A ATUAÇÃO DA EQUIPE MULTIPROFISSIONAL DO AMBULATÓRIO DE NEUROCIRURGIA ONCOLÓGICA DO HOSPITAL DAS CLÍNICAS DA FACULDADE DE MEDICINA DE RIBEIRÃO PRETO – USP. Marcela dos Reis Bigatão1; Marysia M. R. Prado de Carlo2; Carlos Gilberto Carlotti Jr3; Fernanda Maris Peria3; Giusepe Picone Jr1; Mariana Siqueira Bastos Formighieri1; Margarida L.G.B. Sartore1. Resumo Este artigo apresenta o trabalho da equipe multiprofissional do Ambulatório de Neurocirurgia Oncológica do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto – USP, no atendimento a pacientes oncológicos e seus familiares. Introdução No cotidiano dos serviços de saúde (enfermarias hospitalares, unidade de terapia intensiva, ambulatórios de especialidades, etc), as equipes multiprofissionais de trabalho podem caracterizar-se de diferentes formas. Segundo Peduzzi (2001), uma equipe pode ser um agrupamento dos agentes, com fragmentação das ações, que são justapostas sem objetivo comum, mas pode constituir-se também como modalidade de trabalho coletivo que se configura na relação recíproca entre as múltiplas intervenções técnicas e interações de agentes de diferentes áreas profissionais. Numa equipe multiprofissional integrada, segundo esse autor, deve haver um projeto assistencial comum, integração e coordenação do plano de ação, com flexibilidade na divisão do trabalho, autonomia técnica de caráter interdependente, respeito às diferenças e especificidades técnicas dos trabalhos especializados, coordenação dos agentes e comunicação intrínseca ao trabalho. A equipe, composta por duas ou mais pessoas, com suas diferenças, suas competências e suas habilidades, juntas dividem um propósito e trabalham para alcançar uma meta em comum. Seu trabalho consiste em ações que são, ao mesmo tempo, instrumentais, orientadas por regras técnicas, e estratégicas, na busca de resultados e metas. Apresentaremos, a seguir, a estrutura de funcionamento da equipe multiprofissional do ambulatório da Neurocirurgia Oncológica do HC-FMRP-USP. 1 Profissionais das áreas de Terapia Ocupacional, Neurocirurgia, Psicologia e Serviço Social, respectivamente, do Hospital das Clinicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto – USP, SP Brasil; E-mail: [email protected] 2 Docente do Curso de Terapia Ocupacional da FMRP-USP 3 Docentes do Curso de Medicina da FMRP-USP Caracterização do Serviço Os pacientes atendidos no ambulatório da Neurocirurgia Oncológica do Hospital das Clínicas da FMRP-USP (HC-FMRP-USP), no interior do Estado de São Paulo, são encaminhados pela DRS XIII ou pela Unidade de Emergência (UE) do mesmo hospital. Quando o sujeito é encaminhado pela DRS XIII passa pela triagem no ambulatório da neurocirurgia (ANEC) para realização dos exames necessários e, quando a porta de entrada é a UE, o sujeito é internado no HC-FMRP-USP (campus) para a realização dos exames. Todas as cirurgias são realizadas no HC-FMRP-USP (campus); depois da cirurgia e da resposta do exame anatomopatológico, o paciente é encaminhado para o ambulatório da neurocirurgia oncológica (ANECO) ou para o ambulatório geral (ANEC). Para o ANECO são encaminhados os paciente com tumores com alto grau de malignidade, cujo tratamento póscirúrgico exige tanto radioterapia e quimioterapia, como procedimentos de reabilitação; para o ANEC são encaminhados os pacientes com tumores benignos. Os tumores mais encontrados no ANECO são os gliomas tumores originários das células gliais, que formam o grupo de tumores intracranianos predominantes, totalizando 50% das ocorrências. Eles são divididos em quatro graduações: os gliomas grau I e II são considerados benignos, os de grau III e IV (gliomas de alto grau), denominados respectivamente de astrocitoma anaplásico e de glioblastoma multiforme, possuem características altamente malignas e estão associados com prognóstico bastante ruim. Na literatura médica, fala-se em sobrevida de 36 a 60 meses para os pacientes com astrocitoma anaplásico e de 10 a 24 meses para pacientes com glioblastoma multiforme. Este tumor cresce com rapidez, o que aumenta a pressão cerebral e provoca cefaléias, lentidão de pensamento e, quando for muito grave, sonolência e coma; o tratamento é cirúrgico e, posteriormente, há necessidade de tratamento radioterápico, quimioterápico e de reabilitação. Assim, as adversidades do tratamento e o prognóstico desfavorável dos pacientes atendidos no ANECO traçam um quadro muito severo, até mesmo em comparação com outros tipos de câncer (PASSIK et al., 1994 Apud: VERISSIMO, 2005). O paciente com tumor cerebral pode apresentar severos sintomas físicos e neuropsiquiátricos, como déficits motores, crises epiléticas e alterações visuais; as funções cognitivas, tais como memória, inteligência, aprendizagem, linguagem e atenção, costumam ser as mais afetadas (WEITZNER; MEYRES; BYRNE, 1996 Apud: VERISSIMO, 2005). Poderá apresentar também perturbações na percepção, no conteúdo do pensamento, no humor, nas emoções e no padrão global de personalidade e comportamento, com conseqüentes dificuldades nas relações sócio-familiares, apresentando a necessidade de uma intervenção multiprofissional. Dinâmica de atendimento A equipe do ambulatório da neurocirurgia oncologia do (HC-FMRP-USP) é composta por 2 neurocirurgiões, 1 oncologista, 1 assistente social, 1 psicóloga, 1 terapeuta ocupacional e enfermeiras. O ANECO acontece uma vez por semana e são realizados, em média, 6 atendimentos a pacientes com faixa etária acima de 18 anos e de ambos os sexo, todos do Sistema Único de