Intervenções Militares Portuguesas No
Vice-Reinado Do Rio Da Prata, Em Tempo
De Independências
Silvino da Cruz Curado
História não é simpatia nem antipatia; é, sim, Verdade e Justiça1.
Coronel Macedo Carvalho, Primeiro Presidente da Comissão Brasileira de História Militar
O novo cenário da História Militar, a nível internacional, obrigou ao encontro entre os
historiadores militares dos diferentes países, que antes se olhavam e faziam história como
rivais, mas agora, em conjunto, têm de analisar sem paixão os factos e documentos das
duas partes que uma guerra sempre comporta2.
General Themudo Barata, Primeiro Presidente da Comissão Portuguesa de História
Militar e Vice Presidente da Comissão Internacional de História Militar
Pretendi, com estas citações, prestar uma singela homenagem a dois grandes beneméritos da
História Militar, que muitos dos presentes, como eu, recordarão com saudade. Gostaria de não me
afastar das suas sensatas orientações, mas tendo estado envolvidas, neste caso, não duas mas muitas
partes, entre países e partidos, é natural que surjam divergências de apreciação que considero bemvindas.
O Príncipe Regente de Portugal, D. João, ao longo dos 16 anos que levava na Regência do
Reino, de tudo se tinha servido para manter alguma autonomia e salvar o Reino e os Domínios
Ultramarinos, por entre as drásticas e antagónicas imposições da Grã-Bretanha, por um lado, e da
França Napoleónica que dirigia a Espanha, por outro.
Ao navegar para o Brasil, trazia consigo sucessivas e dolorosas queixas de Napoleão e de
Carlos IV, Rei de Espanha e seu sogro e, acima de todas, o ultraje da invasão de Portugal, por forças
de ambos, para capturar a família real e repartir o velho Reino Lusitano e os seus Domínios. Não era
D. João, um príncipe de tipo heróico e belicoso, mas em situação tão extrema, era natural que se
considerasse obrigado a obter, na América, uma dupla desforra e algumas contrapartidas para futuras
negociações.
Assim, quando ainda navegava ao largo da Ilha da Madeira, comunicou a Londres o seu
interesse na tomada da Guiana Francesa, cuja fronteira Napoleão fizera deslocar para a foz do
1
2
Luiz Paulo Macedo Carvalho, Revista do Exército Brasileiro, vol. 136, p.50, 1999.
Manuel Freire Themudo Barata, “A Nova História Militar”, Actas do VI Colóquio da C.P.H.M., Lisboa, p. 25, 1995.
1
Amazonas. A operação viria a ter lugar com proveito para o Brasil por voltar a fronteira ao Rio
Oiapoque mas, por falta de apoio inglês, a Guiana acabou por ser devolvida, sem ter representado,
nas negociações de paz, o trunfo que se esperava.
Quanto ao desforço sobre a Espanha, convém ter presente o sonho ou desígnio nacional dos
portugueses de estender o sul do Brasil até ao Rio da Prata, de que resultou a fundação, em 1680, da
Colónia do Sacramento e um conflito de século e meio.
Num fugaz momento de concórdia entre as Coroas, foi possível assinar, em 1750, um tratado
de limites, mas as divergências depressa reviveram, acarretando a sua anulação, em 1761, e a
ocorrência de choques militares em 1762, 1767, 1774 e 1776, na fronteira de vai e vem do Rio
Grande.
Novo tratado de limites foi assinado em 1777, quando a formidável expedição de Cevallos
marchava, triunfante, para a disputada fronteira. Em tal aperto, foram impostos a Portugal limites
altamente lesivos dos seus interesses, transferindo-se o conflito para azedas discussões das comissões
de demarcação, cujos trabalhos se arrastaram, inconclusos, até à Guerra de 1801.
Na Europa, consistiu este rápido conflito na invasão de Portugal por forças espanholas,
enquanto forças francesas se aprontavam na fronteira. A Paz teve custos muito elevados para
Portugal mas, como os tratados nada dispunham quanto à América, reteve o território ali
conquistado, correspondente a parte substancial do perdido em 1777, nomeadamente, as Missões
Orientais do Uruguai.
