CENTRO DE ENSINO SUPERIOR DO CEARÁ FACULDADE CEARENSE CURSO DE BARACHEL EM SERVIÇO SOCIAL HELANE CRISTINA PAIVA DE LIMA VIOLÊNCIA INTRAFAMILIAR CONTRA A PESSOA IDOSA: UM ESTUDO REALIZADO NO CREAS DE MARACANAÚ/CE FORTALEZA 2013 HELANE CRISTINA PAIVA DE LIMA VIOLÊNCIA INTRAFAMILIAR CONTRA A PESSOA IDOSA: UM ESTUDO REALIZADO NO CREAS DE MARACANAÚ/CE Monografia apresentada ao Curso de Graduação em Serviço Social do Centro de Ensino Superior do Ceará, como requisito parcial para a obtenção do grau de Bacharel em Serviço Social. Orientadora: Profª. Ms. Ruth Brito dos Santos FORTALEZA 2013 L732v Lima, Helane Cristina Paiva de Violência intrafamiliar contra a pessoa idosa: um estudo realizado no CREAS de Maracanaú/CE / Helane Cristina Paiva de Lima. Fortaleza – 2013. 56f. Orientador: Prof.ª Ms. Ruth Brito dos Santos. Trabalho de Conclusão de curso (graduação) – Faculdade Cearense, Curso de Serviço Social, 2013. 1. Velhice. 2. Idoso. 3. Violência. I. Santos, Ruth Brito. II. Título CDU 364 Bibliotecário Marksuel Mariz de Lima CRB-3/1274 HELANE CRISTINA PAIVA DE LIMA VIOLÊNCIA INTRAFAMILIAR CONTRA A PESSOA IDOSA: UM ESTUDO REALIZADO NO CREAS DE MARACANAÚ/CE Monografia apresentada como prérequisito para obtenção do título de Bacharel em Serviço Social, outorgado pela Faculdade Cearense - FAC, tendo sido aprovada pela Banca Examinadora. . Data de Aprovação: ___/___/___ BANCA EXAMINADORA _____________________________________________ Profª. Ms. Ruth Brito dos Santos Orientadora _____________________________________________ Esp. Kely Cristina Saraiva Teles Examinadora _____________________________________________ Profª. Ms. Mariana de A. Dias Aderaldo Examinadora “A violência destrói o que ela pretende defender: a dignidade da vida e a liberdade do ser humano”. João Paulo II AGRADECIMENTOS Agradeço primeiramente a Deus pela vida e por sua presença constante na trajetória da minha vida. Muito obrigada, Senhor! Agradeço especialmente a minha avó, Maria Celeste, e a minha amada mãe, Ivanilda, pelo exemplo de vida, pela dedicação e amor, e por que sempre me incentivaram e me apoiaram a prosseguir nesta árdua caminhada. Obrigada por tudo. Ao meu irmão Tarcísio, pelo incentivo; in memoriam, ao meu irmão Jardel, que de alguma forma está presente, mesmo na ausência. Ao meu querido Paizinho, que através de seu amor e carinho me dá forças e me incentiva a prosseguir. Ao meu amado filho Allan David, que durante estes quatros anos de vida acadêmica compreendeu minhas ausências maternais. Obrigada por este amor incondicional. Às minhas amigas e companheiras do Curso de Serviço Social da FAC, em especial, Gerlania, Elenice, Marileide e Emanuela Sales, cuja amizade se estende até os dias de hoje e há de perdurar para sempre. À Assistente Social Alessandra (Supervisora de campo), pela amizade, pelo incentivo, pelos momentos de reflexão e dedicação com que me supervisionou e participou da minha vida acadêmica. À minha orientadora Ruth, pela disponibilidade, dedicação e paciência com que me orientou. Muito Obrigada. Agradeço à Banca Examinadora pela disponibilidade e valiosa contribuição em minha formação acadêmica. A todos os professores e mestres do curso de Serviço Social da FAC, que contribuíram para o meu aprendizado acadêmico. Enfim, agradeço a todos os familiares, amigos e profissionais que de alguma forma contribuíram para a conclusão desta etapa da minha vida. A todos meu muito obrigada! RESUMO O presente trabalho de conclusão de curso consiste em um estudo sobre a violência contra idosos, objetivando analisar e compreender o fenômeno da violência intrafamiliar contra a pessoa idosa, a dinâmica que envolve esse fenômeno e a identificação das causas externas que motivam as agressões, junto aos idosos atendidos no Centro de Referência Especializada de Assistência Social – CREAS. Tendo o trabalho como categorias centrais: idoso, família e violência; abordaremos o significado da velhice e o processo de envelhecimento, compreendendo os significados de família e a rede de proteção e assistência ao idoso no município de Maracanaú. Também abordaremos os conceitos de violência no contexto demográfico, antropológico e epidemiológico, relatando a pesquisa de campo no CREAS. As escolhas metodológicas aconteceram por meio da pesquisa de campo, bibliográfica e documental, tendo como instrumentais de pesquisa a entrevista semiestruturada. Trazendo as análises e os resultados ao traçar o perfil dos idosos vítimas de violência doméstica identificando as múltiplas formas de violência contra a pessoa idosa e quem são os principais agressores contra os idosos no âmbito familiar. Através dos dados coletados foi possível traçar o perfil da demanda de idosos atendidos no CREAS e analisar a situação dos idosos no contexto familiar, pois é dentro do núcleo familiar que ocorre diariamente o desrespeito aos direitos e dignidade da pessoa idosa, também é detectada a necessidade de se trabalhar no fortalecimento dos vínculos e na prevenção da reincidência. Além disso, observouse que através da pesquisa foi possível compreender sobre o fenômeno do envelhecimento, pois percebemos que este segmento populacional cresce aceleradamente e que a sociedade não esta preparada para está nova realidade. Desta forma, pretende-se contribuir para a reflexão sobre o fenômeno estudado. Palavras-chave: Velhice. Idoso. Violência. ABSTRACT The present work consists of a study on violence against elderly, aiming to analyze and understand the phenomenon of domestic violence against the elderly, the dynamics surrounding this phenomenon and identifying external causes that motivate the attacks, with the elderly treated at the Center for Social Assistance Specialized Reference - CREAS. The central categories os this work are: aged, family and violence; discuss the meaning of old age and the aging process, understanding the meanings of family and network of protection and assistance to the elderly in Maracanaú also discuss the concepts of violence in the demographic context, anthropological and epidemiological reporting fieldwork in CREAS. The methodological choices occurred through field research, literature and documents, with the instrumental research semi-structured interview. Bringing the analyzes and results to define the profile of the elderly victims of domestic violence by identifying the multiple forms of violence against elderly and who are the main aggressors against the elderly in the family. Through the collected data it was possible to trace the demand profile of older adults seen in CREAS and analyze the situation of the elderly in the family context, it is within the family that occurs daily disrespect for the rights and dignity of the elderly, is also detected the need to work on strengthening linkages and prevention of recurrence. Moreover, it was observed that research was made possible through the understanding of the phenomenon of aging, because we realize that this population segment has grown rapidly and that society is not prepared for this new reality. Thus, we intend to contribute to the reflection on the phenomenon studied. Keywords: Old age. Elderly. Violence. LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS CAPS - Centro de Atenção Psicossocial CAPSAD - Centro de Atenção Psicossocial Álcool e outras Drogas CAPSI - Centro de Atenção Psicossocial Infantil CCI – Centro de Convivência do Idoso CONEP – Comissão Nacional de Ética em Pesquisa CRAS - Centros de Referência da Assistência Social CREAS - Centro de Referência Especializado de Assistência Social INPEA - Rede Internacional de Prevenção contra Maus-Tratos em Idosos IPEA – Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada LA - Liberdade Assistida MDS - Ministério de Desenvolvimento Social e Combate à Fome OMS – Organização Mundial da Saúde PAEFI - Proteção e Atendimento Especializado às Famílias e Indivíduos PAIF - Proteção e Atendimento Integral à Família PSC - Prestação de Serviço à Comunidade SUS – Sistema Único de Saúde TCO - Termos Circunstanciados de Ocorrência WHO - World Healt Organization SUMÁRIO INTRODUÇÃO ............................................................................................................ 9 1 COMPREENDENDO O PROCESSO DO ENVELHECIMENTO E SUAS IMPLICAÇÕES NA FAMÍLIA E NAS POLÍTICAS PÚBLICAS ................................... 12 2 1.1 Os diversos significados da velhice e do processo do envelhecimento ....... 12 1.2 Os aspectos demográficos do envelhecimento populacional ....................... 16 1.3 O significado da família ................................................................................ 20 1.4 A rede de proteção ao idoso ........................................................................ 24 A VIOLÊNCIA CONTRA A PESSOA IDOSA ...................................................... 28 2.1 A violência contra o idoso no contexto demográfico, antropológico e epidemiológico ....................................................................................................... 28 3 2.2 A violência intrafamiliar ................................................................................ 31 2.3 Classificação da violência intrafamiliar ......................................................... 33 O PERCURSO METODOLÓGICO E AS ANÁLISES DA PESQUISA ................ 37 3.1 A construção do objeto de pesquisa ............................................................ 37 3.2 O estudo de violência intrafamiliar no CREAS ............................................. 39 3.2.1 Perfil dos idosos atendidos .................................................................... 40 3.2.2 O perfil dos possíveis agressores. ......................................................... 41 3.2.3 Tipos de violência contra os idosos ....................................................... 42 3.3 O relato dos sujeitos envolvidos na pesquisa .............................................. 45 CONSIDERAÇÕES FINAIS ...................................................................................... 50 REFERÊNCIAS ......................................................................................................... 52 APÊNDICES.............................................................................................................. 54 9 INTRODUÇÃO Este trabalho pretende discutir a questão da violência intrafamiliar contra o idoso, na perspectiva de identificar as múltiplas formas de violência sofridas pelos idosos que são atendidos pelo Centro de Referência Especializado de Assistência Social (CREAS) de Maracanaú, traçando um perfil socioeconômico das vítimas e um breve perfil dos agressores. Pretende-se tal discussão ser resultado da relação dialética entre teoria e prática que esteve presente durante a formação profissional, especialmente através da realização do estágio curricular obrigatório do Curso de Serviço Social da Faculdade Cearense. O objetivo geral da pesquisa trata-se de compreender a dinâmica que envolve o fenômeno da violência intrafamiliar. Trazendo como objetivos específicos: traçar o perfil socioeconômico das vítimas; identificar as múltiplas formas de violência contra a pessoa idosa; apresentar os principais agressores contra o idoso no âmbito familiar; e conhecer as especificidades que envolvem a dinâmica do fenômeno da violência. Neste sentido, o interesse da temática advém de um percurso acadêmico iniciado com o desenvolvimento de trabalhos, estudos em grupos direcionados a temática do idoso, e de um acontecimento singular, que foi a participação em um trabalho de campo desenvolvido pela Faculdade Cearense no Lar Torres de Melo. Incide, também, por conta da experiência vivenciada pela pesquisadora como estagiária de Serviço Social no CREAS de Maracanaú, no qual, através dos atendimentos realizados as pessoas vítimas de violência, tornou-se possível perceber que a maior demanda foi referente às pessoas idosas. Dessa forma, pudemos observar e levantar inúmeras questões em torno da relação entre os idosos e suas famílias, tais como: o que leva os filhos, neste momento da vida dos idosos, em que eles necessitam do cuidado e proteção, a não prestarem este cuidado? Será que a família não quer ou não está preparada para exercer esta tarefa? Qual o perfil socioeconômico das vítimas e dos agressores? Será que a sobrecarga no cuidado para com os idosos é um dos fatores que influenciam a ocorrência da violência intrafamiliar contra o idoso? 