de aula, ao entendimento dos objetivos propostos por um professor durante uma atividade, à percepção do próprio desempenho nas atividades propostas e também, referem-se às estratégias de aprendizagem utilizadas em sala de aula pelos estudantes para a aprendizagem. Esse tipo de experiência pode ser observado nos excertos abaixo, que apresentam as experiências cognitivas anteriores ao ingresso dos estudantes na graduação: ‘Não posso dizer que aprendi só o verbo to be nessa trajetória’ (Participante Número I; excerto X) ‘mas realmente o ensino era bem limitado por diversos fatores que estamos cansados de saber’ (Participante Número I; excerto XI) Nos dois primeiros excertos expostos, o Participante Número I relata sua experiência com a Língua Inglesa em ambiente escolar e tece alguns comentários com relação ao ensino de LI. Verificamos que o participante carrega certo tipo de descrença e desmotivação em relação à rede pública de ensino. Nos excertos abaixo é possível notarmos o processo de reflexão cognitiva realizada pelos participantes referente ao processo de ensino e aprendizagem e evolução linguística durante o curso. ‘no último ano notei que houve uma melhora, principalmente depois que comecei a dar aulas.’ (Participante Número I; excerto XII) As disciplinas de literatura ajudam muito nas habilidades, em especial leitura e escrita’. (Participante Número I; excerto XIII) Revista Contexturas, n. 22, p. 178 - 196, 2014. ISSN: 0104-7485 189 Nos dois excertos acima o participante I fala sobre o desenvolvimento linguístico durante o curso, afirmando que após a oportunidade de estágio como professora de LI no CELIN, passou a se considerar melhor em proficiência linguística. Notamos ao decorrer do estudo que o CELIN funciona como um grande apoio aos estudantes da habilitação Port/Ing, pois entendem o CELIN como uma oportunidade de prática e alegam que o fato de dar aulas neste espaço contribui de modo significativo para construírem suas identidades como professores. Outro fato interessante em relação à aprendizagem de LI é que os estudantes citam o suporte linguístico que é oferecido através da literatura. Ao analisar as próprias experiências cognitivas, os estudantes conseguem se inteirar de como está a própria aprendizagem e analisar as melhores maneiras que conseguem aprender, e possivelmente, ao lecionar no futuro, terão grande facilidade para entender o processo de ensino e aprendizagem da LI de seus estudantes. Esse fato corrobora Aragão (2008) que argumenta que o estudante capaz de refletir sobre a própria aprendizagem e sobre a própria prática será capaz de lecionar melhor para seus futuros alunos. Nos próximos excertos, o participante número II revela sua opinião acerca do curso de Licenciatura em Letras e o conhecimento oferecido aos estudantes durante a graduação. Esta reflexão se enquadra também em uma experiência de cunho cognitivo, segundo Miccoli (2010). ‘acredito que ainda falta bastante para que os alunos tenham aquele conhecimento que acreditamos que iremos adquirir quando entramos para o curso de letras’. (Participante Número II; excerto XIV) ‘Talvez ainda falte estrutura profissional e física, motivação aos estudantes e mais relação entre professores, alunos, departamento’. (Participante Número II; excerto XV) Nos excertos XVI e XVII o participante revela aspectos que acredita serem falhos dentro do curso e que possuem ligação direta com alguns Revista Contexturas, n. 22, p. 178 - 196, 2014. ISSN: 0104-7485 190 quesitos importantes para a formação dos estudantes como futuros professores. Podemos observar que o participante cita o fator motivacional, a relação entre professores, alunos e a universidade, além da estrutura física oferecida pelo curso. Corroborando as ideias defendidas por Barcelos (2004) em relação à influência das crenças na formação de professores, acreditamos que, se os alunos cultivam a ideia de que a formação obtida durante a graduação não é de qualidade e possui alguns déficits, pode levá-los, como futuro professores a se sentirem inferiorizados em relação à formação. Barcelos (op.cit.) afirma que as crenças cultivadas são tidas como