A Espanha, que guardou, na Europa, o território português de Olivença, exigiu
reiteradamente a devolução das conquistas americanas e, não a conseguindo, planeou uma expedição
de 4.000 homens para as recuperar pelas armas. Era tarde. Foram os ingleses que apareceram no Rio
da Prata, sendo as suas invasões de 1806 e 1807 derrotadas por forças locais, sem auxílio da
Metrópole. Este facto e a deposição do Vice-Rei, acusado de cobardia, estimularam o orgulho criollo
e o gosto por maior autonomia. No ano seguinte, aportou ao Rio de Janeiro, o Príncipe Regente, D.
João. Estava a começar um novo ciclo, muito complexo e nem sempre pacífico, que conduziria às
independências na Região.
Para além do que fica exposto, impõe-se uma referência ao pensamento de D. Rodrigo de
Sousa Coutinho, Ministro dos Negócios Estrangeiros e da Guerra, no Brasil, desde 1808 até ao seu
falecimento, em Janeiro de1812. Culto, dinâmico, realizador impaciente e muito bem preparado para
a governação, era, contudo, um tanto visionário, levando-o a formular projectos grandiosos, sem ter
na devida conta os constrangimentos impostos pelas realidades.
2
Logo em 17973, exasperado com o corso francês, levado a cabo a partir de Caiena e
Montevideu, e pelo que considerava a má fé dos espanhóis, expediu sucessivas instruções às
autoridades do Brasil, entre as quais a condução nas fronteiras de uma guerra surda, a cargo de
forças irregulares, e a seguinte orientação geral: (…) devendo sempre propor-se a Coroa de Portugal
a levar os confins dos seus Domínios ao ponto que a Natureza lhe deu4, isto é, ao Rio da Prata. Em
1801, depois de um reconhecimento militar ao Rio da Prata, efectuado pelo tenente-coronel Joaquim
Xavier Curado, grande protagonista de acontecimentos posteriores, ordenou o planeamento de um
fantástico ataque a Montevideu e Buenos Aires5, que voltaria a propor em 1803.
Não admira, por isso, que mal foi nomeado ministro no Rio de Janeiro, e com D. João ainda
mal refeito da viagem, das acções de graças e dos beijas-mãos, tenha lançado, de forma precipitada,
a primeira intervenção no Rio da Prata, com o envio de uma carta ao “Cabildo” de Buenos Aires,
oferecendo, à cidade e ao vice-reinado, protecção do Príncipe, inclusive contra os ingleses, mas
exigindo-lhe vassalagem, sob ameaça do emprego da força. Em complemento fez seguir para
Montevideu e Buenos Aires, Joaquim Xavier Curado, já brigadeiro, para avaliar a situação e tentar
os Governadores para o fim de unir aqueles países ao Real Domínio, o que seria muito feliz, pois
evitaria toda a ulterior contenda”6. Seria o primeiro passo para um grande Império da América.
Curiosamente, no Tratado de Fontainebleau, que repartia Portugal e os seus Domínios, Napoleão
prometia reconhecer Carlos IV como Imperador das duas Américas.
Foi muito forte a repulsa das autoridades do Prata que ainda esboçaram uma abortada
retaliação militar, mas ficou um sentimento de desconfiança dos portugueses.
Pouco depois, soube-se no Rio de Janeiro das abdicações de Bayonne, ficando apenas fora do
alcance do Imperador, a Princesa Dona Carlota Joaquina, casada com o Príncipe D. João. Em
Espanha, rapidamente se rebelou a população e se estabeleceram Juntas para governarem em nome
de Fernando VII e dirigirem a luta contra os franceses. A Espanha passava, assim, de inimiga a
aliada de Portugal e de Inglaterra, sendo de prever que Napoleão se apressasse a governar a América
Espanhola e a usufruir das suas riquezas.
Iniciou-se, de imediato, uma vasta campanha em defesa dos direitos de D. Carlota Joaquina à
Regência, enquanto durasse o cativeiro do irmão Fernando VII. Revelou-se, a Princesa, uma mulher
corajosa e muito determinada, passando a intervir na América Espanhola e em especial no Rio da
Prata, onde um dos partidos, temendo a anarquia revolucionária, se empenhou na sua presença em
Buenos Aires, o que só não aconteceu por forte oposição de Lord Strangford, embaixador inglês.
3
Tinha sido nomeado Ministro da Marinha e dos Domínios Ultramarinos. Em 1808 foi feito Conde de Linhares.
Ofício de 23 de Março de 1797, do Conde de Linhares para o Vice-Rei, Códice 573 do A.H.U.
