MANIFESTO
BASTA DE RACISMO! BASTA DE IMPUNIDADE!
PELA EFETIVA APLICAÇÃO DAS LEIS CONTRA O RACISMO E INJÚRIA RACIAL!
(...)os descendentes dos mercadores de escravos, dos senhores de ontem, não têm, hoje de
assumir culpa pelas desumanidades provocadas por seus antepassados. No entanto, têm eles
a responsabilidade moral e política de combater o racismo, as discriminações e, juntamente
com os que vêm sendo mantidos à margem, os negros, construir relações raciais e sociais
sadias, em que todos cresçam e se realizem enquanto seres humanos e cidadãos. Não
fossem por estas razões, eles a teriam de assumir, pelo fato de usufruírem do muito que o
trabalho escravo possibilitou ao país. (FANON. F. "Os condenados da Terra")
O Racismo estrutura e perpetua privilégios de toda ordem na sociedade brasileira estendendo sua
perversidade aos mais distantes e diferentes espaços. São notórios, mas nem sempre divulgados a
contento situações onde expressões, atitudes e ações conferem materialidade a este crime. Em 2001, a
Conferência Internacional da ONU, realizada em Durban (África do Sul), contou com a participação do
Brasil que endossou a Carta de Durban e as resoluções objetivando combater o Racismo em todas as suas
formas o qual, denunciado como Crime de lesa-humanidade, exigia Políticas de Reparações.
No dia 11/04/2012 duas estudantes negras, Eliane Regina Graciano e Kely Cristina Cunha,
cotistas raciais do Curso de Pedagogia da Universidade Federal do Paraná-UFPR (Setor de Educação),
foram chamadas de "macaquinhas comendo banana" pela professora Ligia Regina Klein em sala de
aula durante o intervalo. A designação de “macaco” ou “macaquinhas”, entre outras, às pessoas negras
traduz exatamente a compreensão de “não humanos(as)” amplamente demonstrado sempre que se propõe
subestimar, ridicularizar, injuriar pertencentes ao grupo em questão: negros e negras, africanos na
Diáspora. A injúria racial é resultado de uma mentalidade racista, que ofende a dignidade de alguém
usando palavras depreciativas referentes a raça, a cor, a religião ou a origem.
Há quinze anos do Século XXI e doze de assinatura da Lei Federal 10.639 que altera a LDB
tornando obrigatório o ensino da História da África e dos negros(as) em África e no Brasil, mais uma vez
nos deparamos com ações desta natureza. Mais severa ao sabermos ter sido promovida por professora
universitária, que se dizia de amplo conhecimento e ilibada postura junto às situações de defesa e
construção de uma sociedade democrática, solidária e justa. Detentora de formação mais que suficiente e
capacidade enquanto educadora, mestre e doutora, ela parece não ter se atentado para o Parecer
003/2004 do CNE (Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o
Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana) que teve como relatora a Dra. Petronilha Beatriz
Gonçalves e Silva e registra conforme segue:
Pedagogias de combate ao racismo e a discriminações elaboradas com o objetivo de educação das relações
étnico/raciais positivas têm como objetivo fortalecer entre os negros e despertar entre os brancos a
consciência negra. (...) Tais Pedagogias precisam estar atentas para que todos, negros e não negros, além
de ter acesso a conhecimentos básicos tidos como fundamentais para a vida integrada à sociedade,
exercício profissional competente, recebam formação que os capacite para forjar novas relações étnicoraciais. Para tanto há necessidade (...) de professores qualificados para o ensino das diferentes áreas de
conhecimento e, além disso, sensíveis e capazes de direcionar positivamente as relações entre pessoas de
diferente pertencimento étnico-racial, no sentido do respeito e da correção de posturas, atitudes, palavras
preconceituosas. Daí a necessidade de se insistir e investir para que os professores, além de sólida
formação que os capacite não só a compreender a importância das questões relacionadas à diversidade
étnico-raciais, mas a lidar positivamente com elas e, sobretudo criar estratégias pedagógicas que possam
auxiliar a reeducá-las.
As estudantes denunciaram o fato no interior da UFPR, expondo os sentimentos de ofensa e
humilhação que vivenciaram. Porém, a denúncia foi conduzida sem respeito ao princípio da isonomia,
sendo arquivada no dia 23/04/2012 após uma reunião onde estavam as duas estudantes e cinco
professores da UFPR. Demonstrando a naturalização do racismo e da discriminação no interior desta
instituição.
Na noite do dia 24/04/2012 são afixados em murais, rampas e corredores do Setor de Educação
da UFPR, cartazes que apresentavam como ilustração os personagens bananas de pijamas e solicitavam a
professora Ligia Regina Klein que desse uma banana para o racismo. Em função da fixação dos cartazes,
no dia 26/04/2012 o Setor de Educação da UFPR instalou uma Comissão de Sindicância para apurar a
autoria dos cartazes, justificando-se que os mesmos eram considerados ofensivos à professora Lígia e que
para defendê-la era necessário identificar os culpados e puni-los, inclusive com a expulsão da UFPR. No
dia 02/05/2012 as estudantes Eliane e Kely são convocadas nominalmente pela Comissão de Sindicância
para explicações a respeito da autoria dos cartazes (posteriormente foram reconhecidos os envolvidos).
Com isto, as estudantes passam a ser investigadas, pela considerada ofensa a professora Lígia; sendo que
o sentimento de humilhação, o preconceito, a discriminação e o racismo presente no ato das estudantes
serem chamadas de "macaquinhas comendo bananas" e no descaso com a denúncia das mesmas, em
nenhum momento foi considerado como merecedor de uma Comissão de Sindicância, ou de maiores
considerações e investigações. Diante do tratamento dado as estudantes, no dia 03/05/2012 elas registram
um Boletim de Ocorrência (BO) nº 2012/392442 na delegacia do 1º Distrito Policial da cidade de Curitiba
denunciando o caso de injúria racial do qual foram vítimas.