10 A partir dessas questões, nos dispusemos a traçar o perfil dos usuários e levantar as situações de violência atendidas no CREAS, com maior atenção na violência intrafamiliar. Para uma compreender ampliada sobre a problemática da violência contra o idoso tivemos como base a análise de alguns autores: Sonia de Amorim Marcaro (2004); Guite I. Zimermam (2000) e Simone de Beauvoir (1990), na categoria “Velhice”; Danda Prado (2011); Cristina Bruschine (2000) e Ana Cristina Brito Arcoverde (2002), na categoria “Família”, para a categoria “Violência”; Vicente de Paula Faleiros (2007, 2009) e Maria Cecília de Souza Minayo (2004). O Trabalho de Conclusão de Curso estruturou-se em três capítulos. O primeiro capítulo, intitulado Compreendendo o processo de envelhecimento e suas implicações na família e nas Políticas Públicas, pautou-se nas reflexões sobre os conceitos e os processos do envelhecimento, na questão do envelhecimento populacional, realizando um resgate histórico sobre a construção social do conceito de idoso. Em seguida, procurou-se explanar o significado da família, e estabeleceuse uma construção acerca do fenômeno do envelhecimento populacional e suas repercussões na família. Buscou-se abranger a rede de proteção e assistência ao idoso no município, identificando as instituições e os serviços que o município oferece aos idosos e a centralidade que estas redes exigem para a família a fim de garantir a proteção social ao idoso. No segundo capítulo, intitulado A violência contra a pessoa idosa, buscouse compreender o fenômeno da violência intrafamiliar, delinear o perfil socioeconômico dos usuários do CREAS, identificar as situações de violência contra os idosos e traçar um breve perfil dos agressores, identificando a violência intrafamiliar no CREAS de Maracanaú. Para isso, neste capítulo foi traçada uma trajetória das discussões acerca da violência contra os idosos, seu conceito, como ela se manifesta na sociedade e nas relações interpessoais entre os idosos e seus familiares, e as diferentes classificações de autores acerca das situações de violência intrafamiliar. Em seguida, o terceiro capítulo contemplará o processo de metodologia utilizado na construção da pesquisa e as análises qualitativas, construídas através da pesquisa de campo realizada no Centro de Referência Especializado de Assistência Social (CREAS). 11 Ao final são apresentadas as considerações finais sobre o estudo realizado, com as reflexões a respeito da problemática da violência intrafamiliar contra a pessoa idosa. Também apresentamos as referências bibliográficas e os instrumentos utilizados na pesquisa de campo e coleta de dados: o roteiro da entrevista e o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. 12 1 COMPREENDENDO O PROCESSO DO ENVELHECIMENTO E SUAS IMPLICAÇÕES NA FAMÍLIA E NAS POLÍTICAS PÚBLICAS 1.1 Os diversos significados da velhice e do processo do envelhecimento O envelhecimento é, atualmente, um desafio para o mundo todo, pois atinge os países em desenvolvimento e os países desenvolvidos. Apesar de o envelhecimento ser um processo natural da vida, nunca se falou tanto em velhice como na sociedade atual. A formulação de conceitos sobre o envelhecimento vem sendo discutida já alguns séculos pelos franceses. Entretanto, até o século XIX, nunca se fez menção aos “velhos”. De acordo com Peixoto (1998), somente no final do século XIX, com o rápido aumento da população de mais de 60 anos, o tema velhice passou a ser investigado e foi quando o fenômeno se tornou um problema social. Nesse processo de compreensão do que seja a velhice, é importante entender que ela, para ser compreendida em sua totalidade, tem que ser analisada não somente como um fato biológico, mas também como um fato cultural. As ideias sobre a velhice são as mais diversas e podemos destacar alguns fatores que caracterizam a velhice, como a idade cronológica, a idade biológica, a idade social e a idade psicológica. Diante de tal diversidade de formas de se vivenciar o envelhecimento, é indispensável observar o papel social destinado aos idosos em diferentes tempos e lugares. Portanto, é necessário fazer um resgate histórico acerca do significado da velhice nas civilizações antigas. Beauvoir (1990) enfatiza que na civilização chinesa, toda a família devia obediência ao homem mais idoso, e a autoridade do patriarca não diminuía com a idade; essa autoridade se justificava moralmente, associando-se a velhice à posse de sabedoria. O respeito aos idosos se estendia fora dos limites da família e todos os idosos eram respeitados, a ponto de que, muitas vezes, as pessoas fingiam ser mais velhas do que realmente eram, para ter direito a atenções e respeito. Ao contrário da China, no ocidente os idosos são vistos como flagelos, a velhice é uma etapa final e penosa da vida, onde as faculdades intelectuais dos idosos diminuem, sendo considerada o pior dos infortúnios que pode afligir um homem (BEAUVOIR, 1990, p. 114). 13 A civilização dos judeus é uma sociedade patriarcal e conhecida pelo respeito à velhice, e aos seus ancestrais eram atribuídas idades fabulosas, sendo estes eleitos os porta-vozes de Deus. O povo judeu considera a longevidade como a suprema recompensa da virtude. Conforme Beauvoir (1990), em Esparta a velhice estava ligada a ideia de honra e associada à sabedoria. A velhice era, portanto, uma qualificação, o poder estava nas mãos dos mais velhos e os anciãos, eram encarregados de formar a juventude, inculcando nesta o respeito à idade avançada. Segundo a autora supracitada, há relatos nas civilizações antigas de maus tratos às pessoas idosas, onde a velhice dos homens assemelha-se, muitas vezes, com a dos bichos. O idoso sofria discriminação e maus tratos, sendo que esta realidade depende do grau de organização social, religião e desenvolvimento econômico. O exemplo dos papéis dos idosos nas sociedades antigas demonstra que o tratamento destinado à velhice depende do sistema global e das questões religiosas, culturais, econômicas e sociais impostas pela sociedade na qual se está inserida. Beauvoir (1990) explicita que a “velhice”, como todas as situações humanas, tem uma dimensão existencial: modifica a relação do indivíduo com o tempo e, portanto, sua relação com o mundo e com sua própria história. Por outro lado, o homem não vive nunca em estado natural; em sua velhice, como em qualquer idade, seu estatuto lhe é imposto pela sociedade a qual pertence. Enfim, a sociedade destina ao velho seu lugar e seu papel levando em conta sua idiossincrasia individual: sua impotência, sua experiência; reciprocamente, o indivíduo é condicionado pela atitude prática e ideológica da sociedade em relação a ele. Não basta, portanto, descrever de maneira analítica os diversos aspectos da velhice: cada um deles reage sobre todos os outros e é afetado por eles; é no movimento indefinido desta circularidade que é preciso apreendê-la (BEAUVOIR, 1990, p. 16). Mascaro (2004) trata a velhice como uma fase natural da vida e que não há como fugir deste ciclo: nascimento, crescimento, amadurecimento, envelhecimento e morte, sendo a velhice uma fase que faz parte de nossas experiências de ser vivo. 14 A velhice faz parte de um ciclo natural da vida – nascer, crescer, amadurecer, envelhecer e morrer -, e as transformações que a caracterizam originam-se no próprio organismo e ocorrem gradualmente (MASCARO, 2004, p. 51). Segundo a autora supracitada, o envelhecimento não é resultado de um único fator, mas representa muitos fenômenos funcionando conjuntamente. Ao lado dos fatores genéticos, os aspectos sociais e comportamentais também são muito importantes, pois o processo de envelhecimento humano precisa ser considerado em um contexto amplo, pelas circunstâncias de natureza biológica, psicológica, social, econômica, histórica, ambiental e cultural, que estão relacionadas entre si. Essa etapa da vida caracterizada como velhice, tem suas peculiaridades e só pode ser compreendida a partir da relação que se estabelece entre os diferentes aspectos cronológicos, biológicos, psicológicos e sociais. A idade cronológica é marcada pela data de nascimento da pessoa; a idade biológica é determinada pela herança genética e pelo ambiente, e diz respeito às mudanças fisiológicas, anatômicas, hormonais e bioquímicas do organismo; a idade social relaciona-se às normas, crenças, estereótipos e eventos sociais que controlam, através de critérios de idade, o desempenho dos idosos; a idade psicológica envolve as mudanças de comportamento decorrentes das transformações biológicas do envelhecimento. O envelhecimento ou senescência se caracteriza por uma série de alterações biológicas, psíquicas e também sociais, que acompanharia as pessoas em 2/3 de sua existência. São fenômenos que ocorrem no organismo como um todo e começam a se mostrar evidências em torno dos 40 anos de idade. Os órgãos e sistemas declinam lenta e progressivamente, havendo uma redução em sua reserva funciona, sem comprometer a capacidade funcional dos órgãos para as atividades cotidianas (MASCARO, 2004, p. 54). Zimerman (2000) afirma que o envelhecimento é um processo que vai ocorrendo de forma gradual, pois uma pessoa não se torna velha do dia para o outro. Tudo é um processo de adaptação às mudanças físicas, psíquicas e sociais que vão ocorrendo ao longo da vida. Dessa forma, o envelhecimento aos poucos se torna uma realidade que deve ser vista como uma etapa que está relacionada com nosso comportamento ao longo da vida. “Ser velho não é o contrário de ser jovem. Envelhecer é simplesmente passar para uma nova etapa da vida, que deve ser vivida de maneira mais positiva, saudável e feliz possível (ZIMERMAN, 2000, p. 28). 15 Mascaro (2004) afirma que o mundo atual celebra os valores, o comportamento, a aparência e a moda dos jovens. Nunca se cuidou tanto do corpo e da aparência física como agora. Um corpo bonito, bronzeado, esbelto, ágil, saudável e principalmente jovem é exibido com prazer. Com este fato, nega-se o envelhecimento, combatendo, encobrindo e recalcando seus sinais mediante inúmeras estratégias e disfarces. A sociedade contemporânea revela seus estereótipos e preconceitos em relação à velhice. Assim, ninguém quer ser ou parecer velho, e um dos maiores elogios que se pode fazer a uma pessoa é justamente dizer que ela parece ser mais jovem do que a idade que tem. Hoje tentamos adiar o envelhecimento cuidando da saúde, prevenindo as doenças que chegam com o desgaste do organismo e fazendo uso dos recursos da indústria da beleza e do rejuvenescimento (MASCARO, 2004, p.21). Conforme a autora supracitada, falar de envelhecimento ou velhice pode provocar nas pessoas, muitas vezes, uma profunda angústia. O temor que os jovens têm ao pensar que um dia vão envelhecer pode traduzir o receio de viver no futuro uma velhice sofrida, solitária e dependente. Este pensamento se deve às condições de vida e às desigualdades sociais enfrentadas por uma grande parte dos idosos brasileiros. Dessa forma, é natural a formação de uma visão negativa da velhice, criando uma imagem estereotipada do envelhecimento e da velhice. Os estereótipos refletem ideias errôneas comuns, como as de que pessoas idosas são doentes, são rabugentas e excêntricas; esses estereótipos são prejudiciais e formam uma imagem distorcida da velhice. É também importante perceber que o medo de envelhecer é bem diferente da vivência de envelhecer. (...) Muitas pessoas, ao imaginarem a sua própria velhice, receiam que não irão conseguir enfrentar as limitações naturais do envelhecimento, mas quando a idade chega, ela consegue mobilizar vários recursos e viver bem essa nova fase da vida. Por outro lado, se as representações sociais da velhice estiverem fortemente associadas à doença, dependência, improdutividade, pobreza e solidão, muitos idosos irão relutar em identificar-se com essas imagens negativas, e essa atitude pode, inclusive, representar uma forma de defesa, cujo objetivo é preservar uma autoimagem e uma autoestima positiva (ABREU; MELLO apud MASCARO, 2004, p. 64). Beauvoir (1990) enfatiza que a velhice não é um fato estático: é o resultado de uma mudança contínua, irreversível e desfavorável. A velhice, enquanto declínio biológico é uma realidade que transcende a história, pois é 16 vivenciada de maneira distinta, levando em consideração o contexto social em que se vive. Para cada indivíduo, a velhice acarreta uma degradação que ele teme. Ela contradiz o ideal viril ou feminino adotado pelos jovens e pelos adultos. A atitude espontânea é a de recusá-la, uma vez que se define pela impotência, pela feiura, pela doença. [...] Toda a sociedade tende a viver, a sobreviver; exaltar o vigor e a fecundidade ligados à juventude; temer o desgaste e a esterilidade da velhice (BEAUVOIR, 1990, p.51). Conforme Zimerman (2000), Mascaro (2004) e Beauvoir (1990), o indivíduo ao aproximar-se da velhice desperta um sentimento de repulsa, negando este fato como inerente ao processo de envelhecimento. A velhice é particularmente difícil de assumir, porque a consideramos uma espécie desconhecida. Diante de tudo que foi exposto, é necessário compreender o fenômeno do envelhecimento como um processo de forma gradual, pois a velhice faz parte de um ciclo natural da vida onde devemos aprender a nos adaptar às mudanças físicas, psicológicas e sociais, sendo que o envelhecimento é um fato real e inevitável. Somente quando aceitarmos de forma natural o envelhecimento é que podemos mudar o comportamento, os estereótipos e o preconceito que a sociedade ainda retrata em relação à velhice. Com o fenômeno do envelhecimento já conceituado, apresentaremos em números e dados o processo do envelhecimento, ressaltando a mudança do perfil sócio-demográfico desse segmento populacional. 1.2 Os aspectos demográficos do envelhecimento populacional Em todo o mundo, o número de pessoas com 60 anos ou mais está crescendo mais rapidamente do que em qualquer outra faixa etária. A população de idosos com 60 anos ou mais, cresceu 7,3 milhões entre 1980 e 2000, totalizando mais de 14,5 milhões em 2000. O aumento de número de anos é decorrente da redução da taxa de fertilidade e do acréscimo da longevidade nas últimas décadas (WHO, 2005). Conforme a Organização Mundial de Saúde (OMS), a expectativa de vida da população no Brasil hoje é de 66 anos e em 2025 passará a ser de 73 anos. O Brasil será em 2025, o sexto país em números de idosos (ZIMERMAN, 2000). 