5
Ofício de 20 de Março de 1801, do Conde de Linhares para o Vice-Rei, Códice 574 do A.H.U.
6
As instruções para o brigadeiro em Fontes Impressas, AZEVEDO, p. 174.
4
3
Para além de aspirar a ter o seu próprio poder, D. Carlota continuaria a bater-se, devotadamente, por
aquilo em que acreditava: a monarquia absoluta e os direitos da sua Família7.
A partir da Revolução de Maio de 1810, Buenos Aires, em grande instabilidade governativa,
foi-se encaminhando para a independência, enquanto lutava para manter a união das províncias do
vice-reinado sob a sua contestada hegemonia. No ano seguinte, já não recebeu Francisco Javier Élio,
o último Vice-Rei enviado pelas autoridades de Cádis, o qual, a partir da rival Montevideu, ainda
reduto espanhol, a submeteu a um bloqueio naval. Na reacção, Buenos Aires decidiu sitiar
Montevideu, conjugando a invasão da Banda Oriental com um levantamento das populações rurais,
acção político-militar na qual se revelou, como chefe dos orientais, José Gervásio Artigas, o herói
nacional do Uruguai.
No Rio de Janeiro, o Príncipe Regente receava a revolução, a anarquia e o contágio das ideias
na sua fronteira mas, mais cauteloso, só cedeu às propostas de D. Rodrigo para fazer avançar as suas
forças e aos rogos de D. Carlota Joaquina para socorrer a cercada fortificação, depois de formalizado
o pedido pelo Vice-Rei Élio e pelo Embaixador de Espanha no Rio de Janeiro.
Teve, então, lugar a terceira intervenção portuguesa, desta vez de cunho militar, a qual se
iniciou em 17 de Julho de 1811, com a invasão da Banda Oriental por forças designadas por
“Exército Pacificador”, sob o comando de D. Diogo de Sousa, Governador do Rio Grande. Consistiu
a primeira fase numa longa, demorada e penosa marcha até Maldonado, onde foi recebida a notícia
da realização do armistício de 20 de Outubro que estabelecia a retirada não só dos sitiantes, como
dos portugueses. Frustrado nos objectivos, ali se conservou aquele Governador até que o carismático
Artigas passasse o Rio Uruguai, conduzindo, entre combatentes e população, cerca de 16.000
pessoas, no mitificado “Êxodo do Povo Oriental”.
Em Março de 1812, já falecido D. Rodrigo, iniciou D. Diogo de Sousa uma segunda fase da
operação, realizando, durante o inverno que na região é de rigor, nova e penosa marcha de 600
quilómetros até Paisandu, na margem do Uruguai, onde se fortificou. Ocorreram, entretanto, alguns
pequenos combates com as forças do Caudilho, tornando-se a situação tensa entre as duas margens
quando, àquelas forças, se juntaram fortes contingentes de Buenos Aires. Com o patrocínio de Lord
Strangford , ocorreu, então, a desastrosa negociação de um armistício, em Buenos Aires, no qual não
foi incluída Montevideu, inutilizando, portanto, todo o esforço do “Exército Pacificador”, o qual, em
mais uma trabalhosa marcha, recolheu à fronteira do Rio Grande, apesar dos apelos do seu
Comandante, a D. João, para que não ratificasse o acordo, em tais condições.
7
Sobre o envolvimento de D. Carlota ver: AZEVEDO, 2003; CALÓGERAS, 1998;CASSOTI, 2009; LIMA, 1996; PEREIRA,
1946; PEREIRA, 1999; VARELA, 1919.
4
Não houve grandes confrontos que justifiquem a sua análise militar, mas consolidou-se a até
aí despovoada fronteira do sul do Brasil, quer pela criação de povoações junto aos acampamentos
militares, quer pela atribuição de sesmarias aos soldados que lá se quiseram fixar, e formou-se uma
geração de valiosos quadros que tanto se iria distinguir posteriormente.
É de justiça dar ênfase à penosidade das marchas, sem estradas e com caudalosos rios a
transpor, à necessidade de tudo transportar em numerosos carros puxados por várias juntas de bois,
os quais, como os cavalos, exigiam tempo e largas pastagens para se alimentarem e cuidados de
segurança a estes locais e às extensas colunas. A importância deste tipo de transporte, no Uruguai
daquela época, está bem patente no facto de em Montevideu existirem, para além dos esperados
monumentos a grandes vultos pátrios, como Artigas ou Rivera, um imponente e bem expressivo
monumento ao esforço de homens e animais, denominado La Carreta.
