EMOÇÕES E EXPERIÊNCIAS NAS ESCOLHAS FUTURAS DE
ESTUDANTES DO CURSO DE LICENCIATURA EM LETRAS
Flávia Marina Moreira FERREIRA
Hilda Simone Henriques COELHO
UFV – Universidade Federal de Viçosa
RESUMO
Através de narrativas, identificamos e analisamos emoções e experiências no trajeto
acadêmico de estudantes de Letras de uma Universidade Federal. As emoções foram
analisadas segundo Maturana (2005) e as experiências segundo Miccoli (2010).
Resultados confirmam o enlace entre experiências e emoções e suas influências nas
escolhas profissionais dos estudantes.
Palavras-Chave: Experiências; Emoções; Narrativas.
ABSTRACT
Through narratives, we identified and analyzed emotions and experiences of
undergraduate students in a Language Course of a Federal University. The emotions
were analyzed according to Maturana (2005) and the experiences according to
Miccoli (2010). Results confirm the link between experiences and emotions and their
influences in the students’ career.
Keywords: Experiences; Emotions; Narratives.
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Introdução
A área de formação de professores de língua inglesa (doravante LI)
vem sendo uma renovável fonte de pesquisas conforme apontam alguns
trabalhos (MASTRELLA, 2007; MICCOLI, 2010; COELHO, 2011). Esses
estudos mostram que a possibilidade de verificar a influência das experiências
e emoções na vida de estudantes pode propiciá-los reflexões acerca do
processo de sua formação acadêmica.
Observamos que os estudos sobre emoções e experiências tem sido
fonte crescente de pesquisa na área da Linguística Aplicada (LA), tanto no
cenário nacional (ARAGÃO 2007; COELHO, 2010; MICCOLI, 2010;
FERREIRA & COELHO, 2013) quanto internacional, (MICCOLI & SWAIN,
1994; ARNOLD, 1999; MATURANA & BUNNEL, 1999) e tem sido
classificado como um dos temas mais vibrantes e complexos da área
(ARAGÃO, 2008).
Em pesquisa realizada em um curso de Licenciatura em Letras
(Ferreira & Coelho, 2013) foi possível verificar a importância das
experiências e emoções na vida acadêmica dos estudantes e por esse motivo
surgiu o interesse em realizar este trabalho com o intuito de mostrar as
implicações das emoções e experiências na vida profissional dos estudantes
após a graduação.
Há mais de uma década é possível verificarmos o aumento no número
de publicações de pesquisas na área da Linguística Aplicada (LA) envolvendo
experiências e/ou emoções de estudantes do curso de Licenciatura em Letras
em pré-serviço (MASTRELLA, 2007; ARAGÃO, 2005, 2007; MICOLI,
2007; COELHO, 2011). O trabalho a ser apresentado dialoga com o trabalho
desses pesquisadores por reconhecer a importância de estudos que
investiguem experiências e emoções na vida acadêmica dos estudantes e em
suas futuras escolhas profissionais.
O presente trabalho é um recorte de uma pesquisa de Iniciação
Científica1 cujo foco foi investigar a trajetória de aprendizagem de estudantes
do sétimo período do curso de Licenciatura em Letras. Nosso objetivo foi
relacionar as experiências desses estudantes durante o processo de ensino e
aprendizagem na graduação com suas futuras escolhas profissionais.
1
Iniciação Científica realizada com fomento da FAPEMIG.
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Aporte Teórico
Nesta seção, discorremos brevemente sobre alguns trabalhos que
discutem experiências e emoções de estudantes no contexto da Linguística
Aplicada (LA), dentro do processo de formação de professores.
Experiências
As experiências de estudantes ou professores no contexto de ensino e
aprendizagem de línguas vêm sendo alvo de pesquisas na LA há mais de 20
anos (MICCOLI, 1997; MICCOLI & SWAIN, 1994). Acreditamos que o
ensino e a aprendizagem em sala de aula não são apenas processos de
natureza cognitiva e individual, e sim processos de natureza sociocultural
(MICCOLI, 2007), deste modo sofrem a intervenção de fatores externos e
internos ao contexto de ensino, como por exemplo, questões referentes à vida
pessoal ou às experiências anteriores de ensino vivenciadas pelos estudantes.
