Prof Ms Gil Barreto Ribeiro (PUC GO) Diretor Editorial Presidente do Conselho Editorial Engenheira Larissa Rodrigues Ribeiro Pereira Diretora Administrativa Presidente da Editora Prof Ms Cristiano Santos Araújo (UERJ) Assessor/Revisor CONSELHO EDITORIAL Prof Dr Francisco Edviges Albuquerque (UFT) Prof Dr Haroldo Reimer (UEG) Prof. Dr. Henryk Siewierski (UNB) Profa Dra Irene Dias de Oliveira (PUC GO) Prof Dr João Batista Cardoso (UFG) Prof Dr Luiz Carlos Santana (UNESP) Profa Ms Margareth Leber Macedo (UFT) Profa Dra Marilza Suanno (UFG) Prof Dr Nivaldo dos Santos (PUC GO) Profa Dra Regina Lúcia de Araújo (PUC GO) Profa Dra Telma do Nascimento Durães (UFG) Prof Dr Wandercy de Carvalho (UFT) CONSELHO Editorial RIEC Prof. Dr. Antonio Pantoja Vallejo - UJA/Espanha Profa. Dra. Assumpta Aneas Alvarez - UB/Espanha Profa. Dra. Flor Cabrera Rodriguez - UB/Espanha Profa. Dra. Inmaculada Bordas Alsina - UB/Espanha Prof. Dr. João Henrique Suanno - UEG/Brasil Prof. Dr. José Tejada Fernàndez - UAB/Espanha Prof. Dr. Juan Miguel González Velasco - EMI/Bolívia Profa. Dra. Maria Antònia Pujol Maura - UB/Espanha Profa. Dra. Maria Cândida Moraes - UCB/Brasil Prof. Dra. Maria José de Pinho - UFT/Brasil Profa. Dra. Maria Luisa Sevillano - UNED/Espanha Profa. Dra. Maria Teresa Esquivias - UNAM/México Profa. Dda. Marilza Vanessa Rosa Suanno - UFG/UEG/Brasil Profa. Dra. Marlene Zwierewicz - Unibave/Brasil Profa. Dra. Núria Lorenzo Ramírez - UB/Espanha Profa. Dra. Núria Rajadell Puiggros - UB/Espanha Profa. Dra. Patricia Limaverde Nascimento - UECE/Brasil Prof. Dr. Saturnino de la Torre - UB/Espanha Profa. Dra. Teresa Salinas Gamero - URP/Peru Profa. Dra. Vera Lucia de Souza e Silva - FURB/Brasil Maria José de Pinho Marilza Vanessa Rosa Suanno João Henrique Suanno organizadores Goiânia-GO Editora Espaço Acadêmico, 2015 Copyright © 2015 by Maria José de Pinho, Marilza Vanessa Rosa Suanno, João Henrique Suanno (orgs.) Editora Espaço Acadêmico Endereço: Rua do Saveiro, quadra 15 lote 22 casa 2 Jardim Atlântico CEP 74343-510 Goiânia Goiás - CNPJ:21.538.101/0001-90 Contatos: Prof Gil Barreto (62) 81061119 TIM / (62) 85130876 OI Larissa Pereira (62) 82301212 TIM Programação Visual: Marcos Digues Os autores dos capítulos são responsáveis pelo conteúdo, imagens e revisão dos textos. CIP - Brasil - Catalogação na Fonte BIBLIOTECA PÚBLICA ESTADUAL PIO VARGAS pin Pinho, Maria José de. pro Projetos criativos na prática pedagógica: cantar e encantar a aprendizagem. - Maria José de Pinho, Marilza Vanessa Rosa Suanno, João Henrique Suanno (orgs.). - Goiânia: / Editora Espaço Acadêmico, 2015. 232 p. il. ISBN:978-85-400-1330-8 1. Pedagogia. 2. Escolas criativas. I. Suanno, Marilza Vanessa Rosa. II. Suanno, João Henrique. III. Título. CDU: 37.013+342.733 Índice para catálogo sistemático: CDU: 37.013+342.733 DIREITOS RESERVADOS É proibida a reprodução total ou parcial da obra, de qualquer forma ou por qualquer meio, sem a autorização prévia e por escrito do autor ou do Diretor Editorial. A violação dos Direitos Autorais (Lei nº 9.610/98) é crime estabelecido pelo artigo 184 do Código Penal. Impresso no Brasil Printed in Brazil 2015 Sumário Apresentação......................................................................................................... 5 Maria José de Pinho (UFT) Marilza Vanessa Rosa Suanno (UFG/UEG) João Henrique Suanno (UEG) O universo da escola municipal de tempo integral daniel batista - contextualização......................................................... 17 Maria José de Pinho Kênia Paulino de Queiroz Souza Maria José da Silva Morais Ludimila Barbosa Oliveira Maria de Lourdes Abreu Lima Ações criativas na escola de tempo integral Daniel Batista.37 Maria José de Pinho Maria José da Silva Morais Kênia Paulino de Queiroz Souza Marilúcia Abreu Lima Scheila de Fátima C. Rezende A escola de mãos dadas com as diferenças: uma experiência de criatividade e colaboração no sul do Tocantins.................... 55 Edna Maria Cruz Pinho Elzimar Pereira Nascimento Ferraz Maria José de Pinho Luiza Oliveira Bringmann O olhar transdisciplinar para a educação física escolar....... 77 Marcos Vinícius Guimarães de Paula Victor Hugo de Paiva Arantes João Henrique Suanno Escola letras de alfenim: uma experiência de aprendizagem .97 Ebe Maria de Lima Siqueira Escola Letras de Alfenim: um caso de escola criativa.............111 Sônia Maria Rodrigues Escola sustentável e feira de ciências: reflexões e ações em torno da fabricação de sabão artesanal..................................119 Lindalva Pessoni Santos Marilza Vanessa Rosa Suanno Alfabetização na escola magsul: aprendendo a ler a palavra e o seu mundo.................................................................139 Maria de Fátima Viegas Josgrilbert João Henrique Suanno Os Sentidos da Escola VILA......................................................................159 Patricia Limaverde Morena Limaverde Escola sustentável e rede de escolas criativas: parceria entre escola e universidade....................................................................173 Jeane Pitz Pukall Roseli de Andrade Vera Lúcia de Souza e Silva Implicações do pensamento do sul de Morin e dos projetos criativos ecoformadores no ‘projeto urussanga vira criança - aspirações infantojuvenis no planejamento municipal criativo e sustentável’.........................193 Marlene Zwierewicz Brígida Marioti Uma educação comprometida com a vida: implicações e resultados dos projetos criativos ecoformadores na escola municipal de ensino fundamental professora amélia de souza silva.........................................................209 Marlene Zwierewicz Saturnino de la Torre Maria Canever da Silva Liene Silveira Rafael Marcelino da Silva Ensino de Línguas Estrangeiras: em busca de inovações no processo de ensino...........................................................231 Thierry Augusto Ferreira Barbosa Marilza Vanessa Rosa Suanno Prefácio Com muita satisfação recebi o convite para prefaciar o livro “Projetos criativos na prática pedagógica: cantar e encantar a aprendizagem”, de Maria José de Pinho, Marilza Vanessa Rosa Suanno, João Henrique Suanno (orgs.) três pesquisadores talentosos, criativos e preocupados com a prática pedagógica escolar. O faço com imenso prazer, não só pela atualidade e relevância do tema, pelo qual sempre me interessei, mas também pelo respeito e admiração que mantenho pelos organizadores da obra, cujas posturas éticas, reveladas em suas atuações profissionais comprovadas nas suas atividades acadêmicas que sempre se pautaram no exemplo de dignidade, de compromisso com a educação e a formação de futuros professores. Essa é uma importante viagem que nos leva a reflexões sobre a prática pedagógica e a aprendizagem que são questões relevantes e enriquecedoras apresentadas nos textos desta obra feita por pesquisadores com formações especializadas, que facilmente passaria despercebida ao professor(a) desprovido(a) de conhecimento técnico específico sobre os domínios de “Projetos criativos na prática pedagógica”. Ou seja, estamos tratando aqui dos desafios que se colocam para “o cantar e encantar a aprendizagem” de forma significativa e prazerosa. Os textos desta obra emergem novas potencialidades criativas e projetos para educar a partir de fundamentos da fenomenologia e da teoria da complexidade e ampliam as perspectivas e finalidades da educação escolar a partir da didática fenomenológica, onde o ser aprendente tem a possibilidade de dar novos sentidos à relação entre sujeito, conhecimento e vida. Para assim ressignificar a educação formal, formação de professores e em específico a didática em perspectiva fenomenológica, complexa e transdisciplinar. Partindo desta perspectiva, os textos tem uma intencionalidade de discutir a aprendizagem e a prática pedagógica a partir das diversas concepções de apreensão do fenômeno educativo na era globalizada, onde está presente a complexidade em todas as relações humanas. Neste aspecto, ‘que fazer’ da aprendizagem e da prática pedagógica num mundo contemporâneo em que a maior parte das culturas humanas já tem um fazer próprio, estabelecido e no qual encontramo-nos mergulhados em investigações de extensões mais específicas dessas culturas, com referenciais teóricos definidos e os processos de ensino-aprendizado determinados? Também é reconhecer as potencialidades dos projetos escolares, as escolas criativas, o ensino transdisciplinar e a complexidade das relações da sociedade contemporânea. O trabalho que os nossos prefaciados ora nos apresentam é repleto de particularidades, é feito de forma abrangente, não se limitando a uma exposição pura e simples dos problemas que os envolvem, mas examinam questões específicas do universo escolar. Além disso, apresentam elementos destinados a ser leitura indispensável da parte de todos aqueles que pretendem se aproximar do tema. Distintas reflexões mais teóricas também são desencadeadas pela leitura dos textos, onde crianças e professores prosseguem vivendo novas condições de aprendizagem, então continuam também, os pesquisadores buscando respostas a essas, e a outras, inquietações apresentadas pelo cotidiano e pelo nosso próprio viver. Enquanto isso, deleitemo-nos com a leitura deste belo e instigante trabalho, fruto de uma nova e criativa geração de pesquisadores da teoria da complexidade. Escrito em linguagem simples e objetiva, preocuparam-se os autores em contribuir com o leitor a respeito dos diversos entendimentos da aprendizagem, da prática pedagógica, de projetos criativos e da importância do encantamento que o processo de ensinar e aprender deve propiciar ao educando e aos educadores. Resta-nos, portanto, parabenizar os organizadores por este admirável trabalho. Goiânia, abril de 2015. Prof. Dr. Carlos Cardoso Silva (UFG) Apresentação Este livro é uma publicação da pesquisa Criatividade e Ensino: Investigação sobre práticas inovadoras da escola do século XXI1, financiada pelo CNPq (Edital MCTI /CNPq /MEC/CAPES Nº 18/2012) e esta é composta por três projetos de pesquisa vinculados a Rede Internacional de Escolas Criativas: Construindo a Escola do Século XXI - RIEC2: 1) Escolas Criativas: Reconhecer e Difundir o Potencial Inovador e Criativo da Escola do Século XXI - Profa. Dra. Maria José de Pinho – UFT3; 2) Escolas Criativas e Inovadoras - Profa. Dra. Marilza Vanessa Rosa Suanno – UFG/UEG4; 3) Escolas Criativas – Prof. Dr. João Henrique Suanno – UEG/Mielt5. 1 Objetivo geral desta pesquisa é reconhecer, analisar e difundir o potencial inovador e criativo de escolas do Estado do Tocantins e do Estado de Goiás. 2 A RIEC foi estruturada e impulsionada a partir da Ata de criação da Red Internacional de Escuelas Creativas - Construyendo la Escuela del Siglo XXI - RIEC assinada no IV Fórum Internacional sobre Inovação e Criatividade: Adversidade e Escolas Criativas - INCREA/2012, realizado na Universidade de Barcelona, nos dias 27 e 28 de junho de 2012. Contribuem na estruturação da RIEC a publicação do livro Instrumento para valorar el desarrollo creativo de las instituciones educativas – VADECRIE (TORRE, 2014); a validação do VADECRIE por meio da tese de Doutorado em Educação “Escolas Criativas e Práticas Pedagógicas Transdisciplinares e Ecoformadoras”, de João Henrique Suanno orientada por Maria Cândida Moraes; e pelas pesquisas coordenadas: no Estado de Tocantins por Maria José de Pinho; no Estado de Goiás, por Marilza Vanessa Rosa Suanno e João Henrique Suanno, no Estado de Santa Catarina, por Marlene Zwierewicz e Vera Lúcia de Souza e Silva e no Estado de Ceará por Patrícia Limaverde. 3 Orienta e produz conhecimento, vinculado a RIEC, em dois Programas de Pós-graduação Stricto Sensu: a) Mestrado em Educação - UFT e b) Mestrado e Doutorado em Ensino de Língua e Literatura – MELL/UFT. Visando assim, fortalecer, também, as atividades de ensino, pesquisa e extensão nos cursos de licenciatura da Universidade Federal do Tocantins – UFT. 4 Orienta e produz conhecimento, vinculado a RIEC, no Estágio do curso de Pedagogia – UEG, na Especialização Lato Sensu em Transdisciplinaridade e Interdisciplinaridade na Educação – UEG, no Estágio da Faculdade de Educação – UFG e na coordenação geral do Seminário da Rede Internacional de Escolas Criativas – CEPAE/UFG. 5 Orienta e produz conhecimento, vinculado a RIEC, no Programa de Pós-graduação Stricto Sensu Mestrado Interdisciplinar em Educação, Linguagem e Tecnologias – MIELT/UEG e na Iniciação Científica no Curso de Educação Física – ESEFFEGO/UEG. No primeiro capítulo desta obra, “O universo da Escola Municipal de Tempo Integral Daniel Batista – Contextualização”, as autoras Maria José de Pinho, Kênia Paulino de Queiroz Souza, Maria José da Silva Morais, Ludimila Barbosa Oliveira e Maria de Lourdes Abreu Lima contextualizam a escola investigada, localizada na cidade de Palmas, Estado do Tocantins-Brasil, e seu processo de criação, desvelando suas experiências profissionais, a fim de mostrar os caminhos percorridos para chegar a ser considerada como escola criativa e inovadora. A escola investigada se destaca pela valorização ao humano e pelo atendimento à toda a comunidade educativa. A pesquisa realizada na Escola de Tempo Integral Daniel Batista contribui para que possamos fazer uma reflexão acerca do processo educacional onde se prioriza o resgate e a difusão dos valores humanos, auxiliando na construção da aprendizagem de todos os envolvidos, formando cidadãos para a vida. As autoras Maria José de Pinho, Maria José da Silva Morais, Kênia Paulino de Queiroz Souza, Marilúcia Abreu Lima e Scheila de Fátima C. Rezende ampliam, no segundo capítulo, “Ações Criativas na Escola de Tempo Integral Daniel Batista”, a investigação realizada e apresentada no capítulo anterior, apresentando a superação dos desafios, com enfrentamento às adversidades, resgatando, reconhecendo e difundindo os valores, as potencialidades e as capacidades humanas. O fazer pedagógico da escola investigada apresenta indícios de práticas criativas, o que foram constatadas por meio de questionários, observações e entrevistas. Apresenta também dois projetos realizados na EMTI Daniel Batista, onde primam pelo fazer coletivo e pela atenção que dispensam ao entorno escolar como parte integrante da construção individual de cada aluno, possibilita a compreensão de que a comunidade educativa, com uma prática pedagógica diferenciada, ultrapassa os aspectos cognitivos e propicia o desenvolvimento dos seus alunos nas dimensões sociais, ambientais e planetárias, além de seu relacionamento consigo mesmos. No terceiro capítulo, intitulado “A escola de mãos dadas com as diferenças: uma experiência de criatividade e colaboração no sul do Tocantins”, as autoras Edna Maria Cruz Pinho, Elzimar Pereira Nascimento Ferraz, Maria José de Pinho e Luiza Oliveira Bringmann, trazem uma discussão sobre as transformações científicas, sociais e organizativas que influenciam a vida humana e as relações de trabalho, além das familiares. A fim de lidar com essas transformações, a escola criativa ultrapassa as estruturas burocráticas e se percebe valorizando o componente principal: o humano, embasadas em valores como liberdade, igualdade, paz, defesa do meio ambiente e respeito à vida. Relatam uma pesquisa de uma escola com práticas criativas na cidade de Gurupi – Tocantins, Escola Orlindo Pereira da Mota, em um projeto que valoriza a diversidade cultural afro-brasileira. Baseiam-se em Edgar Morin e Maria Cândida Moraes quando falam de um ambiente de convivência agradável e amoroso que potencializa a capacidade de ação e reflexão do sujeito aprendiz. A desigualdade social, como situação problema, é o desencadeador da reflexão sobre as relações sociais, as quais necessitam serem vistas como sistemas abertos, adaptativos e interativos, onde se repensam, constantemente, conceitos, se administram vínculos emocionais e, com os quais, se manifestam a criatividade como espírito libertador dos sujeitos da comunidade escolar. O capítulo quatro: “O Olhar Transdisciplinar para a Educação Física Escolar” faz uma relação da formação humana do profissional da Educação Física Escolar com o agir pedagógico crítico e consciente em uma realidade social a partir dos princípios da Transdisciplinaridade. Os autores Marcos Vinícius Guimarães de Paula, João Henrique Suanno e Victor Hugo de Paiva Arantes conversam com o leitor acerca das questões que emergem dentro da escola do século XXI, em especial a superação do modelo tradicional de aulas e busca o encontro com a formação humana dos sujeitos aprendentes. A Transdisciplinaridade é percebida como meio possibilitador de diálogos com a educação, de onde não se furta o campo da Educação Física, e com a vida. A criatividade e a ecoformação, nesse âmbito de atuação, surgem como fatores fundamentais na formação de humanos conscientes repercutindo suas ações pessoais e sociais na tentativa de afastar, cada vez mais, do mecanicismo em busca da sua superação. A Pedagogia de Projetos é o objeto de estudo da pesquisadora Ebe Maria de Lima Siqueira quando traz o texto do capítulo cinco, “Escola Letras de Alfenim: uma experiência de aprendizagem”. A autora nos relata acerca das variadas maneiras utilizadas para o despertar da curiosidade pelo saber, por parte dos alunos, a partir do desenvolvimento da autonomia por meio da pesquisa, das suas experiências e das suas participações ativas no processo desencadeado com o auxílio dos professores, intrínseca e extrinsecamente, de maneira individual e coletiva, no caminho da construção de seus conhecimentos. A proposta aqui apresentada busca minimizar a artificialidade da escola aproximando-a da realidade contextualizada, por meio de princípios ativos e integradores. Os projetos onde se passam essas ações fica ainda mais rico com as possibilidades histórico-culturais da Cidade de Goiás, Patrimônio Histórico da Humanidade, primeira capital do estado de Goiás e cenário de histórias e lugares pitorescos, onde seus moradores primam pela preservação e manutenção dos valores históricos e humanos. Baseado nesse contexto, a abordagem sócioconstrutivista ampara as ações da escola que tem como desejo alcançar uma educação humanizadora, ampliando o universo mágico da criança. Práticas criativas na área de fundamentos e metodologia de Língua Portuguesa é o que a autora Sônia Maria Rodrigues, traz no sexto capítulo, intitulado “Escola Letras de Alfenim: um caso de escola criativa”. A pesquisadora nos leva a passear pelas poesias construídas pelos alunos da escola, tendo como fonte de inspiração as obras de Cora Coralina e outros autores, como Monteiro Lobato, Carlos Drummond de Andrade, Manoel de Barros e outros. Passear pela investigação realizada e apresentada aqui, nos faz, além de conhecer os processos de construção dessa experiência, adentrar no campo da poesia, ampliando e inspirando novas possibilidades de ação em outros ambientes, e também tocando a nossa sensibilidade poética e humana. O processo desencadeador de uma proposta de feira de ciências, tendo como norteador a pergunta feita por uma aluna do 5º ano, desejosa de participar e apresentar trabalho, é o que as pesquisadoras Lindalva Pessoni Santos e Marilza Vanessa Rosa Suanno nos apresentam no sétimo capítulo, em um texto intitulado “Escola Sustentável e Feira de Ciências: reflexões e ações em torno da fabricação de sabão artesanal”. Relatam-nos que a preocupação de uma aluna, sobre a necessidade de cuidar da natureza, levou a refletir sobre a importância da escola continuar a vincular os alunos na busca de alternativas de preservação ambiental. A partir desse questionamento da aluna, a escola se percebe questionando as feiras de ciências anteriormente realizadas, quase sempre estéreis e superficiais, que cumpriam apenas as propostas da Subsecretaria Regional de Educação. O grupo de professores se perceberam insatisfeitos com as práticas ritualizadas das feiras de ciências anteriores e, ao mesmo tempo, se inquietaram e, a vontade de desenvolver uma proposta relevante, que envolvesse alunos, professores, pais e comunidade em geral, ganhou fôlego. As reflexões desse capítulo se assemelham à aquelas que toda escola passa quando pensam em uma transformação de processos dentro da escola. A experiência de Alfabetização na Escola MagSul, nome do capítulo oito, apresentado pelos pesquisadores Maria de Fátima Viegas Josgrilbert e João Henrique Suanno, nos mostra diversas maneiras de atuação na Educação Infantil, com as quais podemos nos inspirar para atuação em outras localidades, percebendo o que cada escola tem e enfrenta enquanto realidades específicas. Os autores nos mostra, dentre outras experiências, a utilização do espaço escolar como um espaço político-social, no qual todos participam, com uma abordagem inter e transdisciplinar. A vinculação com o social é apresentada por meio do desenvolvimento da sensibilidade advinda da observação do espaço social e a busca de uma interpretação, por diversos meios, do que é percebido por cada sujeito. Mostra também que as ideias podem surgir a partir da vida diária de cada professor envolvido no processo de acompanhamento da construção do conhecimento de seus alunos e levam para a sala de aula, além de todo espaço escolar. Os projetos procuram auxiliar com que os alunos possam desenvolver suas capacidades de observação dos ambientes em que vivem, podendo manifestar na forma de diferentes vertentes artísticas. O capítulo nono, apresentado pelas autoras Patrícia Limaverde e Morena Limaverde, o que intitula “Os Sentidos da Escola VILA”, descreve e discute alguns cenários transdisciplinares de aprendizagem, como atos de currículo da Escola VILA de Fortaleza, no Ceará. Compara, em termos gerais, os sistemas sociais aos sistemas vivos. A Escola VILA, sendo considerada como um sistema social educativo possui códigos particulares compartilhados por todos que a compõem. Tais códigos expressam diferentes categorias de sentido. O texto investiga essas categorias de sentido e propõe uma educação liberadora a partir da convivência, do compartilhamento de códigos sociais transformadores e criativos, do refinamento sensível das percepções e, consequentemente, das ações pedagógicas por parte do educador. O trabalho da escola VILA procura expandir e refinar, ao mesmo tempo em que busca aprofundar, os sentidos da formação humana, tendo como parâmetro uma educação transdisciplinar que procura transgredir as fronteiras da educação disciplinar, buscando em outras dimensões, como diversidade, autoconhecimento, convivência atenta, o cuidado com o outro e com a natureza, a compreensão da interdependência, além de outras, em todos os sentidos possíveis e emergentes ao processo. As autoras Jeane Pitz Pukall, Roseli de Andrade e Vera Lúcia de Souza e Silva trazem no texto “Escola Sustentável e Rede de Es- colas Criativas: parceria entre escola e universidade”, o desenvolvimento de atividades ecoformativas com base epistemológica na transdisciplinaridade como meio de compreensão da ciência além de saberes sistematizados, e contextualizá-la ao momento atual em que vivemos, no século XXI, de mudanças globais, e em busca de uma civilização sustentável. Esse aspecto, nesse capítulo, é discutido por meio da multirreferencialidade e a multidimensionalidade como essenciais para se estabelecer relações de conhecimento do objeto estudado, sendo alguns os valores humanos, o desenvolvimento da consciência, da criatividade, a defesa do meio natural, a solidariedade e o desenvolvimento sustentável. As autoras buscam, então, no desenvolvimento da criatividade, a motivação para socialização e ampliação de ideias em benefício do coletivo. Apresentam também que o desenvolvimento da criatividade depende das relações estabelecidas entre o indivíduo, suas motivações internas e pessoais e o meio ambiente no qual se insere, daí a importância do ambiente escolar como potencializador das habilidades criativas dos estudantes. Com a intenção de referenciar as contribuições de Morin para uma possível ressignificação do planejamento das cidades em projetos criativos ecoformadores, as autoras Marlene Zwierewicz e Brígida Marioti trazem o décimo primeiro capítulo deste livro que tem como título “Implicações do Pensamento do Sul de Morin e dos Projetos Criativos Ecoformadores no Projeto Urussanga vira Criança – aspirações infanto-juvenis no planejamento municipal criativo e sustentável”. As autoras reforçam a teoria de que o Pensamento do Sul tem relação com a restauração de valores como honra, hospitalidade e ética, procurando regenerar as solidariedades e responsabilidades planetárias. Trazem uma discussão que permite visualizar as relações do hemisfério Norte com o hemisfério Sul, apresentando as carências encontradas no Sul em detrimento da cultura do Norte. Leitura imprescindível para quem deseja se inteirar das ações que estão sendo planejadas, ainda dis- cutidas, de como percorrer o caminho para a reafirmação da identidade do Sul, apresentando ao Norte suas potencialidades. As autoras Marlene Zwierewicz, Maria Canever da Silva e Liene Silveira, e os autores Saturnino de la Torre e Rafael Marcelino da Silva trazem, no décimo segundo capítulo, a temática de “Uma Discussão Comprometida com a Vida: implicações e resultados dos projetos criativos ecoformadores na Escola de Ensino Fundamental Professora Amélia de Souza Silva”. Consideram as potencialidades do pensamento complexo, da transdisciplinaridade e da ecoformação para a religação de saberes e superação do modelo escolar como transmissão do conhecimento, apresentando uma experiência implantada no Sul catarinense. Os projetos ecoformadores são integradores e esperam que as vivências e reflexões resgatem o ensino fragmentado e descontextualizado para uma prática transdisciplinar, ecoformadora e mobilizadas pelo pensamento complexo. No capítulo 13, intitulado “Ensino de Línguas Estrangeiras: em busca de inovações no processo de ensino”, os autores Thierry Augusto Ferreira Barbosa e Marilza Vanessa Rosa Suanno, farão uma análise dos relatos de experiências no ensino de línguas estrangeiras publicados nos anais do I Seminário Internacional de Escolas Criativas, ocorrido na cidade de Goiânia, entre os dias 26 e 29 de março de 2014. Foram analisados como os professores de língua estrangeira inovam no processo de ensino e no processo de aprendizagem superando as amarras do ensino guiado pelo livro didático e centrado na gramática da língua estrangeira. Os resultados das análises foram positivos ao serem ministrados com excelência, inovação e criatividade. Os autores enfatizam a necessidade de ampliação desses projetos para outras escolas, assim como para o ensino superior. Maria José de Pinho (UFT) Marilza Vanessa Rosa Suanno (UFG/UEG) João Henrique Suanno (UEG) 17 O universo da escola municipal de tempo integral daniel batista - contextualização Maria José de Pinho1 Kênia Paulino de Queiroz Souza2 Maria José da Silva Morais3 Ludimila Barbosa Oliveira4 Maria de Lourdes Abreu Lima5 Introdução O século XXI tem sido considerado um dos períodos históricos da humanidade marcados por violência, miséria e guerras, bem como grandes desafios, mudanças científicas e tecnológicas cada vez mais conflituosas e incertas. Tais acontecimentos afetam o contexto educacional, pessoal e profissional cujas consequências atingem os sujeitos, os currículos e as formas de ensinar e aprender. A partir desta realidade, fazem-se necessárias práticas pedagógicas criativas e inovadoras que busquem formar e transformar a perspectiva transdisciplinar, complexa e ecoformadora. Faz-se mister também que o ensino seja pautado na dimensão de múltiplos saberes com relações entre si. Para tanto, no ano de 2012, a Universidade Federal do Tocantins – UFT firmou acordo de inves1 Professora Doutora da Universidade Federal do Tocantins e do Programa de Pós-Graduação em Letras e no Programa de Pós-Graduação em Educação. Membro da Rede Internacional de Escolas Criativas – RIEC. E-mail: [email protected] 2 Aluna do Mestrado em Educação da Universidade Federal do Tocantins – UFT. Membro do grupo de pesquisa em Rede Internacional Investigando Escolas Criativas e Inovadoras. É bolsista da Capes/CNPQ. E-mail: [email protected] 3 Aluna do Mestrado em Educação da Universidade Federal do Tocantins – UFT. Membro do grupo de pesquisa em Rede Internacional Investigando Escolas Criativas e Inovadoras. E Bolsista da Capes /CNPQ. E-mail: [email protected] 4 Diretora da Escola Municipal de Tempo Integral Daniel Batista. 