17 Vejamos os dados do IBGE (2012), contidos na síntese dos indicadores socais, sobre o envelhecimento mundial: Sob uma perspectiva internacional, o índice de envelhecimento mundial de 48,2, foi bem próximo do valor medido para o Brasil, de 51,8. No Japão, o índice de envelhecimento foi de 283,6, o que significa que havia quase três idosos de 60 anos ou mais de idade para cada pessoa de até 15 anos de idade. Com a população bastante envelhecida e baixos níveis de fecundidade, a Europa também apresenta elevado índice de envelhecimento (IBGE, 2012, p. 28). O aumento da população de mais de 60 anos de idade constitui um fenômeno mundial que no Brasil ocorreu com a duplicação da população idosa, mudando, assim, o seu status de um país jovem para um país velho. Devemos perceber essa mudança em diferentes pontos de vista: o econômico, o biológico, o social e o cultural, respeitando as particularidades de cada região. O envelhecimento da população, caracterizado pelo aumento da proporção de idosos em relação à população total, é um fenômeno já bastante evidente em países desenvolvidos. Como esse fenômeno ocorre de forma acelerada no Brasil, rapidamente ganha importância na agenda de políticas públicas sociais [...]. No período de 2001 a 2011, o crescimento de números de idosos com 60 anos ou mais de idade, em termos absolutos, é marcante, passou de 15,5 milhões de pessoas para 23,5 milhões de pessoas. (IBGE, 2012, p. 40). Em decorrência do acelerado crescimento populacional de idosos no Brasil, verifica-se que esse fenômeno social vem se tornando um tema interessante nos meios dos intelectuais e políticos. Com o progressivo envelhecimento da população, vem surgindo novas necessidades referentes às dimensões biológicas, psicológicas, econômicas, sociais e de cidadania das pessoas idosas. Portanto, é necessário abrir um diálogo em conjunto com a família, sociedade e Estado, com intuito de criar políticas e serviços que respondam adequadamente as necessidades desse segmento populacional. O Brasil apresenta hoje um acelerado crescimento nas proporções de idosos. O fenômeno do envelhecimento populacional deu-se em decorrência das melhorias nas condições sanitárias e de vida, e, principalmente, da queda acelerada nas taxas de fecundidade e de natalidade. A expectativa de vida no final do século XX chega quase aos 70 anos. Entre 1991 e 2000, a população brasileira com mais 18 de 60 anos aumentou duas vezes e meia a mais, 35%, do que a população mais jovem, que cresceu 14% (LIMA-COSTA et al, 2002). O envelhecimento populacional também foi demonstrado pela Organização Mundial de Saúde (2002), que refere uma população de 60 anos ou mais passando de 542 milhões em 1995 para 1,2 bilhão em 2025. Segundo a Síntese dos Indicadores Sociais do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE, 2012), no período de 2001 a 2011, o crescimento do número de idosos com 60 anos ou mais de idade passou de 15,5 milhões de pessoas para 23,5 milhões de pessoas. A participação relativa desse grupo na estrutura etária populacional aumentou de 9,0% para 12,1% no período. De acordo com a autora Minayo (2004), comparando os dados do Brasil com outras regiões constata-se que o envelhecimento populacional aqui ocorre em uma velocidade muito maior que a dos países europeus, os quais levaram cerca de 140 anos para envelhecer. Na Europa, o grupo que mais cresce tem mais de 80 anos, e no Brasil é a faixa de 60 a 69 anos que aumenta mais rapidamente. A população idosa no Brasil não é homogênea em relação à distribuição de renda, e nem por faixas etárias. Somente 25% das pessoas acima de 60 anos ganham 3 salários mínimos ou mais. Isto que dizer que cerca de 75% é pobre, existindo uma parcela de 43% na faixa da miserabilidade. Ainda é importante assinalar que as desigualdades sociais também indicam riscos diferenciados de sofrer violência e os mais pobres são mais vulneráveis (MINAYO, 2004). Dentro do contingente da população idosa, estabelece-se uma classificação interna ao próprio grupo, visando à atuação das políticas sociais. O grupo que se encontra na faixa etária entre 60 e 64 anos se denomina terceira idade: neste grupo há menos pessoas físicas e mentalmente dependentes, estando grande parte ativa e apta ao trabalho. É desse segmento que, geralmente, surgem denúncias de maus tratos e violências, visto que este grupo possui mais autonomia e condições de buscar ajuda. Na faixa de 70 a 80 anos, denominado de quarta idade, os idosos sentem mais dificuldades de reagir às agressões físicas, econômicas e psicológicas. E já se utiliza a classificação de quinta idade para o grupo acima de 80 anos (PEIXOTO, 2000). Neri (2003), em seu trabalho, acrescenta que o envelhecimento no Brasil se configura como um grave problema, na medida em que a população idosa está 19 crescendo rapidamente e os idosos são considerados como uma carga para a sociedade. Desta forma, o envelhecimento populacional deveria ser motivo de comemoração nos dias atuais, pois as pessoas estão vivendo mais; porém, este fato é um motivo de tristeza e de grandes questionamentos. Conforme Carvalho e Garcia (2003) é importante refletir que o envelhecimento populacional não se refere às pessoas e nem às gerações, mas à mudança na estrutura etária da população, produzindo um aumento de pessoas acima de determinada idade, que segundo a legislação brasileira, inicia-se a partir de 60 anos. Segundo Veras (2003), o Brasil, que no início do século 20 tinha uma expectativa de vida ao nascer de 33 anos, hoje conta com recursos médicostecnológicos que possibilitam ao indivíduo chegar aos 90 ou 95 anos, sendo estimado para as próximas décadas uma média de 130 anos. Por conseguinte, ressalta o desafio dos avanços científicos e tecnológicos em possibilitar que a pessoa idosa chegue a esta faixa etária de forma independente e sadia. Ao compreender o processo de envelhecimento populacional como um fato hoje evidenciado na realidade brasileira, é imensurável a necessidade de planejamento e reorganização das políticas públicas para atender as necessidades requeridas pela população idosa. Por outro lado, ressurge com maior evidência a problemática da violência contra o idoso, o enfretamento desta questão e as possíveis consequências para a saúde e qualidade de vida desta população. Sem dúvida, requer grandes preocupações o envelhecimento populacional, principalmente quando se constata que a maioria do grupo de idosos encontra-se em situação de pobreza ou extrema pobreza, configurando um quadro de vulnerabilidade e risco sociais, tendo ainda como agravante, a existência da violência em suas diversas formas contra este segmento da população. Tento em vista, o crescimento acelerado da população idosa faz-se necessário uma compreensão do papel fundamental que a família e o Estado têm sobre seus idosos, tendo a responsabilidade de lhes garantir uma vida digna, com qualidade e a cima de tudo respeito. 20 1.3 O significado da família A palavra família, no sentido popular e nos dicionários, significa “pessoas aparentadas que vivem, em geral, na mesma casa, particularmente o pai, a mãe e os filhos, ou ainda, pessoas de mesmo sangue, ascendência, linhagem, estirpe ou admitidos por adoção” (PRADO, 2011, p.12). Podendo ser definida conforme o dicionário como “conjunto de todos os parentes de uma pessoa; descendência; raça; grupo de animais, vegetais ou minerais que apresentam caracteres comuns entre si” (AMORA, 2010, p. 307). Conforme Arcoverde (2002), a origem e o significado para expressão família consiste em: Família é nome feminino e data do século XIV. Família vem do latim famulos e quer dizer escravo doméstico (Engels, 1997). A expressão foi criada pelos romanos para designar um novo organismo social que surge entre as tribos latinas ao serem introduzidas à agricultura e a escravidão legal, pois o chefe mantinha sob seu poder a mulher, os filhos e um certo números de escravos, com poder de vida ou de morte sobre todos eles, donde se originou o paterpotesta ou pátrio-poder (ARCOVERDE, 2002, p. 146). A família é um espaço indispensável para garantir a sobrevivência, o desenvolvimento e a proteção integral do seu grupo social. É na família que se processa a construção da identidade individual e é nela onde se constrói a relação de laços efetivos e sociais na comunidade. Portanto, a família é responsável pela criação dos vínculos sociais, biológicos, efetivos, emocionais e jurídicos-políticos dos indivíduos. A família estabelece limites: nela se processa a comunicação entre seus membros, conformando o ciclo de vida e fazendo com que o membro familiar tornese capaz de agir, reagir, perceber e responder ao contato com o mundo externo. É no núcleo familiar que se forma a identificação com as figuras parentais e a identificação de gênero, desenvolvendo, assim, a sexualidade, o isolamento, a rivalidade e os ódios. É na família que se desenvolve os laços afetivos e o relacionamento, desempenhando papel socializador e estrutural do indivíduo com o grupo (ARCOVERDE, 2002). Para Prado (2011), a forma mais conhecida e valorizada nos dias atuais sobre família, é aquela composta de pai, mãe e filhos, que é chamada de família 21 nuclear ou família normal, embora existam várias reflexões sobre os tipos de família. A natureza das relações dentro de uma família vai se modificando no decorrer do tempo; isto está relacionado aos papéis assumidos por homem e mulheres dentro do núcleo familiar e refletindo o surgimento de uma nova estrutura social que não poderá ser modificada sem que toda a sociedade mude também. Assim, os diversos tipos de família podem conviver em uma mesma época e local, pois os fatores que determinam o predomínio de família nuclear são os fatores culturais e socioeconômicos. [...] A família não é um simples fenômeno natural. Ela é uma instituição social que varia ao longo da história e até apresenta formas e finalidades diversas em uma mesma época e lugar, conforme o grupo social em que esteja sendo observado (PRADO, 2011, p. 17). Ainda conforme a autora supracitada, a família, como toda instituição social, apresenta aspectos positivos e negativos. Um dos aspectos positivos é o núcleo afetivo de apoio e solidariedade entre os membros das famílias. No entanto, ao lado desses aspectos há outros negativos, como a imposição normativa por meio de leis, usos e costumes, que implicam formas e finalidades rígidas que, muitas vezes, tornam-se elementos geradores de conflitos e ambiguidades. Apesar dos conflitos, a família é única em seu papel determinante no desenvolvimento da sociabilidade, da efetividade e do bem-estar físico dos indivíduos. A autora ainda menciona que a família varia conforme sua composição e durante a sua trajetória, existindo vários tipos de família em uma mesma época e local. Portanto, a família não é um simples fenômeno natural, ela é uma instituição social que sofre modificações conforme a conjuntura da época e lugar. A instituição família sofre influência do meio político, econômico, social e cultural; essas influências ocasionam mudanças na estrutura da composição familiar, surgindo, assim, novas organizações familiares. No século XXI surge uma nova realidade da organização familiar, a família pós-moderna, tendo essa denominação devido aos diversos tipos de convivência familiar, como: casamentos sucessivos com parceiros distintos e filhos de diferentes uniões; união de casais homoafetivos adotando filhos legalmente; casais com filhos ou parceiros isolados ou cada um vivendo com uma das famílias de origem. 22 Segundo Prado (2011), existem diversos arranjos familiares que podemos considerar como experiências de vida em comunidades; existem ainda outras formas de famílias as quais não cabem conceitos clássicos, pois elas têm surgido e se desenvolvido nas sociedades mais adiantadas do mundo moderno. Podemos destacar entre esses arranjos familiares, a família criada em torno de um “casamento participativo”, que se trata de ultrapassar os papéis sexuais tradicionais, e onde o marido e a mulher participam das mesmas tarefas caseiras e externas. Outra forma de família é o “casamento experimental”, que consiste na coabitação durante algum tempo e que só terá tal situação legalizada após o nascimento do primeiro filho. Esse tipo de relacionamento não constitui, em sua primeira, fase uma família, e redundará para o casal e seus filhos, mais tarde, em uma família nuclear. Outra forma de família seria aquela baseada na “união estável” ou “união livre”: em alguns aspectos, é semelhante à escolha anterior, mas caracteriza-se pela intenção de recusar a formalização religiosa e a legalização civil, mesmo com a presença de filhos. A união estável pode ser um casamento monogâmico cuja interpretação da comunidade diverge de forma tradicional, sendo reconhecida pela Constituição Federal de 1988, que a equiparou ao casamento, com o fim de preservar a família. Direitos e deveres adquiridos com a união estável hoje são bastante semelhantes aos do casamento. A última forma de família é a “família homossexual”, que ocorre quando duas pessoas do mesmo sexo vivem juntas, com ou sem crianças adotivas ou resultantes de uniões anteriores, ou ainda, no caso de mulheres, quando se decide por filhos com inseminação artificial. Diante da explanação de Prado (2011) sobre as diversas formas de famílias, a autora ainda estabelece que uma família não é só um tecido fundamental de relações, mas, também um conjunto de papéis socialmente definidos. A organização da vida familiar depende do que a sociedade, por meio de seus usos e costumes, espera de um pai, de uma mãe, dos filhos, de todos seus membros. Por intermédio da família que é a menor célula organizada da sociedade, o Estado pode exercer controle sobre os indivíduos, impondo-lhes diferentes responsabilidades, conforme cada momento histórico. Entretanto, nossa instituição familiar é patriarcal, autoritária e monogâmica. 