Investigar experiências é mais do que estudar histórias individuais de
estudantes ou professores, é dar sentido ao passado vivido, entender os
acontecimentos diários e conhecer as escolhas futuras que os estudantes
poderão realizar. As diferentes experiências podem formar um elo entre si
constituindo a resposta de muitos fenômenos que acontecem dentro da sala de
aula. É através das experiências vivenciadas que os estudantes e professores
moldam suas ações atuais e escolhem suas ações futuras. (Miccoli, 2010).
O grande objetivo, ou seja, o resultado mais cobiçado pelos
pesquisadores nos estudos que envolvem experiências é propiciar aos
participantes reflexões acerca das experiências vivenciadas e das atitudes que
adotam dentro da sala de aula (MICCOLI, 2010), pois através da reflexão das
suas ações podem se tornar mais conscientes e condizentes com o que
desejam academicamente/profissionalmente.
De acordo com a categorização proposta por Miccoli (op.cit.), as
experiências podem ser de cunho individual, coletiva, direta ou indireta.
Dentro dessas grandes categorias, outras são propostas por Miccoli (2010) a
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fim de propiciar uma classificação precisa dos dados (relatos de experiências)
obtidos durante a coleta de dados feita para a realização deste trabalho.
Neste trabalho descreveremos as categorias de experiências
observadas na análise das narrativas no momento em que apresentarmos e
discutirmos os dados de nossa pesquisa.
Abaixo será apresentado o referencial teórico sobre emoções utilizado como
embasamento teórico para a realização deste trabalho.
Emoções
Assim como as experiências, as emoções também constituem um
tema recorrente em pesquisas na área da LA em âmbito nacional (ARAGÃO
2007; COELHO 2011), e na área da educação em âmbito internacional
(ISENBARGER & ZEMBYLAS, 2006). Desde o final da década de 80,
estudos (ARNOLD, 1989; MASTRELLA, 2007) comprovam a grande
influência das emoções no processo de ensino e aprendizagem de língua
estrangeira.
A investigação que realizamos sobre as emoções de estudantes em
suas experiências de sala de aula, tem como principal aporte teórico a
Biologia do Conhecer, fruto das pesquisas de Humberto Maturana e seus
colaboradores. Segundo Maturana (1999), as emoções são disposições
corporais que guiam o nosso domínio de ação, levando-nos a agir de
determinado modo, sendo assim, nossas atitudes perante os acontecimentos
diários são frutos das emoções que vivenciamos. A razão, por sua vez, é
baseada em um sistema de premissas aceitas a priori, consideradas corretas e
vivenciadas em um determinado grupo social, partindo de uma determinada
emoção. Para o autor, “o racional se constitui nas coerências operacionais dos
sistemas argumentativos que construímos na linguagem, para defender ou
justificar nossas ações” (MATURANA, 1999, p. 18).
De acordo com Maturana (1999), a emoção do amar é primordial para
a conservação da espécie humana. O autor compreende que qualquer emoção
diferente da do amar torna impossível a existência de um sistema social; toda
relação que não é baseada nessa emoção não pode ser dita como um sistema
social, e sim como sistema hierárquico, ou seja, um sistema onde o outro é
sempre negado, sem oportunidade de existência. Para um sistema ser
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considerado social é necessário conceder a liberdade, a aceitação do outro, e
isto é provido apenas pela emoção do amar.
Entendemos que para oferecer uma boa formação inicial aos futuros
professores, é necessário manter a sala de aula em um ambiente de sistema
social, onde todos os estudantes e professores possam coexistir em um mesmo
ambiente e consequentemente criarem um ambiente propicio a aprendizagem.