5 Secretária Geral da Escola Municipal de Tempo Integral Daniel Batista. 18 Maria José de Pinho, Kênia Paulino de Queiroz Souza, Maria José da Silva Morais, Ludimila Barbosa Oliveira, Maria de Lourdes Abreu Lima tigação entre pesquisadores do Brasil (UFT, UFG, UEG) e pesquisadores da Espanha (UB) junto à Rede Internacional de Escolas Criativas – RIEC, com o projeto de pesquisa Criatividade e Ensino: Investigação sobre práticas inovadoras da escola do século XXI6, sob a coordenação da primeira autora deste artigo. A segunda e terceira autoras são membros do grupo de pesquisa em Rede Internacional Investigando Escolas Criativas e Inovadoras, tendo em vista a perspectiva de resgatar, reconhecer e difundir o potencial inovador e criativo daquelas instituições educativas que vêm experimentando novas formas de desenvolver o currículo sobre a base de valores, potenciais e capacidades humanas (TORRE, 2013). Neste texto tem-se como objetivo contextualizar a Escola Municipal de Tempo Integral Daniel Batista. Primeiramente, buscouse historicizar o processo de criação da referida escola, bem como desvelar experiências profissionais, além dos aspectos que caracterizam essa instituição desde a sua criação até a atualidade. A Escola Municipal de Tempo Integral Daniel Batista foi selecionada como objeto de pesquisa por apresentar indícios de criatividade e inovação. A informação inicial se deu por meio da Secretaria Municipal da Educação de Palmas, Estado do Tocantins, onde os responsáveis pelo setor pedagógico informaram que a referida escola se destacava em meio a muitas outras do município pelo humanismo e dedicação em atender toda a comunidade educativa. Para contextualizar o universo da escola Daniel Batista foi realizada uma pesquisa que possibilitou a coleta de dados nos seguintes documentos: Projeto Político Pedagógico (PPP) e projetos educativos. Para tanto, foi aplicada, em campo, uma entrevista semiestruturada com a fundadora da escola em questão, professora Maria de Lourdes Abreu Lima7, identificada nas transcrições por LIMA. Entende-se que esse relato contribui para a reflexão de uma constante busca no processo educacional e, sobretudo, para que 6 Este projeto de pesquisa é financiado Edital MCTI /CNPq /MEC/CAPES Nº 18/2012 - Ciências Humanas, Sociais e Sociais Aplicadas. Número do processo: 406004/2012-9 7 Exerce a função de Secretária Geral da Escola Municipal de Tempo Integral Daniel Batista. O universo da escola municipal de tempo integral daniel batista - contextualização 19 ações resilientes sejam pautadas em uma prática inovadora e criativa capaz de resgatar e difundir valores humanos que parte da vida e seja para vida. Nessa dimensão, acredita-se que as experiências educativas da Escola Municipal de Tempo Integral Daniel Batista venham fomentar outras instituições a experimentarem um trabalho inovador e criativo com vistas a uma aprendizagem que se preocupe com a vida no e do planeta. Comunidade do Canela: início de uma experiência educacional às margens do rio Tocantins Com base no entendimento de Cunha (2005, p. 21), o “novo não se constrói sem o velho, e é a situação de tensão e conflito que possibilita mudança”. Assim, faz-se imprescindível reconstruir as experiências para a aquisição de diversas formas de fazer, bem como compreender que as práticas criativas necessitam ser pautadas em um processo educacional que vise ao conhecimento pessoal e coletivo. Com esta visão diferenciada, a professora Maria de Lourdes Abreu Lima, no ano de 1981, plantou as primeiras sementes na comunidade do Canela, povoado localizado a 10 km de Palmas, às margens do rio Tocantins (PPP, 2013, p. 5). Nessa comunidade ribeirinha, assim denominada pelos moradores, nesse mesmo ano, a professora iniciava um trabalho voluntário em seu domicílio com a alfabetização de 13 alunos. Juntamente com o líder comunitário e religioso, Senhor Daniel Batista, denominaram aquele projeto de Escola Nossa Senhora do Perpétuo do Socorro (PPP, 2013). Esse nome justifica-se [...] porque seu Daniel Batista [...] era o capelão da comunidade, [...] a padroeira de lá na época era Nossa Senhora do Perpétuo do Socorro [...] quando surgiu a história da escola, ele falou - 20 Maria José de Pinho, Kênia Paulino de Queiroz Souza, Maria José da Silva Morais, Ludimila Barbosa Oliveira, Maria de Lourdes Abreu Lima porque não colocar como patrona dessa escola Nossa Senhora do Perpétuo do Socorro, que com certeza logo vamos ter um socorro, pra que as coisas encaminhem de maneira mais rápida. E graças a Deus a gente acertou, mas também, não foi só eu e ele, nós fizemos uma reunião com a comunidade, pois nós trabalhávamos ouvindo também a comunidade [...]. Todos aceitaram o nome, e então foi criada a escolinha Nossa Senhora do Perpétuo do Socorro (LIMA, 2014, p. 2 - 3). Desde o início desse trabalho educativo, havia uma preocupação em trabalhar coletivamente, valorizando-se a participação da comunidade. Continuando este relato histórico, no ano de 1982 o quantitativo de alunos aumentou para 26, não sendo mais possível acomodá-los na residência da professora Maria de Lourdes. Fez-se necessário um novo espaço tanto pela falta de estruturas física e material quanto de verbas para a construção de um lugar adequa- Os alunos estudando embaixo do famoso Pé de Manga na comunidade do povoado Canela O universo da escola municipal de tempo integral daniel batista - contextualização 21 do. Com esta realidade, as aulas passaram a ser ministradas embaixo do “famoso Pé de Manga” em frente da casa da referida docente (PPP, 2013). Mesmo com tantas dificuldades, ela não desistiu, pelo contrário, usou-as “como oportunidades de crescimento, [...] e redobrou as forças de renovação, criação e inovação” (SUANNO, 2013, p. 31). É notório que, as adversidades enfrentadas, obtiveram conquistas: “[...] temos força de vontade, e uma equipe que todos trabalham em prol do mesmo objetivo [...]” (LIMA, 2014, p. 7). Assim, foram propiciadas transformações pessoais e coletivas em prol da construção de novas realidades. Dentre elas, o PPP descreve que, nesse mesmo ano, a escola foi “reconhecida”, porém não legalizada pela Prefeitura da cidade de Porto Nacional que, à época, fazia parte do Estado de Goiás. Já no ano de 1985, novos horizontes surgem, pois o número de alunos saltou para 58. Devido a esse aumento, a escola passou a funcionar num prédio cedido pelo Estado de Goiás. Nesse mesmo ano foi contratada uma segunda professora: Maria do Socorro Rodrigues Araújo que assumiu a 1ª série, sendo que a “outra turma continuava multisseriada (pré-escolar, 2ª, 3ª e 4ª séries)” (PPP, 2013, p. 5). Dados o esforço e a persistência em prosseguir nessa caminhada, a escola começa em meio às dificuldades, de forma resiliente e criativa; Suanno afirma que (2013, p. 31) criatividade e capacidade crítica aliadas, no dia a dia, são grandes diferenciais para o surgimento de ações inovadoras, visto que alteram a autonomia e o pensamento estratégico na busca de saídas para solução de problemas. Desse ponto de vista, o PPP assim descreve: Em 1988, através de um trabalho liderado novamente pela fundadora da escola com o apoio dos pais e comunidade local foi criada a 2ª fase do ensino Fundamental, iniciando com uma turma de 22 alunos na 5ª série. Neste período, a escola aumentou seu quadro de funcionários. Tendo como primeira diretora 22 Maria José de Pinho, Kênia Paulino de Queiroz Souza, Maria José da Silva Morais, Ludimila Barbosa Oliveira, Maria de Lourdes Abreu Lima a professora Juliana Ernesto, que assumiu também as aulas de todas as disciplinas da 5ª série. Apenas [...] Tânia Verrel e Marilúcia Abreu Lima (na época contratada) [...] (PPP, 2013, p. 5). Alunos e professora no prédio cedido à Escola no ano de 1985, no povoado Canela. Mais uma vez é perceptível a resiliência da docente diante das adversidades, demonstrando capacidade inovadora e criativa. Apesar dos problemas do dia a dia, ela não desistiu do objetivo maior, ou seja, propiciar o ensino às crianças daquela comunidade, mesmo que fosse com o mínimo de conforto e poucos materiais disponíveis naquele momento. Nesse viés, a docente assim descreve: [...] lá no Canela tinha uma árvore que chamava “Capa Rosa”, elas tinham folhas grandes, do tamanho de um prato, [...] achei bonita e por curiosidade, tirei uma folha daquela e comecei a riscar com a unha. Vi que onde a gente passava a unha ficava [...] falei [...] hoje achei os cadernos para continuar a alfabetizar meus alunos, [...] vou tentar. Quando foi no outro dia, eu pedi meu esposo, faz O universo da escola municipal de tempo integral daniel batista - contextualização 23 uns lápis de talo de buriti pra mim e ele fez. Eu escrevia no quadro as letras e eles copiavam naquelas folhas. Pois teve resultado, [...] eles escreviam e as letras não apagavam, eu já me senti bem mais suprida de material [...] (LIMA, 2014, p. 2). As atitudes da professora, descritas anteriormente, caracterizavam-se com objetivos claros referentes ao crescimento educacional desenvolvido no povoado Canela, contudo as dificuldades não a impediu de buscar um bem social. Para tanto, faz se pertinente salientar que o [...] agente social criativo se caracteriza pela complexidade, consciência de metas compartilhadas, liderança transformadora e caráter ético. Sua gestão se destaca pelo conhecimento de suas forças e fraquezas, adaptação às condições do contexto, combinação da racionalidade e intuição, previsão de dificuldades de problemas, enfatizando o clima organizacional pela importância que tem no desenvolvimento da criatividade, tanto pessoal como grupal e coletiva (Torre 2009, p. 55). Nessa trajetória, somente no ano de 1992 a escola passa a funcionar em sede própria no Distrito de Canela (a partir desse período pertencente ao Distrito de Palmas – TO), sendo denominada Escola Municipal Daniel Batista porque, nessa época, “a câmera dos vereadores achou por bem mudar o nome pra fazer essa homenagem ao senhor Daniel” (LIMA, 2014, p. 3), falecido no ano anterior. Somente no ano 2000 a escola conseguiu todos os equipamentos necessários para seu adequado funcionamento. Mas, no mesmo ano, em virtude da construção da UHE Luiz Eduardo Magalhães houve uma desapropriação de todo o povoado de Canela o que culminou no encerramento do funcionamento dessa escola nesse Distrito” (PPP, 2013, p. 6). Em razão da desapropriação, foi concedida aos moradores 24 Maria José de Pinho, Kênia Paulino de Queiroz Souza, Maria José da Silva Morais, Ludimila Barbosa Oliveira, Maria de Lourdes Abreu Lima dessa comunidade uma casa na quadra 508 Norte, na cidade de Palmas, onde iniciou a construção da escola para atender a comunidade. Todavia, em 2001, não foi possível inaugurar o novo prédio escolar devido ao atraso na construção (PPP, 2013). A partir de 2003, a escola passou a receber os alunos da zona rural, sendo a unidade escolar da rede municipal urbana que mais atendia esses discentes. No intuito de responder a essa demanda fez-se necessário, por parte da prefeitura, disponibilizar transporte aos alunos tanto da zona rural quanto do Condomínio Santo Amaro. Essa mudança geográfica favoreceu muito o acesso à Unidade Escolar, haja vista a melhoria do transporte, além da tecnologia, dos recursos pedagógicos e de um quadro maior de agentes educacionais, o que proporcionou melhores condições de aprendizagem aos alunos (LIMA, 2014). Dadas as especificidades da escola, outro marco importante Escola Municipal de Tempo Integral Daniel Batista no ano de 2011. O universo da escola municipal de tempo integral daniel batista - contextualização 25 ocorreu em janeiro de 2011, pois a Escola Municipal Daniel Batista iniciou o atendimento de tempo integral com alunos da zona rural e urbana num total de 438 alunos de 1º ao 9º anos do Ensino Fundamental. O PPP afirma que todos esses acontecimentos históricos “fizeram e fazem dessa Unidade Escolar uma escola peculiar: urbana atendendo a vários perfis de alunos (urbanos, rurais e ainda os remanescentes da extinta comunidade do Canela)” (PPP, 2013, p. 6). Diante deste cenário, a equipe escolar percebeu que essa nova forma de atendimento e, principalmente, [...] olhando para o lado das crianças, é um benefício muito grande, [...] tem alguém para acompanhá-las nas tarefas, e aquelas crianças que não tem desenvolvido muitas habilidades nas outras disciplinas, [...] tem a parte cultural [...] muitas outras opções para eles poderem ser um bom profissional na área da informática, na área de esporte, e cultural porque a escola hoje tem muita coisa a oferecer, [...] estamos vendo que em termo de aprendizagem, o desenvolvimento foi um ganho (LIMA, 2014, p. 7). Por esse viés, Limonta e Morais (2011, p. 62) afirmam que [...] Só faz sentido pensar na implementação de escolas de tempo integral que represente uma ampliação das oportunidades e situações que promovam aprendizagens significativas e emancipadoras. Atualmente a Escola Municipal de Tempo Integral Daniel Batista conta com o total de 452 alunos e 61 servidores, entre eles 25 professores, uma orientadora educacional, 15 auxiliares de serviços gerais, 4 monitores de ônibus, 6 assistentes administrativos, 4 apoios escolares, uma secretária, 4 coordenadores e uma diretora. Dentre estes 44 funcionários fazem parte do quadro efetivo e apenas 17 são contratos especiais, pois, com a ampliação do número de alunos e do atendimento integral, fez-se indispensável a contratação de profissionais da educação com formação específica para as 26 Maria José de Pinho, Kênia Paulino de Queiroz Souza, Maria José da Silva Morais, Ludimila Barbosa Oliveira, Maria de Lourdes Abreu Lima aulas das seguintes disciplinas: arte, música, teatro e dança, entre outras atividades que propiciam o desenvolvimento artístico e cultural dos alunos, bem como o desenvolvimento de uma proposta pedagógica que atendesse a essa nova realidade. Em consonância com essa perspectiva, Torre (2009, p. 27) assim assegura: [...] desejamos uma escola como um espaço de transformação pessoal, institucional e social, tanto no cultural e científico como em valores humanos, éticos e espirituais. Uma escola que, a partir de planejamentos complexos e transdisciplinares, busque o crescimento e a transformação das pessoas para conseguir níveis de evolução para uma sociedade mais humanizada, pacífica, de convivência e bem-estar, [...] na cooperação, na criatividade empreendedora e inventiva [...]. Uma escola que potencialize o melhor de cada sujeito para enfrentar as dificuldades, encontrar seu espaço na sociedade e ser feliz. Com o propósito de construir nessa unidade escolar um espaço de transformação do sujeito em sua plenitude, os educadores dessa escola buscam diariamente, no desenvolvimento das atividades, a formação em sua totalidade. Como resultado dessa intenção, os alunos ali matriculados vêm obtendo grandes avanços com as mudanças descritas, pois eles têm, em seu cotidiano escolar, a oportunidade de assimilar diversos saberes que os preparam para vida. Projeto Político Pedagógico da Escola Municipal de Tempo Integral Daniel Batista: sonhos e avanços Além de um contexto histórico peculiar em que se constatou uma comunidade resiliente em meio às adversidades, o grupo de pesquisa percebeu que, entre os primeiros documentos analisados, o Projeto Político Pedagógico (PPP) se apresentava como um projeto diferenciado. Tal constatação se confirma pela presença em seu conteúdo de aspectos que atendem à visão de criatividade e de inovação. Esta visão, por sua vez, compõe as diretrizes da RIEC, destacando-se a que prima por um trabalho coletivo. Visualiza-se que, já no início do documento, ou seja, em sua O universo da escola municipal de tempo integral daniel batista - contextualização 27 apresentação se afirma que “o Projeto Político Pedagógico é um instrumento de balizamento concebido coletivamente” (PPP, p. 4), o que valoriza o pensar e o realizar em equipe. Na busca de uma escola mais humana, com características visando superar as práticas que vão além das reproduções, entende-se que As Escolas Criativas são aquelas que vão além do lugar de onde partem, oferecem mais do que têm e ultrapassam o que delas se espera, reconhecem o melhor de cada um e crescem por dentro e por fora, buscando o bem-estar individual, social e planetário. São, portanto, escolas que ajudam a ser (TORRE, 2009, apud ZWIEREWICZ, 2012, p. 56). A partir desta óptica humanizadora, observou-se que a Escola Daniel Batista traz em seu PPP também uma visão que se aproxima dos princípios criativos e inovadores quando a mesma registra em seu documento dizendo que tem consciência de sua função enquanto educadores para o desenvolvimento de uma cidadania, formando pessoas que sejam ativas e responsáveis por seus direitos e deveres e, além disso, que sejam futuros agentes de transformação (PPP, 2013). A escola revela em seu documento oficial a preocupação de desenvolver um trabalho que extrapole seu espaço físico e prepare os alunos em sua totalidade, propiciando-lhes conhecimentos que englobem todos os aspectos da vida, “estimulando o desenvolvimento da consciência, de valores e da criatividade” (ZWIEREWICZ, 2012, p. 56). Com esta pretensão, atua no sentido de que os alunos busquem o desenvolvimento da expressão de seus pensamentos e ideias sem medo, [...] valorizando principalmente os aspectos positivos, [...] o desempenho e o crescimento individual e social de cada um, objetivando a formação do homem pleno (PPP, 2013, p. 4). Além disso, aspira aos ideais de uma educação humanizadora que legitimam a diversidade, exploram e nutrem a solidariedade, a 28 Maria José de Pinho, Kênia Paulino de Queiroz Souza, Maria José da Silva Morais, Ludimila Barbosa Oliveira, Maria de Lourdes Abreu Lima criatividade e o sentimento de compartir natural do humano, iluminam e transformam a vida (ALVES, 2013). O PPP dessa instituição de ensino apresenta de forma concisa e real o contexto histórico, as diretrizes de funcionamento, as propostas pedagógicas, sua missão, conquistas e sonhos que a comunidade educativa tem para cada segmento escolar. O PPP em questão “se subdivide em três grandes partes: Marco Situacional, Marco Referencial e o Marco Operativo” (PPP, 2013, p. 25). No “marco referencial” destaca-se a conquista, no ano de 2011, quando a escola passa a funcionar em tempo integral, período no qual o documento teve uma reestruturação não só das ações, como acontece anualmente, mas de todos os itens que o compõem envolvendo a participação geral dos segmentos do contexto escolar, ou seja, novamente se valoriza a participação coletiva. Escola Municipal de Tempo Integral Daniel Batista no ano de 2010 em PalmasTocantins. Com base nessa reformulação, fica acordado, segundo o documento, que a reestruturação total acontecerá a cada dois anos, O universo da escola municipal de tempo integral daniel batista - contextualização 29 visto que há itens informados que não são variáveis, por exemplo, o contexto histórico que terá apenas acréscimos de novas vivências. Tais medidas, entre outras analisadas, revelam o quanto a escola valoriza o trabalho coletivo, percebe a importância do ser humano tanto individual quanto coletivo na “formação de indivíduos participativos e responsáveis por seus direitos e deveres, sendo verdadeiros agentes de transformação da sociedade” (PPP, 2013, p. 4). Nota-se a preocupação constante no sentido de preparar os alunos para que “possam crescer tanto socialmente, criticamente como cognitivamente.” Nessa direção, Zwierewicz assim se pronuncia: A escola atual deve estar aberta ao trabalho compartilhado e à solidariedade. Deve saber ouvir e assegurar a participação, opondo-se a qualquer tipo de exclusão ou negligência. Deve combater condutas individualistas e segregadoras e se transformar fértil para o desenvolvimento da resilência, potencializando a criatividade diante de qualquer situação de adversidade (2013, p. 58). Em consonância com esta concepção, a Unidade Escolar Daniel Batista enfrentou muitas adversidades em toda sua trajetória. Ressaltam-se aquelas referentes a alunos com dificuldades de aprendizagem, distorcidos em série/idade e que não tiveram acompanhamento familiar; em muitos casos até sofriam violência em seus lares. Dentre essas e outras realidades, às vezes até piores, a escola os acolheu de forma diferenciada entendendo que “assim, as adversidades existem e se fazem necessárias para estimular nosso potencial criativo e renovar a vida” (ALVES, 2013, p. 66), uma vez que os integrantes dessa instituição busca assumir seu papel de agente social e transformador na/da sociedade. Nesses termos, explicita-se que, no contexto em questão, “reina a tolerância, a paz, o amor, a solidariedade, cooperação e o progresso não havendo preconceito ou qualquer tipo de discriminação” (PPP, 2013, p. 25). Independente da origem cultural, regional ou socioeconômica da 30 Maria José de Pinho, Kênia Paulino de Queiroz Souza, Maria José da Silva Morais, Ludimila Barbosa Oliveira, Maria de Lourdes Abreu Lima clientela, todos são atendidos com os mesmos direitos, social e individualmente, além de receberem atenção especial em suas especificidades. Nesse sentido, o “marco referencial” da Escola Daniel Batista ressaltou em seu Projeto os sonhos da comunidade, justificando-se que a opção de “iniciar o marco referencial com Os sonhos da Comunidade” se deu porque acreditamos que o sonho tem seu lugar e função no Projeto Político Pedagógico [...] da escola. Ele contribui com o processo de mudança, ajudando a tencionar a realidade aproximando-a do ideal (PPP, 2013, p. 25). Para tanto, mais de sete páginas foram dedicadas exclusivamente para explicitar o almejado no tocante a “sociedade, [...] pessoa humana, [...] relações humanas/comunicação na Escola, [...] Escola/enquanto lugar e [...] prática pedagógica da Escola (o fazer pedagógico, o currículo e a avaliação)” (PPP, 2013, p. 25-32). Inspirada nesse ideal observa-se o quanto esta Unidade de Ensino valoriza o sonhar. É uma instituição que, mesmo registrando em seu contexto algumas dificuldades, demonstra ser possível obter mudanças tanto em relação ao individual quanto ao social. Além de compreender as possibilidades, a comunidade escolar se reúne e descreve os seus sonhos no documento que se encontra entre os mais importantes de uma escola, isto é, no PPP. Esse processo realizado pela escola - imaginar a escola ideal - prepara a equipe para trabalhar em prol de mudanças, pois, A imaginação é uma das capacidades mentais superiores que revela o alto potencial cognitivo do ser humano e a capacidade de ir além da internalização e reprodução da realidade por meio da memória. [...] A imaginação permite a atividade criadora [...] na elaboração de algo novo, mas que guarda profundas semelhanças com o já visto e vivido. Articulado a imaginação é importante que a atividade criadora seja superadora [...] (SILVA e SUANNO, 2013, p. 50 - 51). Mediante esta afirmação, entende-se que a escola almeja algo O universo da escola municipal de tempo integral daniel batista - contextualização 31 que seja em curto, médio e longo prazo para ser conquistado em seu contexto situacional, referencial e operacional. Vale ressaltar, entre os citados em seu documento, os “sonhos da comunidade” onde a equipe escolar [...] aspira uma sociedade justa, igualitária, democrática, inclusiva, progressista, globalizada, politizada, tecnológica e ao mesmo tempo ambientalista, construída por cidadãos, conscientes, autônomos, livres, capazes de conviver pacificamente e de empreender transformando o mundo em um lugar melhor a cada dia (PPP, 2013, p. 25). Assim, ante os sonhos tão humanos voltados para o bem da sociedade em geral, inclusive do planeta, abordam-se as adversidades ora vividas como oportunidades de se perceber que a comunidade educadora tem condições de enfrentar de forma criativa a sua realidade. No que se refere aos sonhos, para a citada Escola o ideal de Para pessoa humana é aquele em que há plenitude no desenvolvimento humano em cada uma de suas dimensões, num nível máximo de consciência e respeito pelo próximo. É a pessoa plena, feliz e realizada em todos os seus aspectos (PPP, 2013, p. 26). as relações humanas/comunicação na escola o almejado é que as relações humanas são sempre saudáveis, alegres, agradáveis e respeitosas pautadas pela cooperação em busca de resultado mútuo que gere benefício a todos (PPP, 2013, p. 26). No que tange ao espaço físico, os sonhos são inúmeros. Além de serem bem específicos, não ficou esquecido qualquer ambiente de toda a escola, melhor dizendo, foram listados detalhadamente. Mas, de maneira geral, deseja-se que seja funcional, bonita, limpa, climatizada e projetada minuciosamente para atender a cada um de seus diversos setores, desde a 32 Maria José de Pinho, Kênia Paulino de Queiroz Souza, Maria José da Silva Morais, Ludimila Barbosa Oliveira, Maria de Lourdes Abreu Lima sala de aula até o último tijolo do muro, uma vez que cada um de seus espaços são espaços educativos (PPP, 2013, p. 26). Quanto aos sonhos referentes “a prática pedagógica da escola” eles revelam uma visão diferente de muitas instituições, mas no caminho em que a RIEC tem percorrido, pois sonham com “uma prática pedagógica [...] que promove a formação cidadã inclusiva, garantindo a todos, não apenas a aprendizagem de conteúdos, mas o conjunto de saberes necessários para ser e conviver com qualidade social” (PPP, 2013, p. 31), ou seja, que os alunos adquiram capacidades para a vida, e sejam mais resilientes para o enfrentamento das adversidades. Salienta Zwierewicz (2009, p. 47) que para fomentar a resiliência, é [...] necessário pensar em uma escola diferente da configurada e disseminada mundialmente nos séculos anteriores. É preciso pensar e estruturar uma escola para o século XXI, compatível com as necessidades individuais e coletivas e potencializadora do bem-estar pessoal, social e planetário. Ou seja, a escola criativa que priorize, entre outras questões, a necessidade de fomentar a resiliência por meio de uma oferta intensiva de fatores de proteção que contribuam para Escola Daniel Batista atual. Salas de aulas e refeitório. O universo da escola municipal de tempo integral daniel batista - contextualização 33 segurança, autonomia e criatividade daqueles que nelas se inserem. Em conformidade a essa discussão, é visível a necessidade de uma escola que propicie um conhecimento pautado nas relações sociais e ambientais para prevenir a vida no e do planeta. Nesse sentido compreende-se que o mais importante em conhecer os ideais dessa Instituição está em saber que na escola do sonho idealizada pela comunidade Daniel Batista sonha-se muito, e este sonho é constantemente renovado porque está sempre sendo transformado em realidade (PPP, 2013, p. 32). Tanto é válida a informação que, no atual ano de 2014, são visíveis vários ideais que já se concretizaram. Hoje se constata uma escola, limpa, organizada, envolvida em meio à natureza e onde todos zelam por sua conservação. Pátio e salas de aulas. Validações com um passeio no clube Validações aos destaques na “Mini Maratona”. 