A quarta intervenção portuguesa no Rio da Prata foi prolongada, envolveu, a par de
engenhosas acções políticas, um elevado número de sangrentos combates e, ainda que possa não ter
tido tão definidos objectivos imperialistas, como geralmente se lhe atribui, constituiu um factor de
perturbação nas independências da região, influiu no reconhecimento do Uruguai e esteve na génese
de duradouro contencioso entre o Brasil e a Argentina.
Pode dizer-se que tudo começou com a ordem de D. João, dada em fins de 1814, para a vinda
para o Brasil, sob o comando do prestigiado tenente general Carlos Frederico Lecor, da Divisão de
Voluntários do Príncipe, com um efectivo de cerca de 5.000 homens, na sua maioria veteranos das
lutas contra Napoleão, disciplinados à inglesa, sob a direcção muito exigente do general Beresford.
Para evitar falsas interpretações, foi assegurado aos Governadores do Reino e aos ingleses, que a
Divisão se destinava à defesa da capitania do Rio Grande8. Com efeito, Artigas havia ganho grande
prestígio e dominava toda a Campanha da Banda Oriental, onde desenvolvia uma revolução
republicana de raiz popular, agrária e um tanto anárquica. Intitulava-se Protector dos Povos Livres e
exercia a sua acção sobre a Liga Federal de Províncias que se opunha ao centralismo portenho. A
partir de 1815, passou também, a dominar Montevideu.
D. João desejava opor-se às frequentes violações, pelos seus gaúchos, das mal definidas
fronteiras, aos documentados esforços para difusão das ideias revolucionárias e de preparação para a
tomada de todo o território na posse de Portugal, incluindo o das Missões, que ultrapassava os
limites do tratado de 17779.
8
O ofício para os Governadores é de 9 de Dezembro de 1814 e o destinado ao Marquês do Funchal, Embaixador em
Londres, é de 26 de Janeiro de 1815. Estão disponíveis no Arquivo Histórico Militar, em Lisboa, onde também se
encontra desenvolvida documentação sobre a formação da Divisão de Voluntários.
9
Em 7 de Março de 1817, foi enviada aos Governadores do Reino, para seu cabal conhecimento, volumosa
documentação destinada a justificar junto das Cortes de Paris, Viena, Berlim e S. Petersburgo a entrada que em justa
5
Entretanto, Fernando VII voltou a reinar em Espanha, mandou preparar a grande expedição
do general Morillo para submeter as províncias do Rio da Prata, solicitou apoio logístico português à
esquadra, e negociaram-se os casamentos de duas infantas portugueses com o referido Monarca e o
irmão Carlos. Em tais condições, não fariam sentido objectivos ofensivos.
Nos tratados de Paz que se negociaram na Europa, Portugal viu-se tratado como estado
tutelado pela Inglaterra, não conseguindo as compensações a que, justamente, se julgava com direito.
D. João, afastado das vistas europeias, precisava de se reafirmar, por diversas formas, na cena
internacional. O aspecto marcial da Divisão iria melhorar a imagem do seu poder e merecer
referências elogiosas nos relatórios dos embaixadores às suas Cortes.
A expedição de Morillo acabou por ser desviada para a Venezuela, procedimento que D. João
considerou desleal e lhe terá dado a convicção de ter de enfrentar Artigas com as suas próprias
forças, facto que não desagradava a Buenos Aires, desejosa de se ver livre do Caudilho e receosa de
acções punitivas de Espanha, da qual se declarou totalmente separada em 9 de Julho de 1816.
Um mês antes, em luzida cerimónia, na presença de D. João, da Corte e de Beresford tinha
embarcado para o Prata a garbosa Divisão de Voluntários, já designados de Reais, sendo tudo fixado
em conhecido quadro de Débret. Em 20 de Janeiro de 1817, entrou o general Lecor, solenemente em
Montevideu e também desta cerimónia existe um desenho muito divulgado, podendo dizer-se que
destas duas representações derivam as poucas linhas que a historiografia portuguesa dedica à
impropriamente chamada “Campanha de Montevideu”.
