O desenvolvimento de atividades extensionistas e as concepções de Saúde em uma comunidade remanescente de Quilombo no Estado da Bahia, no Brasil. Autores: Danilo José Leite Gomes¹; David Ramos da Silva Rios1; Maria Constantino Caputo2 ¹ Bacharel em Saúde pela Universidade Federal da Bahia - UFBA (2011). Atualmente, é graduando em Medicina pela UFBA, e bolsista do Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Extensão Universitária da UFBA (PIBIEX/UFBA). ² Doutora em Saúde Coletiva pela Universidade Federal da Bahia (2006). Atualmente é professora adjunto do Bacharelado Interdisciplinar em Saúde, do Instituto de Humanidades, Artes e Ciências Professor Milton Santos, da Universidade Federal da Bahia (IHAC/UFBA). INTRODUÇÃO A extensão universitária é compreendida como um espaço privilegiado de exercício do pensamento crítico. Contribui para o processo de produção, socialização e democratização do conhecimento, na revisão constante dos currículos e na formação profissional, pois funciona como um sítio, um laboratório prático. Além de instrumentalizadora desse processo dialético entre a teoria e a prática, a extensão é um trabalho interdisciplinar que favorece a visão integrada do social. Sabiamente, a extensão faz da universidade um espaço diferente de produção do saber, na medida em que gera novos temas e objetos de pesquisa a partir das demandas concretas vindas da sociedade/comunidade; cria a possibilidade concreta de se estabelecer uma relação de proximidade com a sociedade, uma vez que a partir das práticas extensionistas - capaz de promover impactos sociais positivos - a extensão se apresenta como elemento de comunicação e articulação entre ensino e pesquisa, promovendo ações que primordialmente sirvam à reflexão e à atuação com o intuito de gerar a educação popular em saúde em sua essência, proveniente das experiências da própria comunidade e dos problemas por elas apresentados e vivenciados em seu cotidiano (ZOTTIS ET AL, 2008). Ações de extensão universitárias resgatam a interação universidade-sociedade, propiciando uma troca de experiências que realimenta a universidade e que estimula seu constante processo de avaliação. A extensão universitária é a atividade acadêmica capaz de imprimir um novo rumo à universidade brasileira e de contribuir significativamente para a mudança da sociedade. Esse tipo de extensão - que vai além de sua compreensão tradicional de disseminação de conhecimentos (cursos, conferências, seminários), prestação de serviços (assistências, assessorias e consultorias) e difusão cultural (realização de eventos ou produtos artísticos e culturais) - já apontava para uma concepção de universidade em que a relação com a população passava a ser encarada como a oxigenação necessária à vida acadêmica. Projetos extensionistas de educação em saúde têm o intuito de promover a participação cidadã dos usuários da saúde na discussão de suas necessidades, dos direitos sociais e especialmente o direito à saúde e sua política, ao mesmo tempo que busca também promover e qualificar o processo de formação dos acadêmicos participantes das intervenções, de modo a possibilitar a reflexão crítica sobre a realidade e a formulação de propostas investigativas e interventivas sobre a mesma (MOREIRA & PELLIZZARO, 2009) A universidade, e principalmente a universidade pública, através de seus acadêmicos, precisa cada vez mais estar ciente de seu papel social, devolvendo constantemente para a sociedade o resultado do conhecimento obtido, financiado pelos impostos de toda a população, contribuindo para o desenvolvimento social. Esta é um ambiente propício para o pensar- agir contido na práxis, onde é possível desenvolver novas alternativas de se viver em sociedade de forma ética e solidária, pacífica e mais igualitária. Nesse sentido, a universidade pode não só alterar a sociedade na qual ela está inserida, como também a ela própria. O Projeto intitulado "Promoção da Saúde em uma área remanescente de Quilombo: produção artística, educação popular e planejamento intersetorial em saúde em Maragojipe, Bahia, Brasil" - em parceria com a Diretoria de Gestão da Educação e do Trabalho na Saúde (DGETS) da Secretaria de Saúde do Estado da Bahia (SESAB) visa oferecer atividades de extensão universitária aos alunos dos Bacharelados Interdisciplinares do Instituto de Humanidades, Artes e Ciências (IHAC-UFBA) e demais cursos de graduação da Universidade Federal da Bahia (UFBA) na linha da Promoção da Igualdade Racial, através do enfoque na Promoção da Saúde e na Qualidade de Vida, através do desenvolvimento de ações de Educação popular em saúde, atividades artísticas, ações de Planejamento participativo, e ações intersetoriais de saúde em uma comunidade residente em área remanescente de Quilombo. A comunidade quilombola da Enseada do Paraguaçu é uma comunidade de remanescente de quilombos que está cadastrada na Fundação Cultural Palmares. Localiza-se na Baía do Jacuípe, na cidade de Maragojipe. Encontra-se em áreas isoladas e protegidas do território, contudo os seus habitantes possuem pouco poder político e social. A comunidade é composta, na sua maioria, por pessoas analfabetas, que não possuem os títulos de propriedade das terras que ocupam. São cerca de 190 famílias que utilizam diversas atividades econômicas para sobreviverem, sendo a pesca a principal delas. Com o constante desenvolvimento de novas habilidades, tecnologias e conhecimento, o campo da saúde foi se fragmentando, dando origem e espaço a novas formas de cuidado e, junto com o seu desenvolvimento, busca-se um conceito de saúde que abarque toda a sua dimensão. No entanto, esse objetivo sempre esbarrou em complicações subjetivas da relação individual de cada indivíduo com o seu próprio processo saúde-doença (ALMEIDA-FILHO & JUCÁ, 2002). Segundo Czeresnia (2003) a saúde e o adoecimento representam meios pelos quais se manifestam a vida, e correspondem a experiências individuais e subjetivas, impossíveis de serem reconhecidas e significadas integralmente pelas palavras. Ainda que com limitações, a formulação de conceitos é fundamental, pois possibilita rediscutir as intervenções sobre a realidade de modo a fundamentar a prática. É através de conceitos que são viabilizadas as ações efetivas. Ou seja, os conceitos de saúde "traduzem-se nas opções de conhecimento necessário, no desenvolvimento de métodos, técnicas e instrumentos para a intervenção e, em última análise, na própria forma de a sociedade organizar-se para provê-la (a saúde) ou evitála (a doença)" (BATISTELLA, 2007: 27). Segundo Badziaki & Moura (2010) e Backes et al. (2009), é fundamental perceber que os conceitos de saúde não são estáticos, mas, sim, vitais, sujeitos a constante avaliação e mudança; sendo assim, não são válidos de modo universal para todos. Pelo contrário, os conceitos estão intimamente relacionado à conjuntura social, econômica, política e cultural de cada indivíduo. Assim, saúde assume diferentes concepções a depender de valores individuais, classe social, religiosidade, entre outros, variando tanto entre as diferentes sociedades, como no interior de uma mesma comunidade; e o cuidado à saúde é estreitamente dependente do entendimento do mesmo pelas pessoas que o concebem. Para Caponi (2007), a aceitação de determinado conceito direciona as intervenções sobre o corpo físico e a vida dos sujeitos, sendo, desse modo, de fundamental importância que se conheça os conceitos de saúde em uma determinada comunidade pois, somente assim será possível produzir formas alternativas de atenção à saúde, capazes de levarem em consideração as diversas dimensões do sujeito e da coletividade. A identificação das concepções dos moradores da comunidade quilombola é importante para melhorar as condições de saúde apresentadas na localidade. É essencial o conhecimento das causas e processos do desenvolvimento destas visões informais apresentadas para o planejamento de estratégias efetivas que visem prevenir ou "corrigir" tais concepções. Dessa forma, este trabalho procurou identificar as concepções da população remanescente de quilombo sobre o conceito de saúde, que podem se tornar obstáculos para a compreensão de questões mais amplas ligadas ao processo saúde-doença e realizar uma análise - através do desenvolvimento de ações extensionistas, interdisciplinares e intersetoriais - acerca das percepções e dos conceitos que os habitantes da comunidade remanescente de quilombo