Saúde (SUS). (ver figura 1) Antes da consulta médica os pacientes e seus familiares participam de um grupo de apoio coordenado pela psicóloga, com uma hora de duração, com a colaboração da terapeuta ocupacional e da assistente social e com, no máximo, 8 participantes. Este grupo propicia a criação de uma nova e importante rede social ao paciente oncológico e a seus familiares. Além disso, configura uma situação adequada à possibilidade de refinamento das informações sobre a doença e o tratamento, favorece a elaboração das vivências relacionadas à enfermidades e auxilia na triagem dos pacientes para posteriormente um atendimento individual. Após o grupo, ocorre a discussão, dentre os membros da equipe multiprofissional, de todos os casos que serão atendidos naquele dia, havendo a integração das informações e o planejamento das estratégias de atendimento qualificado. É importante ressaltar que os pacientes chegam ao ambulatório, em sua maioria, sem conhecimento prévio do diagnóstico. Logo a seguir ocorrem os atendimentos, sendo que em um consultório fica o neurocirurgião com os casos de retorno clínico e os atendimentos de suporte e, no outro consultório, fica a oncologista com os casos de tratamento quimioterápico. A partir do contado prévio estabelecido no grupo, define-se também quem será acompanhado nesta consulta pela psicóloga e/ou pela terapeuta ocupacional e, se houver necessidade, há a possibilidade também de atendimentos individuais e/ou familiares. Ao término da consulta os paciente seguem para a assistência da enfermagem para orientações sobre os cuidados e, posteriormente, são atendidos pelo serviço social. Em caso de intercorrência, a equipe dá o suporte necessário, através de atendimentos telefônicos e/ou tomadas das providências necessárias. São realizados também atendimentos no período pós-morte, dando suporte e acolhimento aos familiares e/ou cuidadores. Terapia Ocupacional O terapeuta ocupacional é o profissional da área da saúde responsável por analisar e promover a vida ocupacional do paciente em seus diferentes aspectos. Define ações de prevenção ou propõe e desenvolve um programa de tratamento que possibilita a melhoria do estado de saúde e de qualidade de vida, capacitando o paciente para alcançar maior grau de autonomia e independência funcional, necessárias para manutenção de sua vida ativa. O objetivo fundamental da Terapia Ocupacional é a reconstrução das histórias ocupacionais e melhoria do desempenho ocupacional dos indivíduos, apesar de suas doenças ou possíveis incapacidades. O terapeuta ocupacional atua também como um facilitador do manejo clínico com o paciente, ampliando o campo relacional seja do paciente com o seu familiar e/ou cuidador, seja do paciente com a equipe, seja do paciente com ele próprio (Tedesco et al, 2005). Logo, deve atentar para a qualidade da vida ocupacional na cotidianidade das suas relações sociais. O terapeuta ocupacional pode atuar em todas as etapas do tratamento oncológico, abrangendo as diferentes fases da doença, como: curativa, reabilitação e/ou reinserção social e tratamento paliativo, o que trouxe uma nova demanda de formação ao terapeuta ocupacional, pautada pelos princípios dos Cuidados Paliativos. Cuidados Paliativos Como os casos do ANECO são de prognóstico reservado, ressalta-se, aqui, a importância da assistência em Cuidados Paliativos. Para a Organização Mundial de Saúde (OMS) cuidado paliativo é um conjunto de medidas capazes de prover uma melhor qualidade de vida ao doente portador de uma doença que ameaça a continuidade da vida e seus familiares, através do alívio da dor e dos sintomas estressantes, utilizando uma abordagem que inclui o suporte emocional, social e espiritual aos doentes e seus familiares, desde o diagnóstico da doença ao final da vida e estendendo-se ao período de luto. São aspectos fundamentais do trabalho de cuidados paliativos: a comunicação clara e verdadeira, o princípio da autonomia e da necessidade do consentimento informado, a confiança mútua e segurança. Com uma comunicação franca e adequada, a equipe multiprofissional de saúde pode oferecer informações e orientações ao paciente e familiares, de forma a inseri-los na tomada de decisões sobre o processo de adoecimento e tratamento, em quaisquer de suas fases. Portanto, a equipe deve buscar, numa abordagem mais participativa e simétrica, construir intervenções que promovam qualidade de vida de todos os envolvidos. Considerações Finais O trabalho em equipe multiprofissional integrada qualifica a assistência dos pacientes oncológicos. Essa inter-relação de diversos saberes profissionais na proposição das condutas terapêuticas, contando também com a efetiva participação do paciente e de seus familiares e/ou cuidadores no tratamento, é que constrói a ação integral e integrada, que abrange os aspectos físicos, psicossociais e espirituais, tendo como base o respeito ético e o respeito a dignidade humana. Referências Bibliográficas COLLI, B.O; CARLLOTI, C.G.J. Neoplasias Intracranianas. In: Tópicos de Neurologia para Graduação. Ribeirão Preto, SP: Hospital das Clínicas da Universidade de São Paulo, 2000. DE CARLO, M. M. P.; QUEIROZ, M. E. G. Dor e Cuidados Paliativos – Terapia Ocupacional e Interdisciplinaridade. São Paulo, Rocca, 2007. 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Universidade de São Paulo, 2005 Am bu la tó rio d e N e u ro c iru rg ia On c oló g ic a – ANE CO – HC-F MRP -U S P At en dimen to t elefôn ico Figura 1 - estrutura assistencial no ANECO