Ora acontece que nem a marcha da Divisão, de 1.400 quilómetros a partir de Santa
Catarina10, foi um passeio, nem lhe coube a grande maioria dos duros e mortíferos combates, entre
1816 e 1820, que derrotaram o perseverante Artigas e o obrigaram a desistir da luta. Coube esta
tarefa, sobretudo, a forças do Rio Grande, de São Paulo e de Santa Catarina, da ordem dos 2.500
homens, comandados e submetidos a aturado treino pelo veterano general Joaquim Xavier Curado11,
actuando na defesa das Missões e, a partir da fronteira sul, numa larga faixa paralela ao Rio Uruguai.
De uma forma geral, nas “batalhas” formais, os valorosos ginetes de Artigas investiam com grande
defesa deste Reino fizeram as Tropas Portuguesas (…). O processo está disponível no Arquivo Histórico Militar, em
Lisboa.
10
O general Lecor, face à falta de navios e ao perigoso estado do mar, assumiu, de acordo com recomendação de D.
João, a responsabilidade de fazer seguir por terra, a partir de Santa Catarina, a maior parte da Divisão.
11
Curiosamente, em duas importantes “batalhas”, as forças de Curado foram comandadas pelos Governadores do Rio
Grande. Assim, na de Catalão, em 4 de Janeiro de 1817,comandou o Marquês de Alegrete, tendo as forças de Artigas,
comandadas por La-Torre, tido, segundo o relatório português, 900 mortos e 290 prisioneiros (um terço do efectivo) e
perdido 6.000 cavalos e 600 bois. Por seu turno, na batalha definitiva de Taquarembó, em 22 de Janeiro de 1820, o
comando pertenceu ao Conde da Figueira e La-Torre perdeu 800 mortos, 15 feridos e 490 prisioneiros. Em ambos os
casos as forças de Artigas contavam com efectivos superiores. No primeiro caso, os portugueses terão tido 78 mortos e
146 feridos e no segundo, apenas 1 morto e 5 feridos.
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ímpeto, mas menos disciplinados e treinados, facilmente se desorganizavam, acabando por sofrer
grande quantidade de baixas na perseguição. Em compensação, eram muito eficientes nas pequenas
acções, onde o valor individual se pode impor sem grande organização.
O repetido plano de Artigas, que não chegou a ter sucesso, consistia em atacar as distantes
Missões por forma a atrair para lá o demorado reforço das forças portuguesas e avançar com duas ou
três colunas que, depois de reunidas na fronteira, atacariam, profundamente, o pouco guarnecido
centro da Capitania do Rio Grande.
Voltando ao general Lecor, é tempo de nos interrogarmos acerca da missão de que ia
incumbido. Iria, de facto, protagonizar uma operação de “imperialismo consciente”, como é
designada por Oliveira Lima? O general deveria ocupar Montevideu e formar na Banda Oriental uma
“Capitania com Governo separado e interino”, para o que lhe foram entregues desenvolvidas
instruções. Mas, entretanto, D. João fez-lhe chegar um bilhete de que se recolhe a seguinte
orientação: (…) Entendei-vos com o Marquês do Alegrete (Governador do Rio Grande) e se Artigas
ainda persistir rebelde, ocupe-se o seu território, para que os espanhóis possam tornar à obediência
do seu Soberano, e fique em segurança o meu País (…) procurai que fique fortificada uma boa linha
militar de defesa. Por este modo é que deveis entender as instruções que agora vos mando dar12.
Mais tarde, afirmou, às Cortes europeias, não ter vistas de algumas conquistas e não deu
andamento ao pedido do Cabildo de Montevideu para integração da Banda Oriental no Brasil.
Quando Lecor chegou ao Rio Grande, já as forças do General Curado repeliam, no seu sector,
tropas de Artigas que procuravam atrair efectivos e conquistar as Missões, evitando o reforço
significativo da Divisão de Voluntários. Desta forma, estabeleceram-se dois teatros de operações
muito afastados e sem coordenação possível até 1818, quando se estabeleceu, ao longo do Rio
Uruguai, a ligação das respectivas forças.
A Divisão marchou para Montevideu, dividida em duas colunas. À do caminho da costa
opunha-se Rivera, um dos melhores lugar-tenentes de Artigas. Derrotado, com pesadas baixas, no
combate de Índia Muerta, voltou à luta com acções menos frontais. À outra coluna, a que se opunha
inicialmente Otorguês, não foi dada oportunidade de um combate tão decisivo, mas foi flagelada por
sucessivas acções que, embora fortemente repelidas, não podiam ser adequadamente perseguidas
devido ao peso das bagagens e às limitações da cavalaria, pouca e mal montada.