Acreditamos que, assim como a investigação das experiências pode
propiciar a reflexão das ações em sala de aula, também o estudo sobre
emoções pode auxiliar a tomada de consciência do papel das emoções em
relação às ações no processo de aprendizagem. Em sua pesquisa, Aragão
(2008) afirma que ao refletirem sobre suas histórias de aprendizagem com o
pesquisador, os estudantes dão “sentido à sua experiência” e sentem-se
“valorizados” (Aragão, 2008, p. 297).
Nessa seção apresentamos o aporte teórico que orienta este trabalho e
a seguir, discorremos sobre a metodologia, contexto e perfil dos participantes
da pesquisa.
Metodologia
Esta pesquisa, de cunho qualitativo, adota o estudo de caso como
formato metodológico, específico em sua complexidade e dinamismo
(NUNAN, 1992; ANDRÉ, 1995). A metodologia escolhida também se
justifica pelo fato deste estudo ter como foco de interesse um fenômeno
contemporâneo que ocorre numa situação de vida real. Neste estudo, o
objetivo é retratar as experiências e emoções de estudantes de Língua Inglesa
vivenciadas no ambiente de formação.
Contexto
Este trabalho foi desenvolvido em uma Universidade Federal,
localizada na Zona da Mata Mineira, com estudantes do curso de Licenciatura
em Letras. Essa graduação oferece aos seus estudantes quatro habilitações, a
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saber: Português/Inglês; Português/Francês; Português/Espanhol; Português/
Literatura. O curso é composto de nove períodos.
Participantes
Neste trabalho serão apresentados três participantes. No intuito de
preservar suas identidades esses serão identificados como: Participante
número I, Participante número II, Participante número III, e não com
pseudônimos pois nesta pesquisa temos apenas um participante do sexo
masculino.
O participante Número I sempre estudou em escola pública e acredita
que é impossível aprender LI naquele contexto. Além do contato com a
Língua durante o ensino fundamental e médio, também estudou em um curso
particular de idiomas. Na época do vestibular não tinha certeza de qual curso
pretendia estudar, então optou pelo curso de Licenciatura em Letras por gostar
de Português e para ter a oportunidade de continuar estudando o Inglês que
vinha aprendendo no curso de idiomas. Durante o curso sempre teve uma boa
interação com os colegas de classe, porém se considerava como um aluno
tímido. É estagiário do CELIN2, onde atua como professor de LI.
O participante número II estudou em escola pública durante o ensino
fundamental e médio, onde teve o contato com a LI. O participante escolheu o
curso de licenciatura em Letras por ter vontade de dar aulas. Não relatou
qualquer outro tipo de experiência com a LI.
O Participante número III ao ingressar no curso de Letras, já trazia
consigo a crença de que não era competente linguisticamente o suficiente para
interagir com os colegas em sala de aula pelo fato de ter tido contato com a LI
apenas durante o ensino fundamental e médio, em uma escola pública de
ensino regular. O interesse em estudar Letras adveio de uma enorme
admiração que o participante tinha por uma banda americana de hard rock.
Instrumentos de coleta de dados
2
Centro de Extensão em Língua Inglesa.
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Para a realização deste trabalho foi utilizado como instrumento de
coleta de dados narrativas escritas.
A investigação por meio de narrativas é dotada de aspectos sociais,
culturais, políticos e históricos. É através do contar histórias que construímos
a nossa história perante a sociedade e, implicitamente, deixamos claro o nosso
julgamento referente a nós mesmos e a outras pessoas. Com o uso dessa
ferramenta os participantes têm suas histórias valorizadas como indivíduos e
têm a oportunidade de contá-las de acordo com suas emoções e ponto de vista.
Na próxima seção traremos a análise e discussão dos dados
apresentados através das narrativas.
Análise e discussão das Narrativas
Orientados pela categorização de experiências criadas por Miccoli
(2010) apresentamos as experiências observadas e categorizadas nas três
narrativas escritas pelos participantes e simultaneamente, destacaremos as
emoções percebidas. A fim de obtermos uma visão clara e de fácil
entendimento, criamos uma tabela com a categorização das experiências
destacadas e contamos com a ajuda de outra profissional da área de formação
de professores, que também estuda experiências, para validação da
categorização dos dados obtidos.