23 Bruschini (2000) relata que a tendência à naturalização da família tem dois níveis: um do senso comum e outro da reflexão científica, que leva à identificação do grupo conjugal como forma básica e elementar de toda família e à percepção do parentesco e da divisão de papéis como fenômeno naturais. Ainda para a autora, a compreensão de família deveria ser o de “dissolver sua aparência de naturalidade, percebendo-a como criação humana mutável” (BRUSCHINI, 2000, p. 35) e observando que as relações muitas vezes coincidentes que conhecemos atualmente entre grupo conjugal, rede de parentesco, unidade doméstica/residencial, podem se apresentar como instituições bastante diferenciadas em outras sociedades ou em diferentes momentos históricos. Desta forma, a família, tal como conhecemos atualmente em nossa sociedade, não é uma instituição natural e assume configurações diversificadas em torno de uma atividade de base biológica: a reprodução. Assim como a família não é uma instituição natural, podendo assumir configurações diversificadas em sociedades ou grupos sociais heterogêneos, o modelo nuclear da família que nos parece tão natural, só se consolidou por volta do século XVIII, segundo nos informa os estudos históricos. A mutualidade seria, portanto, outra característica do grupo familiar (BRUSCHINI, 2000, p. 51). Para Prado (2011) e Bruschini (2000) a família é, sobretudo, uma agência socializadora, cujas funções concentram-se na formação da personalidade dos indivíduos. A família teria a função básica de socialização primária das crianças e de estabilização das personalidades adultas da população. A família vem sofrendo modificações e essas modificações refletem na composição dos arranjos familiares e têm ocasionado problemas na proteção e nos cuidados aos idosos, pois no que diz respeito à relação entre família e Estado, tornase evidente a transferência desses cuidados para as famílias, onde, muitas vezes, torna-se uma sobrecarga, tendo em vista a precária condição socioeconômica que uma parcela da população está submetida. Dessa forma, de acordo com Bruschini (2000), a história da família é descontinua, não-linear e não-homogênea, consistindo em padrões familiares distintos, cada um com sua própria história. De acordo com Debert (1999 apud LEME, SILVA, 2002), a população idosa é proveniente de uma época com marcados valores culturais, nos quais a família ampliada exercia importante papel. Entretanto, tendo em vista as atuais 24 modificações na estrutura e nas relações familiares, a família ostenta o papel delegado pelo Estado e pela sociedade sem ter condições de assumir essa obrigação. Ou seja, as famílias estão sendo cada vez mais solicitadas a cuidar de seus segmentos vulneráveis, sem condições para tal papel, devido ao trabalho, aos estudos e as próprias imposições da vida moderna. Diante do exposto sobre o significado de família e tendo em vista o envelhecimento populacional e as transformações sociais na família, nos perguntamos: Como será que a família está se organizando em relação as cuidados para com o idoso? É nessa perspectiva de cuidado da família em relação a este segmento populacional que será apresentado o que o Estado propõe em relação à proteção social ao idoso. Com o aumento acelerado da população idosa no Brasil, conforme demonstrado anteriormente, o Estado desempenha um papel primordial a este segmento populacional, com a criação de redes de proteção e assistência ao idoso. No entanto, faz-se necessário discutirmos acerca da rede de proteção e assistência ao idoso no município de Maracanaú. 1.4 A rede de proteção ao idoso A rede de proteção e assistência ao idoso tem seu papel de atuação definido a partir das garantias legais previstas na Constituição Federal de 1988, na Política Nacional do Idoso (Lei Federal nº 8.842/94) e no Estatuto do Idoso (Lei Federal nº 10.741/2003) (BRASIL, 1994a; 2003). A Constituição Federal de 1988, o Estatuto do Idoso e a Política Nacional do Idoso centralizam a família como o locus privilegiado da garantia da proteção social ao idoso. Também na Constituição Federal de 1988, espelha-se a responsabilidade familiar e assistência mutua entre pais e filhos e a obrigação do Estado em manter programas de amparo ao idoso, em seu capítulo VII, nos artigos 229 e 230. O artigo 229, versando sobre a criança, o adolescente e o idoso, diz que “os pais têm o dever de assistir, criar e educar os filhos menores e os filhos maiores têm o dever de ajudar e amparar os pais na velhice, carência ou enfermidade”. Portanto, o artigo 229 atribui aos filhos a obrigação de cuidar dos pais na velhice, em situação de doença ou carência. O artigo 230 definiu que o cuidado com os idosos é dever 25 conjunto da família, do poder público e da sociedade, assegurando sua participação na comunidade, defendendo sua dignidade, bem-estar e garantindo-lhe a vida. Segundo o art. 3º do Estatuto do Idoso: [...] é obrigação da família, da comunidade, da sociedade e do poder público assegurar ao idoso, com absoluta prioridade, a efetivação do direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, à cultura, ao esporte, ao lazer, ao trabalho, à cidadania, à liberdade, à dignidade, ao respeito e à convivência familiar e comunitária (BRASIL, 2003). A partir dessa determinação elencada no Estatuto do Idoso, pode-se definir que a rede de proteção e assistência ao idoso é composta pela família, comunidade, sociedade e poder público, tendo cada um suas atribuições que articuladas permitem ao idoso um envelhecimento saudável e em condições de dignidade. Na década de 90, foi aprovado a Política Nacional do Idoso (Lei nº 8.842 de 1994), que objetivou colocar em prática ações voltadas não apenas para os idosos, mas para aqueles que ainda irão envelhecer, no sentido de garantir a melhoria da qualidade de vida das pessoas com 60 anos ou mais de idade e estabelecendo que os maiores de 60 anos serão objeto de atenção especial do Estado. O Estatuto do Idoso (Lei 10.741 de outubro de 2003) tem a finalidade de regular os direitos desse segmento populacional e determinar que o Estado, a sociedade e a família sejam os entes responsáveis pela proteção e garantia desses direitos. Em relação ao Estado, conforme o artigo 9º é obrigação do Estado, garantir à pessoa idosa a proteção à vida e à saúde, mediante efetivação das políticas públicas, de acordo com as prerrogativas do Estatuto do Idoso que permitem um envelhecimento saudável e em condições de dignidade. O idoso também está presente na Política Nacional de Saúde de 1999, onde a Constituição Federal de 1988, por meio da criação do Sistema Único de Saúde (SUS), definiu a saúde como um direito de todos e dever do Estado. Esta política tem como principais diretrizes: a promoção do envelhecimento saudável; a manutenção da capacidade funcional; a assistência às necessidades de saúde do idoso; a reabilitação da capacidade ou recursos humanos especializados; o apoio ao desenvolvimento de cuidados informais e o apoio a estudos e pesquisas sobre o tema. 26 Nesse sentido, a Política Nacional de Saúde do Idoso (1999) traz as seguintes considerações: O idoso consome mais serviços de saúde, as internações hospitalares são mais frequentes e o tempo de ocupação do leito é maior do que de outras faixas etárias. Em geral, as doenças dos idosos são crônicas e múltiplas, perduram por vários anos e exigem acompanhamento médico e de equipes multidisciplinares permanentes e intervenções contínuas (BRASIL, 1999). A política de saúde, portanto, possui um papel essencial em assegurar a notificação dos casos de idosos atendidos nos mais diversos serviços com alguma suspeita de situação de violência. Os profissionais de saúde estão em posição privilegiada para identificar casos de violência doméstica, visto que frequentemente são procurados para o tratamento das lesões e/ou sequelas resultantes da violência, especialmente nos casos em que a vítima procura ou é levada a um serviço de emergência. Da mesma forma, as unidades básicas de saúde, principalmente aquelas que possuem visitadores domiciliares, muitas vezes se constituem nas únicas instituições a que pessoas em situação de violência têm acesso. Vale ressaltar, que este diagnóstico depende da sensibilização do profissional para a identificação (CEARÁ, 2002). Acrescenta-se que o Estatuto do Idoso prevê a obrigatoriedade dos profissionais de saúde comunicar os casos de suspeita ou confirmação de maustratos contra idosos aos órgãos de autoridade policial, Ministério Público e Conselho do Idoso, seja municipal, estadual ou nacional. Quanto à política de assistência social no referido município, possui como rede de proteção social ao idoso os seguintes equipamentos: 10 Centros de Referência da Assistência Social (CRAS); 01 Centro de Referência Especializado da Assistência Social (CREAS); e 01 Centro de Convivência do Idoso (CCI). Os Centros de Referência da Assistência Social são distribuídos a partir de uma determinada territorialidade, ou seja, estão localizados em territórios em que há acentuados índices de vulnerabilidade e risco sociais. Atendem indivíduos e famílias na perspectiva de prevenir a ocorrência das mais diversas situações de violência. Para tanto, disponibilizam os serviços de Proteção e Atendimento Integral à Família (PAIF), o Serviço de Convivência e Fortalecimento de Vínculos e o Serviço de Proteção Social Básica em domicílio, para pessoas com deficiência e idosas, conforme previsto na Resolução nº 109, de 11 de novembro de 2009, que trata da Tipificação Nacional dos Serviços Socioassistenciais. 27 O Centro de Convivência do Idoso é um equipamento da proteção social básica que disponibiliza atividades socioeducativas voltadas à promoção de ações que assegurem os direitos de cidadania do idoso, defendendo sua dignidade e bemestar e o fortalecimento da convivência familiar e comunitária. Em relação ao Centro de Referência Especializado da Assistência Social, são disponibilizados serviços para atendimento de indivíduos e famílias com seus direitos violados, mas cujos vínculos familiares e comunitários não foram rompidos. É composto por uma equipe multidisciplinar, formada por assistentes sociais, psicólogos, pedagogo e advogado, que prestam os seguintes serviços: Proteção e Atendimento Especializado a Famílias e Indivíduos (PAEFI); serviço especializado em abordagem social; serviço de proteção social a adolescentes em cumprimento de medida socioeducativa de Liberdade Assistida (LA) e de Prestação de Serviços à Comunidade (PSC); serviço de proteção social especial para pessoas com deficiência, idosos e suas famílias e serviço especializado para pessoas em situação de rua, conforme preconiza o documento da Tipificação dos Serviços Socioassistenciais do Ministério de Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS/2009). No tocante à política de saúde no município, constata-se a existência da atenção primária em saúde, viabilizada mediante a Estratégia Saúde da Família e dos agentes comunitários de saúde; 01 Centro de Atenção Psicossocial (CAPS); 01 Centro de Atenção Psicossocial/Álcool e outras Drogas (CAPSAD); 01 Centro de Atenção Psicossocial Infantil (CAPSI) e 01 Hospital Municipal de Média Complexidade. Para a articulação e gerência das ações e serviços municipais relacionados à saúde do idoso, existe a Coordenação de Saúde do Idoso, a qual está localizada na estrutura organizacional da Secretaria Municipal de Saúde. Salienta-se também a atuação em Maracanaú da Promotoria de Defesa do Idoso e do Conselho Municipal de Defesa da Pessoa Idosa, como importantes atores na defesa dos direitos deste segmento da população, e que, portanto, compõem a rede de proteção e assistência ao idoso. A partir desta breve explanação, considerando que eram necessários alguns esclarecimentos sobre o conceito de família e a rede de proteção e assistência ao idoso no município, será em seguida discutido o fenômeno da violência intrafamiliar contra a pessoa idosa. 