34 Maria José de Pinho, Kênia Paulino de Queiroz Souza, Maria José da Silva Morais, Ludimila Barbosa Oliveira, Maria de Lourdes Abreu Lima Além de toda beleza física, a escola também conquistou, por meio do trabalho desenvolvido nas ações direcionadas para melhorias e a pretensão de alcançar os sonhos, melhor convivência entre alunos e alunos, ao espaço, aos limites e à capacidade de cada um. Via projetos direcionados ao meio ambiente, obtiveram-se melhores atitudes e consciência voltadas para o espaço da própria Unidade de Ensino. Na citada comunidade essa escola é considerada uma referência de ensino, visto que atende um número considerável de alunos. Os pais confiam no trabalho da equipe educativa, deixando seus filhos em sua responsabilidade durante todo o dia. Destaca-se também a participação ativa dos educandos nas ações propostas, tanto as cotidianas quanto as especiais. A valorização do potencial discente é um dos elementos fortes da Escola Daniel Batista, visto que a cada progresso os estudantes são homenageados com dias especiais dentro e fora das salas de aulas, tais como: passeios, cinemas, festas temáticas, lembranças... que a Escola consegue proporcionar por meio de parcerias com a comunidade local. Alunos “Destaques e Revelação do 1º bimestre” sendo validados. Essas validações propostas no PPP têm motivado o corpo discente cotidianamente a ser mais compromissado com os estudos e, consequentemente, têm melhorado os resultados educacionais. O universo da escola municipal de tempo integral daniel batista - contextualização 35 Considerações finais O contexto histórico da Escola Municipal de Tempo Integral Daniel Batista demonstra uma trajetória de constantes adversidades e personagens que não tiveram medo de enfrentá-las, pois traziam dentro de si objetivos, sonhos e superações das referidas crises. A comunidade ora analisada é composta de pessoas que evidenciam sentimento de humanidade, mais do que se tem presenciado de modo geral, bem como a valorização do trabalho em equipe que busca, além do individual, um bem de toda a sociedade. À luz dessa visão, percebe-se uma escola que desde o início contou com uma equipe que tinha ideias criativas. Acredita-se que esse fator propicia a aprendizagem cognitiva, cultural e social. Esses aspectos estavam dispostos tanto no PPP quanto na descrição realizada pela professora Maria de Lourdes. Assim, são perceptíveis nessa Unidade de Ensino os indícios de uma escola que valoriza os potenciais criativos, o crescimento em todos os aspectos do ser humano e prioriza a iniciativa de ações que parte da vida e para a vida. Além do mais propicia uma aprendizagem que compreende a importância das relações humanas e sociais estabelecidas com o meio ambiente e com o mundo. Referências ALVES, M. D. F. Resiliência: ressignificando a tessitura do conviver. In: SUANNO, M. V. R.; DITTRICH, M. G.; MAURA, M. A. P. (orgs.) Resiliência, Criatividade e Inovação: potencialidades transdisciplinares na educação. Goiânia: UEG/Ed. América, 2013. p. 59-70. CUNHA, M. I. da. O professor universitário na transição de paradigmas. 2. ed. Araraquara: Junqueira & Marins, 2005. 118 p. ESCOLA MUNICIPAL DE TEMPO INTEGRAL DANIEL BATISTA. Projeto Político Pedagógico (PPP). Palmas: Escola Municipal de Tempo Integral Daniel Batista, 2013. 77 p. 36 Maria José de Pinho, Kênia Paulino de Queiroz Souza, Maria José da Silva Morais, Ludimila Barbosa Oliveira, Maria de Lourdes Abreu Lima LIMA, M. de L. de A. Maria de Lourdes Abreu Lima: depoimento [mar. 2014] Entrevistador: M. José da S. Morais. Palmas: TO, 2014. Mp3 (30 min). Entrevista concedida ao Projeto “Criatividade e Ensino: Investigação sobre práticas inovadoras da escola do século XXI”. LIMONTA, S. V; MORAIS, B. B. Ensino e aprendizagem de ciências naturais nos anos iniciais do Ensino Fundamental nas Escolas de Tempo Integral em Goiânia. In: LIBÂNEO, J. C; SUANNO, Marilza V. R; LIMONTA, Sandra V. Didática e práticas de ensino: texto e contexto em diferentes áreas do conhecimento. Goiânia: GEPED/ Editora PUC Goiás, 2011. p. 53 -75. SILVA, C. C.; SUANNO, M. V. R. Resiliência, adversidade criadora e educação. In: SUANNO, M. V. R.; DITTRICH, M. G.; MAURA, M. A. P. (orgs.) Resiliência, Criatividade e Inovação: potencialidades transdisciplinares na educação. Goiânia: UEG/Ed. América, 2013. p. 43-57. SUANNO, J. H. Adversidade, resiliência e criatividade: Uma articulação oportuna? In: SUANNO, M. V. R.; DITTRICH, M. G.; MAURA, A. M. P. (orgs.). Resiliência, Criatividade e Inovação. Goiânia: UEG/ED. América, 2013. p. 31-42. TORRE, S. de la. Movimento de escolas criativas: Fazendo parte da história de formação e transformação. In: ZWIEREWICZ, M. (Coord.). Criatividade e inovação do ensino Superior: experiências latino-americanas e europeias em foco. Florianópolis: Nova Letra, 2013. p. 141-164. _________. Um olhar ecossistêmico e transdisciplinar sobre a educação: olhar o futuro com outra consciência. In: ZWIEREWICZ, M.; TORRE, S. de la. (Coords.). Uma escola para o século XXI: escolas criativas e resiliência na educação. Florianópolis: Insular, 2009. p. 17-41. _________. Escolas criativas: escolas que aprendem, criam e inovam. In: ZWIEREWICZ, M.; TORRE, S. de la. (Coords.). Uma escola para o século XXI: escolas criativas e resiliência na educação. Florianópolis: Insular, 2009. p. 55-69. ZWIEREWICZ, M. Fortalecer a resiliência na escola por meio de emoções e valores. In: ZWIEREWICZ, M.; TORRE, S. de la. (Coords.). Uma escola para o século XXI: escolas criativas e resiliência na educação. Florianópolis: Insular, 2009. p. 43 - 52. _________.Da adversidade à resiliência: o princípio motivador da escola criativa. In: TORRE, S. de la; ZWIEREWICZ, M. Criatividade na adversidade - personagens que transformaram situações adversas em oportunidade. Blumenau: Nova Letra, 2012. p. 49-60. 37 Ações criativas na escola de tempo integral Daniel Batista Maria José de Pinho1 Maria José da Silva Morais2 Kênia Paulino de Queiroz Souza3 Marilúcia Abreu Lima 4 Scheila de Fátima C. Rezende 5 Introdução Sabe-se que muitos são os estudos e pesquisas sobre o universo da escola, sobretudo no tocante às práticas pedagógicas que os educadores vêm desenvolvendo ao longo dos anos. No entanto, as análises dessas práticas têm sido, na maioria das vezes, para defini-las como boas ou ruins. Quanto às Escolas Criativas, estas têm como princípio uma educação que possibilite o desenvolvimento do potencial criativo dos alunos, e que estes tenham a capacidade de enfrentar e superar os desafios e as adversidades. Para tanto, tais escolas objetivam resgatar, reconhecer e difundir o potencial de instituições educativas que tem experimentado novas práticas pautadas em valores, potencialidades e capacidades humanas. Nesse sentido, o Grupo de Pesquisa em Rede Investigando Es1 Professora Doutora da Universidade Federal do Tocantins e do Programa de Pós-Graduação em Letras e no Programa de Pós-Graduação em Educação. Membro da Rede Internacional de Escolas Criativas – RIEC. E-mail: [email protected] 2 Aluna do Mestrado em Educação da Universidade Federal do Tocantins – UFT. Membro do grupo de pesquisa em Rede Internacional Investigando Escolas Criativas e Inovadoras. E Bolsista da Capes /CNPQ. E-mail: [email protected] 3 Aluna do Mestrado em Educação da Universidade Federal do Tocantins – UFT. Membro do grupo de pesquisa em Rede Internacional Investigando Escolas Criativas e Inovadoras. E bolsista da Capes /CNPQ. E-mail: [email protected] 4 Coordenadora da Biblioteca da Escola Municipal de Tempo Integral Daniel Batista. 5 Orientadora Educacional da Escola Municipal de Tempo Integral Daniel Batista. 38 Maria José de Pinho, Maria José da Silva Morais, Kênia Paulino de Queiroz Souza, Marilúcia Abreu Lima, Scheila de Fátima C. Rezende colas Criativas e Inovadoras6, visa potencializar as ações diferenciadas na Escola Municipal de Tempo Integral Daniel Batista. As atividades desenvolvidas nessa escola têm apresentado indícios de práticas criativas em seu fazer pedagógico. Tais indícios têm sido identificados por meio de questionários, observações e entrevistas e são avaliados com o referencial teórico da RIEC em pesquisa coordenada pela professora doutora Maria José de Pinho. Esta investigação vem sendo realizada com o intuito de perceber ações pedagógicas com indícios de criatividade e inovação em todas as dimensões da referida escola. Para tanto, o presente artigo objetiva difundir as práticas pedagógicas criativas e inovadoras desenvolvidas nos seguintes projetos: “Estudar é o Meu Maior Tesouro” e “Declamadores de Poesias” na escola Municipal de Tempo Integral Daniel Batista. A reflexão inicial trouxe a percepção de que as práticas pedagógicas na referida unidade de ensino apresentam indícios criativos e inovadores e primam pela realização de um trabalho coletivo. Ressalta-se a visão formadora e transformadora da escola em seu fazer pedagógico, na valorização dos potenciais criativos que atentam tanto para si quanto para o entorno como parte integrante da sociedade visando ao bem individual, social e planetário. No que concerne à fundamentação, realizou-se a análise dos projetos para identificar e potencializar os objetivos e ações da unidade escolar. Além do estudo dos projetos, fez-se ainda uma entrevista semiestruturada com alunas da Escola Daniel Batista das turmas do 4º, 6º, 7º e 8º anos do Ensino Fundamental, as quais foram vencedoras do projeto “Declamadores de Poesias”. Para preservar a identidade e por se tratar de menores, as entrevistadas são assim denominadas nas transcrições: ‘A’, ‘B’,‘C’ e ‘D’. Além das alunas, foi entrevistada a professora Maria de Lourdes Abreu Lima, fundadora da referida escola, que será identificada nas transcrições por Lima. 6 Desde o ano de 2012, o grupo, em Tocantins, faz parte da Rede Internacional de Escolas Criativas – RIEC, com o projeto de pesquisa “Criatividade e Ensino: Investigação sobre práticas inovadoras da escola do século XXI”. Ações criativas na escola de tempo integral Daniel Batista 39 Esses projetos se justificam pela importância que o espaço escolar tem na construção dos valores e responsabilidades dos alunos e ainda pelo fato de propiciar diversas maneiras de eles conhecerem e de se relacionarem com o mundo. Além do mais, possibilita-lhes novos caminhos por meio da “leitura, escrita, entonação, sonoridade e principalmente interpretação de mundo” (PALMAS, 2013, p. 2). Assim, compreende que, na atualidade, fazem-se necessárias pessoas resilientes e capazes de lidar com as adversidades que a vida lhes impõe, principalmente em se tratando de seres humanos criativos e inovadores, capazes de se relacionarem consigo mesmos, com os outros, com o mundo e a vida. Nessa perspectiva, acredita-se que o conhecimento transcendente propicia novas formas de fazer e aprender, além de colaborar com atividades em que os sujeitos estejam preocupados com a qualidade de vida social, afetiva e política da sociedade da qual fazem parte. Poesia: A arte de criar e inovar para além da sala de aula Reforçando a citada percepção, Lajolo (2008, p. 7) afirma que Do mundo da leitura pra leitura do mundo, o trajeto se cumpre sempre, refazendo, inclusive, por um vice-versa que transforma a leitura em pratica circular e infinita. Como fonte de prazer e de sabedoria, a leitura não esgota seu poder de sedução nos estreitos círculos da escola. A autora acredita que a leitura proporciona melhor compreensão do mundo, sendo que as crianças devem ter esta prática como fonte de prazer e sabedoria. Nesse viés, o projeto “Declamadores de Poesias” tem como objetivo “Viver a leitura de forma plena, prazerosa, onde o corpo fale mais que a timidez” (PALMAS, 2013, p. 2). Para Suanno e Silva a imaginação e a possibilidade de criação serão tanto mais ricas e significativas quanto mais variadas forem as vivências e experiências de uma pessoa e uma das vivências mais importantes e 40 Maria José de Pinho, Maria José da Silva Morais, Kênia Paulino de Queiroz Souza, Marilúcia Abreu Lima, Scheila de Fátima C. Rezende significativas no processo geral de desenvolvimento do ser humano é o escolar. (2013, p. 51). Deste modo, na condição de seres humanos, novas experiências culturais, emocionais e cognitivas são constantemente vividas. Essas experiências aguçam a capacidade humana de criar, de superar as adversidades e propiciam condições para a formação de seres mais resilientes e criativos. Sendo que, a imaginação como constituinte da ação criar de maneira livre, espontânea e incentivadora favorece, no contexto escolar, o desenvolvimento da aprendizagem. Os citados autores ressaltam ainda a importância do trabalho escolar: A tarefa primordial das atividades de ensino e aprendizagem planejadas e desenvolvidas na escola é iniciar e conduzir as crianças e jovens no processo de aprender a pensar por conceitos, aspecto fundamental do processo geral de desenvolvimento e que também eleva a capacidade de imaginação e consequentemente de criação (SUANNO e SILVA, 2013, p. 51). No intuito de favorecer a capacidade criadora, o projeto apresenta os seguintes objetivos específicos: Incentivar o gosto pela leitura poética; descobrir talentos e mostrar a capacidade de cada um na arte de declamar; ter contato com autores tocantinenses e enfrentar seus medos e vencer seus desafios (PALMAS, 2013, p. 2). No último objetivo enumerado cabe destacar a visibilidade com que a comunidade educativa prepara os alunos para enfrentar e vencer os desafios que a vida lhes impõe. Nesse sentido, Zwierewicz (2012, p. 55) explicita a capacidade resiliente do ser humano, “como resultado da interação entre os aspectos individuais, contexto social, quantidade e qualidade de acontecimentos ocorridos no decorrer da vida [...]”. Com vistas ao exposto, o projeto “Declamadores de Poesias” vem sendo realizado desde o ano de 2002 até a atualidade. O refe- Ações criativas na escola de tempo integral Daniel Batista 41 rido projeto liderado pela biblioteca tem como coordenadora e idealizadora a docente Marilucia Abreu Lima. De acordo com a coordenadora do projeto, este metodologicamente atende os alunos do 1º ao 9º anos do Ensino Fundamental em três fases: inscrições, ensaios e apresentação. É também representado por quatro categorias assim denominadas: Baby (1º e 2º Ensaios do primeiro Declamadores de anos), Infantil (3º ao 5º anos), Poesia. Infanto-Juvenil (6º e 7º anos) e a Juvenil (8º e 9º anos). Nesta atividade diferenciada os educadores sabem da importância da interação do aluno com o texto, o que Lajolo destaca no sentido de que o trabalho com a literatura busque oferecer o resgate do prazer ou lazer proporcionado pela leitura. Assim, compreende-se que a literatura é um forte veículo transformador, capaz de aguçar o lado emotivo para uma possível reflexão do mundo, de sua cultura e seus valores. Por meio da leitura tem-se envidado esforços constantes no intuito de valorizar comportamentos, sentimentos e atitudes. Por atuar na construção, difusão e alteração de sensibilidades, de representações e do imaginário coletivo a literatura torna-se um fator importante na imagem que socialmente circula no mundo das crianças e dos jovens (LAJOLO, 2008). Outro aspecto importante refere-se ao período da inscrição quando o projeto é divulgado na escola inteira. Dele podem participar todos os alunos da instituição inscrevendo-se de acordo com as categorias citadas anteriormente, além do envolvimento da família. Esta, por sua vez, formalmente, autoriza a inscrição do (a) filho (a) no con- 42 Maria José de Pinho, Maria José da Silva Morais, Kênia Paulino de Queiroz Souza, Marilúcia Abreu Lima, Scheila de Fátima C. Rezende curso. “Os alunos, ao se inscreverem, recebem um poema de poetas tocantinenses ou nacionais, de acordo com sua faixa etária, e assumem o compromisso com os ensaios e da apresentação. [...]” (PALMAS, 2013, p. 3). A aluna ‘D’ explicita que, no ano de 2013, a professora chamava, [...] passava nas salas perguntando quem queria participar, aí eu me escrevi, [...] ela dava um texto e a gente escolhia, aí quando a gente ensaiou, a gente tinha que ensaiar em casa, aí tinha que trabalhar a voz, o corpo, os gestos que ia fazer [...] eu participei, [...] no 3º ano eu não ganhei, quando eu estava no [...] 4º eu ganhei em terceiro e ano passado eu ganhei em segundo (ALUNA ‘D’). Ante as expressões da aluna ‘D’, é visível que o envolvimento dos alunos no projeto, durante todo o ano, traz perspectivas de mudanças e eles persistem para serem melhores a cada dia. Nesse sentido, a participação da comunidade educativa, dos pais e alunos demonstra a potencialidade da Escola Criativa, pois a mesma está [...] aberta ao trabalho compartilhado e à solidariedade. Deve saber ouvir e assegurar a participação, opondo-se a qualquer tipo de exclusão ou negligência. Deve combater condutas individuais e segregadoras [...] (ZWIEREWICZ, 2012, p. 58). Equipe da Escola e voluntários da comunidade unidos colaborando com o evento em todas as ações. Ações criativas na escola de tempo integral Daniel Batista Cenário homenageando “Suassuna” em 2013 para declamar as poesias. 43 Desse modo, é imprescindível o trabalho em equipe no intuito de tomar decisões, e sobretudo, aprender a viver em sociedade de acordo com a realidade apresentada. Para o desenvolvimento do projeto é organizada uma equipe com vistas a decidir quais autores serão homenageados no dia do concurso (culminância das ações), neste momento também são feitos estudos dos poemas, mensagens e temas decorativos para o Ensaio com alunos inscritos no ano de 2013. 44 Maria José de Pinho, Maria José da Silva Morais, Kênia Paulino de Queiroz Souza, Marilúcia Abreu Lima, Scheila de Fátima C. Rezende cenário. No ano de 2013 foram escolhidos os seguintes autores tocantinenses: Juarez Moreira Filho e Gilson Cavalcante; e o nacional foi Ariano Suassuna. A temática trabalhada foi “o nordeste de Ariano Suassuna”, sendo “destacadas sua cultura, sua música e suas riquezas” (PALMAS,2013, p. 3). De acordo com Marilúcia Abreu Lima, durante os ensaios para declamar as poesias, os alunos ingressam num mundo mágico de conhecimentos, com aulas de teatro, postura, entonação de voz, presença de palco e rodas de leitura, além de encontro com autores regionais e saraus de poesias. Eles precisam aprender o poema e sua forma de apresentação (PALMAS,2013, p. 3). Compreendendo esta realidade, Nascimento (2013, p. 90) assim afirma: Todos temos talentos e habilidades próprias. Reconhecer seus talentos e procurar desenvolvê-los é o início de um profundo caminho de autoconhecimento sentido de destino e contribuição que se pode e oferece a todos. Apropria-se de maneira criativa desses talentos e habilidades, sejam eles dons artísticos, esportivos, [..] ou qualquer outro é um grande passo de desenvolvimento pessoal. Reconhecendo esses dons, pode se desenvolvê-los e expressa-los de forma criativa, no sentido de criar novas realidades [...]. Ainda é reconhecido que a interpretação, o domínio de leitura, a escrita e a sensibilidade desses alunos são elementos fundamentais para um bom desempenho. E os alunos envolvidos tem se destacado em outras disciplinas, além do respeito com os colegas, pais e equipe educativa. Em relação a este destaque, a aluna ‘D’ assim se expressa: ‘tem é que continuar, porque assim, ajuda muito a gente, porque só participa quem tem nota boa, quem vai bem, então assim, tipo influencia agente a ir bem nas aulas, nas atividades que os professores passam, eu acho que é isso’ (ALUNA ‘D’). Também referente às mudanças por meio do projeto, a aluna ‘A’ confirma: Ações criativas na escola de tempo integral Daniel Batista 45 [...] me ensinou a ser uma pessoa melhor. [...]Quase não conversava com as pessoas, ficava mais na minha, ficava assim de grupinho, essas coisas, agora eu converso com todo mundo da escola, de coordenador a faxineiro. [...] assim converso com todo mundo. Porque eu acho isso [...], cada um tem que ser tratado igualmente. Então assim, foi muito bom pra mim (ALUNA, ‘A’). Os próprios alunos percebem que, com a realização das ações do projeto, muitos tiveram mudanças que favoreceram, além da leitura e da escrita, um crescimento individual e também social. A aluna ‘B’ expressa em sua percepção a contribuição desse projeto para a vida estudantil: ‘[...] eu acho que ele incentiva muitas pessoas, que ajuda muito as pessoas a se desenvolverem, que tem muitos que tem vergonha de chegar lá em cima e declamar. E tem gente que eu conheço que tem muita vergonha em falar em público, chegou lá e fez bonito’ (ALUNA ‘B’). Por meio desses depoimentos nota-se que há uma constante potencialização dos talentos nesse cenário educacional através de ações que preparam o educando para superar seus Convite da culminância do Projeto Declamadores de Poesia do ano de 2013. 46 Maria José de Pinho, Maria José da Silva Morais, Kênia Paulino de Queiroz Souza, Marilúcia Abreu Lima, Scheila de Fátima C. Rezende conflitos, além de trabalhar habilidades específicas que, em muitos momentos, estão adormecidas. Essas ações propiciam competências que os alunos necessitarão no cotidiano de sua vida social. Já na parte final do projeto, ou seja, na culminância, faz-se necessário destacar que todos os figurinos, decoração, convite para os colaboradores são confeccionados pela comunidade escolar e, mesmo diante das adversidades que surgem ao longo do desenvolvimento desse trabalho, eles não desanimam. Pelo contrário, buscam superar cada dificuldade para alcançar seu objetivo. Como o referido projeto é “considerado o carro chefe da escola, na área da literatura” (PALMAS, 2013, p. 1) e também por fazer parte do calendário escolar, além de ser disponibilizada uma verba própria para sua execução, conta com os colaboradores da comunidade local, pois estes sabem da importância e Alunos caracterizados de acordo com o dimensão que essa ação traz tema e a premiação aos vencedores em para os envolvidos. 1º, 2º e 3º lugar por fase. Ações criativas na escola de tempo integral Daniel Batista 47 Essa última fase do projeto é realizada em auditório ou teatro onde os alunos se apresentam para a plateia formada pela comunidade escolar, pais e convidados. Os alunos são avaliados pelos jurados, quais sejam: escritores, jornalistas, atores, professores e membros da Academia Tocantinense e Palmense de Letras. As avaliações vão da nota 0 a 10 nos quesitos da voz, interpretação e postura de palco. Os vencedores de cada categoria são premiados com medalhas do primeiro ao terceiro lugares. No entanto, todos são validados com certificados de participação. Os alunos avaliam todo o projeto como uma ação espontânea e bastante positiva para o crescimento em todos os aspectos que envolvem o ser humano. Nesse mesmo pensamento a aluna ‘C’ expressa a sua opinião dizendo: ‘[...] na biblioteca, [...] é o meu lugar favorito da escola. [...] eu gosto muito desse projeto [...] porque eu gosto dessas coisas de leitura’ (ALUNA, ‘C’). Ou seja, é uma ação para incentivá-los na constante busca de conhecimentos pautados nos valores éticos, sociais e planetário. Um tesouro criativo e inovador no contexto dos anos iniciais do Ensino Fundamental A equipe pedagógica da Escola Daniel Batista percebe que, com a mudança para o funcionamento de tempo integral, os alunos passam um período maior com a comunidade escolar do que com a própria família. Ainda se constatou que alguns alunos não recebem atenção devida de carinho, aconselhamentos e amor no seio familiar, nem mesmo no curto tempo diário em que estão em seus lares. Nessas circunstâncias, com o aumento significativo de incidências voltadas para a falta de valores éticos, morais e cristãos, a Orientação Pedagógica, sob a responsabilidade da servidora Scheila de Fátima Carvalho Rezende, formada em Pedagogia e com especialização em Orientação Educacional, juntamente com toda equipe escolar, desenvolve o projeto “Estudar é o meu maior tesouro”, por perceber 48 Maria José de Pinho, Maria José da Silva Morais, Kênia Paulino de Queiroz Souza, Marilúcia Abreu Lima, Scheila de Fátima C. Rezende a educação como processo de transformação na convivência, o que requer o resgate da ética, a vivência de valores humanos, bem como do prazer em aprender (MORAES, 2013, p. 69). A equipe traz com esse plano uma preocupação e um propósito no sentido de que precisam “proporcionar ao aluno o reencontro consigo mesmo, mostrar que ele é capaz e pode, sim, aprender e seguir em frente na jornada que é a educação” (PALMAS, 2013, p. 1). Têm percebido que as crianças iniciam os estudos sem qualquer motivação e, consequentemente, surgem resultados negativos. Com isso, O papel de incentivador e motivador ocupa um lugar preeminente no tocante à criatividade. Existem momentos de desânimo, de cansaço, de desconfiança das próprias possibilidades. Não é infrequente que as crianças se deixem levar por ambientes que requerem menos esforço e produzem mais prazer e novidade. O professor deverá diagnosticar essas situações e estimular com novos enfoques, recorrendo às dinâmicas nas quais essas circunstâncias sejam projetadas (TORRE, 2008, p. 82). Nessa mesma concepção, as ações são envolvidas com diferentes estímulos para que os alunos tenham uma participação mais ativa, com conscientização e, no desenvolvimento do projeto, percebam a importância de fazerem as mudanças necessárias para a vida. O projeto, além do objetivo geral, tem como específicos: promover a motivação dos alunos e a conscientização sobre a necessidade do estudo; desenvolver a autoconfiança dos alunos e a consciência de sua capacidade de estudar sozinho; envolver a família na construção do processo de aprendizagem (PALMAS, 2013, p. 3). Justificam-se tais objetivos pelo fato de, inicialmente, os alunos estarem nas salas de aulas sem motivação, sem a perspectiva de estudo necessária para a sua vida. Ademais, eles não se sen- Ações criativas na escola de tempo integral Daniel Batista 49 tiam capazes de realizar os seus estudos e a família não percebia a importância de fazer parte da vida estudantil dos seus filhos. Atinente à construção de conhecimento, Moraes (2013, p. 68) ressalta a importância de se compreender o aprendiz como investigador, um sujeito capaz de compreender as diferentes dimensões de um problema sem se ater a uma única causa, um aprendiz capaz de usar diferentes fontes de informações para solucionar problemas. (Moraes 2013, p. 68) Para atender os objetivos que visam a uma mudança significativa no processo educacional e também na vida social do aluno, a equipe pedagógica se uniu para desenvolver as ações propostas no documento pedagógico e Durante todo o semestre os professores vão analisar os seguintes critérios: frequência; higiene pessoal; conservação do material escolar; respeito aos colegas, professores e regras; realização de atividades propostas; xingamentos e palavrões; leitura e escrita; organização e comportamento no refeitório durante as refeições; e participação dos pais. (PALMAS, 2013, p. 3-4) Esta análise é pertinente, pois a Unidade de Ensino apresenta uma visão formadora e transformadora por meio de critérios observados a partir do projeto. Ela procura ver o aluno como um todo, um ser completo que pode receber da escola mais do que o conteúdo voltado para o desenvolvimento cognitivo. Esta instituição tem a visão de que “educar é ajudar e acompanhar o ser. O programa, os conteúdos, as aprendizagens são ferramentas utilizadas com um objetivo maior: ajudar a construir a personalidade” (TORRE; PUJOL, 2013, p. 30). Nesta óptica, trabalha-se para que o aluno seja alguém mais consciente e cresça cotidianamente. No que concerne aos critérios propostos para o comportamento e convivência diária, o projeto conta com um acompanhamento semanal. 50 Maria José de Pinho, Maria José da Silva Morais, Kênia Paulino de Queiroz Souza, Marilúcia Abreu Lima, Scheila de Fátima C. Rezende Toda segunda-feira o professor regente recebe uma ficha avaliativa (padronizada) com os critérios citados, e todas as sextas feiras a Orientadora Educacional faz a verificação da semana observando as mudanças ocorridas [...] para proceder a entrega das fichas de incentivo que serão em forma de dinheirinho de papel. (PALMAS, 2013, p. 4) Após as verificações semanais e intensificações com os incentivos e aconselhamentos mediante as necessidades apresentadas no decorrer do período letivo, os professores tem um aliado forte na própria sala de aula, pois os educandos veem que a sua participação significará muito em sua vida. No final de cada semestre letivo realiza-se um evento onde os alunos usarão as fichas ou dinheirinho (fictício) para comprar cadernos, livros de história, material escolar, picolés, sorvete, cachorro-quente, bonecas, carrinhos e brinquedos em geral. (PALMAS, 2013, p. 4) A alegria dos alunos na culminância do projeto. Ações criativas na escola de tempo integral Daniel Batista 51 além de outras diversões proporcionadas. Mediante o acompanhamento semanal, os alunos se sentem estimulados a se envolverem com mais comprometimento nas ações do projeto. Nesse aspecto, a professora Maria de Lourdes Abreu Lima, secretária geral da Escola Daniel Batista, explicitou que o “projeto [...] incentiva muito, [...] ele é muito bom [...] porque incentiva e ajuda também na sala de aula, ajuda a incentivar na leitura e em tudo” (LIMA, 2014, p. 8 - 9). Ressalta-se que mesmo em meio às adversidades referentes à falta de verbas para realização dessas ações, a equipe não desiste e supera os desafios adquirindo todos os recursos por meio de parcerias com a comunidade local e atinge assim todas as Alunos se divertindo com as atrações de lazer na culminância do projeto e toda equipe colaborando. metas para cada semes- 52 Maria José de Pinho, Maria José da Silva Morais, Kênia Paulino de Queiroz Souza, Marilúcia Abreu Lima, Scheila de Fátima C. Rezende tre. Sobre essa superação, a professora Maria de Lourdes fala da importância do apoio externo, principalmente ao que vem sendo desenvolvido pela gestão: ‘olha o trabalho da direção [...] é muito positivo, ela é a favor do trabalho em equipe. É uma pessoa muito batalhadora, [...] tanto na área de incentivo [...] aos alunos como na aproximação das famílias, [...] a luta dela pra buscar [...] recursos pra trazer benefício pra escola [...]’ (LIMA, 2014, p. 2). A direção desta unidade Escolar valoriza as realizações em equipe, pois se acredita no potencial de cada membro e busca cada vez mais recursos com a comunidade local e Secretaria Municipal de Educação. Busca assim propiciar um ensino mais criativo, interessante e significativo aos educando dessa instituição. Considerações finais Refletir acerca das ações criativas e inovadoras do contexto da Escola Municipal de Tempo Integral Daniel Batista possibilitou a compreensão de que, no trabalho coletivo, a comunidade educativa se fortalece, mostra sua capacidade de organizar e efetivar uma prática pedagógica que ultrapassa os aspectos cognitivos e também propicia o desenvolvimento nas dimensões sociais, ambientais e planetárias. Os projetos “Declamadores de Poesias e Estudar é o Meu Maior Tesouro” demonstraram o que a Escola Criativa potencializa, a capacidade resiliente, mesmo diante das adversidades que a comunidade educativa tem enfrentado ao longo desses anos. Entre outros propósitos almeja-se a superação, pois, no momento da culminância, a felicidade demonstrada no rosto de cada um dos alunos, pais e comunidade faz com que os profissionais superem os obstáculos. Portanto, é visível que a comunidade educativa da referida escola tem lançado algumas sementes. Projetos dessa amplitude evidenciam a preocupação com uma educação a partir da vida e para vida, o que é fundamental para o crescimento de outras sementes que possam contribuir para uma formação em sua totalidade. Ações criativas na escola de tempo integral Daniel Batista 53 Enfim, esses projetos têm contribuído para a organização e o desenvolvimento das aulas, pois os alunos têm se esforçado para alcançar mudanças de postura como respeito ao ambiente, aos colegas e a toda equipe educativa. Pôde-se notar que o comprometimento com os estudos é diferenciado. Depois que os alunos iniciam as ações no decorrer do período letivo, os resultados no segundo semestre são mais promissores. Tanto os alunos quanto os professores solicitam e recebem o engajamento ativo de todos da escola. Há um entendimento de que, juntos, a realização dos projetos tem uma dimensão mais abrangente e proporciona melhores resultados. A mudança no comportamento e na convivência é encantadora, de maneira que fica perceptível não somente dentro do espaço escolar, mas também reflete no convívio em família e na comunidade local. Os alunos veem no projeto oportunidades de mudança em sua vida que, além de ser necessária e transformadora, é prazerosa, conquistadora de sonhos e realizações. Mediante a culminância semestral do evento, os alunos têm condições de realizar várias compras especiais, algo que muitos deles jamais experimentaram em seu ambiente familiar. Esta ação tem, igualmente, propiciado oportunidades de toda a comunidade sentir e reconhecer que a Escola Daniel Batista está trabalhando para além dos programas e conteúdos exigidos, isto é, tem oportunizado aos alunos meios de desenvolverem competências necessárias para atuar do outro lado dos muros da escola, na vida, em perspectivas que valorizam o bem -estar individual, social e ambiental. Referências LAJOLO, Marisa. Do mundo da leitura para a leitura do mundo. 6 ed. São Paulo: Ática, 2008.p. 112. LIMA, Maria de Lourdes de Abreu. Maria de Lourdes Abreu Lima: depoimento [mar. 2014] Entrevistador: M. José da S. Morais. Palmas: TO, 2014. Mp3 (30 min.). Entrevista concedida ao Projeto “Criatividade e Ensino: Investigação sobre práticas inovadoras da escola do século XXI”. 54 Maria José de Pinho, Maria José da Silva Morais, Kênia Paulino de Queiroz Souza, Marilúcia Abreu Lima, Scheila de Fátima C. Rezende MORAES, M. C. As construções do pensamento ecossistêmico a educação hoje. In: TORRE, S.; PUJOL, M. A.; SILVA, V. L. S. (coods.) Inovando na sala de sala: instituições transformadoras. Blumenau: Nova Letra, 2013. p. 52-72 NASCIMENTO, P. L. Parâmetros para análise-síntese de práticas educativas. In: SUANNO, M. V. R.; DITTRICH, M. G.; MAURA, M. A. P. (orgs.) Resiliência, Criatividade e Inovação: potencialidades transdisciplinares na educação. Goiânia: UEG/Ed. América, 2013. p. 75 -99. PALMAS, XII Concurso de Declamadores de Poesias: “O Nordeste de Ariano Suassuna”. Escola Municipal de Tempo Integral Daniel Batista. Palmas, 2013. ______, Projeto: Estudar é o meu maior tesouro. Palmas. Escola Municipal de Tempo Integral Daniel Batista, 2013. SUANNO, V. R; SILVA, C. C. Resiliência, adversidade criadora e educação. SUANNO, M. V. R.; DITTRICH, M. G.; MAURA, M. A. P. (orgs.) Resiliência, Criatividade e Inovação: potencialidades transdisciplinares na educação. Goiânia: UEG/Ed. América, 2013. p.43 – 57. TORRE, S. de La. Professor e alunos criativos. In: ___. Criatividade aplicada: recursos para uma formação criativa. Tradução WIT Languagens. São Paulo: Madras, 2008, cap. 5, p. 81-103. TORRE, S. de La; PUJOL, M. A. Escola que queremos: Escola de desenvolvimento humano.In: TORRE, S.; PUJOL, M. A.; SILVA, V. L. S. (coods.) Inovando na sala de sala: instituições transformadoras. Blumenau: Nova Letra, 2013. p.13 - 51. ZWIEREWICZ, M. Da adversidade à resiliência: O princípio motivador da escola criativa. In: TORRE, S. de la; ZWIEREWICZ, M. Criatividade na adversidade - personagens que transformaram situações adversas em oportunidade. Blumenau: Nova Letra, 2012. p.49 – 60. 55 A escola de mãos dadas com as diferenças: uma experiência de criatividade e colaboração no sul do Tocantins Edna Maria Cruz Pinho1 Elzimar Pereira Nascimento Ferraz2 Maria José de Pinho3 Luiza Oliveira Bringmann4 INTRODUÇÃO A sociedade atual passa por momentos de transformações aceleradas resultantes de mudanças tecnológicas, científicas, sociais, organizativas, bem como no trabalho, de modo a influenciar a vida humana em diferentes aspectos: na formação do tempo livre, de trabalho e nas relações familiares. Em tempos de tantas mudanças, o conceito de instituição educativa ultrapassa a concepção de mera estrutura burocrática e facilitadora de serviço. Segundo De La Torre (2012)5, as instituições criativas são agrupamentos com vida própria, com metas e estratégias e realizações compartilhadas. São organizações porque se constituem como um conjunto de elementos relacionados entre si, cujo principal componente é o humano, o sujeito. É neste contexto que se insere a escola como agente social 1 Mestre em Educação pelo Programa de Pós Graduação em Educação – PPGE da Universidade Federal do Tocantins – UFT campus Palmas – TO 2 Professora Doutora da Universidade Federal do Tocantins-UFT- Campus de Araguaína. Membro do Projeto de Pesquisa Escolas Criativas: Reconhecer e Difundir o PotencialInovador e Criativo da Escola do Século XXI. 3 Professora Doutora da Universidade Federal do Tocantins e do Programa de Pós-Graduação em Letras e no Programa de Pós-Graduação em Educação. Membro da Rede Internacional de Escolas Criativas – RIEC. 4 Professora da rede municipal de ensino de Gurupi. Diretora da Escola Orlindo Pereira Mota. 5 Tradução Claudia Riviera Vasquez. Pedagoga. Chile. 56 Edna Maria Cruz Pinho, Elzimar Pereira Nascimento Ferraz, Maria José de Pinho, Luiza Oliveira Bringmann educativo, cujas características, segundo Zwierewcz e Torre (2009), são: complexidade, metas compartilhadas liderança transformadora e caráter ético. Além disso, numa perspectiva de criatividade, as instituições escolares se caracterizam como potencial humano para gerar novas ideias, práticas, recursos e formas de cultura ao seu redor, cujas características são as relações heterogêneas, o autodesenvolvimento contínuo, a convivência com a prática de projetos, dentre outras. São organizações alicerçadas nos valores humanos que possuem significado especial, tais como: liberdade, igualdade, paz, defesa do meio ambiente e respeito à vida. Considerando a relevância dessas características, este trabalho trata da experiência de uma escola diagnosticada com indícios de criatividade por meio do Instrumento para valorizar o desenvolvimento criativo de instituições educacionais (VADECRIE), elaborado pela Rede Internacional de Escolas Criativas (RIEC) e utilizado de forma adaptada na pesquisa intitulada “Escola Criativa no Tocantins: um estímulo à religação dos saberes”6. Este texto objetiva socializar a experiência pedagógica vivida pela Escola Orlindo Pereira da Mota com o projeto “Educando pela diferença para a diversidade cultural afro-brasileira: Dois Povos Unidos por uma Cultura”. E, a partir dessa interlocução, compreender as ações da escola à luz dos referenciais elaborados por Torre (2012), Zwierewicz e Torre (2009), Torre e Zwierewicz (2012), dentre outros, sobre escola criativa. Esta composição escrita está organizada em três partes interligadas: na primeira parte aborda a temática trabalhada pela Escola por quatro anos consecutivos: a consciência negra; na segunda parte apresenta a Escola Orlindo Pereira da Mota e faz uma associação entre trabalho colaborativo e projetos criativos; na terceira parte 6 Pesquisa desenvolvida no mestrado em Educação do Programa de Pós Graduação em Educação da Universidade Federal do Tocantins –PPGE/ UFT-Campus Palmas /TO. A escola de mãos dadas com as diferenças: Uma experiência de criatividade e colaboração no sul do tocantins 57 são apresentados resultados significativos da prática pedagógica desenvolvida pelos sujeitos. Nas considerações finais refletimos a importância do trabalho por projetos criativos e os frutos engendrados na trajetória da equipe escolar. 1. DIVERSIDADE E IGUALDADE NA ESCOLA A educação é, na sociedade atual, um forte instrumento de inclusão social e de desenvolvimento da personalidade humana, de promoção de direitos fundamentais, tanto no âmbito pessoal, quanto no político e no econômico visando à promoção da vida digna, alicerçada nos pilares da tolerância. Nessa perspectiva, a escola se configura, segundo Gomes (1999) como espaço sociocultural de encontro das diferenças, assim como o espaço privilegiado de cidadania. De acordo com Sacristan (1998), as novas gerações precisam ser provocadas com o desenvolvimento de conhecimentos, ideias, atitudes e pautas de comportamento que permitam sua incorporação eficaz no mundo civil, no âmbito da liberdade do consumo, da liberdade de escolha e participação política, da liberdade e responsabilidade na esfera da vida familiar (SACRISTAN, 1998, p. 15). Quanto ao ensino, nos referimos ao ensino que envolve aspectos e compromissos para além do trabalho com conteúdo e disciplina específicos, tem-se também questões como a diversidade, o diferente, o respeito mútuo e a valorização do ser humano de forma consciente e responsável. Freire (2003) diz que a criticidade é importante e deve ser sistemática, aliada à curiosidade e à transformação, sempre buscando a ética e a estética para realçar o belo na vida escolar, de modo que seja traduzida em ações de repúdio à discriminação. Daí a importância da reflexão crítica; principalmente quanto ao reconhecimento e à apropriação da identidade cultural, estreitando a distância entre o que a escola discursa e a prática do cotidiano escolar. 58 Edna Maria Cruz Pinho, Elzimar Pereira Nascimento Ferraz, Maria José de Pinho, Luiza Oliveira Bringmann Pensar a temática sobre a consciência negra, nessa ótica, remete a reflexão de que mesmo após mais de cento e vinte e cinco anos da abolição da escravatura no Brasil, o combate ao racismo e a superação das desigualdades étnico-raciais ainda representam grandes desafios para sociedade brasileira, quer na educação quer nos demais setores. Para Domingues (2006), ações de organização e mobilização em clubes, grêmios e associações, e o apoio da imprensa na propagação de denúncias dos problemas sociais enfrentados pelos negros contribuiram para consolidação da luta contra a marginalização e do movimento negro como organização inovadora na articulação das diferentes manifestações culturais de afirmação da cultura negra, principalmente em periferias das capitais brasileiras. Conforme Domingues, a efervescência das organizações e movimentos internacionais, as reivindicações por direitos civis e a valorização da cultura africana e da identidade negra, através das diversas organizações gestadas nesse período, representam uma história emblemática contra o racismo, recriada a cada geração. Segundo autor, “é por intermédio das múltiplas modalidades de protesto e mobilização que o movimento negro vem dialogando, não apenas com o Estado, mas principalmente com a sociedade brasileira” (DOMINGUES, 2006, p.122). Dessa forma, com a força organizativa, o movimento negro se consolidou, apesar da sociedade estratificada. Assim, o Dia da Consciência Negra, simboliza não só o fuzilamento do Zumbi, e toda a historicidade decorrente desse fato, mas também ações de conscientização de pessoas negras, de que é necessário rebater o jugo da discriminação racial impregnada na sociedade. Nessa luta contra o preconceito são somados esforços na sociedade civil organizada como a Associação Brasileira de Pes qui- A escola de mãos dadas com as diferenças: Uma experiência de criatividade e colaboração no sul do tocantins 59 sadores (as) Negros (as) - ABPN, diversas instituições públicas e privadas, além de artistas, jogadores de futebol e representantes. O grito negro insiste em ecoar no cotidiano contra uma estrutura social racista, pois as políticas compensatórias, como a de cotas, amenizam, porém não solucionam a desigualdade social7. Para além das políticas públicas assumidas pelo Estado brasileiro nas últimas décadas, a educação de maneira geral e principalmente as escolas de ensino fundamental precisam se engajar no compromisso com a inclusão dos negros e o reconhecimento da importância e da valorização da cultura africana no país. Nesse sentido, o interdisciplinar Consciência Negra: projeto “Educando pela diferença para a diversidade cultural afro-brasileira: Dois Povos Unidos por uma Cultura”desenvolvido pela escola pesquisada, demonstra a atualidade desse movimento e da discussão, uma vez que a questão do preconceito, analisada de forma crítica, permite identificar elementos geradores do racismo e desenvolver ações práticas de repúdio a discriminação pela cor, possibilitando aos alunos a reflexão da questão da segregação racial e consequentemente, do preconceito. Para Castilho, se as diferentes presenças forem asseguradas aumenta a potencialidade da escola para a construção de uma sociedade mais igualitária, sem preconceito nem discriminação ou outras formas correlatas de intolerância. (Castilho, 2013, p. 07) Segundo a autora, a escola como instituição social, pode perpetuar preconceitos, mas também pode desconstruí-los, ao assumir o compromisso com a inclusão social, com direitos humanos, e com a promoção de iniciativas que estimulem práticas pedagógicas 7 De acordo com a nota técnica divulgada no portal do IPEA em novembro de 2013 uma pesquisa nacional revela a relação entre racismo e a baixa perspectiva de vida de negros com relação a não-negros. Texto disponível: http://www.ipea.gov.br/portal/images/stories/PDFs/nota_tecnica/131119_notatecnicadiest10.pdf 60 Edna Maria Cruz Pinho, Elzimar Pereira Nascimento Ferraz, Maria José de Pinho, Luiza Oliveira Bringmann embasados em valores como justiça, igualdade, liberdade, democracia e paz, por meio de práticas pedagógicas que procurem novos caminhos, sejam persistentes e rompam com o comodismo, semelhante ao que sugere a experiência vivida pela escola apresentada na segunda parte do texto. 2. DA LAVANDERIA SURGE OS FIOS DA MUDANÇA A escola criativa8, segundo Torre e Zwierewicz (2012, p. 55), situa-se como uma instituição diferente que articula “sua proposta pedagógica com as necessidades individuais, sociais e ambientais deste século”; uma instituição com premissa de “estímulo à consciência sobre o pensar e agir planetário, estimulando a formação de pessoas criativas e responsáveis pela sustentabilidade da vida no planeta” (TORRE E ZWIEREWICZ, 2012, p.55). Nas escolas criativas, a consciência é que move a comunidade escolar (gestores, professores e alunos) para o desenvolvimento potencial da criatividade, do trabalho compartilhado, da solidariedade, do combate a condutas de segregação, exclusão ou negligência, sob os princípios da sustentabilidade, da ecologia dos saberes e da integração institucional de saberes. E mediante a reorganização disciplinar, estabelecer conexões entre diferentes áreas do conhecimento, através de projetos interdisciplinares, segundo os autores Zwierewicz e Torre (2009, p. 101-102): O Projeto Rede de escolas Criativas busca identificar, reconhecer e difundir os esforços de quem vem dedicando tempo e entusiasmo para transformar e melhorar o ensino [...] pretende pesquisar suas coincidências e particularidade e criar consciência coletiva para a qual deve se dirigir a educação a educação nas próximas décadas [...] busca melhoria dos resultados das áreas curriculares, desenvolvimento de competências básicas como a criatividade e a inovação educativa, bem como a me- 8 Gerada a partir das discussões do Grupo de Pesquisa GIAD (Grupo de Investigação e Assessoramento Didático) da Universidade de Barcelona. A escola de mãos dadas com as diferenças: Uma experiência de criatividade e colaboração no sul do tocantins 61 lhoria da gestão e dos serviços educativos a partir de um olhar ecoformador. É nessa perspectiva que se insere a escola municipal Orlindo Pereira da Mota. Localizada no setor União, bairro da região central da cidade de Gurupi, estado do Tocantins, iniciou suas atividades nas instalações de uma lavanderia desativada em 1983, para atender alunos do 1º ao 4º ano do curso primário. Na sua trajetória, a escola enfrentou muitos desafios com relação a sua estrutura física dentre eles, sair do prédio da lavanderia para novas instalações, oferecer acessibilidade e um ambiente agradável, incentivando a comunidade escolar a cultivar canteiros de plantas e flores que conferem frescor e sombra ao pátio. Dos 259 alunos que atende atualmente, 33 são da educação infantil e 226 dos anos iniciais do ensino fundamental. São oriundos de bairros vizinhos ao que a escola está situada, pertencem a famílias com baixo poder aquisitivo e, dentre as profissões dos pais, destacam-se as de pedreiro, doméstica, diarista, babá, auxiliar de mecânico, mecânico, auxiliar de escritório e motorista. Muitos alunos são filhos de pais separados e por motivos diferentes moram com avós ou parentes. O diagnóstico da realidade, realizado através da avaliação e acompanhamento sistemático das ações propostas no Projeto Político Pedagógico, possibilitou à equipe escolar, ao longo dos anos, mapear as principais ameaças e situações problemas da comunidade. Foi possível identificar que, em relação aos aspectos socioculturais boa parte dos alunos já sofreu algum tipo de discriminação, como também já foi vítima de Bullying. Muitos alunos tratam colegas com preconceito por serem negros e ainda não têm boa aceitação da cultura afro. Identificou-se também que todos os alunos gostam de música, nos seus mais variados estilos. A maioria gosta 62 Edna Maria Cruz Pinho, Elzimar Pereira Nascimento Ferraz, Maria José de Pinho, Luiza Oliveira Bringmann de esportes e alguns gostam de teatros, e outros de dança, pintura e desenho. Em relação à aprendizagem a falta do hábito de leitura, a dificuldade de interpretação e produção de texto, o pouco domínio nas quatro operações, o desinteresse e a pouca participação nas aulas foram alguns dos problemas identificados. Esses problemas, associados à indisponibilidade dos pais e responsáveis, para acompanhamento da vida escolar dos filhos, o baixo índice de aprendizagem de alunos oriundos de outra unidade escolar, a pouca frequência dos alunos às aulas e os índices significativos de reprovação formavam o quadro da realidade sócio educacional do público atendido pela escola. Diante dos problemas e dificuldades constatados, a escola decidiu pela mudança de comportamento: estabeleceu a colaboração, o diálogo, metodologias e estratégias de avaliação baseadas na vivência de projetos interdisciplinares como forma de estimular a discussão em grupo; a pesquisa de campo, as práticas experimentais, a exposição de trabalhos e a interação com a comunidade externa como estratégias para superação das ameaças. Para Antunes (2001), a prática em projetos interdisciplinares na escola tem motivado muitas experiências pedagógicas que rompem com as pedagogias fragmentadas e limitadoras da aprendizagem, assim como tem contribuído de forma singular para ressignificação da prática docente e da atuação da escola em prol da comunidade que atende. A prática interdisciplinar, segundo Fazenda (1998, p. 82), é [...] Uma atitude diante de alternativas para conhecer mais e melhor, atitude de espera ante os atos consumados, atitude de reciprocidade que impele à troca, que impele ao diálogo – ao diálogo com pares idênticos, com pares anônimos ou consigo mesmo - atitude de humildade diante da limitação do próprio A escola de mãos dadas com as diferenças: Uma experiência de criatividade e colaboração no sul do tocantins 63 saber, atitude de perplexidade ante a possibilidade de desvendar novos saberes, atitude de desafio – desafio perante o novo, desafio em redimensionar o velho – atitude de envolvimento e comprometimento com as pessoas neles envolvidos, atitude, pois, de compromisso em construir sempre da melhor forma possível, atitude de responsabilidade, mas, sobretudo, de alegria, de revelação, de encontro, enfim de vida. Nesse aspecto, além da integração das disciplinas, que promove o sucesso do projeto interdisciplinar, a concretização da pesquisa, na escolha de um tema e/ou problema a ser trabalhado, possibilita o envolvimento e a atitude interdisciplinar dos membros envolvidos. Para Nogueira (2002), a prática pedagógica interdisciplinar exige uma postura aberta para tudo e para todos, aberta aos seus saberes e aos seus não-saberes que precisam ser reconhecidos com humildade diante do coletivo, para que haja a riqueza da troca e da colaboração. Damiani (2005, p. 02), citando Thurler (2001), ressalta a propagação no Brasil de práticas escolares colaborativas relacionadas com a “maneira de tratar novas ideias e de implementar mudanças; com o sentimento de integração e de solidariedade entre os membros da comunidade escolar; de autoavaliação e autocrítica”. Nessa perspectiva do trabalho colaborativo, a comunidade escolar pesquisada enveredou-se por caminhos instigantes para entender e se posicionar sobre o preconceito de cor, como trata o conteúdo da terceira parte desta escrita. 3. O PROJETO INTERDISCIPLINAR: NOVAS FORMAS DE VER, SENTIR E LER A REALIDADE Ao abordar o conceito sobre criatividade, Saturnino de La Torre (2005, p. 11) propõe um estudo que denomina diálogo com a 64 Edna Maria Cruz Pinho, Elzimar Pereira Nascimento Ferraz, Maria José de Pinho, Luiza Oliveira Bringmann criatividade, uma ação transformadora: “a criatividade que não melhora, que não modifica algo nas pessoas ou naquilo que elas fazem, é meramente normativa, vazia de conteúdo”. O autor ao discutir sobre o desenvolvimento da criatividade destaca quatro momentos do processo criativo: primeiro, a consciência da criatividade como bem social; segundo, a contextualização e problematização; terceiro, a disseminação de propostas curriculares criativas; e quarto, a avaliação dessas práticas. Neste sentido, a abordagem social é imprescindível, pois o processo criativo implica mudanças no modo de ser, viver e relacionar-se socialmente de maneira reveladora e consciente, isso significa dizer que o ser humano, movido por ideários, organizou historicamente o desenvolvimento científico e social pela produção criativa. Ao fazer uma projeção futura da criatividade, Torre (2005, p. 39) destaca a inovação como elemento de um futuro sociocultural, com novos valores culturais. Pela inovação é possível conhecer e compartilhar novas ideias, pois “inovação é criatividade em ação compartilhada”. Essa capacidade de gestar o novo não se prende no presente, enxerga os avessos da vida e, sobretudo, projeta originalidade intencional. Não é possível exaurir o conceito de criatividade. Para Torre (2005, p. 45), “é mais fácil vivê-la que defini-la”. No entanto, para compreendê-la é preciso considerá-la em três dimensões: na dimensão da construção psicológica, na qual a criatividade é explicada pelos processos intrínsecos; na dimensão da consciência, ser criativo é se comprometer com a melhoria social, entregar-se sem reservas; na visão da interatividade, o importante é a interação entre o sujeito e o meio vivencial. A pessoa criativa se faz num processo no qual se conjuga a co- A escola de mãos dadas com as diferenças: Uma experiência de criatividade e colaboração no sul do tocantins 65 municação de novas ideias, a experimentação e resultados, consequentemente a aprendizagem é pedagógica, pois nas organizações há uma valorização da criatividade e uma preocupação em disseminar práticas inovadoras. E ao reportar para a educação implica relacionar conhecimento, afetividade e tomada de decisão: “assim, o criativo passará pelo conhecimento, pela atitude pessoal e pela ação” (TORRE, 2005, p. 138). As reflexões, numa perspectiva criativa para o processo de ensinar e aprender, focalizam uma metodologia que privilegie o diálogo na relação pedagógica, os conteúdos vivenciais em detrimento dos tradicionalmente estudados e a avaliação diagnóstica. Com efeito, o olhar precisa ser direcionado para ações educativas desenvolvidas em diferentes situações que busquem ressignificar a prática pedagógica pela resiliência, no sentido de pensar criatividade manifestada em situações adversas. Assim, o projeto curricular se sustenta a partir do que está oculto, ou seja, alimenta-se da intenção de um planejamento que oportunize ideias e estratégias criativas, no sentido de fecundar e cultivar ações criativas na escola. Diante do exposto, o conceito de criatividade é alargado. Aborda uma perspectiva diferenciada da tradicional conceituação cognitivista, pois o processo criativo se desenvolve a partir de uma situação problema sentida emocionalmente e que necessita encontrar saídas através do pensamento criativo coletivo. Na solidariedade individual, encontra-se arrimo para o grupo enfrentar um conjunto de fatores materiais e ideológicos que dificultam a convivência. Assim, as adversidades são mananciais de criatividade. Na educação escolar, a adversidade compreendida como canal criativo possibilita novos olhares para uma realidade aparentemente singular, considerando a multiplicidade de sentimentos e pensamentos mais importantes que o cumprimento da estrutura 66 Edna Maria Cruz Pinho, Elzimar Pereira Nascimento Ferraz, Maria José de Pinho, Luiza Oliveira Bringmann curricular. Na diversidade cultural da qual a escola está prenhe é possível incluir o excluído, dar visibilidade ao torpe e voz aos silenciados pela cultura dominante. Segundo Torre (2011, p. 63) “A adversidade e a diversidade relegada oferecem mais possibilidades de transformação na vida que o próprio êxito, porque permitem mergulhar no mais profundo de si, no próprio ser”. (TORRE, 2011, p. 