de Salaminas do Putumuju possuem sobre o campo da saúde, visando a proposição de alternativas para combater as dificuldades relativas a este tema. METODOLOGIA Recorreu-se à metodologia de pesquisa-ação, uma metodologia que estimula a participação das pessoas envolvidas na pesquisa e abre o seu universo de respostas, passando pelas condições de trabalho e vida da comunidade, propiciando o empoderamento dos mais diversos sujeitos de forma que possibilite a promoção da saúde em seus territórios e, consequentemente, a promoção da igualdade racial no campo da saúde. Buscam-se as explicações dos próprios participantes que se situam, assim, em situação de investigador. Conforme Barbier (2002), “nada se pode conhecer do que nos interessa (o mundo afetivo) sem que sejamos parte integrante “actantes” na pesquisa, sem que estejamos verdadeiramente envolvidos pessoalmente pela experiência, na integralidade de nossa vida emocional, sensorial, imaginativa, racional” (p.70-71). Portanto, era necessário conhecer a realidade daquela comunidade, e não somente adentrar o espaço daqueles moradores realizando uma pesquisa, entrevistas e promovendo uma discussão sobre o assunto. Conversamos bastante com a comunidade local e percebemos que os moradores, em sua totalidade, compreendiam saúde em um conceito mais restrito e limitado. Barbier também afirma que na pesquisa-ação o pesquisador descobre que “não se trabalha sobre os outros, mas e sempre com os outros” (2002, p.14). Logo, a partir do momento em que propomos as oficinas e fomos mostrando a importância e a necessidade da participação de todos, percebemos um grande interesse por parte dos moradores, o que tornou o ambiente bastante propício ao desenvolvimento da pesquisa. De fato, só foi possível realizar essa pesquisa-ação na comunidade Quilombola de Salaminas, no município de Maragogipe, no Estado da Bahia, por ter havido uma receptividade muito grande por parte dos moradores locais, que nos recebiam em suas casas para a realização das entrevistas. Isso nos mostra como é importante estarmos abertos aos novos desafios da educação, principalmente quando somos chamados a encarar situações de saúde muito precárias e mostrar que é possível educar para que haja melhorias das condições de vida da comunidade local. Foram realizadas, assim, diversas entrevistas individuais com os moradores da comunidade remanescentes de quilombo no município de Maragogipe. Nas entrevistas, foi solicitado aos entrevistados um depoimento sobre o que é saúde. Sendo feitos, quando necessários, questionamentos que ajudassem a uma melhor compreensão do discurso apresentado. Após a transcrição de todas as entrevistas, foram realizadas releituras com o objetivo de compreender o significado e, ao mesmo tempo, já considera-se uma primeira forma de sistematização dos discursos apresentados. Cumpre lembrar que, para preservar o anonimato, os nomes dos entrevistados foram substituídos por pseudônimos aleatórios. RESULTADOS A partir do Século XVIII, a saúde torna-se mais do que um interesse individual, uma preocupação política, econômica e social. O poder político buscava assegurar o bem-estar físico e a saúde da população, tendo em vista não somente a saúde do mais necessitado ou do mais carente, mas o nível de saúde vivenciado por toda uma coletividade. Surge, nesse período, uma nova função social: “a disposição da sociedade como meio de bem-estar físico, saúde perfeita e longevidade” (FOUCAULT, 1998, p. 197). Nesse sentido, segundo Nogueira (2001), as mudanças sofridas pela concepção de saúde foi bastante significativa, destacando, que, no Século XVIII, a saúde era compreendida de uma forma negativa, como "ausência de doença"; enquanto que a partir do Século XIX, é caracterizada já como um "estado de bem-estar", sendo garantida por um conjunto de serviços de alcance de todos. No Século XX, esse conceito torna-se ainda mais amplo, e a saúde passa a ser concebida não mais como "ausência de", mas como um "completo estado de bem-estar físico, mental e social". No entanto, apesar dos avanços do entendimento do conceito de saúde nos últimos três séculos, as definições de saúde construídos pela comunidade nas entrevistas se aproximam, de modo