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O DEBATE SOBRE POLÍTICAS DE DROGAS E A CÚPULA DAS AMÉRICAS
Quebra do tabu e abertura do debate
As políticas de combate às drogas em todo o mundo seguem um modelo
repressivo e proibicionista cujos pilares são a erradicação da produção, interdição
do tráfico e criminalização do uso da droga.
Imposta pelos Estados Unidos 40 anos atrás, a estratégia de ‘guerra às drogas’
fracassou em todos os planos. Foi ineficiente na medida em que não logrou
reduzir nem a produção nem o consumo de drogas. Pior, foi contraproducente ao
gerar efeitos ‘colaterais’ desastrosos como o aumento da violência e da corrupção
associados ao tráfico de drogas e sua repressão.
A constatação do fracasso da guerra às drogas e a necessidade de políticas
alternativas mais eficientes e humanas inspiraram a criação em 2008 da Comissão
Latino-Americana sobre Drogas e Democracia, presidida por Fernando Henrique
Cardoso, César Gaviria e Ernesto Zedillo. Em seu relatório lançado em 2009, a
Comissão propôs a abertura de um amplo debate público com o objetivo de
substituir o paradigma repressivo por uma abordagem mais abrangente, capaz de
combinar combate ao narcotráfico com investimento em tratamento, reintegração
social e prevenção.
A Comissão Latino-Americana se desdobrou em iniciativas no âmbito nacional,
como a Comissão Brasileira sobre Drogas e Democracia, e no âmbito
internacional, como a Comissão Global de Políticas sobre Drogas.
A ideia-chave defendida por essas comissões independentes é a de tratar as
drogas como uma questão de saúde pública. Não faz sentido estigmatizar e punir
pessoas que usam drogas, mas que não causam dano a terceiros. Dependentes
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de drogas devem ser tratados como pacientes do sistema de saúde, não como
criminosos. O objetivo é reduzir o consumo e o dano causado pelas drogas via
tratamento, prevenção e regulação, a exemplo das políticas de combate ao fumo.
Vários países como Brasil, Argentina, Uruguai, Colômbia, Equador e México já
adotaram leis que não punem com o encarceramento a posse de drogas para o
consumo pessoal. Em muitos casos, no entanto, a distinção entre posse e tráfico
não é clara, o que abre espaço para discriminações contra os mais pobres e
corrupção.
Aceleração do processo de mudança na região
Frente à rigidez e ao autoritarismo da posição americana, o debate sobre políticas
alternativas esteve bloqueado durante décadas. Nos últimos meses, no entanto,
diante da situação dramática vivida pelo México e da coragem de líderes políticos
em reconhecer o fracasso da guerra às drogas, o debate sobre políticas
alternativas se acelerou de forma inesperada.
Desde sua posse em 2010 como Presidente da Colômbia, Juan Manuel Santos se
distanciou da política agressiva seguida por Álvaro Uribe e fez seguidas
declarações em favor de um ‘repensar global sobre a guerra às drogas’. Em
Londres, em novembro de 2011, foi mais longe: “O mundo precisa de novas
abordagens... continuamos hoje a pensar da mesma maneira que 40 anos atrás.
Uma nova abordagem deve ter o objetivo de eliminar os lucros violentos gerados
pelo tráfico de drogas. Se isso implica legalizar, e o mundo pensa que essa é a
solução, sou favorável a ela”.
O próprio Presidente Felipe Calderón, do México, sempre cauteloso, declarou: “Se
o consumo de drogas não for contido nos países consumidores, seremos
obrigados a buscar soluções – incluindo alternativas de mercado – com vistas a
reduzir os ganhos astronômicos das organizações criminosas”.
Em fevereiro de 2012, o Presidente Pérez Molina, da Guatemala, foi ainda mais
longe, assumindo uma posição clara em prol da legalização das drogas e
buscando o apoio dos países centro-americanos para a discussão do tema. A
presidenta Laura Chinchilla, da Costa Rica, apoiou a declaração de Pérez Molina,
e o presidente Mauricio Funes, de El Salvador, apoiou a abertura do debate.
A Ministra de Relações Exteriores do México, Patrícia Espinosa, declarou que o
México está disposto a participar de um debate sobre a legalização das drogas,
ainda que isso não seja suficiente para resolver o problema do narcotráfico e do
crime organizado no país.
Na semana passada, os presidentes Juan Manuel Santos e Evo Morales
confirmaram sua disposição de fomentar a busca por novas soluções na Cúpula
das Américas. O Presidente Morales, da Bolívia, é um defensor da exclusão da
folha de coca da lista de substâncias ilícitas proibidas pelas Convenções sobre
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Narcóticos, o que o coloca em rota de colisão com os Estados Unidos, que não
aceitam qualquer tipo de mudança nas convenções.
Estas tomadas de posição por parte de líderes políticos dos mais diferentes
matizes têm sido acompanhadas de uma forte mobilização da sociedade civil. No
México, por exemplo, iniciativas como México Unido contra la Delincuencia e Diga
Si al Debate, animadas por empresários, cientistas sociais e profissionais de
saúde, têm influenciado o debate público sobre novas políticas.
Perspectivas para a Cúpula das Américas
Uma massa crítica importante de países latino-americanos parece decidida a
incluir o tema das drogas na pauta da Cúpula das Américas. O ponto básico é o
reconhecimento de que as abordagens repressivas não funcionam e que seus
custos humanos, econômicos e sociais são insustentáveis.
Como o tema é complexo, não é de se esperar que possa ser equacionado
mediante soluções simples e imediatas. O essencial é a abertura de um debate
qualificado pela melhor informação científica disponível de modo que cada país
possa formar sua opinião e caminhar rumo à adoção das políticas mais
apropriadas a sua história e cultura.
Há muito que aprender com a experiência de países europeus na área de saúde e
redução de danos. Há também ensinamentos importantes a serem tirados das
experiências de países latino-americanos na área de segurança pública e políticas
de paz.
Neste sentido, seria de suma importância que o Brasil apoiasse a abertura do
debate sobre novas políticas e dele participe. Temos uma tradição de ousadia na
saúde pública, como com a Redução de Danos no combate ao HIV/AIDS, e temos
iniciado a mais promissora política de enfrentamento do crime organizado, com a
combinação UPP + BOPE.
Uma nova política de drogas, baseada no respeito aos Direitos Humanos e no
investimento em saúde pública, é o caminho para reduzir o poder do narcotráfico,
reduzir o consumo e o dano que as drogas causam às pessoas e às sociedades.
Rio de Janeiro, 18 de março de 2012
Secretariado da Comissão Brasileira sobre Drogas e Democracia (CBDD)
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