As experiências diretas (MICCOLI, 2010), aquelas que dizem respeito
ao contexto da sala de aula, encontradas nas narrativas foram as de cunho
afetivo, social e as cognitivas (op.cit.).
As experiências diretas afetivas, segundo Miccoli (2010), são as
experiências referentes ao lado afetivo ou emocional dos estudantes e
professores. Abrangem os sentimentos negativos ou positivos, a motivação
em sala de aula, a autoestima, as atitudes dos professores e as estratégias
afetivas. Estas podem ser observadas nos seguintes excertos:
‘(...) pois gostava da maioria dos meus professores’
(Participante Número I; excerto I)
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‘pois eu sempre gostei de português e queria dar
continuidade no inglês que tinha começado no
cursinho’(Participante Número I; excerto II)
‘É claro que, tenho muito o que agradecer a muitos
professores do departamento que me incentivaram e
mostraram o quanto eu era capaz.’ (Participante
Número II; excerto III)
‘Mesmo com todas essas experiências positivas eu
passei por uma situação muito traumática durante a
minha formação em língua inglesa’. (Participante
Número II; excerto IV)
Nos excertos expostos acima, retirados das narrativas dos
Participantes Número I e II, é possível percebermos experiências afetivas de
sentimentos em relação aos professores do curso de Letras que os
participantes conviveram durante a graduação. Segundo Miccoli (2010), as
experiências são um grande marco tanto na vida pessoal como profissional do
professor, ou do estudante em formação, e o fato do participante gostar e
possuir um bom relacionamento com os professores pode se apresentar como
um fator de relação direta com o desenvolvimento do estudante dentro do
curso. Nos dois primeiros excertos expostos verificamos que os participantes
agregam emoções positivas em relação aos professores, e um participante,
inclusive, exalta gratidão aos professores que o incentivaram durante o curso.
No último excerto apresentando pelo Participante Número II notamos
o relato de uma experiência negativa vivenciada com um professor de Língua
Inglesa, que segundo o próprio participante, teve grande repercussão negativa
em sua formação acadêmica durante o curso. Esta experiência se tornou um
fator desestimulante para o participante em relação à graduação, o que
reafirma a importância que o professor possui na formação de seus estudantes.
O excerto número II, trazido pelo participante número II,
diferentemente dos outros participantes apresentados, além de citar
experiências afetivas em relação aos professores, apresenta também uma
relação de afetividade com a Língua Portuguesa. Através do excerto
apresentado podemos verificar que o participante não escolheu a habilitação
Inglês/Português pelo gosto pela LI já que este não foi o fator decisivo em sua
escolha. Outro fator intrigante neste excerto é o participante mencionar que
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queria dar continuidade ao Inglês que estava aprendendo no cursinho. Este
discurso é extremamente comum entre os estudantes de Licenciatura em
Letras, o que é um grande fator desmotivador já que os alunos ingressam no
curso acreditando que irão ter aulas de LI como se tivessem em um cursinho,
esquecendo-se de que o curso não é voltado apenas para a aprendizagem de
LI, e sim para a formação de professores na área e com isso terão que cursar
disciplinas referentes à didática, à educação, à prática docente e terão que
conviver em uma sala heterogênea com alunos de diferentes níveis de
competência linguística já que o foco está na formação do professor de LI e
não na uniformização linguística de determinado grupo de estudantes.
Bem como o relacionamento entre professores e estudantes, os
participantes citaram também o relacionamento entre os colegas em sala de
aula.
‘superiores á mim, por achar que eles sabiam mais,
eram mais inteligentes, tudo isso aliado á uma
enorme timidez que influenciou para tornar um
início que já não seria fácil ainda mais complicado.