63) Para o autor, o docente precisa atentar aos casos de marginalização e estimular o desenvolvimento de potenciais. No caso da discriminação racial é preciso converter desrespeito a pessoa humanaem postura ética de repúdio a qualquer tipo de discriminação. Tradicionalmente, concebe-se uma escola com um professor preocupado em dar uma boa aula, organizar o quadro, usar os recursos didáticos, enfim usar técnicas e métodos que são possíveis de serem adotados. Entretanto, a educação mudou o formato de gestão, e o acesso ao conhecimento, principalmente devido ao uso das novas tecnologias, através das quais o aluno adquire mais informações em casa que na escola. Em consequência disso, a função do professor também mudou. Portanto, uma escola, atualmente, pode se preocupar mais em mediar o conhecimento pela pedagogia de projetos que esgotar conteúdos tradicionais. A proposta de implantar uma metodologia de trabalho por projetos, dentre outros aspectos, promove o desenvolvimento da autonomia dos alunos, a construção de novos conhecimentos, com a análise e interpretação de conteúdos propostos através de diferentes produções. Além disso, provoca o estreitamento das relações interpessoais das turmas. Na perspectiva de trabalho com projeto interdisciplinar, adotada pela Escola Municipal Orlindo Pereira da Mota, a função da A escola de mãos dadas com as diferenças: Uma experiência de criatividade e colaboração no sul do tocantins 67 escola passa a ser a de orientar e articular os trabalhos dos alunos, observando e auxiliando-lhes a superar as dificuldades, pois o sucesso deles é o da escola também. Numa metodologia assim, o papel do professor é promover a autoestima, desenvolvendo um clima de respeito mútuo, incentivando a tomada de iniciativa e da criatividade. Com isso, há um grande envolvimento interpessoal para desenvolver alternativas de ensino exequíveis pela metodologia de Projetos. Ao pensar em Pedagogia de Projetos, focaliza-se um currículo que, contemplando a formação humana, conduza o trabalho pedagógico de uma maneira que os alunos possam expor sobre suas vidas, sua visão de mundo, sua compreensão e suas dúvidas sobre os fatos; enfim, um currículo que garanta a oportunidade da livre manifestação, favorecendo, assim, o desenvolvimento da autonomia. O currículo se concretiza nas produções dos alunos, nas relações estabelecidas com os conteúdos e nas práticas educacionais vividas pelos partícipes da formação. Ao trabalhar sobre a temática, os professores da escola abordada exercitaram a construção de um currículo que aproxima o processo de ensino e aprendizagem ideal do real e que fortalece a caminhada educacional rumo a uma convivência mais harmoniosa entre os sujeitos envolvidos no processo. Quanto à relação pedagógica, pode-se afirmar que a escola oferece meios pelos quais as relações se estabeleçam entre as pessoas. O aspecto institucional da escola estabelece as relações e o poder que delas emana. A felicidade de cada pessoa depende do grau de interação que consegue, numa tendência para a intercomunicação com os outros. Na medida em que a criança interage e dialoga com os membros mais maduros de sua cultura, aprende a usar a linguagem como instrumento de pensamento e como meio de comunicação. A qualidade do convívio escolar para 68 Edna Maria Cruz Pinho, Elzimar Pereira Nascimento Ferraz, Maria José de Pinho, Luiza Oliveira Bringmann a compreensão e valorização da dignidade se faz pela prática no cotidiano escolar. Em sala de aula, por exemplo, ao invés de incentivar a competição entre os alunos ou a sistemática comparação entre seus diversos desempenhos, é preferível fazer com que eles se ajudem mutuamente para terem sucessos na aprendizagem. A escola deve trabalhar as interrelações, proporcionando o desenvolvimento de uma boa autoestima, o sentimento de cooperação, ensinando a conviver em grupo e com as diferenças e, assim, contemplar a formação humana. Nessa direção, a equipe de professores da escola municipal optou pelo desafio de educar pela diferença e, ao mesmo tempo assimilar a Fonte: E.M.O.P.M união de culturas. O projeto Consciência Negra: “Dois Povos Unidos por uma só Cultura”, antes mesmo de atender a necessidade do dispositivo legal9 vivenciava situações problemáticas de preconceito racial demonstrado na convivência entre os alunos, casos de rejeição do próprio aluno pela cor escura e o cabelo afro. No decorrer da proposta a escola estabeleceu relações entre disciplinas específicas e a temática proposta, no sentido de valorizar saberes e sujeitos, colaborando para reduzir práticas preconceituosas entre os alunos. 9 A lei Nº 10.639/03 alterou a lei de diretrizes e bases (LDB) e instituiu as Diretrizes Curriculares para a sua execução e determina a obrigatoriedade do ensino da história da África e dos africanos no currículo escolar dos níveis de ensino: Fundamental e Médio. A LDB 9394/96 traz o seguinte texto “Art. 26-A. Nos estabelecimentos de ensino fundamental e médio, oficiais e particulares, torna-se obrigatório o ensino sobre História e Cultura Afro-Brasileira”. A escola de mãos dadas com as diferenças: Uma experiência de criatividade e colaboração no sul do tocantins 69 Há alunos afro -brasileiros que carecem de uma elevada autoestima, justamente por compararem suas características físicas com o padrão de beleza não-negra pré-estabelecido socialmente. Não reconhecem traços de beleza no tipo de cabelo, na cor da pele, na cor dos olhos, enfim, não assumem uma identidade afrodescendente. Discriminam-se uns aos outros, por acreditarem numa ideologia que os tornam inferiores muito mais pelos condicionanFonte: E.M.O.P.M tes físicos que materiais. Nesse contexto, o projeto se inicia discutindo a problemática com os alunos e culmina no dia da consciência negra, momento no qual acontecem exposições dos trabalhos realizados pelos alunos e suas apresentações como peça teatral, paródias, danças, acrósticos, jogral, poemas e poesias, desfile de moda, dança de capoeira, entre outros. Na produção do conhecimento, em todas as disciplinas, são trabalhados conteúdos referentes à temática: em língua portuguesa, no estudo da literatura afro-brasileira aborda-se a diversidade cultural; na história, o foco está nas dimensões sociais e culturais como 70 Edna Maria Cruz Pinho, Elzimar Pereira Nascimento Ferraz, Maria José de Pinho, Luiza Oliveira Bringmann meios para construir a noção de identidade afro-brasileira; na geografia, aspectos políticos e econômicos; no ensino religioso a crença específica de um povo; no inglês, o glossário comum usado em colônias africanas e no Brasil; a valorização das danças afro-brasileiras na educação artística; na ciência, a culinária afro-brasileira; e na matemática a produção de gráficos a partir de pesquisa de campo. A confiança da comunidade no trabalho da escola se concretiza em dois aspectos: pela interação entre equipe escolar e pela eficiência de profissionais qualificados; assim, é possível lidar com pontos fracos da escola. A Escola Municipal Orlindo Pereira da Mota é considerada uma escola criativa não só por trabalhar com paradigma emergente, mas pela própria identidade de fazer diferente; romper com o estabelecido e inovar em Fonte: E.M.O.P.M A escola de mãos dadas com as diferenças: Uma experiência de criatividade e colaboração no sul do tocantins 71 si mesma, buscando quebrar barreiras, enfrentar temores e buscar novas alternativas no diálogo e na reflexão. Busca também contribuir com um mundo melhor no cultivo de sentimentos da ética na vinculação sensível entre docentes, discentes e toda a comunidade escolar. Para La Torre (2012), o clima criativo de uma organização estimula o aparecimento de pessoas criativas. Nesse aspecto, a criatividade se torna, simultaneamente, causa e efeito. Entendida assim, possui características não só individuais, mas também das organizações, com potencial apropriado para o surgimento de novas ideias e para o desenvolvimento do trabalho colaborativo. Escolas criativas são, portanto, instituições que contribuem, estimulam e desenvolvem a criatividade por meio de metas colaborativas. Educam a partir da vida e para vida, porque tratam de problemáticas reais, priorizam o desenvolvimento da consciência, da humanização pessoal, social e ambiental. E, assim estimulam a “formação de pessoas resilientes, socialmente empreendedoras e criativas, capazes de transformar as situações adversas em oportunidades para o bem-estar da comunidade local e global” (TORRE e ZWIEREWICZ , 2012, p. 56). Esses resultados se tornaram bem visíveis na realidade da Escola Municipal Orlindo Pereira da Mota, uma vez que houve boa aceitabilidade por parte do corpo docente e discente em trabalhar a temática. Ao longo dos anos de trabalho com o projeto, os resultados extrapolaram os esperados, como apropriação de diversos saberes, além da conscientização sobre temas relevantes como legislação, tolerância, direitos e deveres, desenvolvimento de valores humanos e aquisição de novas aprendizagens. A partir de reflexões e debates sobre outras culturas se iniciou uma valorização das diversidades culturais, evidenciada pela mudança de comportamen- 72 Edna Maria Cruz Pinho, Elzimar Pereira Nascimento Ferraz, Maria José de Pinho, Luiza Oliveira Bringmann to dos alunos que manifestaram atitudes de solidariedade, sem preconceito e discriminação em relação às pessoas negras. CONSIDERAÇÕES FINAIS As interlocuções e os diálogos estabelecidos para socializar a experiência pedagógica vivida pela Escola Orlindo Pereira da Mota, com o projeto “Educando pela diferença para a diversidade cultural afro-brasileira: Dois Povos Unidos por uma Cultura”, mostraram que, na escola, valores sociais e morais podem ser reforçados e que de forma semelhante, os preconceitos podem ser perpetuados. Um dos grandes desafios é garantir o direito ao diferente, evidenciando que se as diferenças forem asseguradas a escola se torna espaço em potencial para a construção de uma sociedade mais igualitária, sem preconceito nem discriminação. São atitudes e iniciativas que dificilmente irão fazer parte de ambientes de aprendizagem e de práticas pedagógicas mais tradicionais, que limitam o potencial criativo e se engessam em forma de pensar e de agir compartimentadas e reducionistas. Pelo contrário, só um pensamento antirreducionista pode conviver com a diferença e com a diversidade (MORIN, 1996). As práticas realizadas de forma colaborativas possibilitam ao grupo aprendizagens mais significativas porque refletem o amadurecimento e a consciência do grupo em relação ao problema trabalhado. Para Moraes (2004), um ambiente de convivência agradável, amoroso e não competitivo gera a aceitação do outro e pressupõe a criação de circunstâncias que potencializam a capacidade de ação e reflexão do sujeito aprendiz. A iniciativa da Escola Municipal Orlindo Pereira da Mota evidencia a possibilidade de desconstruir um planejamento anacrônico e construí-lo coletivamente de modo a valorizar a capacidade in- A escola de mãos dadas com as diferenças: Uma experiência de criatividade e colaboração no sul do tocantins 73 telectual da equipe escolar e promover oportunidades para o diálogo e discussão, de forma coletiva, criativa e inovadora. Essa prática criativa se revela ao dar sentido à prática pedagógica e visibilidade aos sujeitos da escola, à medida que assumiram o compromisso de atuar na resolução da problemática diagnosticada e se tornaram atores e autores do processo ensino eaprendizagem. Ao assumir a cultura de colaboração, a escola potencializou o seu desenvolvimento de dentro para fora, buscando novas formas para implementar mudanças que proporcionaram aprendizagens compartilhadas entre professores e alunos, por meio da implementação do projeto interdisciplinar, gerando assim um ambiente facilitador da criatividade. É notório que a experiência apresentada pela escola e os métodos aplicados abrem um leque de possibilidades para o aluno se sentir capaz de realizar algo. Abre-se a oportunidade para promover o diálogo, a discussão; enfim, a comunicação no processo de ensino e aprendizagem. As iniciativas para utilizar métodos, através dos quais são propostos problemas, polêmicas, inquirições diversas, no sentido de o aluno pensar sobre questões sociais, tornar-se-ão corriqueiras na medida em que a escola incorporá-las no currículo como vivência. O processo de ensino e aprendizagem é um espetáculo maravilhoso, no qual os protagonistas, alunos e professores, desempenham o papel de incessantes desafiadores, ao construírem uma pedagogia baseada na esperança de acontecer uma educação escolar congruente com os anseios da moderna sociedade, sendo valorizado e reconhecido o material humano que a compõe. Nessa perspectiva de educação, espera-se que o ser humano venha ser respeitado na condição de autor de sua própria história. Nesse sentido, a prática pedagógica do trabalho em equipe re- 74 Edna Maria Cruz Pinho, Elzimar Pereira Nascimento Ferraz, Maria José de Pinho, Luiza Oliveira Bringmann velou uma ação criativa essencial no desenrolar do processo de ensinar e aprender. Tem-se ciência de que a criatividade não é um dom, mas uma habilidade a ser desenvolvida por todos e só flui se tiver vazante, se exercitada no pensamento divergente e se formos desafiados ao improviso. Portanto, cabe a escola proporcionar aos alunos novas experiências pautadas no uso de atividades desafiadoras que promovam a ruptura com o pensamento linear e reducionista. Além disso, a criatividade faz parte do nosso cotidiano, e o potencial criativo é desenvolvido ao longo da nossa existência. Nesse contexto, a prática pedagógica exige aplicação de atividades envolventes e desafiadoras, contemplando maneiras diferentes de propor algo. Foi no exercício de refletir sobre novas ideias e novas expectativas que a Escola Municipal Orlindo Pereira Mota enfrentou desafios possíveis de concretização de um novo fazer pedagógico e se tornou uma escola de destaque na rede municipal, pelo aproveitamento no rendimento dos alunos apontados em 86,25% no ensino do 6º ao 9º anos e de 95,6 % no ensino de do 1º ao 5º anos (dados de 2013)10, por sua prática em projetos interdisciplinares a partir do diagnóstico dos pontos fracos a serem superados, pelo trabalho desenvolvido em equipe e pela execução de ações bem sucedidas. À guisa de conclusão, pode se dizer que muitas outras reflexões e contribuições emergem acerca do estudo sobre as diferentes nuances do trabalho da escola, tendo a valorização humana como preocupação primeira, pois mais importante que a consciência de cor é a conciência do humano. Assim, ao pensar na questão da desigualdade racial como uma situação-problema, os membros da Escola Orlindo Pereira da Mota fizeram da escola um local efetivo de aprendizagem, configurando-a como um sistema aberto, adaptati10 Dados obtidos no mapa de notas e aproveitamento da secretaria da Escola Orlindo Pereira Mota. A escola de mãos dadas com as diferenças: Uma experiência de criatividade e colaboração no sul do tocantins 75 vo, interativo, no qual todos juntos, gestores, professores e alunos vivenciaram conceitos equivocados, repensaram novos conceitos, administraram vínculos emocionais e afetivos, e estimularam manifestações criativas, espírito de liberdade e igualdade na comunidade escolar. REFERÊNCIAS ANTUNES, Celso. Um método para o ensino fundamental: o projeto. 4 ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2001. CASTILHO, Ela Wiecko V. O papel da escola para a educação inclusiva. 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Uma escola para o século XXI: escolas criativas e resiliências na educação. Florianópolis/SC, Editora Insular, 2009. 77 O olhar transdisciplinar para a educação física escolar João Henrique Suanno1 Marcos Vinícius Guimarães de Paula2 Victor Hugo de Paiva Arantes3 Introdução O presente texto se configura como um ensaio teórico, balizado pelas discussões inerentes à educação, à escola e à Educação Física Escolar. O objetivo proposto é de refletir e discutir acerca de algumas questões emergentes da escola do século XXI, como por exemplo: a superação do modelo tradicional de aulas, a qual tem mostrado um papel contrário ao de uma escola preocupada também na formação humana dos sujeitos, sendo estes capazes de agir conscientemente no mundo sobre o olhar do respeito aos aspectos ambientais, além da diversidade cultural, práticas criativas entre outros. Reflete, ainda, sobre a teoria da transdisciplinaridade e seus caminhos propostos para a educação, para a escola e para a vida e as suas relações com a prática de uma Educação Física criativa e inovadora na prática docente como elemento motivador de movimentos e de envolvimento dos alunos com a disciplina e com as práticas esportivas. Aponta a necessidade e a importância da criatividade e da ecoformação no espaço da escola, contribuindo juntamente com os princípios transdisciplinares, para a formação de 1 Pós-Doutor em Educação. Vice-coordenador do Mestrado Interdisciplinar em Educação, Linguagem e Tecnologias-UEG/GO. Professor produtividade da Universidade Estadual de Goiás-UEG. Orientador dos mestrandos Marcos Vinícius Guimarães de Paula e Victor Hugo Arantes de Paiva. 2 Aluno regular da terceira turma do Mestrado Interdisciplinar em Educação, Linguagem e Tecnologias da Universidade Estadual de Goiás/ UEG. 3 Aluno regular da quarta turma do Mestrado Interdisciplinar em Educação, Linguagem e Tecnologias da Universidade Estadual de Goiás/ UEG. 78 João Henrique Suanno, Marcos Vinícius Guimarães de Paula, Victor Hugo de Paiva Arantes seres humanizados, críticos, reflexivos e conscientes de suas ações. Discute, também, a disciplina de Educação Física Escolar sob a ótica da transdisciplinaridade, problematizando a postura do professor e algumas possibilidades de intervenção pedagógica nessa disciplina. Uma vez que a prática pedagógica da Educação Física no âmbito escolar apresenta raízes fortes no modelo de aula tradicional e mecânico, e na pretensão de refletir sobre possibilidades teórico-práticas de superação dessa lógica, procurando contribuir para práticas profissionais docentes da Educação Física. A proposta desse capítulo parte da transdisciplinaridade como meio possível na busca do estabelecimento de diálogos com o campo da educação, da instituição escolar como meio social, com a prática docente da Educação Física e também com a vida. Vincula, ainda, a criatividade e a ecoformação como fatores fundamentais para a construção de uma sociedade cada dia melhor, formado por seres humanos conscientes de suas ações pessoais e sociais, destacando os reflexos dessas ações para a vida planetária. Para essa discussão, procurou-se fundamentar nos pensamentos de Morin (2000), Nicolescu (2005), Zwierewicz (2013), Moraes (2008), Suanno, M.V.R. (2013, 2014) e Suanno, J.H. (2013a, 2013b, 2013c, 2014a, 2014b). A respeito da ecoformação, as ideias de Suanno, J.H. foram essenciais para discussão, bem como as leituras de Torre (2008, 2013) foram cruciais para a problematização acerca da criatividade. Além disso, objetivando estabelecer relações entre a transdiciplinaridade e a Educação Física Escolar foram consultadas as obras de Orlick (1989), Coletivo de autores (1992), Soler (2006), dentre outros. Transdisciplinaridade, ecoformação e criatividade: novos caminhos para a educação, a escola e a vida Para se pensar a instituição escola nos princípios e fundamentos da criatividade e da inovação, faz-se necessário destacar o pensamento de Zwierewicz (2013), quando problematiza ques- O olhar transdisciplinar para a educação física escolar 79 tões relacionadas aos valores humanos, à solidariedade, ao meio ambiente, e demais aspectos que refletem uma escola do século XXI conectada com a vida e para vida. Assim, é necessário reinventar a educação, ou no mínimo, repensá-la. Nesse sentido, acredita-se que pensar a educação escolar do ponto de vista da transdisciplinaridade, da ecoformação e da criatividade é uma possibilidade de contribuir para uma escola que humaniza, potencializa valores e virtudes, e contribui para a formação de seres críticos, sensíveis e conscientes de sua história e de sua contribuição para a vida no e do planeta. A vinculação da escola na formação de um cidadão consciente de sua participação no mundo em que vive continua em pauta. A consciência ecoformadora, transdisciplinar e criativa são suportes para ações, intervenções e transformações pessoais, sociais e planetárias baseadas na ética e na corresponsabilidade, na construção de um presente que interferirá, consideravelmente, na organização de dias melhores, mais generosos e agradáveis para as gerações futuras (SUANNO, 2014, p. 180). Cabe problematizar que a escola foi, e muitas vezes ainda é, pensada no viés lógico e racional, com as disciplinas organizadas sem conexão umas com as outras, visando o acúmulo passivo de conteúdos. Assim, a afetividade, a sensibilidade e a emoção, acabam ficando desvalorizadoas no âmbito escolar, mesmo se tratando de conteúdos planejados para as disciplinas, mas não vivenciados no dia a dia das relações humanas entre os alunos, os professores, a coordenação e a direção, e de todos entre si. Contudo, estudiosos como Torre (2013), Morin (2000), Moraes (2008), Suanno, J.H. (2013, 2014), Suanno, M.V.R. (2014), Zwieremicz (2013) têm se dedicado a propor um olhar diferenciado para a escola, pautado na criatividade para “reencantar a educação ao fundir pensamento, emoção, ação e transcendência” (ZWIEREMICZ, 2013, p. 13). Compreende-se assim, a necessidade de se discutir a educação escolar de forma que a razão e a emoção sejam parceiras de 80 João Henrique Suanno, Marcos Vinícius Guimarães de Paula, Victor Hugo de Paiva Arantes conteúdos vivenciados, sentimentos e pensamentos, numa visão do ser humano como ser integral e complexo, formado indissociavelmente por corpo e mente. A escola não pode se esquecer que razão e emoção não se distanciam, mas se relacionam intrinsecamente. Uma educação viável só pode ser uma educação integral do ser humano. Uma educação que se dirija à totalidade aberta do ser humano e não apenas a um de seus componentes (...) não podemos privilegiar a inteligência do homem em relação a sua sensibilidade e ao seu corpo (...) Precisamos ajudar a construir seres em permanente questionamento e em permanente integração (NICOLESCU, 2005, p. 206-207). Nesse sentido, aponta-se a transdisciplinaridade e seu olhar sensível para a escola, o ser humano e o planeta, como uma possível via de mudança. Entretanto, é necessário compreender primeiramente que a transdisciplinaridade difere de outros conceitos relevantes como a disciplinaridade, a pluridisciplinaridade, a multidisciplinaridade e a interdisciplinaridade. De acordo com Fazenda (1979), a disciplinaridade consiste na organização do processo de ensino em disciplinas que tratam de conhecimentos especializados, representando fragmentos da realidade. É o que comumente acontece em muitas escolas, nas quais o currículo escolar está organizado com as disciplinas desarticuladas, cada uma com seu saber específico, sem estabelecer conexões com os demais conhecimentos. A respeito da multi e da pluridisciplinaridade, aponta-se que a primeira refere-se a “justaposição de disciplinas diversas desprovidas de relação aparente entre elas” (FAZENDA, 1979, p. 27), enquanto que a segunda é a “justaposição de disciplinas mais ou menos vizinhas nos domínios do conhecimento” (FAZENDA, 1979, p. 27). Assim, vê-se que a pluridisciplinaridade consiste em um espaço formado por várias disciplinas que estabelecem alguma relação entre si, diferentemente da multidisciplinaridade, que não apresenta elo entre as disciplinas. O olhar transdisciplinar para a educação física escolar 81 No que tange à interdisciplinaridade, pode-se dizer que corresponde a “interação entre duas ou mais disciplinas na busca da superação da fragmentação das disciplinas” (SUANNO, M.V.R., 2014, p. 100). Nesse sentido, a interdisciplinaridade trata da inter-relação das disciplinas do currículo, objetivando conectar os saberes. A interdisciplinaridade está na: Coordenação, cooperação e integração entre disciplinas, suas especificidades e seus domínios lingüísticos, acerca de uma temática em comum que demanda diálogo, abertura e atitude colaborativa dos sujeitos no ato de investigar e conhecer juntos. Cada sujeito precisa ter domínio profundo da sua disciplina de estudo para que possa contribuir na construção de um olhar interdisciplinar sobre a temática investigada (SUANNO, M.V.R., 2014, p. 101). Entende-se que a interdisciplinaridade é um processo metodológico importante para a compreensão do conhecimento e das possíveis relações com a realidade objetiva. Pois, tem como objetivo a integração entre os saberes, ou seja, “num horizonte mais distante, ela espera alcançar a unidade do saber, isto é, pela fusão disciplinar, fazer desaparecer a própria disciplinaridade” (VEIGA-NETO, 2003, p. 66). Já a transdisciplinaridade, foco desse trabalho, é entendida como “ao que está ao mesmo tempo entre as disciplinas, através das diferentes disciplinas e além de toda a disciplinas” (NICOLESCU, 1997, p. 5). Assim, a transdisciplinaridade é a soma dos espaços das disciplinas, para se ir além delas, com a finalidade de uma postura humanizada diante da vida, por meio de novos níveis de realidade e de consciência. É na verdade, portanto, um caminho para a vida. A transdisciplinaridade não constitui nem uma nova religião, nem uma nova filosofia, nem uma nova uma metafísica, nem uma ciência das ciências (...). Nem tem a pretensão de ser a única ou a melhor forma de compreender a realidade, mas se apresenta como uma outra possibilidade, uma outra via de compreensão e de transformação da realidade (SUANNO, 2014, p. 121) 82 João Henrique Suanno, Marcos Vinícius Guimarães de Paula, Victor Hugo de Paiva Arantes O termo transdisciplinaridade, segundo Suanno (2014) apresenta a reflexão sobre conhecimentos que priorizem o diálogo entre as Ciências Humanas, Ciências Sociais, Filosofia, cultura e literatura, capaz de potencializar a compreensão humana de perceber e transformar a realidade social. Sendo, a transdisciplinaridade “um modo de conhecer e de produzir conhecimento, que religue conhecimentos entre, através e além das disciplinas, em uma perspectiva multirreferencial e multidimensional” (SUANNO, M.V.R., 2014, p. 121). De acordo com Fazenda (2008), o termo transdisciplinaridade está ligado ao diálogo transdisciplinar entre as relações feitas às questões da complexidade, eco-formação, auto-formação e heteroformação. Nesse intuito, a transdisciplinaridade pode ser evidenciada como a soma dos espaços das disciplinas, indo além, com a finalidade de uma postura humanizada diante da vida, por meio de novos níveis de realidade e de consciência. Assim, os ensinamentos transdisciplinares demonstram uma preocupação com o respeito à diferença, a cultura da paz, o olhar sensível para o outro, a consciência de pertencimento ao planeta, dentre outros aspectos que corroboram para a formação de um mundo melhor para todos. A esse respeito, Suanno, J. H. (2013) aponta: O olhar transdisciplinar é uma nova maneira de pensar, de sentir, de perceber a realidade e interagir que se projeta na vida pessoal, profissional e social, por isso que essa religação ecológica entre o indivíduo, a sociedade e a natureza têm suas consequências em uma cidadania planetária constituída por seres humanos dotados de direitos e liberdades. Práticas transdisciplinares baseadas no respeito, na convivência, na conservação dos meios naturais, na melhoria das condições de vida, no consumo consciente e na produção que não menospreze os direitos humanos, nem o bem- estar psicossocial da pessoa se fazem fundamentais na realidade atual social, institucional e educacional. Suanno, J. H. (2013, p. 68) O olhar transdisciplinar para a educação física escolar 83 É com esse olhar que se percebe uma escola que ensina os saberes construídos histórica e culturalmente, mas que não negligencia a sua função de humanizar o humano. A escola precisa ser um espaço prazeroso de convivência e de aprendizagem criativa, porém, muitas vezes, esmaga a criatividade com práticas pedagógicas desinteressantes e enfadonhas. O fazer criativo