Lecor, reunida a Divisão, encaminhou-se para a grandiosa fortificação de Montevideu, sem
ignorar a sua capacidade de resistência manifestada em prolongados cercos, mas a falta de apoio da
12
Fac-simile do bilhete do punho de D. João VI, em PEREIRA, 1946. P. 257.
7
população convenceu o Delegado de Artigas13, mesmo depois de receber um reforço de armamento,
a abandonar a praça com a guarnição, permitindo a pacífica e triunfal entrada do militar. A partir de
então também era Governador, função a que se dedicou de corpo e alma. Dotado de grande
capacidade de sedução, de tudo se serviu para conquistar os corações dos orientais, conseguindo
granjear inegável sucesso na cidade, o qual foi estendendo à campanha, à medida que se retiravam as
milícias do Caudilho. Com essa mesma intenção, limitou as intervenções da Divisão de Voluntários
a operações militares de reconhecida necessidade, conservando-a como a imagem de poder,
desmotivadora de qualquer aventura de Buenos Aires.
Ora, quando tudo finalmente parecia conseguido, aconteceram as revoluções liberais de 1820,
em Espanha e em Portugal, acarretando o desfazer da nova grande expedição espanhola destinada ao
Rio da Prata e o regresso a Lisboa de D. João, o qual, procurando não deixar problemas ao Príncipe
D. Pedro, efectuou o primeiro reconhecimento da Independência das Províncias Unidas e decidiu que
fossem os orientais, em congresso, para o efeito convocado “sem a menor sombra de coacção ou
sugestão”, a escolher o seu destino entre três hipóteses: a independência, a união ao Brasil ou a união
a uma Província vizinha. Pelo menos formalmente, foi dado andamento ao processo de acordo com a
legislação espanhola aplicável e o Congresso optou pela incorporação no Reino do Brasil, mas
mediante tão cautelosas e extensas garantias que mais prefiguravam um estado.
Lecor aderiu ao Império do Brasil, o que provocou perigosa cisão entre os Voluntários da
Divisão, a maioria dos quais, tendo-se oferecido para uma expedição com regresso garantido às suas
unidades, em Portugal, exigiu o cumprimento da promessa.
Em 1825, já sem intervenção portuguesa, teve lugar uma rebelião dos herdeiros de Artigas,
levando à Guerra da Cisplatina e à independência, em 1828, da República Oriental do Uruguai.
Fontes E Bibliografia
Fontes manuscritas
Arquivo Histórico Militar
Documentação relativa à Divisão de Voluntários Reais, respeitante à sua organização, aos
incidentes havidos nos anos de 1821 a 1823 e ao pessoal regressado a Portugal.
Documentação enviada aos embaixadores, em 1817, para combater a acusação de agressão
feita pela Espanha, devido à invasão da Banda Oriental.
Arquivo Histórico Ultramarino
13
Manuel Barreiro
8
Documentos manuscritos avulsos referentes a Montevideu. Respeitam, sobretudo às forças
navais destacadas no Rio da Prata e aos incidentes acima referidos.
Fontes impressas
AZEVEDO, Walter Alexander, “A missão secreta do marechal Curado ao Rio da Prata (1808-1809),
Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, v. 192, pp. 173-176.
DUARTE, Paulo de Q., Lecor e a Cisplatina 1816 1828, Rio de Janeiro, Biblioteca do Exército
Editora, 1984. Esta obra transcreve muita documentação que não deve existir em Portugal,
pelo que a sua consulta foi de grande utilidade para o autor.
LARA, Diogo Arouche de Morais, “Memória da Campanha de 1816”, escrita em 1817, Revista do
Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, texto, n.º 26, 1845, pp. 125-177, apêndice
documental, n.º 27, 1845, pp. 273-328.
MELO, Barão Homem de, “Documentos relativos à História da Capitania, depois Província, de S.
Pedro do Rio Grande do Sul”, Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, tomo XLI,
parte I, pp. 273-386, tomo XLII, parte I, pp. 5-90.
TEIXEIRA, Danton, “Operações da Divisão Lecor”, Revista Militar Brasileira, v. XXXV, 1936, pp.
3-15.
9
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