teorias verdadeiras na vida de cada indivíduo que as cultiva e indiferente da veracidade do fato, são tidas como um fato. As experiências indiretas observadas nas narrativas foram as experiências pessoais, futuras e conceptuais, de acordo com a categorização proposta por Miccoli (2010). As experiências indiretas se caracterizam por não serem oriundas especificamente do contexto de sala de aula, ou seja, serem derivadas de aspectos extraclasses, como por exemplo, condições sociais, planos futuros e crenças em relação ao ensino e aprendizagem. As experiências indiretas pessoais englobam diferentes aspectos referentes à vida dos estudantes, como nível socioeconômico, experiências de trabalho e estudo e experiências de aprendizagem anteriores ao ingresso na universidade. Estas podem ser observadas abaixo nos excertos retirados das narrativas dos estudantes: ‘Chegou a hora do vestibular e eu ainda não tinha certeza do que queria.’ (Participante Número I; excerto XVI) ‘Fiz inscrição no vestibular (...) para Letras, pois eu sempre gostei de português e queria dar continuidade no inglês que tinha começado no cursinho’. (Participante Número I; excerto XVII) ‘Então optei por fazer Letras devido a diversos fatores, dentre eles o fato de ser em uma Universidade Federal’. (Participante Número I; excerto XVIII) Revista Contexturas, n. 22, p. 178 - 196, 2014. ISSN: 0104-7485 191 Notamos nos excertos da narrativa do participante I que este já não cultivava o desejo de lecionar antes de entrar no curso; é possível verificarmos que o participante não sabia ao certo o curso ao qual desejava se dedicar durante a graduação e então optou pelo curso de Licenciatura em Letras pelo fato de ter sido aprovado em uma Universidade Federal. Verificamos que, geralmente, quando o aluno entra no curso sem o desejo da docência é necessário um grande suporte emocional, motivacional e linguístico para que este aluno passe a se interessar pela profissão e se encontre dentro do curso (FERREIRA & COELHO, 2013). Porém, sabemos que as experiências podem moldar e modificar os anseios de qualquer aprendiz durante o curso (op.cit.). pessoal ou acadêmico dos estudantes. Abaixo, o Participante I revela suas As experiências indiretas futuras são aquelas que abrangem os desejos, vontades, crenças e anseios futuros, sejam elas à nível profissional, intenções futuras após se formar. ‘Não tenho certeza se quero continuar dando aula (...) com certeza tentarei fazer um mestrado para conseguir algo melhor’’. (Participante Número I; excerto XX) ‘Caso eu desista, acho que vou começar outra faculdade assim que me formar (...) mas ainda estou muito incerto do que fazer’. (Participante Número I; excerto XXI) Através dos excertos expostos verificamos que um dos estudantes participantes desta pesquisa revela, mesmo após oito semestres de formação, que não tem certeza se deseja dar aulas após se formar e cogita a possibilidade de até mesmo cursar outra faculdade. Outro ponto intrigante que um dos participantes revela é o fato de classificar a área acadêmica (‘mestrado’) como superior à área docente; esta é uma crença comum, já expostas em outros estudos (COELHO, 2005) e que desvaloriza, indiretamente, a profissão Revista Contexturas, n. 22, p. 178 - 196, 2014. ISSN: 0104-7485 192 docente, já que fica implícito que os melhores profissionais (proficiência linguística ou bom desenvolvimento acadêmico durante a graduação) seguem a carreira acadêmica. Esta valorização da carreira acadêmica em detrimento da carreira docente se dá pelo fato de existirem políticas públicas que oferecem melhor valorização (salarial) aos professores universitários do que os profissionais que se dedicam aos estudantes do ensino fundamental e médio. Esta situação é tão nítida que os futuros professores antes mesmo de estarem em serviço, já fazem diferenciação em relação à área que desejam seguir na carreira docente, apenas se baseando em suas experiências de ensino regular, sem de fato, experimentar a profissão. As experiências indiretas conceptuais são aquelas que abrangem as crenças e ideais dos estudantes referentes ao processo de ensino e aprendizagem de