28 2 A VIOLÊNCIA CONTRA A PESSOA IDOSA 2.1 A violência contra o idoso no contexto demográfico, antropológico e epidemiológico Para Faleiros (2004; 2007) a violência é entendida como um processo social relacional complexo e diverso. É um processo relacional que deve ser entendido na estrutura da própria sociedade e das relações interpessoais, institucionais e familiares. Ou seja, a sociedade se estrutura nas relações de acumulação econômica e de poder, nas contradições entre grupos e classes dominantes e dominadas, bem como por poderes de sexo, gênero, etnias, simbólicos, culturais, institucionais, profissionais e afetivos. Ainda para o autor supracitado, sendo a violência uma relação social conflituosa, implica disputa por posições, domínios, vantagens, lugares em uma estrutura complexa que garante poderes reais ou simbólicos a determinados indivíduos ou grupos em prejuízo de outros. A violência, pois, expressa uma relação de poder e de força. A força do poder implica assegurar o lugar do mais forte, com a submissão do outro por meio de estratégias, mecanismos, dispositivos e arranjos que levam o outro a se curvar e mesmo a consentir ao dominante, com contragosto mais ou menos expresso ou escondido (FALEIROS, 2010, p. 2). A definição de violência para Minayo (2005, p. 37) é no sentido de um conceito referente aos processos e às relações interpessoais de grupos, de classes e de gênero ou objetivadas em instituições, quando empregam diferentes formas, métodos e meios de aniquilamento de outrem ou de sua coação direta ou indireta, causando-lhes danos físico, mentais e morais. A Organização Mundial de Saúde (1996) define como violência o uso intencional da força física ou do poder, real ou sob forma e ameaça contra si próprio, contra outra pessoa, grupo ou comunidade, que resulte ou tenha grande possibilidade de resultar em lesão, morte, dano psicológico, deficiência de desenvolvimento ou privação. Diante de diversos significados de violência, destacamos a violência contra a pessoa idosa, a qual é definida pela Rede Internacional de Prevenção contra Maus-Tratos em Idosos (INPEA, 2005), com o apoio da Organização Mundial 29 de Saúde (OMS), como ação única ou repetida, ou ainda ausência de uma ação devida, que causa sofrimento ou angústia, e que ocorre em uma relação em que haja expectativa de confiança. A partir das definições de violência, Minayo (2004) considera que as violências que são cometidas contra a população idosa precisam ser vistas sob, pelo menos, três parâmetros: demográficos, sócio-antropológicos e epidemiológicos. Do ponto de vista demográfico, consta que a maior parte dos idosos está na faixa de 60 a 69 anos. No Brasil a esperança de vida ao nascer mais que dobrou do início (33 anos) ao final do século XX (quase 70 anos). De 1991 a 2000, a população brasileira com mais de 60 anos aumentou duas vezes e meia a mais (35%) do que a população mais jovem que cresceu 14% (LIMA-COSTA et al, 2002). Deve-se situar o interesse sobre o tema, vinculado ao acelerado crescimento nas proporções de idosos em quase todos os países do mundo. Antropológica e culturalmente, a idade cronológica é ressignificada como um princípio norteador de novos direitos e deveres. Isso quer dizer que a infância, a adolescência, a vida adulta e a velhice não constituem propriedades substanciais que os indivíduos adquirem como o avanço da idade. Pelo contrário, “o processo biológico, que é real e pode ser reconhecido por sinais externos do corpo, é apropriado e elaborado simbolicamente por todas as sociedades, em rituais que definem, nas fronteiras etárias, um sentido político e organizador do sistema social” (MINAYO; COIMBRA JR., 2002, p. 14). A epidemiologia, de acordo com Minayo (2005), evidencia os indicadores com os quais o sistema de saúde mede a magnitude das violências no cotidiano da vida, das instituições e do próprio Estado. Para isso, usa o conceito de causas externas que se diferencia de violência. Causas externas constituem em uma categoria estabelecida pela Organização Mundial da Saúde (OMS) para se referir às resultantes das agressões e dos acidentes, traumas e lesões. Também pode ser entendida, conforme Minayo (2008), como as causas visíveis de violência contra a pessoa idosa. Ainda discute a autora supracitada, que mediante a análise da literatura internacional, sabe-se que a violência contra a população idosa é também problema universal. Os estudos de diferentes culturas e de cunho comparativo entre países têm demonstrado que pessoas de todo os status socioeconômicos, etnias e religiões 30 são vulneráveis aos maus tratos que ocorrem de várias formas: física, sexual, emocional e financeira. Segundo Minayo (2004, p. 15), [...] as violências contra os idosos se manifestam de várias formas: a estrutural, que ocorre pela desigualdade e é naturalizada nas manifestações da pobreza, de miséria e de discriminação; a interpessoal nas formas de comunicação e de interação cotidiana e a institucional, existente na aplicação ou omissão na gestão das políticas sociais pelo Estado e pelas instituições de assistência, privilegiando a reprodução de relações assimétricas de poder, de domínio, de menosprezo e de discriminação. Neste contexto, a autora Minayo (2005) destaca que a violência se manifesta em violência estrutural, ocorrida pela desigualdade sexual e é naturalizada nas manifestações de pobreza, de miséria e de descriminação; em violência interpessoal que se expressa nas formas de comunicação e interação cotidiana, esta é a violência que ocorre principalmente no âmbito familiar; e em violência institucional que ocorre na aplicação ou omissão na gestão das políticas sociais pelo Estado e pelas instituições de assistência. Faleiros (2007) classifica a violência contra o idoso em três dimensões: a violência sócio-política; a violência institucional e a violência intrafamiliar. A violência sociopolítica se refere às relações sociais gerais que abrangem grupos e pessoas consideradas delinquentes comuns e as estruturas políticas e econômicas desiguais geradoras de exclusão e exploração dos indivíduos. A violência institucional constitui-se nas relações existentes nas instituições, nos abrigos públicos ou privados, em que se humilha e ressalta o idoso. A violência intrafamiliar é doméstica e ocorre nas relações interpessoais onde existe simultaneamente uma cumplicidade. Faleiros (2004, p. 13) refere-se à violência contra o idoso implicada na ruptura do pacto da confiança e também na negação desse sujeito em seus direitos e em suas necessidades. Como se pode perceber, a vivência de maus-tratos expõe a ruptura desse pacto de confiança que se estabelece implicitamente e, ao ser quebrado, remete a sentimentos de desamparo e decepção. O impacto subjetivo da violência se manifesta no sofrimento. O autor supracitado destaca que a violência intrafamiliar é uma das questões mais complexas no enfrentamento da violência, pois envolve “o sangue do sangue”, o pacto de confiança, as histórias familiares e as relações mais complexas 31 e profundas. Portanto, faz-se necessário um entendimento mais amplo sobre a violência intrafamiliar que será abordada no próximo tópico. 2.2 A violência intrafamiliar A violência intrafamiliar é aquela que se refere às relações interpessoais e que ocorre no âmbito doméstico, principalmente no interior dos lares, e tem sido parte da realidade da população idosa. Faleiros (2010) retrata a violência intrafamiliar como uma das questões mais complexas no enfrentamento da violência, pois envolve “o sangue do sangue”, o pacto de confiança, as histórias familiares e as relações sociais mais complexas e profundas. Esta violência praticada contra o idoso é situada no âmbito da negação da vida, da destruição do poder legitimado pelo direito, pela negação do conflito ou pelo preconceito que impede que os idosos expressem suas palavras, suas potências e até mesmo que participem do convívio familiar. Para Faleiros (2007) a violência intrafamiliar é entendida como uma “violência calada” que muitas vezes é sofrida em silêncio, sendo a maioria das violências praticadas no ambiente familiar e que os autores dessas violências são, em geral, filhos e netos das vítimas, mas também amigos próximos. Segundo Faleiros (2007, p. 15), (...) é a ruptura de um pacto de confiança, na negação do outro, podendo mesmo ser um revide ou troco. Alguns filhos pensam dar o troco de seu abandono ao entregar idosos em abrigos ou asilos e ao informarem endereços falaciosos para não serem contatados. Minayo (2005) também destaca baseada nos estudos de outros autores, que pesquisa realizada em diferentes partes do mundo revela que cerca de 2/3 dos agressores são filhos e cônjuges. São particularmente relevantes os abusos e negligências que se perpetuam por choque de gerações, por problemas de espaço físico e por dificuldades financeiras, que costumam se somar a um imaginário social que considera a velhice como “decadência” e os idosos como “passado” e “descartáveis”. Além disso, todos os estudos existentes sobre o tema, ressaltam a relevância de tocar nesse assunto, pelo fato de que os cuidados com a pessoa idosa continuam a ser, na maioria das sociedades, responsabilidades das famílias. No 32 Brasil, mais de 95% das pessoas acima de 60 anos estão morando com seus parentes ou vivem em suas próprias casas. A violência familiar é enfatizada nos estudos internacionais como a mais frequente forma de abuso contra os idosos. Minayo (2005) expõe pesquisas de estudos internacionais de Chavez (2002) e Kleinschmidt (1997), onde mostra que 90% dos casos de violência e negligência contra as pessoas acima de 60 anos ocorrem nos lares. Para o Brasil, essa afirmação seria prematura, pois as pesquisas existentes não permitem explicitar a proporção em que incidem os abusos dos parentes próximos e os que ocorrem fora dos lares e dentro das instituições. Entretanto, conforme a autora supracitada, ainda que não haja pesquisas sobre a magnitude nacional do problema, estudos focalizados comprovam a gravidade da violência familiar contra idosos no país, sendo possível dizer que as agressões e negligências estão presentes e configuram um sério problema social. Uma pesquisa feita em São Paulo no período de 1991 a 1998 tem como base 1.500 notificações, comprovando que 40% das queixas dos velhos são contra filhos, netos ou cônjuges e outros 7% se referem a outros parentes. Cerca de 13% das denúncias registradas são de agressão física e mais 60% de abusos econômicos ou de recusa dos familiares em dar-lhes proteção. Outra pesquisa realizada em Belo Horizonte, no período de 1998 a 2001, a partir da Delegacia Especializada de Proteção ao Idoso, foram analisados 1.388 casos registrados nos Termos Circunstanciados de Ocorrência (TCO) relativos aos idosos, vítimas de violência, demonstrando que do total, 1007 (72,5%) das vítimas que deram queixa eram mulheres, e 381 (27,5%) eram homens, reafirmando a tese de que no Brasil e em outras sociedades, elas são mais vitimizadas que seus companheiros. Dos agressores, os filhos correspondem a 45,3% do total; vindo a seguir companheiros e cônjuges, 15,4%; e noras e genros, 8,2%. Das várias formas de violência contra a pessoa idosa, cerca de 40% são queixas sobre ameaças e perturbações da tranquilidade. As ameaças estão relacionadas a violência sexual e a abusos econômicos. Minayo (2005) ressalta que em relação à especificidade de gênero, os estudos revelam que, no interior dos lares, as mulheres são proporcionalmente mais abusadas que os homens. 33 Em ambos os sexos, os idosos mais vulneráveis são os dependentes física ou mentalmente, sobretudo quando apresentam problemas de esquecimento, confusão mental, alterações no sono, incontinência, dificuldades de locomoção, necessidades de locomoção, necessitando de cuidados intensivos em suas atividades da vida diária (MINAYO, 2005, p. 36). A autora expõe que as situações de violência mais comuns são os abusos econômicos e financeiros, e a negligência, que se expressa e sintetizam as várias formas de violência, como também quem os comete decreta a morte e exclusão social do idoso. De acordo com as análises do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (apud MINAYO, 2005, p. 29), os abusos financeiros e econômicos geralmente são cometidos por familiares. Desta forma, os abusos econômicos e financeiros se associam a várias formas de maus tratos físicos e psicológicos que produzem lesões ou até a morte. Os maus tratos contra os idosos acontecem aliados a outros tipos de violências, pois como consequência, muitos idosos passam a sentir depressão, alienação, sentimentos de culpa e negação das ocorrências e situações que os vitimizam e os levam a viver em desesperança. Entre os fatores de vulnerabilidade das pessoas idosas em relação à violência familiar, existe uma forte associação entre maus tratos e dependência química. Para um maior entendimento sobre a violência intrafamiliar, faz-se necessário um esclarecimento sobre a classificação das formas de violência contra a pessoa idosa que iremos abordar a seguir. 