protagonista
josé rodrigues
Sonhos esculpidos
José Rodrigues é um nome incontornável do panorama
nacional e internacional das artes plásticas. O escultor
diz manter uma boa relação com a cidade do Porto,
embora lhe reconheça uma dicotomia amor/ódio. “A
cidade assemelha-se a um bloco de granito onde corre
sempre um raio de luz”, salienta. Aos 71 anos, o mestre
assegura que a sua alma “acaba de nascer”.
Texto: Marta Almeida Carvalho
Fotos: Virgínia Ferreira
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josé rodrigues
protagonista
O nome e a obra de José Rodrigues estão intimamente
ligados à cidade do Porto. A par de uma produtiva actividade artística na escultura, desenho, medalhística, ilustração e cenografia, os seus trabalhos marcaram a cena
artística nacional. É autor – entre outras obras como os
monumentos ao Empresário (Av. Boavista) e a Ferreira de
Castro (Foz do Douro), O “Anjo” (leia-se Anja, Clérigos)
e A Pantera (Bessa) - do polémico “Cubo” da Praça da
Ribeira, escultura que se viria a transformar numa das
mais características e representativas da cidade, e cujo
nome lhe foi atribuído pela população. “No início, a obra
sofreu alguma contestação o que acabou por ser positivo.
Significa que houve comunicação”, defende o artista, salientando que o objectivo foi o de fazer algo inovador.
“Pensei numa coisa diferente dos temas a que sempre se
recorria - estátuas de mulheres nuas, bombeiros ou cavalos. E porque não um cubo com um jacto de água de forma
a dar a ideia de que o pequeno jacto pudesse pôr em
suspenso aquelas duas toneladas de bronze?”, questionou-se. A ideia avançou e, actualmente, o “Cubo” é um
orgulho para os portuenses e um símbolo indissociável
daquela zona da cidade. “Hoje, os moradores da Ribeira
referem-se ao Cubo como «nosso»”, conta. Uma das
suas obras, “Orfeu”, em Viana do Castelo, é uma homenagem ao poeta Pedro Homem de Mello de quem diz ter
sido admirador e amigo. “Acompanhava-me muitas vezes
em romarias, era muito simpático e falador. Foi o Eugénio
de Andrade que nos apresentou e quem me disse uma vez
que os maiores poemas portugueses foram escritos por
ele”, recorda, sublinhando que o Orfeu é o símbolo máximo da poesia, do poeta grego, universal.
cionalmente preso às suas criações, nem se recorda de
todas. “As peças são como os filhos, chega uma altura
que temos que os deixar «voar»”, refere, admitindo que
entre os trabalhos encomendados e os que surgem da
necessidade artística a motivação é diferente. “Há condicionantes às quais não podemos fugir, enquanto que a
criação sem barreiras é totalmente livre”. Costuma fazer
esboços, sobretudo em guardanapos de papel, e não tem
predilecção por nenhum material em específico. “Todos
os materiais são nobres”, diz. Questionado sobre qual é a
sua obra mais querida, a resposta é directa. “A que ainda
não fiz”. Os anjos, ou melhor as anjas, são personagens
A obra que ainda não fez
José Rodrigues consegue encontrar, embora de forma
metafórica, ligações entre a poesia e a escultura. “Confundem-se. A escultura é poesia e volume, a poesia é uma
escultura em palavras, não tem volume mas sim formas”,
explica. Questionado sobre se a escultura é uma forma de
poesia, o mestre responde afirmativamente e vai ainda
mais longe. “A vida tem de ser uma forma de poesia,
senão tornámo-nos numa espécie de matraquilhos”. Para
o artista, o corpo tem 71 anos mas a alma acaba de
nascer. “Às vezes tenho 71 anos”, brinca. Acredita na
vocação, que é sempre estimulada pelo meio, e na inspiração. “A inspiração e a transpiração são dois factores
fundamentais em todo o processo criativo”. Não fica emo8
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que tem memórias de coisas que nunca viveu, é um dos
“Quatro Vintes”, juntamente com Ângelo de Sousa, Armando Alves e Jorge Pinheiro. Os quatro companheiros
acabaram o curso com 20 valores e a ideia para o nome de
uma exposição surgiu num maço de tabaco. “Na altura
havia tabaco da marca «três vintes». Nós pegamos num
maço, acrescentamos mais um vinte e foi esse o nome que
escolhemos, e que acabou por ser o grande cartaz da nossa
primeira exposição”, recorda. Os “Quatro Vintes” fazem
parte da história da Escola Superior de Belas Artes do Porto
e servem de inspiração a estudantes e artistas, sendo
representativos de toda uma geração.