que deveria ser potencializado pela escola acaba por ser esvaziado por ela mesma. Assim, a escola, como importante papel de formar um cidadão que seja capaz de contribuir positivamente com a sociedade, deve rejeitar tal organização mecânica, que só tem atrofiado a capacidade do alunado ser criativo. Na contramão dessa realidade, a instituição escolar deve compreender os caminhos a serem ensinados aos sujeitos, de tal maneira, que os próprios indivíduos saibam utilizar, da melhor maneira, os vários conhecimentos já construídos em prol de uma sociedade justa, harmoniosa e pensante (SUANNO, J.H., 2013). Nesse caminho, destaca-se o movimento das escolas criativas e a Rede Internacional de Escolas Criativas (RIEC) com seu pensamento de estimular a criatividade como valor e de polinizar suas ideias nutritivas, destacando: - a escola como organização viva que aprende e se transforma; - a criatividade como consciência e valor com energia transformadora; - os valores e o desenvolvimento humano como referenciais, frente ao discurso do desenvolvimento acadêmico tão estendido; - o pensamento complexo e a transdisciplinaridade superando a endêmica fragmentação do conhecimento (TORRE, 2013, p. 160). Sendo assim, vale refletir a criatividade como bem social que pode permear a escola possibilitando um espaço de aprendizagens significativas. Para isso, remete-se ao conceito de Torre apud Suanno, J.H. (2013), ao apontar que a criatividade é parte do ser humano 84 João Henrique Suanno, Marcos Vinícius Guimarães de Paula, Victor Hugo de Paiva Arantes como atributo substantivo e se projeta em todas as ideias originais, soluções divergentes ou contribuições. O fazer pedagógico que utiliza a criatividade como recurso, estimula a criação e a autoria dos educandos e a efetiva construção do conhecimento, não por meio da assimilação passiva por parte do aprendente, mas por meio da construção criativa ativa do seu próprio conhecimento. Ensinar criativamente possibilita um aprender verdadeiro e repleto de sentido e significado, já que a criatividade como recurso, requer autonomia de enfrentamento das próprias dificuldades com vistas às suas superações. Para isso “as escolas devem reconhecer-se como ambiente privilegiado para o desenvolvimento da criatividade, no entanto, o que se vê é o pouco incentivo à criatividade docente” (SUANNO, 2013, p. 147). Vale ressaltar, que estratégias pedagógicas criativas podem corroborar significativamente para uma educação escolar menos cansativa, e sim, muito mais estimulante. Ao pensar o fazer criativo na escola, pode-se atingir bons resultados em relação ao processo de ensino e de aprendizagem. Sobre a relação escola e criatividade, destaca se que: É também fundamental pesquisar o papel da escola e do contexto educacional no desenvolvimento de uma aprendizagem criativa de seus alunos e na formação de pessoas criativas e inovadoras, auxiliando na formação da consciência e na construção de conceitos, reconhecendo sua provisoriedade na construção de valores que privilegiem a ética para que os alunos possam se tornar adultos críticos e participativos na construção de um mundo melhor. Alunos capazes de atender à demanda pessoal, social e ambiental de forma equilibrada, respeitando os espaços e as pessoas (SUANNO, J.H., 2013, p. 156). Dessa maneira, é relevante problematizar a sustentabilidade e a preocupação com o planeta em que habitamos. Destaca-se ain- O olhar transdisciplinar para a educação física escolar 85 da a ecoformação como a construção de um olhar que contribua para a formação de um cidadão consciente de suas ações para com o outro, com a comunidade a qual faz parte, consigo mesmo, com o mundo, bem como um cidadão afetivo, atuante, crítico, protagonista social, ou seja, com consciência ecoformadora (SUANNO, 2014). Sobre essa temática, entende-se a ecoformação como: Uma maneira sintética, integradora e sustentável de entender a ação formativa, sempre em relação com o sujeito, a sociedade e a natureza. O caráter de sustentabilidade só é possível quando se estabelecem relações entre todos os elementos humanos. A partir do enfoque transdisciplinar a entendemos como um olhar diferente da realidade e seus diversos níveis. A ecoformação comporta, entre outras, as seguintes características: a) vínculos interativos com o entorno natural e social, pessoal e transpessoal. b) desenvolvimento humano a partir e para a vida, em todos seus âmbitos e manifestações de maneira sustentável. A sustentabilidade é um objetivo substantivo da ecopedagogia, ecoprojeto, ecoavalição, ecossistemas. c) caráter sistêmico e relacional que nos permite entender a formação como redes de relações e campos de aprendizagem. d) caráter flexível e integrador das aprendizagens, tanto pela sua origem multidimensional e interdisciplinar, como pelo seu poder polinizador. e) primazia de princípios e valores meio ambientais que tomam a Terra como um ser vivo de onde convergem os elementos da natureza (TORRE, PUJOL & MORAES, 2008, p. 60-61). Nessa direção, a ecoformação objetiva a compreensão por parte do indivíduo de que ele ao mesmo tempo em que está integrado ao planeta, também é corresponsável por ele. Dessa forma, almeja despertar a consciência planetária do ser humano, potencializando o sentimento de pertencimento a nossa Terra-Pátria (MORIN, 2000). Vale destacar a importância da escola em trabalhar na perspectiva da ecoformação, uma vez que a escola do século XXI, conectada com a vida e com o planeta, é solo fértil para germinar a consciência e a identidade planetária. Assim, a escola enquanto instituição social tem a possibilidade de ecoformar. 86 João Henrique Suanno, Marcos Vinícius Guimarães de Paula, Victor Hugo de Paiva Arantes Ecoformar é buscar promover, construir a educação para um desenvolvimento sustentável associada a uma educação da solidariedade, do compromisso com o planeta e todos seus habitantes. Desenvolvendo uma educação ambiental, também atenta aos direitos humanos e à paz. Uma educação que promova interações entre o ambiente, o progresso social e o desenvolvimento econômico (SUANNO, J.H., 2014, p. 175). Além desse viés ambiental e planetário, a ecoformação busca potencializar valores humanos necessários à vida como a cultura da paz, a solidariedade, a cooperação, o respeito, a diversidade, dentre outros aspectos que podem trazer resultados e impactos positivos no seio escolar e na família e, consequentemente, na sociedade, trazendo melhor qualidade de vida a todos. Transdisciplinaridade e educação física escolar A Educação Física Escolar como componente curricular tem muito a contribuir na formação humanística do ser. E assim, propõe-se uma análise dessa área do conhecimento sob o olhar transdisciplinar, ecoformador e criativo. De acordo com Soares (2001), a Educação Física no Brasil foi influenciada pelas instituições médicas e militares. Visto que, em diferentes momentos, estas instituições definem o caminho da Educação Física, delineando e delimitando seu campo de conhecimento, sendo um importante instrumento de ação e intervenção na realidade educacional e social. O discurso médico higienista nos auxilia na compreensão de uma Educação Física como sinônimo de saúde física e mental, como promotora de saúde, como regeneradora da raça, das virtudes e da moral. A visão que se tinha do corpo é que era fragmentado, robotizado e adestrado. Corpo e máquina não se distinguiam, destaca Bracht ao afirmar que, O corpo aqui é igualado a uma estrutura mecânica – a visão me- O olhar transdisciplinar para a educação física escolar 87 canicista do mundo é aplicada ao corpo e seu funcionamento. O corpo não pensa, é pensando, o que é igual a analisado (literalmente, “lise”) pela racionalidade científica. Ciência é controle da natureza e, portanto, da nossa natureza corporal. A ciência fornece os elementos que permitirão um controle eficiente sobre o corpo e um aumento de sua eficiência mecânica (BRACHT, 1999, p. 73). De acordo com Coletivo de Autores (1992), com o passar do tempo, principalmente nas décadas de 70 e 80, quando surgem os movimentos “renovadores” na Educação Física, o enfoque biológico sobre ela passou a ser questionado no campo acadêmico, destacando a ideia de uma Educação Física crítica e reflexiva. Até então, O corpo era somente visto como conjunto de ossos e músculos e não como expressão da cultura; o esporte era apenas passatempo ou atividade que visava ao rendimento atlético e não fenômeno político; a educação física era vista como área exclusivamente biológica e não como uma área que pode ser explicada pelas ciências humanas (DAOLIO, 2007, p. 02). Portanto, pode-se verificar que a subjetividade do sujeito, suas emoções, sua criatividade, sua consciência, sua cultura, sua história, eram esquecidas em exercícios disciplinares que transformavam os seres humanos em verdadeiras máquinas. Sendo assim, acredita-se que a Educação Física Escolar também deva ser repensada. Ora, essa área possui uma gama de conteúdos importantes para a vida, que podem contemplar uma formação humanizada. Desse modo, sabe-se que a Educação Física é um componente curricular obrigatório no âmbito escolar. Então, por meio da Educação Física escolar é possível articular conteúdos da área com uma formação humana preocupada com o agir crítico e consciente da realidade social atual. É necessário refletir os conhecimentos dessa prática pedagógica a partir dos princípios da transdisciplinaridade. É com essa intenção é que este trabalho aborda de forma su- 88 João Henrique Suanno, Marcos Vinícius Guimarães de Paula, Victor Hugo de Paiva Arantes cinta algumas possibilidades de intervenção pedagógica na Educação Física Escolar sob a ótica transdisciplinar, destacando a postura do professor transdisciplinar, alguns conteúdos que podem ser trabalhados nessa disciplina e o uso das TICs (tecnologias da informação e da comunicação). O professor de educação física transdisciplinar Acredita-se que para desenvolver uma prática pedagógica transdisciplinar deve-se ter como foco a própria vida. A teoria da transdisciplinaridade propõe um olhar sensível, humano e consciente para a escola, para a educação, para as práticas pedagógicas, para as relações interpessoais, destacando-se a relação humano e humano e, entre elas, a relação professor e aluno. Dessa maneira, o professor transdisciplinar deve acreditar no seu trabalho, como significativo para a comunidade da qual faz parte, bem como que tem uma relevante contribuição a dar com sua práxis transdisciplinar, como propõe Suanno, M.V.S. (2014). O educador precisar ter em mente que seu dia a dia na escola, desde a sua postura perante a vida e o meio ambiente, além de sua forma de se comportar nas relações interpessoais, até mesmo sua didática em sala de aula e a forma de propor as atividades aos alunos, correspondem a um posicionamento perante a vida e ao planeta. Assim, a afetividade na relação professor-aluno é aspecto que merece destaque, uma vez que se acredita que essa relação deve ser prazerosa, respeitosa, humana e dialógica, potencializando o processo de ensino-aprendizagem, pois permite que as partes envolvidas nessa relação sintam-se à vontade para conviver, questionar, refletir e construir o conhecimento juntos. Em contrapartida, um clima hostil, no qual o professor é distante do aluno, se posicionando em uma cadeia hierárquica superior ao educando, acaba por escurecer a alegria do encontro entre essas partes. Com base nos estudos de Fernandez (1991), Dantas (1992), Snyders (1993), Freire (1994) e outros, os autores Gazoli & Leite O olhar transdisciplinar para a educação física escolar 89 (2011) problematizam a importância da afetividade no campo da prática pedagógica, apontado-a como fundamental. Eles afirmam que o afeto é: Indispensável na atividade de ensinar, partindo do pressuposto de que a relação entre ensino e aprendizagem também é movida pelo desejo e pela paixão. Acreditam que as condições afetivas são passíveis de identificação e previsão e devem ser pensadas de forma a criarem-se condições afetivas favoráveis que facilitem a aprendizagem (GAZOLI & LEITE, 2001, p. 05). Nessa perspectiva, além da afetividade, faz-se necessário pensar outras atitudes do professor transdisciplinar. Segundo Moraes (2010) algumas características, que serão destacadas a seguir, devem necessariamente estar presentes na metodologia do docente transdisciplinar. A abertura possibilita a reflexão em grupo e a participação do outro no processo de construção dos saberes. Assim, o professor já não é mais o único detentor dos saberes, mas assim como o aluno, é parte do processo. Além disso, a abertura permite o enriquecimento do processo ensino-aprendizagem, pois cada um oferece ao grupo o seu conhecimento prévio, suas considerações e sua cultura. Outra característica apontada por Moraes (2010) corresponde à contextualização. Para a autora, nada tem sentido sem um contexto. Dessa maneira, compreende-se a necessidade da prática pedagógica ser contextualizada, isto é, que possibilite um diálogo com a vida e com o cotidiano do aluno, destacando seu bairro, sua cidade, seus hábitos e sua família, para que assim o conhecimento não seja vazio, mas tenha sentido e significado. Acrescenta-se, segundo Moraes (2010), a ética como importante categoria da prática pedagógica transdisciplinar, destacando a ética centrada na diversidade, na solidariedade, na responsabilidade e no respeito com os outros. A ecologia da ação é outra característica que merece espaço 90 João Henrique Suanno, Marcos Vinícius Guimarães de Paula, Victor Hugo de Paiva Arantes de discussão, pois o professor que a possui é um ser humano consciente de seus pensamentos, seus sentimentos, suas escolhas e suas ações para com o outro, consigo mesmo, com a sua comunidade e com o planeta. O educador transdisciplinar pode e deve discutir a ecologia da ação com seu aluno, objetivando contribuir para que esses sejam atores sociais conscientes. Além disso, conforme Moraes (2010), o diálogo é de suma importância, uma vez que valoriza o saber de todos, colocando cada ser do grupo em espaço de igualdade para a exposição de suas reflexões e construções, no qual a voz de cada um é ouvida. O diálogo permite que o professor transdisciplinar valorize a subjetividade e a autonomia do aprendente, características também apontadas por Moraes (2010). Vale pontuar que as características aqui discutidas são destinadas a todos os docentes, e não somente aos professores de Educação Física, afinal todos são educadores. Em seguida, se problematizarão alguns aspectos específicos da disciplina de Educação Física a partir de uma visão transdisciplinar. Algumas propostas para a educação física escolar à luz da transdisciplinaridade Uma abordagem que em outros momentos seja interessante ampliar sua proposta pedagógica para escola é a obra de um Coletivo de Autores (1992), intitulada como “Metodologia do Ensino de Educação Física”, publicada no ano de 1992, a qual aponta uma proposição metodológica chamada de abordagem Crítico Superadora. A abordagem Crítico Superadora, considerada propositiva por considerar que a prática da Educação Física no âmbito escolar deve ter uma intencionalidade pedagógica, a de ser capaz de participar na formação social do ser humano. Nesta, o objetivo é desenvolver uma reflexão sobre a cultura corporal, ou seja, realizar ações pedagógicas sobre o grande acervo de manifestações culturais presentes no mundo, exteriorizados “pela expressão corporal: jogos, danças, O olhar transdisciplinar para a educação física escolar 91 lutas, exercícios ginásticos, esporte, malabarismo, contorcionismo, mímica e outros” (COLETIVO DE AUTORES, 1992, p. 38). Nesse sentido a Educação Física é vista como uma disciplina que trata do jogo, da ginástica, do esporte, da capoeira, da dança sendo elementos da cultura corporal. Assim, compreende a sistematização do ensinar, não em uma ótica apenas de transferência de conhecimentos rígidos, mas visa proporcionar aos alunos um entendimento crítico e reflexivo sobre o que estão assimilando, valorizando a contextualização dos fatos da realidade e do resgate histórico (COLETIVO DE AUTORES, 1992). Outra intenção pedagógica relevante para o enredo são os jogos cooperativos, os quais se apresentam como uma interessante proposta de conteúdo a ser trabalhada na Educação Física Escolar, por possibilitar um exercício de convivência, no qual todos são importantes para a atividade, sendo valorizada a diferença de cada um. Um diferencial da pedagogia dos jogos cooperativos consiste na proposta alternativa à competição exacerbada, que tanto marca o campo da Educação Física. Já se tornou comum pensar que vencer o outro é a única fonte de prazer e ludicidade. Nesse sentido, os jogos cooperativos possibilitam o olhar sensível para o outro e o trabalho com a empatia, que possibilita que o aluno se coloque no lugar do outro, percebendo-o e valorizando-o. Assim, a proposta da cooperação é que o grupo de alunos vença um determinado desafio juntos, diferentemente da lógica da competição, que sempre produz dois grupos: os vencedores e os perdedores. Na cooperação, a proposta é transdisciplinar, na qual o prazer em vivenciar um jogo está em jogar “com” o outro e não “contra” o outro. Essa práxis transdisciplinar na Educação Física Escolar, permite que cada aluno dê a sua contribuição ao grupo, marcado pela diversidade. Assim, outros aspectos importantes como o respeito e a diversidade são também evidenciados no jogar cooperativo. Dessa forma, os jogos cooperativos consolidam uma proposta pedagógica-metodológica de mudança, repensando as relações 92 João Henrique Suanno, Marcos Vinícius Guimarães de Paula, Victor Hugo de Paiva Arantes humanas. O professor de educação física transdisciplinar precisa compreender, de acordo com Orlick (1989, p. 14) que deve-se: Trabalhar para mudar o sistema de valores, de modo que as pessoas controlem seus próprios comportamentos e comecem a se considerar membros cooperativos da família humana (...) Talvez, se alguns dos adultos mais destruidores de hoje, tivessem sido, quando crianças, expostos ao afeto, à aceitação e valores humanos, o que tento promover através dos jogos e esportes cooperativos, teriam crescido em outra direção. O jogo cooperativo, como exercício de convivência, possibilita a socialização e o trabalho em grupo, no qual o aluno “se habitua a considerar o ponto de vista de outrem, e sair de seu egocentrismo original. O jogo é atividade de grupo” (CHATEAU, 1987, p. 126). Além disso, transmite os princípios da cultura da paz, da não violência e da não guerra, permitindo assim que os valores humanos sejam polinizados e reverberados, contribuindo para que os seres humanos vivam em espaço harmonioso e entendam a importância de conviver. A ecoformação encontra na Educação Física Escolar uma aliada, podendo discutir com os alunos quanto à escassez da água do nosso planeta, a importância de cada um no estabelecimento das relações interpessoais, a preocupação da manutenção de um espaço de convivência adequado à construção da paz e da harmonia de um para com o outro entre outros aspectos. Verifica-se assim que o dia a dia na escola é propício para atitudes transdisciplinares. O professor de Educação Física pode instigar seus alunos a serem seres conscientes de suas ações para com a vida no planeta. A preocupação com o lixo que cada um produz, a questão da reciclagem, o tempo que cada um demora no banho, a quantidade de água que cada um desperdiça no nosso seu fazer diário, são algumas questões importantes, dentre tantas outras, que podem ajudar com que o aprendente seja um cidadão verdadeiramente consciente e um ser verdadeiramente humano. O olhar transdisciplinar para a educação física escolar 93 Acrescenta-se ainda a possibilidade de se trabalhar com a subjetividade, as emoções, as artes e os sentimentos do educandos, nessa proposta transdisciplinar para Educação Física Escolar que, muitas vezes, massacra os alunos, almejando somente o esforço e o rendimento físico. Para isso, apontam-se os conteúdos que trabalham a subjetividade do alunado, como as danças, as ginásticas, o teatro e demais conteúdos que explorem as manifestações da subjetividade na cultura corporal. Considerações finais A transdisciplinaridade corresponde a um novo olhar para a educação, para a escola e para a vida. Tem o objetivo de ajudar com que o ser humano atinja novos níveis de realidade, percepção e consciência, além de apresentar uma proposta humanizada, valorizando as relações interpessoais, o meio ambiente, a sustentabilidade, a criatividade, a afetividade, e demais aspectos importantes para se repensar a sociedade que se almeja ajudar a formar. No campo específico da Educação Física Escolar propõe-se sucintamente que essa seja vista com a lente transdisciplinar e levanta-se as seguintes questões propositivas de reflexões: Por que não se discutir e vivenciar com os alunos a cooperação como forma de jogo? Por que não mostrar um olhar sensível para o outro? Por que não refletir os conteúdos para além das competições exacerbadas que marcam a Educação Física Escolar? Por que não despertar as consciências dos alunos quanto à escassez da água do nosso planeta? Por que não discutir a violência nos estádios que matam cada vez mais e transformam, muitas vezes, os jogos em verdadeiros espaços de guerra? Por que não problematizar o respeito às diferenças nas aulas de Educação Física? Por que não contribuir na formação de seres humanos que convivem em espaço harmonioso com a diferença (gordo, magro, baixo, alto, negro, branco, devagar, rápido, fraco, forte)? Por que não propor atividades utilizando as TICs (tecnologias da informação e comunicação) que estimulem a 94 João Henrique Suanno, Marcos Vinícius Guimarães de Paula, Victor Hugo de Paiva Arantes construção do conhecimento? Por que não se pensar uma Educação Física Escolar crítica e humanística? Tais indagações e inquietações vislumbram uma Educação Física dentro de um currículo escolar transdisciplinar, juntamente com as demais disciplinas, rumo à formação de seres humanizados, sensíveis, críticos, reflexivos e conscientes. Em suma, a Educação Física Escolar pode ter contribuição fundamental para a humanização do humano e para a vida no planeta. Referências: BRACHT, Valter. A constituição das teorias pedagógicas da educação física. Caderno Cedes, ano XIX, n° 48, Agosto/99. CHATEAU, Jean. O jogo e a criança. São Paulo: Summus, 1987. COLETIVO DE AUTORES. Metodologia do Ensino de Educação Física. São Paulo: Cortez, 1992. DAOLIO, Jocimar. Educação Física e o conceito de cultura. 2 ed. Campinas, SP: Autores Associados, 2007. (Coleção polêmicas do nosso tempo). FAZENDA, Ivani. Integração e interdisciplinaridade no ensino brasileiro: efetividade ou ideologia. São Paulo: Loyola, 1979. _____. Interdisciplinaridade e Transdisciplinaridade na formação de professores. Revista Brasileira de Docência, Ensino e Pesquisa em Administração. v.1, n.1, p.24-32, 2008. Dísponivel em: <http://e-revista.unioeste.br/index. php/ideacao/article/viewArticle/4146>. Acesso em: 10 fev. de 2015. FREIRE, Paulo. 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[email protected] 98 Dra. Ebe Maria de Lima Siqueira encara o aluno como um ser passivo, que deve esperar conceitos prontos e definidos, como também o conceito de que aprender é um ato solitário. Pelo contrário, propõe o saber como resultado da ação e se constrói no espaço da solidariedade, da troca, do intercâmbio de ideias e de afetividade. Dessa forma, a Escola optou por organizar a sua proposta didático-pedagógica de acordo com a Pedagogia de Projetos, fundada e difundida por John Dewey e outros representantes da chamada “Escola Ativa”. A Pedagogia de Projetos faz da autonomia, da pesquisa, da experiência concreta e da participação em grupo o caminho mais curto e significativo para a construção do saber. Enfim, esta proposta tem um princípio ativo, integrador, que objetiva minimizar a artificialidade da escola e aproximá-la da realidade e da vida do(a) aluno(a). A Pedagogia de Projetos dessa Escola está organizada como se apresenta a seguir. PROJETO TEMÁTICO INTERDISCIPLINAR Trata-se de projeto abrangente, irradiador das temáticas e das práticas didático-pedagógicas do ano letivo em evidência, o qual é definido depois de consulta às famílias e aos alunos das séries finais. Em geral, os temas atendem a demandas locais, mas que estejam em sintonia com temas de apelo nacional e mundial. Seguem alguns dos temas estudados e em estudo: 2002 – “Um olhar sobre a cidade”; 2003 – “Minha identidade: cores plurais”; 2008 – “As reinações de Lobato: por um país de homens e livros; Tia Nastácia e o imaginário popular; contribuição lobatiana à identidade nacional; nossa utopia”; 2010 – “OÎKOS: a Terra é azul; o que é da terra se transforma: o lixo vira beleza; fogo e ar: se ventar pega fogo; arremate: construindo nossas utopias”; 2011– “O ser humano e as tecnologias: bem-estar, segurança e saúde; artes & educação; arremate de saberes”; 2012 – “O cuidado do mundo: inclusão social”, para 2013 – “O ser humano e a busca da felicidade: a linguagem; a matemática; as artes; arremate de saberes” e para 2014 – “O ser Escola letras de alfenim: uma experiência de aprendizagem 99 humano e a busca do equilíbrio: conhecimento e afeto; trabalho e lazer; religião e artes; arremate de saberes”. PROJETOS DE TRABALHO Projeto quinzenal, mensal, bimestral, semestral ou anual que consiste na flexibilização dos PCNs à proposta específica de trabalho da Escola, ao nosso calendário cultural, às situações reais e concretas de aprendizagem e aos objetivos de aprendizagem próprios daquele ciclo ou série. PROJETO SUPLEMENTAR Projeto anual, próprio de cada turma, que consiste em pesquisa-ação aprofundada sobre assuntos específicos dentro da temática irradiada pelo Projeto Temático Interdisciplinar. Ao final de sua realização, resulta em produtos. Além da gama de subprojetos resultante da proposta pedagógica acima descrita, a Escola ainda conta com projetos fixos para determinadas turmas e também com os que envolvem a Escola como um todo, como segue. PROJETO COLEÇÃO ALFABETÁRIO Todos os anos, a turma do 1º ano marca a conquista da leitura e da escrita com a publicação de um livro. Nesse exercício, as crianças são motivadas a estudar uma tipologia textual, como poemas, cartas, haikais, limeriques, entre outras. Depois da escolha do gênero, são selecionados autores que passarão a fazer parte da rotina de leitura das crianças, servindo assim de inspiração e modelo para as produções que comporão a publicação da Coleção Alfabetário, que já vai para o seu 15º número. No encerramento do ano letivo, a Escola promove sua Mostra Cultural, com todos os produtos que resultam dos projetos trabalhados ao longo do ano. E, nessa ocasião, é feito o lançamento do livro, junto à comunidade de pais, e as crianças vivem a experiência de autografar seus livros. 