Atualmente me sinto mais amadurecido e consigo
assimilar as dificuldades de uma maneira que me
prejudique menos (Participante Número III; excerto
V)
O excerto trazido pelo Participante Número III expõe um problema
relatado por outros participantes durante a pesquisa: a heterogeneidade
linguística. O Participante se sentia inferior aos outros estudantes presentes
em sala de aula pelo fato de não ter tido experiências linguísticas semelhantes
à maioria dos colegas, como cursos de idiomas ou intercâmbios. É possível
percebermos que esta emoção de inferioridade, pelo fato de não ter sido
refletida e trabalhada juntamente com o participante, deixou marcas em sua
formação acadêmica. Isto pode ser exemplificado através do último excerto
exposto acima, em que o participante alega conseguir assimilar as
dificuldades de uma maneira em que o prejudique menos, deixando evidente
que este ainda sofre pela diferença de experiências linguísticas entre os
colegas em sala de aula, mesmo após oito semestres de formação.
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Maturana (2005), através de suas reflexões acerca das relações
humanas, afirma que é impossível viver uma relação social perante a exclusão
do outro. Como pode ser observado no excerto V do participante Número III,
pode-se dizer que falta neste contexto de aprendizagem um ambiente
interativo e acolhedor, onde os alunos consigam conviver (e aprender) de
modo efetivo.
A segunda categoria de experiências identificadas nas narrativas,
segundo a categorização de experiências de Miccoli (2010) são as
experiências diretas, de cunho social. As experiências diretas sociais são
aquelas que enfatizam o lado social da sala de aula. Abrangem as relações
entre colegas, às tensões entre professores e estudantes, como os estudantes se
vêm no papel de aprendizes da língua, como lidam com a competição
existente entre alunos dentro da sala de aula, como é a interação entre
diferentes grupos de colegas e como o professor se vê no papel que representa
(op.cit.). Essa experiência é encontrada no excerto abaixo:
‘Desde o início sempre tive uma boa relação com os
colegas e professores’. (Participante Número I;
excerto VI)
‘Em relação aos colegas de curso, quando iniciei os
estudos me sentia muito incomodado com eles’.
(Participante Número III; excerto VII)
Corroborando a definição de Miccoli (2010) sobre experiências
sociais, neste tipo de experiências os participantes relatam sobre seus
relacionamentos com os colegas e professores em sala de aula, como pode ser
observado nos dois excertos acima, retirados das narrativas de dois
participantes diferentes. O excerto VII apresenta uma experiência direta social
de interação e relações interpessoais em sala de aula entre estudantes e
professores, e através do relato é possível notarmos que o participante
descreve seu relacionamento com professores e colegas como positivo, o que
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pode ser considerado como um fator de grande valia e motivação ao processo
de ensino e aprendizagem.
No excerto VIII, também referente ao relacionamento com os colegas
em sala de aula, percebemos outro tipo de relacionamento existente;
verificamos uma relação de incômodo entre o participante e os outros colegas
em sala de aula. Novamente o Participante III alegou se sentir incomodado
com a heterogeneidade linguística. Isto afirma que é difícil existir uma relação
saudável em um ambiente onde existam emoções de competição ou
insatisfação em relação ao outro (MATURANA, 2005).
Nos próximos excertos a serem expostos são mencionados pelos
participantes os relacionamentos sociais com os professores durante a
graduação. É percebido que estes relacionamentos possuem como
característica principal a presença de emoções marcantes na vida acadêmica
dos estudantes.
‘Mesmo com todas essas experiências positivas eu
passei por uma situação muito traumática durante a
minha formação em língua inglesa. Enfrentei um
professor extremamente grosseiro e sem ética
nenhuma (...)’ (Participante Número II; excerto
VIII).
‘me humilhou e ridicularizou em diversos
momentos e em inúmeras oportunidades’
(Participante Número II; excerto IX).