recorrente, ao sentido de saúde enquanto ausência de doença. Segundo SCLIAR(2007), esse conceito de saúde torna a classificação dos seres humanos como saudáveis ou doentes uma questão objetiva, reduzida, relacionada ao grau de eficiência das funções biológicas, sem necessidade de juízos de valor ou ampliação da compreensão do ser humano enquanto ser biopsicossocial. A saúde entendida simplesmente como ausência de doença é largamente difundida no senso comum, como pudemos comprovar ao longo das entrevistas realizadas, mas não está restrita a esta dimensão do conhecimento. Essa idéia não só é corroborada por diversos teóricos da medicina, como tem orientado uma grande parcela das pesquisas e da produção tecnológica em saúde, especialmente aquelas referentes aos avanços na área de diagnóstico (BATISTELLA, 2007). Rosen (1994) afirma que desde sempre as sociedades buscam compreender os motivos e as causas das doenças que os acometem. Apesar disso, para Ávila Pires (2000), o fenômeno saúde-doença continua sendo encarado como um par de opostos, mesmo com todos os avanços alcançados na medicina, inclusive em termos de explicação para essas mais diversas doenças: "As definições mais comuns de saúde e de doença são circulares, isto é, descreve-se uma condição como ausência da outra. A análise de conceitos e a construção de definições não constituem exercício comum e rotineiro. A maioria das pessoas contenta-se com uma idéia vaga a respeito dos fenômenos e das coisas e dos termos e, quando solicitada a sua opinião, responde, em geral, com um exemplo." (Ávila Pires, 2000). Observa-se, também, que Ávila Pires destaca uma situação corriqueira nos discursos coletados: a utilização de exemplos para exprimir todo um pensamento acerca de determinado assunto. Ou seja, para que se faça compreensível, ao invés da apresentação de referenciais teóricos, os habitantes fizeram, constantemente, uso de um de um discurso quase que exclusivamente embasado em sua experiência prática. A partir de toda essa discussão, os recortes abaixo ilustram as concepções de saúde dos remanescentes de quilombo: Hoje eu pesco, corto dendê, planto uma rocinha e qualquer coisa que aparecer pela frente de trabalho eu to enfrentando, sou guerreiro, eu não tenho saúde, porque a coluna minha é empenada... tem dia assim... não, eu tomei um remédio e pronto, fica lá... eu tomo em maragojipe... tá bom demais, é disposição demais... tenho 49 anos... (Augusto, 49 anos) Na fala de Augusto, um conceito implícito de saúde como ausência de doença pode ser inferido da seguinte passagem: "eu não tenho saúde, porque a coluna minha é empenada". Ou seja, ter saúde é não ter nenhuma doença. E vai além, afirmando que "tá bom demais" pois já tem 49 anos, insinuando que está velho e, por isso, é justificável que não se encontre em boas condições de saúde. O discurso de André, 39 anos, por sua vez, parece ser mais direto: "é que se você não tem saúde não dá pra trabalhar, nem pra fazê nada. Se não tem saúde tá doente, né?!". Assim como o depoimento de Carlos, 32 anos, que foi mais objetivo e enfático: "Saúde é não estar doente!". Outras entrevistas também apresentam o conceito de saúde como ausência de doença de maneira tácita, nas quais "ser saudável" é não "ter corpo mole" para o trabalho, e "estar doente" é se encontrar "em cima da cama sem poder fazer nada", como também sugere uma entrevistada abaixo: “Pra mim (saúde) é a pessoa não sentir nada. (...) de certos tempo pra cá eu comecei sentir uma dor de cabeça estranha que eu não sei nem explicar, a não ser isso, eu possa ter até algumas coisa mais assim que eu sinta que eu saiba.” (Luana, 52 anos) Luana, além de enfatizar a questão da saúde como ausência de doença, afirma que não está saudável pois tem sentido dores de cabeça há certo tempo, reafirmando o conceito reducionista de saúde e preocupando-se apenas com o corpo físico, ignorando, em seu discurso, os aspectos psicossociais na construção do sujeito. Esse discurso destaca a visão polarizada e dicotomizada do processo saúde-doença pela população local, no qual cada um se encontra em um pólo antagônico, no qual a saúde determinada pela presença e a doença pela ausência de fatores desencadeadores de