Após o registro do BO, intensifica-se o massacre institucional contra as estudantes, com a maioria
dos(as) professores(as) do Setor de Educação da UFPR, graduação e pós-graduação assinando, ou
articulando abaixo assinados de repúdio a denúncia das mesmas e divulgando a rejeição ao fato das
estudantes terem procurado outras instâncias e dado visibilidade ao racismo presente na UFPR.
O Boletim de Ocorrência deu origem a Ação Penal 2012.0015025-2 da 3ª Vara Criminal da Comarca
de Curitiba e dos subsequentes processos "TJPR 1.115.526-5" de Apelação Crime, "TJPR 1.115-526-5/01"
Recurso Especial Crime e "TJPR 1.115-526-5/02" Agravo Crime ao STJ em andamento.
Na Ação Penal em 1º Grau a professora foi condenada, sendo a sentença do juiz Mauro Bley
Pereira Júnior algo inédito enquanto contribuição para a luta contra o racismo e combate a injúria racial,
porque considera que o amplo conhecimento da ré com relação à questão racial negra, torna inadmissível o
seu comentário com relação às estudantes, como pode ser observado abaixo:
Cumpre, também, observar que pelos documentos juntados com a defesa da acusada nota-se que a ré se
trata de pessoa com amplo conhecimento de atos de racismo, não se verificando, portanto, justificativa
plausível para o comentário em que se referiu às vítimas como “macaquinhas comendo banana”, pois é de
conhecimento público e notório que a expressão “macaco” ou “macaca” é sempre utilizada para produzir
danos morais em pessoas com pele negra. Assim, a prova trazida aos autos demonstra a ocorrência do crime
injúria racial e a autoria do fato na pessoa da acusada, conferindo, portanto, certeza à narração descrita na
inicial, na medida em que sua conduta encontrou inteira ressonância com o que descreve a conduta típica
prevista no artigo 140, § 3º, do Código Penal, qual seja, injuriar alguém, ofendendo-lhe a dignidade ou o
decoro mediante a utilização de elementos de raça e cor. Como se sabe “aquele que, atualmente, dirigi-se a
pessoa de determinada raça, insultando-a com argumentos ou palavras de conteúdo pejorativo, responderá
por injúria racial, não podendo alegar que houve injúria simples, nem tampouco uma mera exposição do
pensamento (como dizer que todo “judeu é corrupto” ou que “negros são desonestos”), uma vez que há limite
para tal liberdade”. (Mauro Bley Pereira Júnior, 2013, p. 13-14)
Porém, a professora solicitou revisão da sentença na Apelação Crime em 2º Grau, que apresentou
como resultado um Acórdão no dia 8 de maio de 2014, com a sentença inadmissível de absolvição da
professora descrita abaixo:
ABSOLVIÇÃO. SENTENÇA REFORMADA. RECURSO PROVIDO. O crime de injúria racial é punível a título
de dolo e não a título de culpa, até porque todas as pessoas estão sujeitas a tal vicissitude, de proferir
inadvertida e inocentemente um comentário infeliz, mas sem a intenção de ofender quem que seja. (Diário
Eletrônico do TJPR; Curitiba 8/05/2014-Edição nº 1332;p. 399; 0015. Processo1115526-5 Apelação Crime)
A inaceitável sentença de absolvição contraria todos os avanços conquistados na luta contra o
racismo em nosso país, ao admitir que todas as pessoas estão sujeitas a chamar negros(as), de
"macaco(a)”, podendo depois alegar que não houve a intenção de ofender, mesmo que a vítima tenha a
percepção da ofensa presente no comentário. Mantida esta sentença de absolvição perpetua-se a ofensa à
dignidade humana, o racismo e a negação à população negra de um tratamento digno que contemple os
Direitos Humanos. E após ter sido negado às vítimas um Recurso Especial Crime, com relação a sentença
de 2º Grau, uma das vítimas mudou de advogado e entrou com um pedido de Agravo Crime ao STJ para:
(...) não permitir que um Acórdão recheado de clichês, de pensamentos retrógrados, que ratificaram o
discurso daqueles que mantiveram por um período de 400 (quatrocentos) anos as pessoas de raça negra
escravizadas sirva como fundamentação para se condenar ou não uma pessoa pela prática de crime de
injúria racial. (Advogada Ana Paula Antunes Varela, Agravo 2015)
Por tudo acima exposto e o que se segue, nós abaixo-assinados, vimos apresentar à sociedade
brasileira, paranaense e curitibana nosso repúdio a todas as formas de preconceito, discriminação e
racismo. E manifestar neste documento a urgente necessidade da efetiva punição para o crime de injúria
racial como ação efetiva de combate ao preconceito, a discriminação e o racismo. Igualmente manifestar
nossa exigência em termos de cumprimento das leis vigentes.
Exigimos R E C O N H E C I M E N T O, compreendendo nossos valores e História. Sensibilidade
aos sofrimentos em virtude das palavras e gestos que desqualificam, apelidos que depreciam, pseudobrincadeiras que tanto causam mal-estar e nos conduzem a reagir com reflexões e ações de resistência
contra a discriminação à população negra.
Curitiba, 21 de março de 2015
Grupo de Estudo e Ação de Resistência - População Negra Brasileira e Crimes Raciais (GEAR - PNBr/CR)
Download

manifesto 21_03_2015 gear