Em relação às experiências sociais envolvendo professores,
destacamos o Participante Número II, pelo fato deste ter exposto em sua
narrativa momentos de tensão vividos com um professor de LI, que de acordo
com o relato do próprio estudante, teve influência e repercussão negativa em
suas experiências e emoções relacionadas à vida acadêmica e
desenvolvimento linguístico dentro do curso.
A seguir, apresentam-se as experiências diretas cognitivas, segundo a
categorização proposta pela categorização de Miccoli (2010), vividas pelos
estudantes participantes desta pesquisa durante a graduação de acordo com os
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seus relatos. Segundo Miccoli (op.cit.), as experiências diretas cognitivas são
as experiências referentes ao processo de ensino e aprendizagem dentro da
sala de aula, ao entendimento dos objetivos propostos por um professor
durante uma atividade, à percepção do próprio desempenho nas atividades
propostas e também, referem-se às estratégias de aprendizagem utilizadas em
sala de aula pelos estudantes para a aprendizagem. Esse tipo de experiência
pode ser observado nos excertos abaixo, que apresentam as experiências
cognitivas anteriores ao ingresso dos estudantes na graduação:
‘Não posso dizer que aprendi só o verbo to be nessa
trajetória’ (Participante Número I; excerto X)
‘mas realmente o ensino era bem limitado por
diversos fatores que estamos cansados de saber’
(Participante Número I; excerto XI)
Nos dois primeiros excertos expostos, o Participante Número I relata
sua experiência com a Língua Inglesa em ambiente escolar e tece alguns
comentários com relação ao ensino de LI. Verificamos que o participante
carrega certo tipo de descrença e desmotivação em relação à rede pública de
ensino.
Nos excertos abaixo é possível notarmos o processo de reflexão
cognitiva realizada pelos participantes referente ao processo de ensino e
aprendizagem e evolução linguística durante o curso.
‘no último ano notei que houve uma melhora,
principalmente depois que comecei a dar aulas.’
(Participante Número I; excerto XII)
As disciplinas de literatura ajudam muito nas
habilidades, em especial leitura e escrita’.
(Participante Número I; excerto XIII)
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Nos dois excertos acima o participante I fala sobre o desenvolvimento
linguístico durante o curso, afirmando que após a oportunidade de estágio
como professora de LI no CELIN, passou a se considerar melhor em
proficiência linguística. Notamos ao decorrer do estudo que o CELIN
funciona como um grande apoio aos estudantes da habilitação Port/Ing, pois
entendem o CELIN como uma oportunidade de prática e alegam que o fato de
dar aulas neste espaço contribui de modo significativo para construírem suas
identidades como professores. Outro fato interessante em relação à
aprendizagem de LI é que os estudantes citam o suporte linguístico que é
oferecido através da literatura.
Ao analisar as próprias experiências cognitivas, os estudantes
conseguem se inteirar de como está a própria aprendizagem e analisar as
melhores maneiras que conseguem aprender, e possivelmente, ao lecionar no
futuro, terão grande facilidade para entender o processo de ensino e
aprendizagem da LI de seus estudantes. Esse fato corrobora Aragão (2008)
que argumenta que o estudante capaz de refletir sobre a própria aprendizagem
e sobre a própria prática será capaz de lecionar melhor para seus futuros
alunos.
Nos próximos excertos, o participante número II revela sua opinião
acerca do curso de Licenciatura em Letras e o conhecimento oferecido aos
estudantes durante a graduação. Esta reflexão se enquadra também em uma
experiência de cunho cognitivo, segundo Miccoli (2010).
‘acredito que ainda falta bastante para que os alunos
tenham aquele conhecimento que acreditamos que
iremos adquirir quando entramos para o curso de
letras’. (Participante Número II; excerto XIV)
‘Talvez ainda falte estrutura profissional e física,
motivação aos estudantes e mais relação entre
professores, alunos, departamento’. (Participante
Número II; excerto XV)
Nos excertos XVI e XVII o participante revela aspectos que acredita
serem falhos dentro do curso e que possuem ligação direta com alguns
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quesitos importantes para a formação dos estudantes como futuros
professores. Podemos observar que o participante cita o fator motivacional, a
relação entre professores, alunos e a universidade, além da estrutura física
oferecida pelo curso. Corroborando as ideias defendidas por Barcelos (2004)
em relação à influência das crenças na formação de professores, acreditamos
que, se os alunos cultivam a ideia de que a formação obtida durante a
graduação não é de qualidade e possui alguns déficits, pode levá-los, como
futuro professores a se sentirem inferiorizados em relação à formação.