2.3 Classificação da violência intrafamiliar Existem vários conceitos sobre a classificação das situações de violência intrafamiliar, e a partir de estudos da literatura, percebe-se que os autores definem as formas mais comuns de violência familiar contra a pessoa idosa. É a partir das definições do que é considerada a violência contra o idoso que se aponta as classificações e as situações de maus-tratos que ainda são praticados em nossa sociedade contra o idoso. A violência contra o idoso se apresenta de diversas formas, de acordo com a classificação de alguns autores como Minayo (2005) e Faleiros (2007), que tratam do tema. 34 Minayo (2005) define as formas de violência contra o idoso, a partir da conceituação e da classificação internacional, pelas situações de abuso físico, maus-tratos físicos ou violência física; abuso psicológico, violência psicológica ou maus-tratos psicológicos; abuso sexual ou violência sexual; abandono; abuso financeiro e econômico; autonegligência e negligência. O entendimento da autora acerca destas situações de violência são as seguintes: O abuso físico, mau- tratos físicos ou violência física são expressões que se referem ao uso da força física para compelir os idosos a fazerem o que não desejam, para feri-los, provocar-lhes dor, incapacidade ou morte. Já o abuso psicológico, violência psicológica ou maus-tratos psicológicos correspondem às agressões verbais ou gestuais com o objetivo de aterrorizar os idosos, humilhá-los, restringir sua liberdade ou isolá-los do convívio social. Abuso sexual ou violência sexual entende-se que são termos que se referem ao ato ou jogo sexual de caráter homo ou heterorrelacional, utilizando pessoas idosas. Esses abusos visam a obter excitação, relação sexual ou práticas eróticas por meio de aliciamento, violência física ou ameaças. Abandono é uma forma de violência que se manifesta pela ausência ou deserção dos responsáveis governamentais, institucionais ou familiares que prestarem socorro a uma pessoa idosa que necessite de proteção. Abuso financeiro e econômico consiste na exploração imprópria ou ilegal dos idosos ou de seus recursos financeiros e patrimoniais sem o seu consentimento. Esse tipo de violência ocorre, sobretudo, no âmbito familiar. A autonegligência diz respeito à conduta do idoso que ameaça sua própria saúde ou segurança, pela recusa de prover cuidados necessários a si mesmos. A negligência que se refere à recusa ou à omissão de cuidados devidos e necessários aos idosos, por parte dos responsáveis familiares ou institucionais. A negligência é uma das formas de violência contra os idosos mais presente no país (MINAYO, 2005, p. 30). Para Faleiros (2007), a classificação da violência contra os idosos em relação à violência intrafamiliar se apresenta nas situações de violência física, violência psicológica, violência financeira, violência sexual, negligência e abandono. As definições destas situações de violência apresentam-se abaixo: Violência física: esta violência implica em uma relação de poder com colisão no corpo e na integridade física dos indivíduos que resulte em marcas visíveis ou mesmo em morte. Pode vir acompanhada da violência psicológica. Exemplos: agressões, ferimentos, cárcere, golpes e escravidão, entre outros. 35 Violência psicológica: sendo esta uma relação de poder com uso da força da autoridade ou da superioridade sobre o outro, de forma inadequada, com exagero e descaso. Exemplos: humilhação, chantagem, provocar raiva ou choro, separar de pessoas queridas, insulto e desvalorização, entre outros. Violência financeira: é uma relação de poder que resulta em pressão sobre o outro para ceder dinheiro com base em chantagens e abuso de confiança, pressão para vender a casa ou bens, pressão para fazer testamentos ou doações, e retenção de cartão, entre outras. Violência sexual: resulta em uma relação de poder pela força ou sedução, entre um agressor e a vítima, para satisfação sexual do agressor com submissão do indivíduo vitimizado. Se expressa, também, na exploração sexual através de pornografia, toques e beijos, entre outras expressões. Negligência e abandono: sendo estas uma relação de poder que resulta em abandono, ou seja, em descuido, desresponsabilização e descompromisso do cuidado e do afeto; medicação e vestimenta descuidadas; assistência de saúde incompleta; descuido na comida e deixar de lado dos contatos sociais. No geral, se caracteriza como a etapa inicial de um processo de violência, além de configurar o abandono. Baseado nas definições sobre a violência contra os idosos, Faleiros (2007) traz dados referentes ao índice de violência contra idosos no estado do Ceará e na cidade de Fortaleza, com base em dados levantados do Ministério Público – Centro de Apoio Operacional da Cidadania e Alô Idoso, proporcionando traçar um panorama sobre a problemática, pode-se constatar uma predominância da violência física, correspondente a 35,72%; negligência, 23,81%, abuso financeiro, 15,48%, de abandono, 13,09% e de violência psicológica, 10,71%. Dados do Alô Idoso mostram a distribuição das vítimas por faixas etárias, sendo 33,33% acima de 80 anos, 40,48% na faixa entre 70 e 79 anos e 26,19% de 60 a 69 anos. Também é possível verificar através dos dados o perfil dos vitimizadores, sendo em sua grande maioria filhos – 42,86%, filhas – 23,81%, o que corresponde a 66,67% dos agressores. Netos e netas estão presentes em 14,29% dos casos; companheiros e companheiras, em 8,33% e genros e noras em 2,38%, o mesmo percentual para sobrinhos. (FALEIROS, 2007, p.149). Nesse contexto, a autora Minayo (2005) mostra que esta violência se manifesta em violência estrutural, que é aquela que ocorre pela desigualdade sexual e é naturalizada nas manifestações de pobreza, de miséria e de discriminação; em violência interpessoal, que se expressa nas formas de comunicação e interação cotidianas, esta é a violência que ocorre principalmente no âmbito familiar; e em violência institucional, que ocorre na aplicação ou omissão na gestão das políticas sociais pelo Estado e pelas instituições de assistência, maneira privilegiada de reprodução das relações assimétricas de poder, de domínio, de menosprezo e de discriminação. 36 No Brasil, assim como em outros países, a questão da violência contra a pessoa idosa tem sido de grande relevância, sendo a vitimização desse segmento populacional discutida já há muito tempo nas mais variadas culturas. Diante do exposto sobre a questão da violência contra o idoso, no próximo capítulo será abordado as análises da violência intrafamiliar contra o idoso no contexto do Centro de Referência Especializado de Assistência Social (CREAS). 37 3 3.1 O PERCURSO METODOLÓGICO E AS ANÁLISES DA PESQUISA A construção do objeto de pesquisa O interesse pela temática advém de um percurso acadêmico iniciado com o desenvolvimento de trabalhos e estudos em grupos direcionados ao tema Idoso e Violência, e de um acontecimento singular que foi a participação em um trabalho de campo desenvolvido pela Faculdade Cearense, no qual visitamos uma instituição de longa permanência para idosos. Incide também da experiência vivenciada como estagiária no Centro de Referência Especializada de Assistência Social do município de Maracanaú, no qual, através de acompanhamentos das pessoas que são vítimas de violência e têm seus direitos violados, pude perceber que a maior demanda de acompanhamento é aos tipos de violência contra os idosos. Diante do exposto, o objetivo geral da pesquisa trata-se de compreender a dinâmica que envolve o fenômeno da violência intrafamiliar. Trazendo como objetivos específicos: traçar o perfil socioeconômico das vítimas; identificar as múltiplas formas de violência contra a pessoa idosa; quem são os principais agressores contra o idoso no âmbito familiar; e conhecer as especificidades que envolvem a dinâmica do fenômeno da violência. Para a realização do processo inicial da construção da pesquisa, foi utilizada a pesquisa exploratória, que objetiva uma aproximação do objeto estudado. A pesquisa fundamentou-se em um estudo analítico de natureza qualitativa, porém com apresentação de dados quantitativos, bibliográficos e de campo, seguindo a premissa de Minayo (1994) quanto à preocupação de sentido, significado, representações, valores e comportamentos, respondendo a um espaço ampliado das relações, dos processos e dos fenômenos, não podendo ser reduzido a operacionalização de variáveis. Para Minayo (2003), não existe uma oposição entre o método quantitativo e qualitativo, nem um diferencial de importância de um em detrimento do outro. Ao contrário, ambos têm a sua devida importância e, dependendo do caráter da pesquisa e da concomitantemente. escolha do pesquisador, estes podem ser utilizados 38 Como forma de apreender o objeto estudado, utilizamos como procedimento técnico a pesquisa bibliográfica, documental e de campo. Por meio da pesquisa bibliográfica e documental, tivemos contato com leituras em livros, revistas, artigos, textos, além de materiais televisivos que abordam a temática, o que permitiu um aprofundamento da mesma, obtendo como categorias para o estudo: idoso, família e violência. A pesquisa de campo possibilitou um contato direto com o objeto de estudo permitindo uma aproximação aprofundada com o mesmo. Para Minayo (2004) o trabalho de campo é fruto de um momento relacional e prático: as inquietações que nos levam ao desenvolvimento de uma pesquisa nascem no universo do cotidiano. O que atrai na produção do conhecimento é a existência do desconhecido é o sentido da novidade e o confronto com o que nos é estranho. Essa produção, por sua vez, requer sucessivas aproximações em direção ao que se quer conhecer. Dentro do universo da pesquisa foi utilizado o roteiro de entrevista semiestruturada, que segundo Minayo (2004), por meio dessa técnica o pesquisador busca obter informações contidas na fala dos indivíduos envolvidos na pesquisa. A amostragem por acessibilidade foi composta por 7 participantes distribuídos em: seis idosas do sexo feminino e um idoso do sexo masculino, entre a faixa etária de 65 a 78 anos. As escolhas dos sujeitos para participação na entrevista foram feitas durante os atendimentos realizados na instituição, onde foi observada a forma de se expressar e a disponibilidade de participação dos sujeitos. A pesquisa de campo foi realizada no Centro de Referência de Assistência Social (CREAS), localizado na Avenida X, S/N, Jereissati II, Maracanaú/CE, no período de setembro a novembro de 2013. Para a realização das coletas de dados, utilizamos gravador e os conteúdos das entrevistas foram transcritas de forma integral, identificando os aspectos significativos para o esclarecimento da temática. A pesquisa de campo possibilitou realizar observações referentes aos sujeitos. Foi apresentado aos sujeitos da pesquisa o Termo de Consentimento Livre Esclarecido e os mesmos foram informados que suas identidades seriam preservadas e que as informações coletadas nas entrevistas seriam totalmente sigilosas (Conforme a Resolução de nº. 466/12 da CONEP). 39 Após o levantamento de dados e a análise do material coletado para a pesquisa, foi necessária uma organização do material, sendo sistematizadas as ideias principais. Em um primeiro momento, foi feita a leitura dos conteúdos para as escolhas dos documentos a serem utilizados pra análise. Em um segundo momento, realizou-se a exploração do material para definição do que se iria trabalhar, e também foi feito um estudo aprofundado das categorias definidas para esclarecimento dos fatos. Na última etapa, foram analisados os resultados obtidos nas etapas anteriores, proporcionando resultados que possibilitaram a construção da pesquisa. Portanto, a pesquisadora esteve atenta na captação de todas as fases da pesquisa, principalmente nas falas dos sujeitos, pois há necessidade da percepção de elementos como: gestos, expressão no olhar, na fala e nos momentos de silêncio, ou seja, todos os detalhes que devam ser analisados na construção de uma pesquisa. Desta forma, seguem dados e números do que foi coletado durante a pesquisa. 3.2 O estudo de violência intrafamiliar no CREAS A partir da coleta e análise de dados dos prontuários dos idosos atendidos pelo Serviço Social do Centro de Referência Especializado da Assistência Social no município de Maracanaú-CE, foi traçado um perfil socioeconômico dos idosos, um breve perfil dos agressores e a caracterização das diversas formas de violência contra idosos. Assim, possibilitou-se a obtenção do objetivo deste estudo, que se refere à identificação das diversas formas de violência sofrida pelos idosos atendidos no ano de 2013. Ressalta-se que foram atendidos 92 idosos e suas famílias em diversas situações de violência no ano de 2013. Deste montante, 55 famílias foram desligadas ainda no referido ano do acompanhamento no Centro Especializado, por motivo de superação da violência, falecimento do idoso ou mudança de município. Desta forma, 37 idosos permanecem atualmente em acompanhamento, visto que a situação de violência não foi superada. Tendo em vista facilitar a exposição deste estudo, optou-se em estruturar a análise documental através dos itens a seguir. 40 3.2.1 Perfil dos idosos atendidos Mediante os estudos e discussões da autora Minayo (2004), a violência contra a pessoa idosa é um problema universal, presente em diferentes culturas, acometendo idosos de todos os status socioeconômicos, etnias e religiões. Conforme o levantamento e análise dos dados coletados dos idosos atendidos em 2013 no CREAS, apresenta-se o perfil dos idosos atendidos no que se refere ao sexo, faixa etária, moradia, renda, escolaridade e acesso às políticas públicas para o idoso. Nas coletas de dados, percebeu-se que 60,86% pertencem ao sexo feminino e 39,14% ao sexo masculino. Tais índices confirmam a feminização da violência contra a pessoa idosa, apontada pela autora Minayo (2004), a qual relata que nos lares as mulheres idosas são mais abusadas que os homens, configurando a violência de gênero. Referente à idade, utilizou-se como parâmetro a delimitação da faixa etária do Censo realizado pelo IBGE, verificando-se que 28% estão entre 60 e 64 anos; 15% entre 65 e 69 anos; 15% entre 70 e 74 anos; e 42% dos idosos têm mais de 75 anos de idade. Portanto, percebe-se que a maioria dos idosos atendidos concentra-se na faixa etária entre 60 e 64 anos e mais de 75 anos de idade. Quanto aos idosos com mais de 75 anos, maior percentual encontrado em situação de violência, percebemos que este grupo sente mais dificuldades de reagir às agressões físicas, econômicas e psicológicas, estando, portanto, mais suscetível a sofrer violências. Com relação à moradia, foi constatado que de todos os idosos que são vítimas de violência, apenas 1 mora sozinho, estando 91 residindo com seu grupo familiar. Este dado indica que nem sempre a família cumpre seu papel referente à proteção e assistência ao idoso, conforme previsto nas determinações legais. Referente ao tipo de residência de todos os idosos atendidos, 97% apresenta construção de alvenaria, 2% são de taipa, e 1% mista (alvenaria e taipa). Para efeitos de análise, os dados referentes à escolaridade não serão contabilizados devido à insuficiência de informações obtidas na ficha de controle da equipe técnica e nos prontuários dos idosos e seus familiares atendidos no CREAS. 