100 Dra. Ebe Maria de Lima Siqueira Essa prática pedagógica estimula as crianças, desde cedo, a perceberem que é possível a passagem da condição de leitores para a condição de escritores e que o exercício da escrita é a reunião daquilo que o seu autor guarda das leituras feitas ao longo de sua vida. O primeiro autor que teve sua obra estudada verticalmente foi Monteiro Lobato. Sua obra e vida deram o título do projeto do ano de 2008: “As reinações de Lobato”. Este foi um dos projetos com maior aceitação e participação das crianças e das famílias, revelando que o autor ainda possui um amplo público de leitores, entre crianças e adultos. A obra seguinte foi a de Cora Coralina, entendida como nosso bem cultural de maior projeção. Exigiu-se um estudo cuidadoso, para que essa obra passasse a fazer parte do imaginário coletivo das crianças alfenianas como um bem precioso a ser cultuado sempre, por ser nosso patrimônio maior a revelar e expandir a nossa humanidade. Ressalta-se que a obra de Cora Coralina, independente do tema do projeto em estudo, é visitada permanentemente, uma vez que compõe o acervo cultural com o qual se trabalha todos os anos na Escola Letras de Alfenim. Seguiram-se ao estudo da obra de Cora Coralina as de Manoel de Barros, Bartolomeu Campos de Queirós, Rosena Murray e Marilda Castanha. Neste ano de 2014, estuda-se a obra de Cecília Meireles, em lembrança aos 50 anos de sua morte e por ter sido essa escritora uma das primeiras a pensar na criança como possível destinatária de sua poesia. PROJETO DE MÚSICA A Escola Letras de Alfenim, desde a sua criação em 1999, acredita na educação para as artes. Nas suas práticas de “didática da invenção”, a literatura e a pintura compõem um outro modo de Escola letras de alfenim: uma experiência de aprendizagem 101 dizer o mundo, tão verdadeiro quanto o dizer da ciência. Porém faltava o canto. É daí que surgiu o Coral Letras de Alfenim, no ano de 2007, para dar vez à voz, uma voz em coro afinadíssimo com a letra da poesia, as modinhas e a melhor canção popular brasileira. Mais que um recurso pedagógico para aprender controle de voz, concentração, disciplina, o Coral Letras de Alfenim é um projeto por meio do qual as crianças aprendem a escutar e cantar os ritmos das canções e da vida. E, por ser um canto em conjunto, aprendem também a afinar com o outro em respeito, cuidados e humanidade. PROJETOS DE EDUCAÇÃO PATRIMONIAL Como uma das prioridades de toda instituição de ensino, principalmente quando esta se localiza em uma cidade-museu, a Escola Letras de Alfenim, desde sua criação no ano de 1999, tem valorizado em seu currículo projetos que contemplam a Educação Patrimonial. Para tanto, tem investido, desde então, em pesquisas, estudos e esforços para valorizar as iniciativas culturais que representam o saber coletivo 102 Dra. Ebe Maria de Lima Siqueira de nosso povo. Ao longo desses anos, foram elaborados projetos contemplando a “dança dos Congos”, a “dança dos Tapuias”, as “cavalhadas”, a “Folia de Reis” e a “Folia do Divino Espírito Santo”, a “Catira”, a “Tirana”, entre outras manifestações da tradição cultural-religiosa do nosso Estado. Dos projetos dessa área, o Projeto Fogareuzinho se repete desde o ano de criação da escola. O Fogareuzinho, como foi nomeadamente apropriado pelas crianças e pela comunidade, não consiste apenas na encenação da procissão pelas crianças. A procissão é a culminância de um processo que propõe e problematiza aspectos da preservação da memória e do patrimônio cultural de uma sociedade. Com o Projeto Fogareuzinho, a Escola Letras de Alfenim pretende cumprir o seu papel de oferecer educação plena, isto é, formar cidadãos que tenham valores sedimentados no respeito, na relação ética com o outro e com o meio ambiente, no conhecimento reflexivo sobre a sua realidade, na busca da sabedoria dos mais velhos, nas suas tradições e vivências, para que se conheça e transforme a realidade presente em benefício de todos. E pretende, naturalmente, contribuir para que as suas crianças possam produzir novos bens culturais, sem perder de vista os ensinamentos de suas ancestralidades. Escola letras de alfenim: uma experiência de aprendizagem 103 PROJETOS DE LEITURA LER É UMA AVENTURA O projeto abrange todas as turmas do ensino fundamental e se constitui como uma brincadeira cênica após a leitura de um acervo de 40 a 50 títulos por semestre. Este projeto abre espaço para uma prática voltada, prioritariamente, para a leitura pelo prazer. Portanto, há a mediação no sentido de instigar as crianças utilizando-se de “ingredientes que não pertencem aos estímulos imediatos, mas que preparam a estrutura cognitiva desse mediado para ir além dos estímulos recebidos, transcendendo-os” (SOUZA, 2004, p. 56). Desse modo, neste projeto utiliza-se de várias formas de mediação, com o objetivo de fazer da leitura uma prática festiva e coletiva, proporcionando à criança um bilhete de viagem para as grandes aventuras que começam quando o livro é aberto. Nesse espaço, o livro é a chave do imaginário, um estímulo à fantasia inerente à criança. Abrir esse espaço para a leitura com momento de fruição, embora possa levar ao conflito, à angústia, à solidão, aponta, essencialmente, para a escola como lugar de compartilhar alegrias e para a leitura como uma forma de felicidade. Pretende-se, assim, que a escola e o livro possam ter a mesma territorialidade: a do imaginário. Dentre tantas estratégias que o mediador se utiliza estão a de promover momentos de propaganda do livro lido; de desenvolver brincadeiras nas quais as crianças possam se comunicar com personagens de contos de fadas e outras histórias, escrevendo para eles ou sobre eles; de realizar leituras compartilhadas em diferentes pontos da cidade em forma de “piquenique literário”, ou seja, criar espaços favoráveis à leitura; de ler ou contar em pequenas doses; e transformar textos em teatro, promover momento de leitura com o uso do microfone; associar a leitura de determinado livro a uma atividade gastronômica: fazer cocadas, por ocasião da leitura pela turma de As cocadas, de Cora Coralina. Essas e inúmeras outras 104 Dra. Ebe Maria de Lima Siqueira estratégias são utilizadas para garantir o interesse da criança pelos livros. Ao término da leitura dos livros estipulados, a Escola organiza uma atividade similar aos programas de passa-e-repassa, para que todas as crianças tenham a oportunidade de responder às perguntas elaboradas por eles ao longo da leitura dos livros, representando a sua turma. O segundo ano concorre com o terceiro, e o quarto concorre com o quinto ano. A premiação a todas as turmas é feita com livros, passeios e medalhas de Leitor Modelo. Com essa prática, procura-se fugir das tentações pedagógicas, muitas vezes limitadoras do voo para a liberdade que deve ser a leitura, e intenta-se formar o leitor literário idealizado por todo escritor: aquele que saberá mover ou completar o texto para que ele atinja a sua plenitude como obra de arte e, como tal, aberta para acolher o seu leitor. Escola letras de alfenim: uma experiência de aprendizagem 105 CATOGRAFIA LITERÁRIA Uma cartografia consiste na leitura compartilhada entre as(os) alunas(os) com a mediação das professoras, ajudando no mapeamento de um livro, o que envolve desde o projeto gráfico a noções básicas de teoria literária como gênero narrativo, intertextualidade, tipologia de narrador, estilo utilizado pelo autor, que pode ou não ser confrontado com outros livros do mesmo autor etc. Na leitura desses livros, escolhidos no início do ano, o professor-mediador exerce a função de leitor- guia. Ele propõe várias estratégias de leitura que possam garantir a liberdade de interpretação dos(as) alunos(as), mas que também possam ter a sua leitura ampliada pela leitura dos colegas. E como uma das últimas etapas desse projeto, o professor propõe o registro da leitura, seja por intermédio do texto escrito ou pela expressão plástica. Esse trabalho é realizado apenas com a mediação do professor no ambiente escolar, e o seu resultado não é avaliado de forma direta. O mapeamento literário do livro em foco tem como objetivo contribuir para a formação de um leitor crítico e capaz de se inscrever no texto lido; oportunizar momentos de troca de experiência entre os leitores iniciantes e o professor como leitor iniciado; criar junto com as crianças um protocolo de leitura que lhes dê subsídios para a análise pertinente das obras lidas sem, contudo, perder de 106 Dra. Ebe Maria de Lima Siqueira vista o prazer da leitura; chamar a atenção das crianças para aspectos da teoria literária como questões de intertextualidade, paródia, paráfrase etc. sem que estes conceitos sejam cobrados como nomenclaturas isoladamente. Essas informações contribuirão para a competência do leitor, no sentido de ampliar tais conhecimentos em outras leituras. Como em todo trabalho pedagógico, o envolvimento do professor – incentivando, estimulando, mostrando paixão pelo trabalho – é a principal estratégia para a garantia do sucesso. CIRANDA DE LEITURA O projeto tem como objetivo exercer práticas de leitura afetiva. Propõe-se trazer o pai ou a mãe, ou qualquer pessoa do convívio familiar que se proponha a vir na Escola, para fazer a leitura de uma obra escolhida previamente, como um texto de afeto a ser partilhado. Esta prática é direcionada especialmente para a Educação Infantil. Escola letras de alfenim: uma experiência de aprendizagem 107 Para o desenvolvimento desse projeto são adotados no início do ano dois títulos para cada criança. A escolha fica a critério dos pais, numa relação de vinte a trinta títulos sugeridos pela Escola. A partir daí o professor será o mediador, explorando inicialmente, com as crianças, algumas características da obra, como a apreciação do título, imagens, cores, texturas, através da leitura coletiva dos livros trazidos pelas crianças ou de livros que fazem parte do acervo da escola. Em seguida, a mediação será com os pais, no sentido de criar momentos favoráveis à prática de contação de estórias ou leitura feita pelos pais, da obra escolhida entre os livros selecionados pela Escola, ou de outro que faça parte da formação dos membros da família e que, por isso, nele esteja imbuído o valor de troca afetiva. O resultado das atividades de leitura partilhada com a família, em geral, se transforma em material impresso em formato de livro artesanal, CD ou material fotográfico. PROJETO JORNAL LETRAS DE ALFENIM A iniciativa do Jornal Letras de Alfenim tem como objetivo materializar a vinculação que existe entre a leitura e a escrita. As crianças utilizam o jornal para dar notícias sobre os projetos que estão sendo desenvolvidos na Escola e para divulgar os livros que estão lendo. Também conta com uma sessão literária, composta de pequenos exercícios poéticos a se- 108 Dra. Ebe Maria de Lima Siqueira rem apreciados pela comunidade de pais, que são basicamente os leitores desse jornal. Com este projeto, trabalha-se com a ideia de que o conhecimento só tem sentido quando colocado para circular. Assim, as crianças poderão também viver a experiência de passar da condição de leitores para a de escritores. O jornal é feito pela equipe da Escola e financiado pela comunidade de pais e amigos da Escola. PROJETO AGENDA Este é um produto que conta com a participação de todas as crianças, do Maternal ao 5º ano. Nas suas três primeiras edições, foi contemplado, nos textos e desenhos, o assunto apenas do Projeto Temático Interdisciplinar do ano de referência. A partir da 4ª edição, passou-se a eleger obra de um autor, para ser lida e servir de inspiração à produção das vinhetas de textos e desenhos ilustrativos da agenda. Os textos que fazem as aberturas de cada mês são compostos por pequenas resenhas elaboradas, coletivamente, Escola letras de alfenim: uma experiência de aprendizagem 109 com as crianças e as professoras do ensino fundamental, dos livros selecionados como os doze melhores na opinião das crianças. As páginas de cada mês são ilustradas com desenhos e com pequenas vinhetas correspondentes ao livro resenhado. Os desenhos ficam a cargo das crianças da Educação Infantil. O estimulo à leitura da obra escolhida se evidencia no ano em que o autor é estudado e volta a ser lembrado no ano seguinte, durante a utilização da agenda cotidianamente. Retomar os textos e desenhos é uma forma de socializar o resultado da pesquisa feita no ano anterior. PROJETO CALENDÁRIO Confeccionar um calendário com a temática do projeto estudado constitui-se como mais uma oportunidade para as crianças socializarem o tema de suas pesquisas e exercerem a condição de escritores. Os calendários eram feitos para serem afixados na pare- 110 Dra. Ebe Maria de Lima Siqueira de. Eles já contemplaram monumentos da cidade, personalidades vila-boenses ligadas à educação, aspectos do Cerrado, entre outros temas. No ano de 2012, o calendário foi reconfigurado, para que houvesse mais espaço para as crianças registrarem suas descobertas. Assim, passou a ser feito no modelo de calendário de mesa. No início de 2013, as crianças do 2º ano, turma responsável pelo calendário, visitaram uma exposição em que artistas convidados participaram com telas que, de alguma forma, traduziam o seu olhar sobre a Cidade de Goiás. De duas telas intituladas “Louças da vovó”, surgiu a ideia de um calendário, para 2014, inspirado nesse tema e tendo como leitura-base o livro O prato azul-pombinho, de Cora Coralina. BIBLIOGRAFIA ANTELO, E.; ABRAMOWSKI, Ana L. Movimentos do negativo na escola média. Como abandonar a pedagogia Ingalls? In: Estilos da Clínica. Revista sobre a infância com problemas. vol. IV. no. 7. 2o. Semestre de 1999. ARENDT, Hannah. Crise da educação. In: Entre o passado e o futuro. São Paulo: Perspectiva, 2009. BARROS, Manoel de. Exercícios de ser criança. Rio de Janeiro, Salamandra. BENJAMIM, W. O narrador. In: Magia e técnica, arte e política. Obras escolhidas I. São Paulo: Brasiliense. 1994. CATALÃO M. A.; TROCOLI, F.; O velho e o novo na literatura infantil. Mimeo. 2007. CORALINA, Cora. Poema dos Becos de Goiás e Estórias Mais. 23 ed. São Paulo: Global Editora. 2006. ROURE, G. Q. O quadro negro. PUC/GO: Mimeo. 2011. SIQUEIRA, Ebe Maria de Lima. Apresentação. 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A Escola Letras de Alfenim é o lugar onde acontece a palestra sobre o Planejamento Pedagógico da Escola, momento em que as alunas do curso de Pedagogia se deparam com o relato sobre as práticas dessa escola em relação ao seu “projeto educacional”, ou seja, o relato a respeito de sua Pedagogia de Projetos, tal como apresentada neste capítulo. E por que a disciplina de Fundamentos e Metodologia de Língua Portuguesa se associaria em uma atividade com essa área? Como professora da área de linguagem dessa Faculdade, reconheço que a cidade porta um lirismo que está presente na poesia de Cora Coralina. Falar dela em nossos estudos sobre literatura e apresentar aos alunos a sua história pela visita à sua casa, possibilita uma riqueza muito grande em nosso trabalho. Além do interesse pela história de Cora Coralina, a aula de campo se justifica também por outro ponto. Em nossa disciplina, que se situa na área da linguagem, temos que cumprir, a relação en1 Professora Faculdade de Educação UFG. Mestre em Educação FE/UFG. Doutoranda em Linguística IEL/Unicamp. [email protected] 112 Dda. Sônia Maria Rodrigues tre os fundamentos desse campo de estudos e a metodologia. É um momento do curso de Pedagogia em que as alunas são tomadas por uma expectativa muito grande em relação à experiência docente e demandam das disciplinas de fundamentos e metodologia respostas imediatas para o planejamento de suas aulas no estágio. É justo em momentos como esses que elas se interroguem sobre o curso e a relação de produção delas com ele. “Como fazer?”, é uma pergunta que ressoa em nossas aulas reiteradas vezes. Para situar melhor essa questão, trago um fragmento de uma situação em sala, em que elaborava com os alunos a implicação que há entre teoria e prática, por exemplo, na elaboração de um planejamento de aula de Língua Portuguesa. Dizia que era importante considerar a operação do negativo, fazendo alusão, naquele momento, ao texto Movimentos do negativo na escola média. Como abandonar a pedagogia Ingalls? (1999). E o que esse texto traz de importante para essa discussão? A de que a melhor aula está por vir, de que não há como considerar os efeitos de imprevisibilidade que um planejamento contém, desde a sua elaboração por escrito até a sua operacionalização. Foi nesse contexto de discussão que uma aluna me interrogou: “Professora, como eu faço para planejar, para fazer uma aula criativa?” A resposta dada à aluna foi uma sucessão de perguntas. Ela respondeu “não”, não”, “não”, “não” ..., a todas elas: “Você vai ao cinema?”; “Você já foi à uma exposição de arte este ano?”; “Você leu algum livro este mês?”; “Você assiste à concertos, shows ou escuta música clássica?” Após essa sucessão de perguntas e respostas negativas, foi acrescentada outra pergunta: “Então, como você quer fazer um planejamento criativo, se você não se implica, não entra em contato com nenhuma dessas formas de produção, instâncias de criação?” De certo modo, o que está aludido nessa pergunta é uma ideia instrumentalizada da linguagem que também concebe a literatura como instrumento para alguma coisa. Considerando que ela seja um lugar de experiência com a linguagem, relacionando, assim, Escola Letras de Alfenim: um caso de escola criativa 113 a dimensão benjaminiana de experiência, há de se reconhecer que em uma aula de Língua Portuguesa, o que importa são os efeitos da linguagem nas produções de seus alunos. Na pergunta da aluna há uma intenção em pré-dizer um significado ao seu planejamento: que ele seja criativo! Com efeito, há de se considerar que isso se dá como um acontecimento, após muito trabalho de produção! É o que encontramos na Escola Letras de Alfenim. Conhecíamos um pouco de seu trabalho e resolvemos, então, incluí-la como um lugar de interlocução entre o que discutimos em sala com os textos e o que ela oferece de experiência com os textos literários e outros projetos mais, tal como são apresentados neste capítulo, pela diretora da Escola, a profa. Ebe Maria Lima Siqueira. Ao expor a sua Pedagogia de Projetos, nos deparamos com um relato importante, a dos efeitos de um trabalho realizado. Isso pode ser observado na palestra, na visita pela Escola e na suas publicações. Nesse relato encontramos ressonância daquilo que discutimos em sala sobre literatura, das elaborações realizadas em nossas aulas de textos que lemos. Portanto, o que ouvimos nos encontros com a Escola não está circunscrito na teoria em que a diretora relaciona como fundamento de seu trabalho com a literatura, seja na exposição que faz na palestra e também neste capítulo. O relato dessa experiência está para além, pois há nessa narrativa sobre o trabalho efetuado pela Escola a marca da relação de trabalho que ela tem com os textos literários, com as crianças, com as famílias, com a educação e com a cidade. Constatamos, portanto, que se imprime na fala de quem profere a palestra sobre a Escola, a sua marca, “como a mão do oleiro na argila do vaso” (BENJAMIN, 1994, p. 205). Marcas que também podemos observar, no olhar, na voz e na mão, de quem nos narra sobre o que acontece na Escola. Sem que saibamos naquele momento, algo da entonação na voz nos captura. Ao mesmo tempo em que se transmite a experiência da Escola, pela narrativa, seja da diretora, seja de uma professora designada para tal, algo retorna 114 Dda. Sônia Maria Rodrigues daquilo que lemos e discutimos em nossas aulas. Assim, se constitui para nós um campo de pesquisa sobre práticas de ensino de Língua Portuguesa e de Ciências Naturais. Nos livros publicados, Bestiário do Cerrado – Bichos reais e imaginários (2005) e Cadê o índio Goiá que tava aqui?, da Coleção Alfabetário, os textos das crianças, apresentam uma tênue linha entre o literário e o testemunho com um compromisso ecológico com a região, com o Rio Vermelho. Eis um fragmento de uma das narrativas, do segundo livro: [...] Foi uma índia da tribo Goiá que fez o Rio vermelho. Ela chorou porque o índio que ela estava gostando tinha morrido. As lágrimas dela foram se transformando no Rio Vermelho. [...] Nós vamos escrever estas histórias para as pessoas não esquecerem. (2001, p. 25) Como dizia, enquanto a Escola narra a sua experiência, retorna para nós a operação dos conceitos implicados nos textos teóricos lidos, como por exemplo, a concepção de literatura. De que “um texto só é literário quando põe em jogo, implícita ou explícitamente, a relação com outros textos” (CATALÃO & TROCOLI, 2007, p. 14). O entretexto que estrutura um fazer literário pode ser observado em outros livros como o Flor de poema e outros guardados (2000), Pelos olhos do coração se escuta o mundo (2011) e Poesia para toda Hora (2012). Dentre as leituras de vários livros, de vários autores, aparecem alguns guardados das crianças, da alfabetização, “o criançamento das palavras toma forma da memoria, dos bens do coração que estão sendo acolhidos [ ] (SIQUEIRA, 2000, p. 11) O texto “Flor de poema”, da aluna Júlia Sanches, que empresta nome ao livro, traz para o leitor a memória doce das rosinhas de côco da vovó, que são “meio poema e meio doces”. Apreciemos, então, esse poema: Flor de poema Eu gosto das rosinhas de coco de minha vovó. Não sei se são flores ou se são poemas. Minha vovó pinta uma de cada cor: Escola Letras de Alfenim: um caso de escola criativa Verde, amarelo, azul e rosa. A cozinha fica parecendo jardim. Quando eu vou comer Eu sinto o cheiro das rosas. Será que poema tem cheiro? Então as flores da vovó São meio poemas e meio flores. (2000, p. 39) 115 Desse modo, o que se pode dizer sobre o criativo, o inovador, na Escola Letras de Alfenim, é justamente a forma singular com que cada criança é capturada pelas narrativas dos vários textos e autores lidos, tais como Monteiro Lobato, Cora Coralina, Bartolomeu Campos de Queirós, Roseana Murray, Manoel de Barros, Emily Dickinson, Carlos Drumonnd de Andrade e muitos outros. O penúltimo livro, Poesia para toda hora (2012), serve para ser lido, contemplado, suspirado e abraçado, tal como em uma oração! Diria que é o encontro do criativo com o belo! Na apresentação desse livro, há a articulação do belo com o que é justo e verdadeiro. Siqueira (2012, p. 12) diz que eles ampliaram a “ciranda de livros” com a “palavra escrita de Emily Dickinson” com “traço delicado de Ângela Lago” (p.12). Foi daí a ideia de produzir um livro de horas, “com os poemas de Emily Dickinson, recolhidos por Ângela Lago” (p. 12). Depois de muita leitura de poesia, nasce Poesia para toda Hora “que culmina com a escrita de pequenos fragmentos para serem lidos em forma de prece ou, quem sabe, de mantra a lapidar nossos ouvidos e boca (SIQUEIRA, 2012, p. 13)” A prece-poema escolhida para relacionar aqui, de certa forma, lapida o nosso ouvido para além de ouvir, pois nos ensina a escutar o silêncio. O silêncio de Vitória de Lima Siqueira, aluna de seis anos de idade, não pode ser ouvido, apenas escutado, porque ele é triste!: Para a hora do silêncio Quando meu pai viaja, 116 Dda. Sônia Maria Rodrigues O silêncio é triste Quando eu leio Para a minha mãe, a casa toda fica em silêncio. Com a minha leitura, Ela acaba dormindo. É hora de fechar o livro. (20012, p. 95) Eis o que a Escola faz ao dar visibilidade ao seu trabalho, aos efeitos das leituras de textos literários, produzindo livros das produções escritas de seus alunos. O trabalho dessa Escola se constitui em um lugar que testemunha a invenção e reinvenção da infância a cada momento, em cada aula que ali é dada, até porque Manoel de Barros tem o seu lugar garantido, com os seus despropósitos. O “silêncio triste” de Vitória traz para perto de nós um despropósito do menino de Manoel de Barros, de seu livro Exercícios de ser criança (1999). Esse menino, logo no início do livro, se indaga: “e se o avião tropicar em um passarinho?” A mãe reflete se isso não é um “despropósito” e se os “despropósitos não são mais carregados de poesia do que o bom senso”. Até por isso o menino se indaga novamente: “e se o avião tropicar num passarinho triste? “ (s/p) Por fim, ao tecer as considerações finais de minha parte neste capítulo, retomo à pergunta inicial, sobre o que dizer a respeito de práticas criativas. De outro modo, o que torna uma escola como um lugar criativo? O fato de irmos até à Escola, não se reduz em apenas uma visita. Ao ouvirmos a narrativa sobre o trabalho que a Escola fez, há também, ao mesmo tempo, a narração sobre aquilo que está refazendo, reescrevendo, relendo, pelos erros e acertos próprios de um trabalho realizado. É nisso que se constitui a transmissão de sua experiência, pois naquele momento que ali estamos há a narrativa de seu trabalho, naquilo que ele tem de artesanal, assim como nos ensina Benjamin, em seu texto “O narrador” (1994). Esse caráter de testemunho também pode ser relacionado ao gesto que Hanna Arendt (2009, p. 239) profere ao professor de sua função diante do mundo. Segundo ela, diante de seus alunos, o pro- Escola Letras de Alfenim: um caso de escola criativa 117 fessor é como “se fosse um representante de todos os habitantes adultos, apontando os detalhes e dizendo à criança: – Isso é o nosso mundo”. Em seu texto, Quadro negro: escrita, experiência, memória e história, Roure (2011) nos mostra essa dimensão de testemunho que um professor se encontraria implicado na transmissão de seu ensino. Baseando-se nessa citação mencionada por mim, desse texto de Hanna Arendt, A crise da educação (2009), Roure (2011), termina seu texto dizendo, É por isso que “conhecer e instruir acerca do mundo” [ ] significa apresentar a história sem concebê-la numa perspectiva historicista, a geografia sem transformá-la em uma mera descrição de paisagens, mas compreender a ambas como uma certa escritura do tempo e do espaço, aberta a infinitas (re)leituras e (re)escrituras. Significa, ainda, transmitir a literatura considerando as mais variadas formas de narrar o “inenarrável”, a arte como fonte de estranhamento e criação e a matemática como modo de contabilizar nossa memória. Processos estes que nos possibilitam ocupar – professores e alunos - o lugar de testemunhas de nosso tempo, comprometidos com uma memória/ história sem abrirmos mão de um agir ético sobre o presente. (2011,p.16) É por esse agir ético da Escola Letras de Alfenim que nós intencionamos voltar para lá, em mais uma aula de campo, comprometendo-nos, então, com o nosso presente, com outros projetos de pesquisa em vista, como por exemplo, o cinema. BIBLIOGRAFIA ANTELO, E.; ABRAMOWSKI, Ana L. Movimentos do negativo na escola média. Como abandonar a pedagogia Ingalls? In: Estilos da Clínica. Revista sobre a infância com problemas. vol. IV. no. 7. 2o. Semestre de 1999. ARENDT, Hannah. Crise da educação. In: Entre o passado e o futuro. São Paulo: Perspectiva, 2009. BARROS, Manoel de. Exercícios de ser criança. Rio de Janeiro, Salamandra. BENJAMIM, W. O narrador. In: Magia e técnica, arte e política. Obras escolhidas I. São Paulo: Brasiliense. 1994. CATALÃO M. A.; TROCOLI, F.; O velho e o novo na literatura infantil. Mimeo. 2007. 118 Dda. Sônia Maria Rodrigues CORALINA, Cora. Poema dos Becos de Goiás e Estórias Mais. 23 ed. São Paulo: Global Editora. 2006. ROURE, G. Q. O quadro negro. PUC/GO: Mimeo. 2011. SIQUEIRA, Ebe Maria de Lima. Apresentação. In: Flor de poema e outros guardados. Histórias da Alfabetização. Coleção Alfabetário no. 2. Cidade de Goiás: Letras de Alfenim Publicações. p. 11-12. 2001b ____________. Para a hora de rezar. In: Poesia para toda hora. Coleção Alfabetário no. 14. Cidade de Goiás: Letras de Alfenim Publicações. p. 11-13. 2012. 119 Escola sustentável e feira de ciências: reflexões e ações em torno da fabricação de sabão artesanal Lindalva Pessoni Santos1 Marilza Vanessa Rosa Suanno2 Resumo Esta comunicação oral visa apresentar um projeto de trabalho transdisciplinar sobre a produção caseira de sabão artesanal, por meio da reutilização do óleo de cozinha usado, e assim analisar tal produção de forma articulada, estabelecendo relações culturais, ambientais, econômicas e tradicionais considerando o contexto histórico, o estilo de vida e estilo de consumo predominante no século XXI. Assim como, apresentar discussões sobre sustentabilidade e cidadania planetária responsável. O projeto foi desenvolvido na Escola Estadual de Tempo Integral João Lôbo Filho, na cidade de Inhumas/Goiás (Brasil). O projeto possibilitou a valorização da cultural local, contribuiu para o reconhecimento de saberes populares, viabilizou o compartilhamento de receitas e práticas na produção de sabão artesanal. Concomitantemente propiciou empoderamento e participação ativa dos familiares das crianças nas atividades escolares, por valorizar seus saberes e suas práticas. A valorização da cultura local, o protagonismo dos participantes do projeto, a religação de saberes populares e conhecimentos disciplinares, o ambiente prazeroso no processo de pesquisa escolar apresentam-se como práticas pedagógicas transdisciplinares. 1 - Coordenadora da Escola Estadual de Tempo Integral João Lobo Filho e professora de Didática e prática de ensino da Universidade Estadual de Goiás- UEG- UnU InhumasGoiás. E-mail [email protected]. 2 Professora de Didática e Estágio do curso de Pedagogia da Universidade Federal de Goiás – UFG e da Universidade Estadual de Goiás – UEG. Doutoranda em Educação pela Universidade Católica de Brasília – UCB. E-mail: [email protected]. 