CARTA ABERTA A Diaconia, o CAATINGA e o Centro Sabiá são organizações parceiras e atuam em campos e dimensões políticas com propósitos, abordagens pedagógicas e metodologias comuns, resguardando e respeitando as especificidades e autonomia de cada organização. Como organizações que atuam no campo da Agroecologia, fazemos parte da Articulação Nacional de Agroecologia (ANA), da Articulação no Semiárido Brasileiro (ASA) e da Rede de Assessoria Técnica e Extensão Rural do Nordeste - Rede ATER Nordeste e, desde 2004, essa parceria vem construindo sinergias e abordagens comuns que convergem para a defesa incondicional dos Direitos Humanos, principalmente para as parcelas da população que têm seus direitos negados. Historicamente as três organizações desenvolvem suas ações com o apoio da Cooperação Internacional, viabilizando propostas políticas de luta por uma agricultura de base sustentável e, ao longo dos anos, acumularam experiência de captação e gestão de recursos públicos, construindo uma cultura de gestão transparente, ética e eficiente, sem perder a autonomia e a capacidade de crítica na relação ao Estado. Pode-se destacar como exemplo a participação no Programas Um Milhão de Cisternas e Uma Terra e Duas Águas, ambos da ASA, e financiados majoritariamente pelo Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome - MDS, que ampliam o acesso das famílias do Semiárido às tecnologias sociais de captação e armazenamento de água para o consumo humano e produção de alimentos, a partir da abordagem para Convivência com o Semiárido. Assim como a participação nas várias chamadas de ATER no campo federal e de implementação de tecnologias sociais, no Estado de Pernambuco, com recursos majoritariamente federais. Nossa parceria tem assumido o papel de contribuir na formulação e monitoramento de políticas públicas para a agricultura familiar, tendo a Agroecologia como abordagem políticometodológica capaz de produzir alimentos saudáveis, conservar a biodiversidade e a água, o meio ambiente, a cultura camponesa e das comunidades tradicionais, bem como contribuir para a construção de um Projeto Político de desenvolvimento includente e que garanta o fim das desigualdades sociais no Brasil. Ao avaliarmos o contexto político eleitoral pelo qual passa o Brasil nos últimos meses, observamos a necessidade de qualificação do debate e exposição de argumentos políticos com serenidade e lucidez. Nos últimos anos, o alinhamento dos governos de Pernambuco e Federal foi fundamental para muitas das mudanças e avanços em Pernambuco, a exemplo do Programa Pernambuco Mais Produtivo – PPMP e dos investimentos para as Adutoras do Pajeú e do Agreste, entre outros programas sociais e de infraestrutura. Porém, foram poucos os avanços do Estado de Pernambuco no que se refere ao sistema de garantia de direitos, da participação social e de proteção ao meio ambiente, a exemplo da falta de investimentos político e financeiro nos Conselhos de Políticas Públicas e na Política Estadual de Combate à Desertificação, que teve pouco ou quase nada implementado. 1 No campo Nacional tais contradições se evidenciam a partir da constatação de fenômenos contraditórios tais como: quase nenhum avanço na consolidação de uma política de Reforma Agrária ampla e democrática; o avanço inescrupuloso de cultivos de transgênicos sob a tutela conservadora e de interesses privados na Comissão Técnica Nacional de Biosegurança (CTNBio); o aumento assustador do uso de agrotóxicos pelo agronegócio; a transposição de águas do Rio São Francisco principalmente para suprir as demandas de setores empresariais; as grandes obras que geram a desterritorialização de povos e comunidades tradicionais; a inércia do Congresso Nacional frente à Regulamentação da Comunicação, que ainda está concentrada na mão de meia dúzia de famílias da elite brasileira; a deliberada morosidade com vistas às demarcações de terras indígenas que não foram concretizadas como os movimentos demandam; e em tantas outras iniciativas que dialogam e fortalecem o agronegócio e o setor industrial. No entanto, também nos é exigido o mesmo grau de serenidade e lucidez para reconhecer os avanços que tivemos nos últimos 12 anos no Brasil, evidenciando ganhos no contexto de disputas na correlação de forças dos projetos em construção no país, no interior dos governos e dos parlamentos. Assim, presenciamos: a geração de mais de 23 milhões de empregos formais; a abertura de Institutos Federais (IFs) e Escolas Técnicas (de 140, em 2003, para 569 unidades em 2014 e mais de 600 mil vagas); 6 milhões de inscrições no Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego (PRONATEC); a interiorização das Universidades Federais (237 Campi em 2011); o Programa Universidade para Todos (ProUNI) com bolsas de