saúde. Convém destacar que, no estudo realizado, interessou-nos saber como os entrevistados constroem suas identidades por meio dos discursos sobre saúde. Nessa perspectiva, a partir das relações socialmente estabelecidas com o outro e com os diferentes discursos emitidos pelos outros que o indivíduo representa a sua identidade, a ação dos indivíduos são apresentadas como uma ação subordinada a condicionamentos sociais, culturais e discursivos. As identidades são produzidas no interior de práticas discursivas e de significação, as quais se encontram conectadas ao mundo material e às relações sociais dominantes no interior da sociedade (VEIGA-NETO, 2000 apud BERNADES; HOENISCH, 2003). Portanto, o discurso de saúde como ausência de doença é compartilhado e aceito por todos os entrevistados, de modo a sugerir uma construção coletiva deste conceito através da interação entre os sujeitos na própria localidade, tornando-se culturalmente perpassado para os filhos dessa terra. A saúde deve ainda ser compreendida como resultante da higiene individual, dos cuidados com o corpo, da higiene coletiva, dos cuidados com o ambiente onde vivem e dos cuidados com o lixo produzido. Como resultante do uso da água tratada, e da harmonia no ambiente familiar. A educação é extremamente importante, nesse quesito, pois urge como elemento determinante do nível de compreensão dos sujeitos a respeito dessas condições e do agravamento das mesmas (CHAVES, 2000). Ao mesmo tempo em que identificamos que a saúde é vista como ausência de doença, segundo levantamentos feitos pelo próprio Projeto "Promoção da Saúde em uma área remanescente de Quilombo: produção artística, educação popular e planejamento intersetorial em saúde em Maragojipe, Bahia, Brasil", as condições de saneamento básico são muito precárias. A ausência de um serviço de coleta de lixo, por exemplo, faz com que a grande maioria dos resíduos produzidos na comunidade seja queimada (84%), ou enterrada (16%) nas proximidades das residências ou na mata. Já em relação ao esgotamento sanitário é importante destacar que 89% dos domicílios não possuem banheiro ou algum tipo de local específico para o descarte de fezes ou urinas. Dessa forma, as defecações ocorrem na área externa às residências - em buracos no meio da mata - e são enterradas. Apenas 11% dos domicílios possui fossa séptica. O fornecimento de água potável se configura como um bem indispensável à existência humana. O direito de acesso à água é indissociável ao direito à vida. Tratase de necessidade básica do ser humano. A inexistência de um sistema de abastecimento de água faz com que os moradores da comunidade de Salaminas tenham apenas duas alternativas para a aquisição de água, tanto para o consumo, como para higiene. A grande maioria dos indivíduos, 86%, coleta a água nos rios da região. Outros 14% adquirem água de poços artesanais nas proximidades de suas residências e retiram a água de modo manual, pois não há serviço de energia elétrica na localidade. É importante destacar que foram encontrados altos níveis de clorofórmios fecais nas amostras de água coletadas na comunidade. Com esses dados, comprovamos a deficiência no entendimento da própria comunidade sobre as condições de saúde locais. Os próprios dejetos tem influenciado negativamente as suas condições de saúde e provocado contaminação do solo e da água utilizada para próprio consumo. Além disso, o acesso aos serviços de saúde é difícil, o que inviabiliza diversas vezes a realização de um diagnóstico adequado e o desenvolvimento dos tratamentos necessários. A dificuldade de acesso aos serviços de saúde bem como a redução da credibilidade das ações ofertadas geram uma diminuição na adesão aos métodos preventivos, desenvolvidos na comunidade, por falta de acesso e disponibilidade médica de qualidade. Neste sentido, a compreensão de saúde para os moradores locais apresenta-se de maneira coerente àquilo que eles próprios são capazes de apreender do mundo que lhes cerca, o cotidiano, pois compreendem saúde pela ausência de doença, pela disposição que possuem para o labor. Dessa forma, não há uma visão reflexiva e crítica da realidade apresentada, simplesmente constatam o acontecimento vivido. Também