A caminho do «artista»
que exercem um grande fascínio, a par do conceito de
efémero, sobre o escultor e que, afinal, têm sexo. “Não
há anjos, só anjas. São seres fascinantes porque estão
sempre no limiar. Pode ser entre o céu e o inferno, entre a
vida e a morte, entre o amor e o ódio”. E se pudesse dar voz
às suas peças, o que diriam? “Todas diriam até já”.
Os «Quatro Vintes»
Nasceu em Luanda, em 1936. Chegou ao Porto com 14
anos já com o objectivo de tirar o curso de Belas Artes, e
inscreveu-se no liceu Soares dos Reis, embora antes tenha
permanecido algum tempo em Bragança, em casa de familiares. “Em Luanda não havia escolas. Consegui convencer
o meu pai a vir estudar para cá, com a ajuda do amigo
António Jacinto, um grande poeta angolano”, recorda. O
tempo em que viveu em Trás-os-Montes marcou-o, sobretudo pelo aspecto sombrio e religioso. “Foi lá que me
apercebi do sentido trágico da vida, aquela vida asceta, toda
vestida de preto e carregada de simbolismos”. Foi esta
faceta que desencadeou o seu lado “rebelde”. “Como era
tudo muito contido, foi lá que tomei consciência do pecado,
tudo era proibido. E foi isso que despoletou uma certa rebeldia em mim, contrariar tudo o que é instituído”, conta. A arte
parece estar-lhe no sangue e foi a isso que se quis dedicar
desde sempre. “A minha mãe dizia que eu ia ser um barrista,
devido à minha fixação por moldar barro. E foi assim, ao
contrário do que ela queria”, recorda. A escultura e a pintura
entraram muito cedo na sua vida. “Os dois cursos eram
juntos. Isso foi muito enriquecedor quer a nível artístico, quer
das relações humanas que estabeleci”. José Rodrigues,
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Ainda que a pintura e o desenho tenham vindo a ser os
seus trabalhos mais divulgados, foi a escultura que o destacou na cena artística nacional, tendo explorado a relação
entre as peças e o espaço e aspectos da escultura moderna
- a instabilidade e o movimento contrariando o equilíbrio e
a estabilidade. Fundador de diversas instituições de renome - como a Bienal de Cerveira, Cooperativa Cultural
Árvore, Escola de Artes e Ofícios e da Escola Superior de
Arquitectura - em 1994 foi distinguido com o grau de
Grande Oficial da Ordem do Infante D. Henrique. Está
representado num grande número de museus, nacionais e
estrangeiros, para os quais realizou diversos monumentos
e esculturas, e em várias colecções particulares e privadas. É uma das referências no panorama artístico das artes
plásticas nacionais, prestigiado pelo conjunto da sua obra
com alguns prémios, nomeadamente Amadeo de SouzaCardoso, Imprensa pelo melhor espaço cénico realizado
em Lisboa, Escultura da Bienal Internacional de Arte de Vila
Nova de Cerveira, SOCTIP – Artista do Ano e Tendências
de Arte Contemporânea em Portugal, atribuído pela Câmara
Municipal de Santa Maria da Feira. Actualmente tem em
mãos um projecto ambicioso – a criação de uma fundação
com o seu nome – Fundação Escultor José Rodrigues situada na Rua da Fábrica Social, no Porto, onde teve,
durante anos, o seu atelier. Entre os grandes objectivos da
Fundação contam-se a inovação, criação de parcerias criativas, contacto de transversalidades, promoção de novos
paradigmas entre artes, conhecimento e cidadania, consolidação da oferta cultural da cidade, desafio a artistas para
trabalhar no espaço público local com grupos específicos
da comunidade e a preservação e celebração do trabalho do
mestre José Rodrigues.Q
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