estudos para mais de 1,2 milhões de jovens; o Programa Ciência Sem Fronteiras, que beneficia mais de 100 mil profissionais, estudantes e pesquisadores; e a Política de Cotas para a População Negra nas Universidades. Ainda no campo dos avanços destacamos: desde 2004 destina-se recursos no Orçamento Geral da União - OGU para construção de tecnologias de captação e armazenamento de água para consumo humano e produção no Semiárido brasileiro, atendendo a mais de 700.000 famílias agricultoras; mais de 1 milhão de mulheres rurais conseguiram sua documentação; aumento dos recursos destinados à Agricultura Familiar. Em 2003, eram contados em milhões de reais e para a Safra 2013-2014 foram mais de R$ 39 bilhões disponibilizados, com destaque para os Pronaf Jovem, Mulher, Floresta e Semiárido; os programas PAA (Programa de Aquisição de Alimentos) e PNAE (Programa Nacional de Alimentação Escolar) com orçamento em 2013/2014 de R$ 3,3 bilhões para compra de produtos da Agricultura Familiar, valorizando os produtos de base Agroecológica e “quebrando” os lobbies entre indústrias de alimentos, prefeituras e governos estaduais; o Programa Minha Casa Minha Vida, com 1,5 milhões de famílias beneficiadas; o Programa Luz para Todos, que mudou a vida de mais de 9,5 milhões de pessoas; o Programa Mais Médicos, que até o final de 2014 chegará a 14 mil profissionais e mais de 50 milhões de pessoas pobres atendidas. Destacam-se ainda a ampliação do Sistema Nacional de Assistência Técnica e Extensão Rural (ATER); o Programa Bolsa Família, que tem ajudado milhares de famílias a viver com mais dignidade e com maior Segurança Alimentar e Nutricional; a instituição de programas, políticas e leis importantes como a Lei da Agricultura Familiar N° 11.326 de 24 de julho de 2006; a PNATER, o PRONATER e a Lei de ATER N° 12.188, de janeiro de 2010; a PNAPO e o PLANAPO, pelo Decreto N° 7.794, de 20 de agosto de 2012; o Sistema Nacional de Segurança 2 Alimentar e Nutricional - SISAN; e mais recentemente a Lei 13.019/214, que estabelece o Marco Regulatório das Organizações da Sociedade Civil para as relações de parceria, fomento e colaboração junto ao Poder Público; e a Política Nacional de Participação Social - PNPS, que assegura as formas para organizações como Diaconia, Caatinga e Centro Sabiá, ou organizações comunitárias e de classe, participarem na elaboração e controle de políticas públicas. Esses avanços precisam ser percebidos como dimensões importantes para as mudanças necessárias às condições de vida com mais dignidade e justiça social para todo o país e não somente para um ou outro estado. Mesmo que não os consideremos suficientes, não há de se negar que na atual gestão do Governo Federal foram construídos marcos fundamentais em áreas de muitas fragilidades em nossa sociedade. Entendemos, portanto, que precisamos garantir que as conquistas que tivemos ao longo desses últimos 12 anos não se percam no discurso populista e demagogo da direita, da mídia e de setores mais conservadores da sociedade, que muitas vezes usam de argumentos religiosos ou da vida privada para fincar suas raízes e pensamentos. Nosso papel é provocar debates para ajudar todos/as a refletirem sobre outras perspectivas, baseando-se no respeito e na tolerância. Precisamos estar atentos ao fato de que a mídia escolhe seus mártires e heróis, e promove a manipulação da sociedade para proveito próprio, de forma a atender seus interesses e aos interesses econômicos e ideológicos de setores conservadores. Portanto, fiquemos atentos e atentas às informações e notícias aparentemente despretensiosas que não discutem ideias e posições com transparência, que utilizam desses artifícios para atrair e enganar e que tentam desconstruir a lógica da estratificação de classes sociais com um discurso vazio de consensos. Não deixemos nunca de reconhecer os limites que temos e de analisar criticamente o contexto. Mas, na mesma intensidade não podemos esquecer o que conquistamos e o nosso papel de cobrar do Estado a garantia de direitos, de fazer pressão social, e de proposição. Precisamos fazer essas análises e debates com os jovens e mulheres, com as famílias agricultoras e suas organizações, com os amigos, vizinhos e familiares para que as pessoas tenham mais elementos para analisar lucidamente o contexto atual e para que os tempos que se aproximam sejam mais iluminados. Diante do exposto e resguardando nossa autonomia e transparência na relação com o Estado, defendemos a continuidade das conquistas dos últimos 12 anos no Brasil, mantendo viva a luta e o diálogo por políticas públicas que assegurem mais mudanças e um melhor futuro para as populações mais pobres, a partir da garantia plena de direitos. Pernambuco, 09 de setembro de 2014. Diaconia, CAATINGA e Centro Sabiá 3