41 Considerando a renda dos idosos atendidos, constatamos que 75% possuem rendimento de apenas um salário mínimo; 8% tem rendimento de dois a três salários mínimos; e 17% sem nenhum rendimento. Minayo (2004) aponta que a população idosa não é homogênea em relação à distribuição de renda, pois somente 25% das pessoas acima de 60 anos ganham três salários mínimos ou mais; ou seja, isto representa que 75% são pobres, estando 43% na faixa da miserabilidade. Para a mesma autora, estes dados revelam a violência estrutural que reúne os aspectos resultantes da desigualdade social, da penúria provocada pela pobreza, miséria e discriminação. Apesar de ter sido verificado que a maioria dos idosos em situação de violência possui renda de apenas um salário mínimo, percebeu-se que 64% dos idosos são proprietários de suas residências. Também foi percebido na análise documental, que dos idosos atendidos, dois apresentam dependência química de álcool. O abuso de álcool e drogas pelos filhos, por outros adultos da casa ou pelo próprio idoso pode indicar sinais de vulnerabilidade e risco das pessoas idosas sofrerem violência no âmbito familiar, conforme argumentam os pesquisadores Menezes (1999), Wolf (1995) e Reay e Browne (2001). 3.2.2 O perfil dos possíveis agressores Ao se falar sobre violência contra a pessoa idosa, não se pode deixar de realizar considerações sobre os agressores. Com base na pesquisa, salienta-se que do total de 92 idosos atendidos, somente em 5 casos não foi possível tecer considerações em relação aos agressores, tendo em vista a falta de informações prestadas sobre os mesmos. Quanto à distribuição dos agressores por sexo, constatou-se que 54% pertencem ao sexo masculino e 46% ao sexo feminino, demonstrando uma parcela prevalente de agressores homens. No contexto familiar, segundo Minayo (2003), as agressões contra os idosos são praticadas, em geral, pelos filhos homens. Também foi possível observar na pesquisa que 66% dos agressores são os filhos dos idosos, seguidos de 22% são os netos, 4% são ex-companheiros, 2% 42 são outros parentes (sobrinhos, noras e cônjuges), e 2% das violências são promovidas por vizinhos. Portanto, percebe-se que a maioria dos agressores são os próprios filhos dos idosos, conforme apontam os estudos de Faleiros (2007). Verificou-se ainda um dado importante: 52% dos agressores são também os cuidadores dos idosos. Por outro lado, muitas vezes, o cuidador que também é o agressor, é a única pessoa que presta assistência ao idoso ainda que não seja satisfatória. Para Minayo (2004), alguns pesquisadores vêm desmistificando a ideia de que os cuidadores familiares seriam os mais previsíveis agressores e que as situações de violência por parte deles tenderiam a piorar com a existência de dependências múltiplas do idoso e com o tempo exigido de assistência e dedicação. Também não se pode deixar de considerar que em alguns casos de violência decorrente da omissão de cuidados aos idosos, podem ser consequentes da falta de orientação dos cuidadores diante dos fenômenos advindos com o processo de envelhecimento, que tendem a debilitar e reduzir as funções cognitivas e defesas do organismo. Na pesquisa também se constatou que 17% dos agressores possuem dependência química de álcool e 13% dependência de outras drogas. Minayo (2004) expõe que dentre todos os fatores de vulnerabilidade dos idosos à violência familiar, a grande maioria dos estudiosos ressalta a forte associação entre maus-tratos e dependência química. A partir desta breve caracterização dos agressores, viabilizada pela pesquisa documental e articulada ao referencial teórico abordado, serão abordados em seguida os tipos de violência sofrida pelos idosos atendidos no CREAS durante o ano de 2013. 3.2.3 Tipos de violência contra os idosos Com base no levantamento dos idosos atendidos, verificou-se que as denúncias das situações de violência tiveram origens diferenciadas, sendo provenientes da Ouvidoria do Estado do Ceará, do Conselho Municipal dos Direitos da Pessoa Idosa, dos próprios idosos, de familiares, da comunidade, dos serviços 43 de saúde (atenção primária e hospital municipal), 15% por denúncia anônima, e dos Centros de Referência da Assistência Social e da Promotoria de Defesa do Idoso. Faleiros (2007) descreve que, geralmente, os idosos não têm coragem de denunciar, pois há uma relação de confiança destes com seus familiares, fazendo com que a violência permaneça em segredo. No tocante aos tipos de violência, constatou-se que dos 92 idosos atendidos, 45% sofreram apenas um tipo de violência, sendo: 4% de autonegligência; 15% de violência psicológica; 25% de abuso financeiro e econômico e 56% de negligência. Neste grupo, percebe-se, portanto, que não houve a identificação da violência física, havendo, por outro lado, uma forte presença de negligência contra idosos nos casos atendidos. Minayo (2003) alerta que no Brasil a negligência é uma das formas de violência mais presentes no contexto tanto doméstico quanto no plano institucional, tendo como resultado, frequentemente, lesões e traumas físicos, emocionais e sociais para o idoso. Ainda que não haja no Brasil pesquisas sobre a magnitude do problema, estudos focalizados comprovam a gravidade da violência familiar contra idosos, configurando as agressões e negligências como um sério problema social (MINAYO, 2004). Os abusos financeiro e econômico, conforme a mesma autora cita, associa-se a várias formas de maus-tratos físicos e psicológicos, produzindo lesões, traumas ou até a morte. Para ela, quem comete esta violência consciente ou inconscientemente decreta a morte e a exclusão social do idoso. Entretanto, Minayo (2004) discorre que não é apenas nas famílias que os abusos financeiros e econômicos contra os idosos ocorrem; estes também estão presentes nas relações do próprio Estado frustrando expectativas de direitos ou se omitindo na garantia dos idosos. A violência psicológica torna-se, muitas vezes, difícil de ser percebida, pois corresponde às agressões verbais ou gestuais, que podem permanecer ocultadas no silêncio dos idosos violentados. Isto significa que esta violência possivelmente possui um percentual muito maior do que aquele obtido através da pesquisa. 44 Também não se pode deixar de mencionar a existência da violência física acometida contra os idosos atendidos. Esta violência pode provocar dor, incapacidade, traumas psicológicos ou até mesmo a morte. É importante destacar, que as quedas ocasionadas por violência física através de empurrões podem ser omitidas quando analisadas somente sob a perspectiva de desequilíbrio ou fragilidade de locomoção dos idosos. A pesquisa revela ainda um número considerável de idosos em situação de abandono, ou seja, ausência ou deserção dos responsáveis em lhes prestar socorro. Minayo (2004) relata que a sociedade brasileira, através dos anos, assimilou uma cultura que tende a separar os indivíduos velhos, considerando-os como descartáveis e um peso social. Outros estudos de pesquisadores internacionais e brasileiros, citados por Minayo (2005) tais como, Menezes (1999), Ortmann et al. (2001), Wolf (1995), Sanmartin et al (2001), Costa e Chaves (2002), Reay & Browne (2001), Williamson & Schaffer (2001), Lachs et al (1998), Anetzberger et al (1994), sobre as situações de risco que as pessoas idosas vivenciam em seus lares, apontam os seguintes dados sobre os sinais de vulnerabilidade e risco, conforme nos mostra Minayo (2005, p. 34): O agressor viver na mesma casa que a vítima. O fato de filhos dependerem financeiramente de seus pais de idade avançada. Os idosos dependerem da família de seus filhos para sua manutenção e sobrevivência. O abuso de álcool e drogas pelos filhos, por outros adultos da casa ou pelo próprio idoso. Os vínculos afetivos entre os familiares estarem fragilizados. O isolamento social dos familiares ou do idoso. O idoso ter sido ou ser uma pessoa agressiva nas relações familiares. Retrospectivo de violência na família. Os cuidadores terem sido vítimas de violência doméstica, apresentar depressão ou qualquer tipo de sofrimento mental ou psiquiátrico. Quanto à violência sexual, verificou-se que esta não foi percebida em nenhum caso dos idosos atendidos. No entanto, isso não significa que esta violência não esteja presente na população idosa; o que pode ocorrer é a ocultação deste fato, justificado pelo senso comum através da negação da vivência da sexualidade dos idosos. 45 A pesquisa documental possibilitou perceber que a grande maioria das violências sofridas pelos idosos ocorre no âmbito doméstico, configurando a violência familiar. Esta violência se torna preocupante na medida em que se constata que hoje mais de 99% dos idosos vivem em residências. Portanto, a violência familiar é enfatizada nos estudos internacionais como a mais frequente forma de abuso contra os idosos. 3.3 O relato dos sujeitos envolvidos na pesquisa Como dito anteriormente as análises das falas dos sujeitos envolvidos na pesquisa contou com a participação de sete entrevistados, sendo que seis dos entrevistados correspondem ao sexo feminino e um ao sexo masculino. Ressaltamos que a identidade de todos os envolvidos na pesquisa foi resguardada, e por essa razão adotamos nomes fictícios como Maria, Rosa, Célia, Ana, Bia, Nilde e João. Conforme Arcoverde (2002), a família é um espaço indispensável para garantir a sobrevivência, o desenvolvimento e a proteção integral do seu grupo social. É na família que se processa a construção da identidade individual. É nela onde se constrói a relação de laços afetivos e sociais na comunidade. Ainda conforme o autor, a família estabelece limites e nela se processa a comunicação entre seus membros, conformando o ciclo de vida e fazendo com que o membro familiar torne-se capaz de agir, reagir, perceber e responder ao contato com o mundo externo. É no núcleo familiar que se forma a identificação com as figuras parentais e a identificação de gênero, desenvolvendo, assim, a sexualidade, o isolamento, a rivalidade e o ódio. É na família que se desenvolve os laços afetivos e o relacionamento, desempenhando o papel socializador e estrutural do indivíduo com o grupo. Dessa forma, podemos observar nos depoimentos dos idosos o significado de família. Família pra mim é tudo, é amor, carinho, união, eu acho a coisa mais importante na vida, é muito bonito ver uma família unida, uma ajudando o outro [...] (MARIA, 68 anos). Família é a base de tudo, quando há respeito e união entre todos (ROSA, 70 anos). 46 Família era pra ser a coisa mais importante do mundo, mas do jeito que as coisas estão hoje, ninguém liga pra isso, ninguém respeita mais ninguém minha filha [...] (JOÃO, 83 anos). Quando se tem respeito, a família é a coisa mais importante da vida (CELIA, 76 anos). A família era importante, antes se tinha respeito pelos pais né! Hoje em dia os filhos não respeitam mais os pais, agente ganha uma mixaria e eles querem tomar, isso é falta de respeito, pra mim a família, a união não existe mais não (BIA, 78 anos). Eu gostava muito de tá com a minha família, pra mim era a coisa mais importante, me sentia bem, eles tinham respeito por mim, mas depois fiquei doente, ai me tornei um fardo pra eles (ANA, 70 anos). O significado da família é a união entre todos, todos se respeitando e se ajudando, ai sim é uma família (NILDE, 63 anos). Prado (2011) relata que a natureza das relações dentro de uma família vai se modificando no decorrer do tempo e isto está relacionado aos papéis assumidos por homem e mulheres dentro do núcleo familiar, refletindo o surgimento de uma nova estrutura social. Contudo, a família vem sofrendo modificações ao longo do tempo e isso será refletido na convivência intrafamiliar, principalmente com relação ao idoso, que terá que conviver com novos arranjos familiares e diferentes gerações, sendo este também um provável fator que contribuirá para a violência. Faleiros (2004) refere-se à violência contra o idoso na ruptura de pacto de confiança e também na negação desse sujeito em seus direitos e em suas necessidades. Como se pode perceber, a vivência de maus-tratos expõe a ruptura desse pacto de confiança que se estabelece implicitamente e que, ao ser quebrado, remete a sentimentos de desamparo e decepção. O impacto da violência se manifesta no sofrimento. Nas falas dos sujeitos entrevistados pudemos perceber que a maioria dos idosos não se reconhecem como vítimas, pois para este segmento é muito difícil admitir que sofre ou já sofreu algum tipo de violência no ambiente familiar. Diante da violência sofrida, os idosos têm medo de falar ou sofrem com isso, formando-se o que Faleiros (2007) chama de conluio do silêncio, que objetiva manter o pacto de confiança pressuposto pelos laços familiares. Para os idosos, a decisão de desvelar a situação de maus-tratos vividos na família não é fácil, mobiliza sentimentos na medida em que remete à imagem de família. Entretanto, a pesquisadora buscou apreender a percepção geral dos idosos 47 com relação à violência fazendo perguntas de forma compreensiva, sem incluí-lo diretamente. Assim, fizemos as seguintes perguntas: Em sua opinião, o que leva um familiar a maltratar um idoso? O que você entende por violência contra o idoso? Você já sofreu algum tipo de violência? Se sofreu, qual o tipo? Como podemos observar nos depoimentos, os idosos relatam as suas opiniões: Isso é uma falta de respeito, falta de consciência. A gente trabalha tanto pra criar um filho e depois é assim que ele paga, com a ignorância, com a falta de respeito (JOÃO, 83 anos). Maltratar um idoso é um crime, fazer uma coisa dessas com uma pessoa tão indefesa! Porque o velho é mesmo que uma criança, não tem defesa de nada (CÉLIA, 76 anos). A falta de atenção também é uma violência, deixar um idoso sozinho em casa, não conversar, né? Isso é muita falta de consideração, muita falta de amor pelas pessoas (BIA, 78 anos). Um filho que abandona um pai que tanto fez por ele no passado é horrível, fazer isso com uma pessoa do seu próprio sangue, isso não é de Deus (JOÃO, 83 anos). Eu acho uma coisa triste, porque a família é pra ser unida, ninguém tem o direito de tirar o pouco que o idoso tem (NILDE, 63 anos). Há muito tempo em vivi uma coisa chata, minha nora me dizia tanta palavra feia, isso também é uma violência, graças a Deus ela foi embora, meu filho só acreditava nela sabe, foi difícil [...] (ROSA, 76 anos). Eu nem gosto de falar sobre isso, prefiro não falar pra não lembrar das coisas triste que me acontecia (ANA, 70 anos). Diante dos relatos apresentados, percebemos a dificuldade de se tratar um assunto delicado, isso foi um grande desafio, ultrapassar as barreiras do medo, da insegurança e do sofrimento vivenciado pelos sujeitos entrevistados. Faleiros (2010) retrata a violência intrafamiliar como uma das questões mais complexas no enfrentamento da violência, pois envolve “o sangue do sangue”, o pacto de confiança, as histórias familiares e as relações sociais mais complexas e profundas. Esta violência praticada contra o idoso é situada no âmbito da negação da vida, da destruição do poder legitimado pelo direito, pela negação do conflito ou pelo preconceito que impede que os idosos expressem suas palavras, suas potências e 48 até mesmo que participem do convívio familiar. Para Faleiros (2007), a violência intrafamiliar é entendida como uma violência calada, que muitas vezes é sofrida em silêncio, sendo a maioria das violências praticadas no ambiente familiar e que os autores dessas violências são, em geral, filhos e netos das vítimas, mas também amigos próximos. Dessa forma, a afirmação de Faleiros (2007) é contemplada na fala dos sujeitos, quando foram perguntados se já haviam sofrido algum tipo de violência doméstica. Eu não gosto de falar nisto não! eu tenho medo, não sei onde está conversa pode chegar, não gosto de confusão e nem de briga (NILDE, 63 anos). Ninguém assume que já sofreu alguma violência, por medo né! medo do que possa vim acontecer [...] (BIA, 78 anos). Eu já vivi cada coisa nessa vida, até fome passei quando não era aposentada (ANA, 70 anos). Sobre este assunto em fico calado né! Porque não tenho muito o que dizer não, fico é com vergonha (JOÃO, 83 anos). Eu tenho uma netinha de 2 anos, sou muito apegada a ela, mais a mãe dela é muito nojenta, não me deixa ver a menina, isso me dói muito, é só nisso que eles me maltratam (CELIA, 76 anos). Em relação aos agressores, percebemos nos depoimentos que os idosos sempre buscam argumentos que justifiquem os maus-tratos, atribuindo causas externas à violência, com uso de álcool e drogas, como podemos observar no depoimento a seguir: Ele passava a semana bem, mas quando chegava o final de semana já me dava uma angustia porque sabia que ele ia beber e chegar em casa quebrando tudo [...] (ROSA, 70 anos). O meu maior problema é porque ele é viciado nessa droga maldita, isso me incomoda, porque ele tira o que é meu pra vender e sustentar o diabo desse vicio, tenho muita vergonha disso, não tenho mais idade pra essas preocupações, isso acabou mais ainda comigo (ANA, 70 anos). Sou viúva minha filha, mas meu marido nunca bebeu pra botar boneco como meu filho bota, ele fica tão agressivo que tenho é medo, mas é só quando bebi (MARIA, 68 anos). Bebi minha vida toda, mas o povo de hoje não sabe beber, bebe pra ter coragem, pra fugir dos problemas e descontar na gente (JOÃO, 83 anos). Não gosto de bebida, meu filho sabe disso, mas não serve de nada, porque ele leva os amigos pra beber na minha calçada, isso me deixa nervosa, 49 doente, acho uma falta de respeito, reclamo mais não serve de nada, ele fica é com raiva de mim, fala cada palavrão comigo (MARIA, 68 anos). Diante do exposto, na primeira análise podemos observar que a problemática da violência intrafamiliar contra o idoso trata-se de uma questão muito delicada, pois foi percebido pela pesquisadora que logo no primeiro momento da apresentação do tema para os participantes, as reações foram de certo constrangimento; outros ficavam sérios e calados, sendo muito difícil convencê-los a participar da pesquisa, por se tratar de um assunto que envolve sentimentos e mexe nas mais profundas dores. Por esse motivo, houve a necessidade de uma maior aproximação dos sujeitos através de palestras e encontros realizados no CREAS para discutirmos assuntos sobre esta temática. Desta forma, foi possível aliviar as tensões e criar um ambiente favorável para que o diálogo transcorresse de forma natural. Foi observado que para o idoso expor suas histórias era muito difícil, pois se tratava de falar sobre sua percepção acerca de um assunto que maltratava, apesar de que, muitas vezes, aquilo era algo estranho a sua realidade. No momento da entrevista foi necessária muita sensibilidade, pois era indispensável não tornar aquele momento mais doloroso; saber o momento de desligar o gravador, saber respeitar o momento de cada idoso e, principalmente, saber o momento de parar. O momento das entrevistas foi o mais apreensivo para a pesquisadora, pois muitas vezes se fez necessário conter suas emoções, rever suas opiniões e técnicas, e ter, principalmente, um olhar crítico. Diante de todas as falas dos sujeitos envolvidos na pesquisa, podemos concluir com a intenção de alertar a família, a sociedade e o Estado, sobre uma realidade cruel que os idosos estão vivenciando silenciosamente, a violência intrafamiliar contra a pessoa idosa. Percebemos que é necessário o investimento em políticas públicas, à mudança dos estereótipos que se tem sobre os velhos na sociedade, sendo de suma importância à efetivação da consciência social, na valorização e no respeito ás pessoas idosas. 50 CONSIDERAÇÕES FINAIS Esta pesquisa teve como finalidade compreender o fenômeno da violência intrafamiliar, identificando as múltiplas formas de violência contra os idosos atendidos durante o ano de 2013 no Centro de Referência Especializado da Assistência Social no município de Maracanaú-CE. Para tanto, realizou-se a pesquisa exploratória, documental e de campo. De acordo com as análises, um dos resultados obtidos pelo estudo, afirmamos que a violência contra idosos acomete, em sua maioria, mulheres, comprovando a existência da feminização da violência contra este segmento. Em relação à faixa etária, percebe-se que o grupo de idade mais avançada é quem sofre mais violência, principalmente quando se trata de idosos que apresentam múltiplas dependências e incapacidades. Foi ainda possível constatar que a violência contra os idosos existe nos mais diversos arranjos familiares, prevalecendo nas famílias mais numerosas e em situação de pobreza ou extrema pobreza, que, conforme os autores aqui retratados, constituem-se em um grupo mais vulnerável a sofrer violências. Quanto à condição financeira dos idosos, verificou-se que a maioria possui como rendimento apenas um salário mínimo. Esta realidade de desigualdade social, pobreza e miséria demonstra que os mesmos também vivenciam a chamada violência estrutural. Em relação ao perfil dos agressores, verificou-se que grande parte dos agressores são os filhos dos idosos, prevalecendo o sexo masculino. Também foi verificado que uma parcela considerável de agressores apresenta dependência química de álcool ou outras drogas, o que é um forte agravante da violência doméstica. Por outro lado, percebeu-se ainda que mais da metade destes abusadores também são os cuidadores dos idosos. A partir dos dados coletados e por meio das análises, foi possível identificar que a maioria dos idosos atendidos sofrem vários tipos de violência, das quais destacamos a negligência, que é uma das formas de violência mais comuns contra este segmento. Por outro lado, também se notou que a violência psicológica e 51 o abuso financeiro e econômico obtiveram um percentual elevado nos casos atendidos. Por fim a pesquisadora concluiu que a maioria dos idosos atendidos sofre violência familiar, ou seja, proveniente de pessoas da família, bem como sofrem violência estrutural, sendo esta decorrente da situação de pobreza e desigualdade social a qual estão submetidos. Apesar de não terem sido identificados nos dados coletados, os mesmos também são acometidos pela violência institucional, a qual é reproduzida nos abusos políticos do Estado e, especificamente, nas instituições públicas de prestações de serviços e nas entidades públicas e privadas de longa permanência. Compreende-se que é de fundamental importância a discussão dessa problemática entre estudantes, profissionais e familiares, para desmistificar os estereótipos negativos que existem sobre este segmento populacional. Também é de suma importância que todos sejam envolvidos na luta de garantia de direitos, compreendendo a realidade que hoje vivenciam esses idosos no país, para que de alguma maneira se possa intervir no combate à violência contra a pessoa idosa. Espera-se que o resultado desta pesquisa possa de alguma forma contribuir com as ações na perspectiva de enfrentamento da violência contra este segmento e possibilite um despertar consciente de todos, pois os cuidados com os idosos são de responsabilidade conjunta da família, da sociedade e do Estado. Assim, são necessárias novas práticas em relação ao cuidado, assistência e protagonismo da população idosa, compreendendo que estes são sujeitos de direitos, sendo-lhes assegurados respeito, liberdade e dignidade. 52 REFERÊNCIAS ARCOVERDE, Ana Cristina Brito et al (org.). A Família como Núcleo Socializador. In: Mediação de Conflitos e Família: ma visão psicossocial da intervenção no judiciário. Recife: Editora Universitária da UFPE, 2002. p. 146-154. Disponível em: <http://arcus-ufpe.com/files/capfamnucsol.pdf>. Acesso em: 13 ago. 2013. BEAUVOIR S. A velhice. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1990. BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. 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Porto Alegre : Artmed, 2000. 54 APÊNDICES APÊNDICE A – Termo de Consentimento Livre e Esclarecido TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO Título da Pesquisa: VIOLÊNCIA INTRAFAMILIAR CONTRA A PESSOA IDOSA: UM ESTUDO REALIZADO NO CREAS DE MARACANAÚ/CE Pesquisador(a): Helane Cristina Paiva de Lima Orientador(a): Professora Ruth Brito dos Santos O Senhor(a) está sendo convidado(a) a participar desta pesquisa, que tem como finalidade compreender o fenômeno da violência intrafamiliar contra a pessoa idosa, identificando as múltiplas formas de violência, caracterizando o perfil socioeconômico e familiar no qual os idosos estão inseridos. Tal pesquisa é requisito para a conclusão do curso de Bacharelado em Serviço Social pela Faculdade Cearense. Ao participar deste estudo, o Senhor(a) permitirá que o pesquisador utilize suas informações para a realização desta pesquisa. Entretanto, os dados obtidos serão mantidos em sigilo e somente o pesquisador e seu orientador terão conhecimento. O participante tem a liberdade de desistir a qualquer momento do estudo caso julgue necessário, sem qualquer prejuízo. A qualquer momento poderá pedir maiores esclarecimentos sobre a pesquisa através do telefone do pesquisador. O maior benefício para o participante será a sua contribuição pessoal para o desenvolvimento de um estudo científico de grande importância, onde o pesquisador se compromete a divulgar os resultados obtidos. O Senhor(a) não terá nenhum tipo de despesa para participar desta pesquisa, bem como nada será pago por sua participação. Após estes esclarecimentos, solicito o seu consentimento de forma livre para participar desta pesquisa. 55 CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO Tendo em vista os esclarecimentos apresentados, eu, de forma livre e esclarecida, manifesto meu consentimento em participar da pesquisa: VIOLÊNCIA INTRAFAMILIAR CONTRA A PESSOA IDOSA: UM ESTUDO REALIZADO NO CREAS de MARACANAÚ/CE. Fortaleza, ____ de _________________ de 2013 . __________________________________ Assinatura do (a) participante __________________________________ Assinatura da pesquisadora __________________________________ Assinatura da testemunha 56 APÊNDICE B - Roteiro de Perguntas NOME: IDADE: SEXO: MASCULINO ( ) FEMININO ( ) PROFISSÃO: NATURALIDADE: ESTADO CIVIL: TIPO DE MORADIA: ESCOLARIDADE: RENDA: 1. O que você entende por família e qual o significado que a família tem para você? 2. Em sua opinião, o que leva um familiar a maltratar um idoso? 3. Como é a sua convivência familiar? 4. Você sabe o que é violência contra o idoso? Qual a sua opinião sobre o assunto? 6. Você já vivenciou algum tipo de violência? Qual? 7. Esse fato vivenciado lhe marcou de que modo?