Barcelos (op.cit.) afirma que as crenças cultivadas são tidas como teorias
verdadeiras na vida de cada indivíduo que as cultiva e indiferente da
veracidade do fato, são tidas como um fato.
As experiências indiretas observadas nas narrativas foram as
experiências pessoais, futuras e conceptuais, de acordo com a categorização
proposta por Miccoli (2010). As experiências indiretas se caracterizam por
não serem oriundas especificamente do contexto de sala de aula, ou seja,
serem derivadas de aspectos extraclasses, como por exemplo, condições
sociais, planos futuros e crenças em relação ao ensino e aprendizagem.
As experiências indiretas pessoais englobam diferentes aspectos
referentes à vida dos estudantes, como nível socioeconômico, experiências de
trabalho e estudo e experiências de aprendizagem anteriores ao ingresso na
universidade. Estas podem ser observadas abaixo nos excertos retirados das
narrativas dos estudantes:
‘Chegou a hora do vestibular e eu ainda não tinha
certeza do que queria.’ (Participante Número I;
excerto XVI)
‘Fiz inscrição no vestibular (...) para Letras, pois eu
sempre gostei de português e queria dar
continuidade no inglês que tinha começado no
cursinho’. (Participante Número I; excerto XVII)
‘Então optei por fazer Letras devido a diversos
fatores, dentre eles o fato de ser em uma
Universidade Federal’. (Participante Número I;
excerto XVIII)
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Notamos nos excertos da narrativa do participante I que este já não
cultivava o desejo de lecionar antes de entrar no curso; é possível verificarmos
que o participante não sabia ao certo o curso ao qual desejava se dedicar
durante a graduação e então optou pelo curso de Licenciatura em Letras pelo
fato de ter sido aprovado em uma Universidade Federal. Verificamos que,
geralmente, quando o aluno entra no curso sem o desejo da docência é
necessário um grande suporte emocional, motivacional e linguístico para que
este aluno passe a se interessar pela profissão e se encontre dentro do curso
(FERREIRA & COELHO, 2013). Porém, sabemos que as experiências podem
moldar e modificar os anseios de qualquer aprendiz durante o curso (op.cit.).
pessoal ou acadêmico dos estudantes. Abaixo, o Participante I revela suas
As experiências indiretas futuras são aquelas que abrangem os
desejos, vontades, crenças e anseios futuros, sejam elas à nível profissional,
intenções futuras após se formar.
‘Não tenho certeza se quero continuar dando aula
(...) com certeza tentarei fazer um mestrado para
conseguir algo melhor’’. (Participante Número I;
excerto XX)
‘Caso eu desista, acho que vou começar outra
faculdade assim que me formar (...) mas ainda estou
muito incerto do que fazer’. (Participante Número I;
excerto XXI)
Através dos excertos expostos verificamos que um dos estudantes
participantes desta pesquisa revela, mesmo após oito semestres de formação,
que não tem certeza se deseja dar aulas após se formar e cogita a possibilidade
de até mesmo cursar outra faculdade. Outro ponto intrigante que um dos
participantes revela é o fato de classificar a área acadêmica (‘mestrado’) como
superior à área docente; esta é uma crença comum, já expostas em outros
estudos (COELHO, 2005) e que desvaloriza, indiretamente, a profissão
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docente, já que fica implícito que os melhores profissionais (proficiência
linguística ou bom desenvolvimento acadêmico durante a graduação) seguem
a carreira acadêmica.