LI, bem como em relação aos professores da área. Essa categoria de experiência pode ser observada no excerto a seguir retirado da narrativa do Participante II: ‘sem ética nenhuma (fatos que, para mim, devem ser de primeira grandeza para um profissional da educação)’. (Participante Número II; excerto XXII) Através do excerto é possível verificarmos que o estudante cultiva a crença do que deve ser um bom professor que é um educador com valores éticos. Miccoli (2010) e Barcelos (2004) afirmam que as crenças moldam o ser humano, o que nos faz inferir que o estudante possivelmente atuará profissionalmente de acordo com o que considera ideal e através das experiências vivenciadas. Na próxima seção teceremos algumas considerações acerca dos dados demonstrados neste trabalho. Considerações Revista Contexturas, n. 22, p. 178 - 196, 2014. ISSN: 0104-7485 193 Em relação ao ingresso no curso de Letras, as narrativas revelaram que alguns estudantes, antes mesmo de iniciarem os estudos na Universidade, já demonstram despreparo em relação à escolha do curso de Licenciatura, pois muitas vezes decidem o curso superior a ser estudado durante a graduação apenas por falta de oportunidade de estudar outro curso, como o caso do Participante I, por exemplo. É notório, também, que muitos alunos ingressam no curso de Licenciatura em Letras por gostarem de uma língua estrangeira em específico, e acabam se frustrando ao decorrer do curso, pelo fato de terem que estudar disciplinas relativas ao sistema educacional ou à prática docente. Apesar de observarmos que muitas vezes a escolha pelo curso de Licenciatura em Letras é realizada de modo precoce pelos estudantes, podemos verificar também que em alguns casos as experiências e emoções vivenciadas durante os sete primeiros semestres de graduação no curso onde este estudo foi realizado, parecem não colaborar de modo satisfatório para que os estudantes possam fazer futuras escolhas profissionais conscientemente. Isso pode ser verificado pelo fato dos estudantes demonstrarem dúvidas sobre a profissão que desejam seguir, mesmo nos últimos semestres da graduação, almejando fazer outros cursos. Outros instrumentos estão sendo aplicados para melhor verificação de como os estudantes fazem suas escolhas futuras ao longo do curso de Licenciatura em Letras. Até o presente momento, o estudo aponta para a necessidade de práticas reflexivas sobre as experiências e emoções vivenciadas a fim de não permitir que uma experiência ocorrida ou uma emoção negativa atrapalhe a carreira do estudante dentro do curso. Sugestões para pesquisas futuras Com base no estudo realizado, acreditamos que existe a necessidade de se estudar as oportunidades que estão sendo oferecidas no curso de Licenciatura em Letras pelos professores formadores a fim de ajudar os estudantes a traçarem seus perfis profissionais com ênfase na docência. Além dos estudos relativos à identidade dos estudantes como futuros professores, nota-se a grande necessidade de observar como as emoções vivenciadas durante o curso são trabalhadas e refletidas pelos estudantes juntamente com seus formadores. Isto poderia auxiliar os estudantes e evitar Revista Contexturas, n. 22, p. 178 - 196, 2014. ISSN: 0104-7485 194 que estes sofram experiências que os marquem negativamente e os façam mudar suas escolhas profissionais. Outra sugestão é continuar pesquisando o perfil dos estudantes que estão ingressando no curso de Licenciatura em Letras para verificarmos suas expectativas e emoções em relação ao curso, aproximando a realidade às expectativas dos alunos. Referência Bibliográfica ANDRÉ, M.E.D.A. Etnografia da Prática Escolar . Papirus Editora, 1995. ARAGÃO, R. Cognição, emoção e reflexão na sala de aula: por uma abordagem sistêmica do ensino/aprendizagem de inglês. Revista Brasileira de Linguística Aplicada, v.5, n.2, p.101-120, 2005. ARAGÃO, R. C. São as histórias que nos dizem mais: emoção, reflexão e ação na sala de aula. Tese de doutorado. FALE/UFMG. Belo Horizonte, 2007. ARAGÃO, R. C. Emoções e pesquisa narrativa: transformando experiências de aprendizagem. 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