por conta disso, as comunidades remanescentes de quilombo carregam e praticam diversos costumes dos seus antepassados, incluindo, entre eles, a preservação, cultivo e utilização de plantas medicinais no tratamento das enfermidades que acometem a população local. No entanto, as plantas com fins terapêuticos, na comunidade de Salaminas não são cultivadas pelos moradores. Quando necessário, eles as colhem na mata, nas proximidades da comunidade. A utilização de plantas se dá principalmente no tratamento de alguma enfermidades como: gripe, inflamação, diarreia, hipertensão, dentre outros. A grande maioria das plantas são ingeridas em forma de chá feito com as folhas e/ou raízes das mesmas. O trabalho realizado pelo projeto de extensão, de conscientização e educação em saúde, tem papel crucial na reformulação das concepções de saúde na comunidade, para que a comunidade possa, em conjunto, melhorar as práticas de saúde mesmo diante das dificuldades apresentadas por ausência de políticas públicas que promovam melhores condições de vida. Bem como empoderá-los para que estes estejam munidos de informações que os fortaleçam enquanto grupo e exijam dos governantes uma maior atenção frente ao descaso pelo qual a comunidade tem sofrido há muitas décadas. CONSIDERAÇÕES FINAIS A análise e a discussão das entrevistas realizadas evidenciam que os sentidos atribuídos à saúde, de maneira recorrente, se relacionam intimamente com as condições físicas favoráveis para o desempenho do trabalho. A possui quem apresenta disposição que o permita exercer sua função laboral na comunidade. As concepções analisadas, neste estudo, demonstraram que as representações, sobre o processo saúde-doença, ficaram limitadas ao imediato, ao individual, ao conceito de ausência de doença, as correlações estabelecidas com os determinantes macro-estruturais, apresentaram-se limitadas, porém coerentes com o nível de compreensão dos mesmos. A condição da ausência consciência da determinação do processo saúdedoença, pelos moradores da comunidade, dá-se pelo fato de que a realidade vivida é a ausência da saúde. Esta é percebida como ausência de recursos e políticas públicas eficazes para atender as necessidades básicas dessa população. Assim, a luta pelo atendimento destas os mantêm no nível de compreensão onde o imediato ao cotidiano é o que determina a realidade vivida. A saúde e a doença surgiram em todos os depoimentos como opostos de uma mesma realidade, na qual a doença demonstrou ser o estado mais próximo da realidade vivida, pois a busca pela saúde deve antes superar a luta pela sobrevivência, através do atendimento às necessidades básicas. Dessa forma, reflete-se a importância de compreender o que a saúde significa e representa dentro de uma comunidade antes de elaborar intervenções que visem alcançar, através das atividades extensionistas, a construção coletiva do conhecimento em saúde, com objetivo de fomentar o desenvolvimento social, empoderando o sujeito e conscientizando-o de sua cidadania e seus direitos mediante ações interdisciplinares in loco. Assim, observa-se que a saúde é um bem muito precioso e que tem que ser cuidada com muito zelo. Nesse sentido, o discurso sobre saúde parece ser intimamente influenciado pela condição de seus antepassados, os escravos, e sua disposição para o trabalho. No qual, quanto mais disposto e forte, mais saudável e, por isso, mais valioso era o escravizado. Desenvolver a consciência dos sujeitos locais sobre o processo vivido, possibilitará o desenvolvimento de novas ações e atividades mais amplas, realizadas por eles próprios, capazes de dar conta da transformação social necessária para uma melhor qualidade de vida, seja em âmbito coletivo ou individual. A conscientização da comunidade gera a possibilidade de transcender a realidade vivida pelos habitantes locais de compreensão da causalidade, bem como de um processo de mudança de atuação preocupada com as condições sanitárias compromissada com o cuidado do ambiente em que vivem. REFERÊNCIAS ALMEIDA-FILHO, N. & JUCÁ, V. (2002) Revista Ciência & Saúde Coletiva, 7(4):879889. AVILA-PIRES, F. D.(2000) "Saúde, doença e teoria de sistemas". 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