Esta valorização da carreira acadêmica em detrimento da carreira
docente se dá pelo fato de existirem políticas públicas que oferecem melhor
valorização (salarial) aos professores universitários do que os profissionais
que se dedicam aos estudantes do ensino fundamental e médio. Esta situação é
tão nítida que os futuros professores antes mesmo de estarem em serviço, já
fazem diferenciação em relação à área que desejam seguir na carreira docente,
apenas se baseando em suas experiências de ensino regular, sem de fato,
experimentar a profissão.
As experiências indiretas conceptuais são aquelas que abrangem as
crenças e ideais dos estudantes referentes ao processo de ensino e
aprendizagem de LI, bem como em relação aos professores da área. Essa
categoria de experiência pode ser observada no excerto a seguir retirado da
narrativa do Participante II:
‘sem ética nenhuma (fatos que, para mim, devem ser
de primeira grandeza para um profissional da
educação)’. (Participante Número II; excerto XXII)
Através do excerto é possível verificarmos que o estudante cultiva a
crença do que deve ser um bom professor que é um educador com valores
éticos. Miccoli (2010) e Barcelos (2004) afirmam que as crenças moldam o
ser humano, o que nos faz inferir que o estudante possivelmente atuará
profissionalmente de acordo com o que considera ideal e através das
experiências vivenciadas.
Na próxima seção teceremos algumas considerações acerca dos dados
demonstrados neste trabalho.
Considerações
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Em relação ao ingresso no curso de Letras, as narrativas revelaram
que alguns estudantes, antes mesmo de iniciarem os estudos na Universidade,
já demonstram despreparo em relação à escolha do curso de Licenciatura, pois
muitas vezes decidem o curso superior a ser estudado durante a graduação
apenas por falta de oportunidade de estudar outro curso, como o caso do
Participante I, por exemplo. É notório, também, que muitos alunos ingressam
no curso de Licenciatura em Letras por gostarem de uma língua estrangeira
em específico, e acabam se frustrando ao decorrer do curso, pelo fato de terem
que estudar disciplinas relativas ao sistema educacional ou à prática docente.
Apesar de observarmos que muitas vezes a escolha pelo curso de
Licenciatura em Letras é realizada de modo precoce pelos estudantes,
podemos verificar também que em alguns casos as experiências e emoções
vivenciadas durante os sete primeiros semestres de graduação no curso onde
este estudo foi realizado, parecem não colaborar de modo satisfatório para que
os estudantes possam fazer futuras escolhas profissionais conscientemente.
Isso pode ser verificado pelo fato dos estudantes demonstrarem dúvidas sobre
a profissão que desejam seguir, mesmo nos últimos semestres da graduação,
almejando fazer outros cursos.
Outros instrumentos estão sendo aplicados para melhor verificação de
como os estudantes fazem suas escolhas futuras ao longo do curso de
Licenciatura em Letras. Até o presente momento, o estudo aponta para a
necessidade de práticas reflexivas sobre as experiências e emoções
vivenciadas a fim de não permitir que uma experiência ocorrida ou uma
emoção negativa atrapalhe a carreira do estudante dentro do curso.
Sugestões para pesquisas futuras
Com base no estudo realizado, acreditamos que existe a necessidade
de se estudar as oportunidades que estão sendo oferecidas no curso de
Licenciatura em Letras pelos professores formadores a fim de ajudar os
estudantes a traçarem seus perfis profissionais com ênfase na docência.
Além dos estudos relativos à identidade dos estudantes como futuros
professores, nota-se a grande necessidade de observar como as emoções
vivenciadas durante o curso são trabalhadas e refletidas pelos estudantes
juntamente com seus formadores. Isto poderia auxiliar os estudantes e evitar
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que estes sofram experiências que os marquem negativamente e os façam
mudar suas escolhas profissionais.
Outra sugestão é continuar pesquisando o perfil dos estudantes que
estão ingressando no curso de Licenciatura em Letras para verificarmos suas
expectativas e emoções em relação ao curso, aproximando a realidade às
expectativas dos alunos.
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