120 Lindalva Pessoni Santos, Marilza Vanessa Rosa Suanno Como tudo começou... - No início deste ano letivo, fui indagada por uma aluna do 5º ano sobre quando seria a Feira de Ciência e que ela queria mais uma vez participar! - Precisamos continuar cuidando da natureza, disse ela! Referindo-se ao projeto de 2012 que se desdobrou em outro projeto em 2013 que fez parte do I Concurso de Projetos Ambientais da XXII Caminhada Ecológica3, que tinha como tema “Vamos cuidar do Brasil com Escolas Sustentáveis.” A intenção do concurso era estimular crianças e adolescentes à prática da preservação ambiental. A referida aluna disse que iria mobilizar sua turma em prol de escolher um tema pertinente a proposta do ano anterior para ser trabalhado em nossa Feira de Ciências em 2014. Este comentário não foi por acaso, tem uma história que começou mais ou menos assim... Em abril de 2012, em reunião pedagógica, se discutia a escolha do tema para a Feira de Ciências a ser desenvolvido aquele ano na escola. Inicialmente os professores identificaram que os projetos da escola eram muito motivadores, as crianças se envolviam bastante, sempre superando as expectativas. No entanto, os projetos das feiras de ciências eram quase sempre estéreis, superficiais, cumprimento de protocolo do calendário e que consumia tempo e tinha pouco envolvimento e aproveitamento por parte dos alunos. O grupo estava insatisfeito com a prática ritualizada das feiras de ciências, elas não tinham a mesma relevância dos outros projetos desenvolvidos na escola. Apesar de não concretizar nenhuma proposta de tema para a Feira de Ciências nesta reunião, uma coisa ficou evidente, o grupo não mais se dispunha ao simples cumprimento de um evento do calendário escolar. Uma inquietação tomou conta da equipe, a vontade de desenvolver uma proposta relevante, que envolvesse 3 - Evento promovido pelo Jornal O Popular da Organização Jaime Câmara afiliada à rede Globo (TV). A Caminhada tem como objetivo promover o desenvolvimento da consciência ambiental por meio do esporte. Escola sustentável e feira de ciências: Reflexões e ações em torno da fabricação de sabão artesanal 121 alunos, professores, pais e a comunidade em geral ganhou fôlego; pontos de vista foram discutidos e reavaliados e as pessoas começaram a se mobilizar para delinear uma nova proposta para a Feira de Ciências. Lopes (2009) ao investigar a prática dos professores, registrada em seus portfólios, constatou que os professores sofrem com o dilema ao se definir um tema que realmente envolva e mobilize a participação e o interesse das crianças. Ao pensar em projetos, o mais complicado parece ser, ao meu ver, “descobrir” um tema a ser trabalhado, de modo a atender ao interesse do grupo e, dessa forma, construir o projeto tendo como principal elemento a participação, o envolvimento das crianças, compartilhando com a turma as diferentes etapas do desenvolvimento da pesquisa. Como encontrar o tema? Como conseguir a problematização? O que é, enfim, problematizar? [...] (Relato do Projeto Casa de Formigas, 2000, p. 4 apud LOPES, 2009, p. 133) A vontade de inovar a proposta da feira contagiou toda equipe que passou a ter as seguintes preocupações: O que fazer? Que tema trabalhar? Como mobilizar e envolver os alunos efetivamente em um projeto de ciências? Os temas cogitados durante a reunião já tinham sido apresentados em edições anteriores pela escola ou por outras e pareciam não ter muito sentido, portanto era preciso continuar a busca! O tema Ao fazer um comentário no corredor da escola sobre a produção artesanal de sabão visto em uma Feira, uma aluna do 3º ano, Isadora, falou toda entusiasmada que seu avô fazia sabão em casa e que tinha os equipamentos: luvas, colher grande de pau, bacia, formas etc. Ela demonstrou uma alegria enorme em puder compar- 122 Lindalva Pessoni Santos, Marilza Vanessa Rosa Suanno tilhar algo que estávamos discutindo com uma prática familiar que ela vivenciava. Imediatamente disse se quiséssemos ela convidaria seu avó para demonstrar como se fazia o sabão. Ao ver o entusiasmo da aluna começamos a discutir o que poderia ser investigado ou problematizado em relação a esse tema que fosse pertinente as questões da nossa comunidade escolar. Uma luz no fim do túnel parecia ter acendido, apesar de já ter sido apresentado por outras escolas, decidimos, mesmo sem muita certeza do que investigaríamos, investir neste tema. Inicialmente imaginamos que seria interessante explorar as reações químicas resultantes da mistura dos ingredientes, pesquisar porque estes componentes entram na composição e buscar compreender como se utiliza gordura na fabricação de um produto que serve para neutralizar a própria gordura. A insegurança ainda nos rondava, este tema atenderia os interesses das crianças e vincularia a questões reais da comunidade escolar? Conseguiríamos mobilizar e envolver os alunos na busca de algo novo pertinente ao contexto local e atual sobre o tema? De acordo com Corsino (2009, p. 108): O primeiro passo para desencadear um projeto é o tema aparecer na sala de aula. Preferencialmente ele deve surgir das próprias crianças, suas conversas e preocupações, mas também pode partir de algo que o professor leve para a sala de aula, como, por exemplo, uma história, uma notícia, um filme, uma música, uma foto/imagem, um poema, uma conversa etc. É importante estar atento aos interesses do grupo, pois o tema é, preferencialmente, negociado com a turma. No caso de projetos institucionais, como uma feira de ciências, por exemplo, a proposta deve ser discutida nos diferentes grupos de professores e de crianças. Ainda não tínhamos muita certeza da escolha, por isso os professores colocaram o tema em discussão nas salas e montaram Escola sustentável e feira de ciências: Reflexões e ações em torno da fabricação de sabão artesanal 123 junto com os alunos a problematização inicial: O que já sabemos e o que queremos saber sobre a fabricação de sabão caseiro? Várias questões foram levantadas, mas duas chamaram a atenção: toda sala havia inúmeros relatos dos alunos sobre a prática de pais, avós, tios que faziam diferentes tipos de sabão caseiro e os perigos que alguns dos seus ingredientes apresentavam se manuseados de forma incorreta. Vimos que nossa intenção de explorar as reações químicas despertava interesse nas crianças, portanto era necessário recorrer a um profissional para esclarecer algumas dúvidas que sugiram durante os debates em sala. Partimos em busca de um profissional que pudesse vir falar sobre reações químicas com as crianças numa linguagem ao mes- Figura -1 Conversa com a química Nayara Cristina Oliveira Silva. 124 Lindalva Pessoni Santos, Marilza Vanessa Rosa Suanno mo tempo científica e compreensiva, já que nossos alunos estão na faixa etária de 6 a 12 anos (1º ao 5º ano do ensino fundamental). Entramos em contato com uma química e expomos o que já tinha sido discutido e pedimos que ela organizasse uma fala com as crianças de forma a ampliar o que foi levantado em sala como os principais ingredientes utilizados, a reação química produzida quando da mistura, a restrição absoluta do manuseio do feitio do sabão pelas crianças, os diferentes tipos de sabão etc. No decorrer da conversa com a química Nayara os alunos foram surgindo outros aspectos que envolvem a fabricação do sabão artesanal como, por exemplo: a) a questão da tradição familiar (receitas de sabão passam de gerações em gerações); b) a questão econômica (redução dos gastos familiares dada produção do sabão). A química evidenciou a importância da reutilização do óleo de cozinha na fabricação de sabão artesanal evitando assim seu descarte nos ralos das pias ou no solo causando danos irreparáveis a natureza. A construção do projeto A partir da conversa com a química surgiram as seguintes questões: porque em plena era industrial em que tudo se produz em grande escala ainda se faz sabão artesanal? As pessoas reutilizam o óleo de cozinha em suas receitas? Quem o faz tem como motivação primeira a tradição familiar, ou a economia ou a consciência da importância do reaproveitamento do óleo de cozinha evitando os problemas causados pelo seu descarte nas redes de esgoto, no solo etc? O projeto foi se estruturando a partir dessas questões que surgiram durante a conversa da química com as crianças e os professores. A partir daí surgiu a seguinte problematização: Fabrica- Escola sustentável e feira de ciências: Reflexões e ações em torno da fabricação de sabão artesanal 125 ção de sabão artesanal: a que pé anda esta questão em pleno século XXI, na cidade de Inhumas? 4 Partimos então para a mobilização do grupo para definir o que, quem, onde e como pesquisar. O que se objetivava era garantir aos alunos acesso a uma abordagem informativa e formativa que os colocasse antenados às questões do seu tempo, buscava-se desenvolver um estudo acerca da produção de sabão artesanal com utilização do óleo de cozinha usado e as questões que circundam essa prática milenar, no contexto atual, na cidade de Inhumas. Nesta perspectiva, busca-se a formação do homem como ser constantemente atento as questões de seu tempo, bem como, consciente e preparado para que possa, com propriedade, enfrentar os desafios, assegurar a sobrevivência do homem no planeta, viabilizar a reflexão crítica e superadora da organização da sociedade atual. De acordo com Ferreira e Araújo (2012, p. 27-28): O processo educativo constitui um complexo de interação dialógica entre a escola e a vida, competindo à escola o papel de, além de transmissão do conhecimento sistematizado, a responsabilidade pelo desenvolvimento do ser humano, pelo seu convívio social, pela aquisição dos diversos saberes culturalmente acumulados, o que fortalece, sobremaneira, a escola como instituição educacional, responsável em oferecer ao aluno uma educação emancipadora e democrática, que humaniza e assegura uma efetiva formação para a vida. Dessa forma, a educação dá-se por meio de um processo sistemático, que implica em momentos contínuos de aprendizagem e de reflexão para que ocorra, gradativa e naturalmente, a transformação do educando. Assim, para que a escola possa cumprir seu papel social, é necessário a implementação de uma ação educativa multidimensional e multirreferencial, que contemple a articulação das ques4 Cidade do Estado de Goiás, Brasil, com aproximadamente 50 mil habitantes, com base econômica estruturada na agricultura e confecções de cama, mesa, banho e lingeries. 126 Lindalva Pessoni Santos, Marilza Vanessa Rosa Suanno tões econômicas, sociais, políticas, culturais, ideológicas, ambientais, dentre outras que configuram a condição humana, a vida em sociedade e a responsabilidade socioambiental. A escola tem como objetivo proporcionar e ampliar experiências que contribuam para o crescimento individual e social do aluno. Busca-se que o aluno tenha consciência de seu papel enquanto ator social, que de posse do conhecimento, tem possibilidade de compreender e interferir nos rumos da história e de sua vida. A escola tem um papel fundamental na formação de um sujeito preparado para compreender e enfrentar os problemas típicos do seu tempo, no caso atual, as questões inerentes ao mundo globalizado. Uma instituição escolar comprometida com sua comunidade busca transpor os limites da sala de aula e aproveita as possibilidades para desenvolver seu verdadeiro papel social: ir ao encontro dos anseios e necessidades da comunidade escolar objetivando superar os problemas que são gestados em seu contexto histórico. Centrados nessa perspectiva, nos unimos em prol de realizar uma Feira de Ciências que agregasse várias dimensões em torno da produção artesanal de sabão. O tema despertou interesse não só nos alunos, mas na equipe escolar e na comunidade. A cada dia surgiam novas questões a serem investigadas, novas informações, como por exemplo, ficamos sabendo por meio de um professor da escola que sua mãe fazia sabão caseiro reutilizando óleo de cozinha em uma instituição que atendia idosos. Organizamos um grupo de criança e fomos fazer visitas às instituições que cuidam de idosos na cidade de Inhumas e investigar se todas elas tinham esta prática e por que faziam. Constatamos que todas as instituições fabricavam sabão caseiro reutilizando o óleo de cozinha, seja por questão de economia e/ou por tradição Escola sustentável e feira de ciências: Reflexões e ações em torno da fabricação de sabão artesanal 127 cultural. Em uma das instituições fomos informados que eles estavam necessitando muito de certos produtos de higiene como sabonete, creme dental e também óleo de cozinha. Ao retornar para escola houve uma grande mobilização para arrecadarmos os produtos solicitados. Figura – 2 Visita e doações de gêneros alimentícios e de higiene ao um Lar de idosos Durante a coleta de informações no estudo sobre sabão artesanal nos defrontamos com outro tema, a condição e qualidade de vida dos idosos em nosso país. Sem recursos ou abandonados por suas famílias os idosos tem que viver em abrigos muitas vezes sem estrutura e condições adequadas para ampará-los. Em uma semana a equipe da escola conseguiu junto aos alunos, pais e a comunidade arrecadar os produtos solicitados pelos dirigentes do lar de idosos. Estabelecemos um compromisso com os dirigentes do Lar de prestar ajuda sempre que possível, arrecadando produtos alimentícios e de higiene. Para dar sequência a nossa investigação foi elaborado um 128 Lindalva Pessoni Santos, Marilza Vanessa Rosa Suanno questionário a ser respondido pelas famílias dos alunos. O objetivo era investigar quantas famílias faziam sabão caseiro e por qual motivo (tradição, economia, consciência ecológica). Solicitamos que as famílias enviassem receitas de sabão caseiro que reutilizasse óleo de cozinha para que fossem distribuídas durante a Feira de Ciências (anexo 01). Os alunos do 4º e 5º anos do ensino fundamental organizaram um Folheto informativo, nele continha curiosidades sobre o sabão, informações importantes, recomendações; elaboraram também outro folheto com nomes e endereços para que as pessoas doassem óleo de cozinha usado às instituições que cuidam de idosos em Inhumas para elas fabricarem sabão caseiro. A turma do 3º ano A, da aluna Isadora, ficou encarregada de organizar a oficina de sabão na escola; ela não se continha de alegria em saber que seu avô viria à escola para ensinar a fazer sabão. Antes disso fizemos uma grande campanha junto ao aluno e a comunidade escolar e recolhemos óleo de cozinha usado para a nossa oficina. Foi surpreendente a quantidade de óleo arrecadado em pouco mais de uma semana! Figura – 3 Coleta de óleo Escola sustentável e feira de ciências: Reflexões e ações em torno da fabricação de sabão artesanal Figura – 4 Oficinas de sabão artesanal (Sr. Edson e a Sr.ª Hilda) 129 Nesse momento a escola toda estava envolvida com a temática a ser apresentada na Feira de Ciências, os alunos, os professores, o grupo gestor, os funcionários em geral, a comunidade; diariamente recebíamos solicitações de pessoas que queriam demonstrar suas receitas, por considerar que eram mais simples, mais baratas, rendiam mais. A comunidade tinha o que mostrar para a escola. Desejava estar na escola. Pensamos então, por que não distribuir amostras desses diversos tipos de sabão em nossa feira devidamente acompanhado das receitas que catalogamos. E assim organizamos, o sabão feito pelos pais e pessoas da comunidade foi transformado em pequenas amostras para serem distribuídas durante a feira, também montamos um livro com receitas de sabão caseiro com uso prioritariamente de óleo de cozinha usado. 130 Lindalva Pessoni Santos, Marilza Vanessa Rosa Suanno Nessa altura já tínhamos trilhados alguns caminhos em busca de respondemos nossa problematização, já sabíamos, por exemplo, que 69% dos nossos entrevistados faziam sabão caseiro prioritariamente com óleo usado. Mas a investigação não parou por aí, a turma do 3º ano A, da professora Roberta não contentou apenas com a oficina, mas, se tínhamos um produto a ser distribuído na feira ele teria que ter uma logomarca personalizada e assim criaram “O sabão da Vovó”, que continha informações importantes em sua embalagem. Figura – 5 Logomarca do sabão da Feira de Ciências Nessa empolgação também seguiu as outras turmas das professoras Marli (3º ano), Ivani (4º ano), Divina Maria (2º ano), Neuza (1º ano) Dionete (5º) que sistematizavam o que aprendiam em forma de histórias em quadrinho, construção coletiva de poema, tabulação dos dados do questionário e a construção de gráficos, desenhos, a montagem do folder. A Feira de Ciências Todos se mobilizaram para organizar a Feira de Ciências; tudo que tinha sido apreendido e produzido durante mais o menos um mês e meio de árduo trabalho foi exporto nos corredores da escola (as produções das crianças, gráficos, desenhos, histórias em quadrinhos, poema, o registro fotográfico do processo: palestra da química, visita as instituições dos idosos, recolhimento do óleo usado de cozinha, a oficina de fazer sabão...) Escola sustentável e feira de ciências: Reflexões e ações em torno da fabricação de sabão artesanal 131 Cada turma elegeu dois representantes para serem os expositores oficiais da feira que recebeu visitas dos pais, representante da Subsecretaria de Educação, pessoas da comunidade que nos agraciaram com as receitas ou até mesmo com a doação das amostras de sabão. A desenvoltura e o entusiasmo das crianças encantaram os visitantes que passaram pela feira. Figura - 6 Feira de Ciências O projeto da Feira de Ciências proporcionou: a) explorar questões que perpassam a prática de fabricar sabão artesanal, em nossa comunidade, em plena era industrial; b) compreender em que consiste uma sociedade sustentável; c) reconhecer a importância de reutilizar o óleo de cozinha disponível na própria escola e na comunidade para a fabricação de sabão artesanal; d) conhecer a forma adequada de acondicionar o óleo de cozinha usado para a sua futura reutilização; e) reconhecer que a prática de fazer sabão artesanal com óleo de cozinha usado, independente de seu fator determinante (tradição familiar, questão econômica e/ou consciência ecológica), contribui para minimizar a degradação do meio ambiente em nossa cidade, uma vez que um litro de óleo descartado é capaz de poluir um milhão de litros de água. A proposta de investigar essa prática milenar, reinterpretada com questões atuais, 132 Lindalva Pessoni Santos, Marilza Vanessa Rosa Suanno permitiu explorar aspectos culturais, ambientais, econômicos que se interligam. O processo de construção e apresentação do projeto da Feira de Ciências proporcionou diferentes oportunidades de exploração e experimentação nunca vista na escola em outras edições. O ambiente em que esteve envolto todo o processo se pautou na perspectiva que os alunos são construtores ativo de conhecimento impulsionados pela permanente exploração de situações significativas que funciona como mola propulsora que desencadeia a elaboração e reelaboração de ideias e conceitos de modo a consolidar a aprendizagem. O mesmo entusiasmo com que foi feito a Feira de Ciências na escola, no final de junho, foi a participação na Feira de Ciências da Subsecretaria de Educação, em agosto. Montamos um grande banner com a síntese do nosso projeto, amostras de sabão com as suas respectivas receitas, levamos as produções das crianças: poemas, gráficos, histórias em quadrinhos, desenhos, o histórico do processo com registro fotográfico etc. Mais uma vez as crianças demostraram claramente o sabor do saber e com a mesma desenvoltura e segurança demonstraram todo o processo e os conhecimentos adquiridos com o projeto. Todos se encantaram com a autonomia das crianças que com tranquilidade dialogavam com os visitantes sem nenhum embaraço. Não alcançamos o primeiro lugar na classificação da Subsecretaria, porém uma lição ficou clara, “a organização do trabalho pedagógico por meio de projetos de trabalho precisa partir de uma situação, de um problema real, de uma interrogação, de uma questão que afete o grupo tanto do ponto de vista socioemocional quanto cognitivo [...]” (BARBOSA, HORN, 2008, p. 40) Além das experiências e aprendizagens significativas propor- Escola sustentável e feira de ciências: Reflexões e ações em torno da fabricação de sabão artesanal 133 cionadas aos alunos nas duas etapas da Feira de Ciências (primeiro momento na escola e segundo na Subsecretaria) tivemos como resultado a permanência da prática de fazer sabão na escola para seu uso nas atividades diárias, bem como muitas pessoas passaram a fazer sabão artesanal a partir das receitas que foram distribuídas durante nossa Feira de Ciências. Lembrando que todas as receitas prioritariamente utilizam o óleo de cozinha usado, evitando assim seu descarte nas redes de esgoto no município de Inhumas/Goiás. O Concurso Essa prática implantada em 2012 adentrou 2013 resultando num convite para a escola participar do I Concurso de Escolas Sustentáveis na Caminhada Ecológica. O projeto da Feira de Ciências de 2012 que se intitulou: Fabricação de sabão artesanal: a que pé anda esta questão em pleno século XXI, na cidade de Inhumas? Desdobrou-se no projeto: A reutilização do óleo de cozinha na fabricação do sabão artesanal e as implicações para o meio ambiente que tinha como proposta incentivar a produção de sabão artesanal com reutilização do óleo de cozinha como forma de minimizar os danos a natureza causados com o seu descarte nas redes de esgoto no município de Inhumas. Novamente a escola se mobilizou por dias, intensificou o leva e traz de óleo usado, apreciação e testagem de novas receitas de sabão caseiro, organização das amostras, do folder, banner. A mesma emoção da Feira de 2012 estava de volta, os alunos com desenvoltura e autonomia impressionaram não só os jurados, mas todas as pessoas que se aproximavam do stand da escola– independente se era uma, duas ou grupo de pessoas – recebiam as explicações detalhadas da origem até o momento atual do projeto. A escola ficou em 3º lugar no concurso, uma grande vitória, pois 134 Lindalva Pessoni Santos, Marilza Vanessa Rosa Suanno concorremos com alunos da segunda fase do ensino fundamental e alunos do ensino médio. Figura – 7 Apresentação dos alunos para Banca Avaliadora do Concurso. Figura – 8 - Premiação Escola sustentável e feira de ciências: Reflexões e ações em torno da fabricação de sabão artesanal 135 Figura – 9 - Divulgação das escolas premiadas no Concurso Almanaque / encarte do JORNAL O POPULAR e JORNAL DO TOCANTINS / 14 de julho de 2013. Considerações finais A equipe da Escola tem intensificado a avaliação permanente dos processos e práticas do trabalho pedagógico. Cada dia mais se tem consciência da extrema importância de uma prática que considera o educando um sujeito ativo, cheio de potencialidades, protagonista do seu processo de desenvolvimento e aprendizagem. O professor requer uma sensibilidade aguçada para perceber as necessidades, os interesses e especificidades dos educandos, para proporcionar uma prática educativa investigativa e exploratória como meio para (re)significar as experiências vividas, viabilizando a efetivação da aprendizagem. A meta do trabalho pedagógico consiste, portanto, na busca do desenvolvimento da autonomia 136 Lindalva Pessoni Santos, Marilza Vanessa Rosa Suanno do educando, o conhecimento de si, do outro e do mundo, a criação e a partilha de significados de elementos culturais que devem emergir de situações desafiadoras e envolventes. A partir dessas proposições constatamos que o trabalho com projetos de trabalho (HERNÁNDEZ, 1998) servem como meio, e não como fim, favorecendo a investigação e a objetivos mais amplos ligados à construção de novos saberes em perspectiva transdisciplinar. A transdisciplinaridade valoriza a ampliação da formação humana e é um convite ao pensamento complexo, um modo de pensar sistêmico-organizacional-relacional que reintroduz o sujeito cognoscente no processo de construção do conhecimento e no conhecimento e busca abordar os problemas investigativos em sua complexidade. Neste processo valoriza-se a contradição, mantendo a viva, pois o conflito de ideias, a diversidade, enfim a dialógica estimula o pensamento. Valoriza-se a investigação de temas fundamentais para humanidade em perspectiva multidimensional e multirreferencial por meio de reflexão de problemas complexos e da convivência com a diversidade, tanto dos meios sociais como dos ambientes naturais. A transdisciplinaridade valoriza o conhecimento disciplinar, mas o compreende como limitado e insuficiente para promover a auto-eco-heteroformação que amplia a formação humana por articular cultura científica, cultura das humanidades, tradições, multiculturalismo, lendas, artes, literatura. Nesta perspectiva, a educação busca construir processos de ensino que articulam na formação humana: razão, emoção e corporeidade. E valorizam a cidadania planetária, a responsabilidade socioambiental e a ética planetária. Referências ARÁUJO, Seila Maria de, FERREIRA, Jaime Ricardo. Projeto Político Pedagógico: Escola sustentável e feira de ciências: Reflexões e ações em torno da fabricação de sabão artesanal 137 Construindo a autonomia da Escola de Tempo Integral. In: MACEDO, Ermione Isabel dos Santos, [et al]. Escola de Tempo Integral: um convite à reflexão. Goiânia: Aliança, 2010. BARBOSA, Maria Carmem Silveira e HORN, Maria da Graça Souza. Projetos pedagógicos na educação infantil. Porto Alegre: Artmed, 2008. CORSINO, Patrícia. Trabalhando com projetos na educação infantil. In: CORSINO, Patrícia (org). Educação infantil – cotidiano e politicas. Campinas, SP; Autores associados, 2009. FERNÁNDEZ, Fernando. Transgressão e mudança na educação: os projetos de trabalho. Porto Alegre: Artmed, 1998. LOPES, Amanda Cristina Teagno. O registro de Práticas Pedagógicas produzido por professores. In: ____. Educação Infantil e registro de práticas. São Paulo: Cortez, 2009. PENIM, Sonia T.S, VIEIRA, Sofia Lerche. Refletindo sobre a função social da escola. In: DAVIS, Cláudia [etal]; VIEIRA, Sofia Lerche (org). Gestão da escola: desafios a enfrentar. RJ: DP & A, 2002. 138 Lindalva Pessoni Santos, Marilza Vanessa Rosa Suanno Anexo 1 139 Alfabetização na escola magsul: aprendendo a ler a palavra e o seu mundo Maria de Fátima Viegas Josgrilbert1 João Henrique Suanno2 “A leitura do mundo precede a leitura da palavra” Paulo Freire (1988) Pretendemos narrar neste texto, o movimento de construção de uma forma de alfabetizar, diferenciada, mais dinâmica e próxima da realidade, construída pela equipe pedagógica da Escola Magsul de Ponta Porã, Mato Grosso do Sul. A alfabetização é um processo ligado à construção do conhecimento. Sabemos que existem muitas formas de alfabetização: alfabetização matemática, alfabetização musical, alfabetização tecnológica, entre outras, entretanto, neste texto, vamos enfatizar apenas a forma de ensinar a ler e a escrever, no período escolar relativo ao primeiro ano do Ensino Fundamental. A teoria de Freinet talvez tenha sido um dos fatores responsáveis pelo surgimento da ideia desse projeto de alfabetização: percebemos que precisávamos sair mais com a criança para a comunidade. Célestin Freinet, assim como Paulo Freire, havia demonstrado que é possível a integração do currículo escolar às ações de fora dos muros da escola e, ao aproximarmos a escola da comunidade, oportunizamos a conscientização e a transformação. 1 Pós-Doutoranda do Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Educação, Linguagem e Tecnologias, supervisionanda do prof. Dr. João Henrique Suanno, PhD. Doutora em Educação na área de Supervisão e Currículo. Diretora da Escola Magsul - Ponta Porã/MS. 2 Professor Dedicação Esclusiva da Universidade Estadual de Goiás - UEG. Professor e Vice-Coordenador do PPGSS em Educação, Linguagem e Tecnologias. Supervisor de pós-doutorado de Maria de Fátima Josgrilbert. 140 Maria de Fátima Viegas Josgrilbert, João Henrique Suanno Começamos a pensar na construção de um projeto que estreitasse as relações entre a escola e o espaço político-social que a circunda dentro de uma abordagem inter/transdisciplinar. 1. Antecedentes da criação do projeto de alfabetização A ideia central do projeto surgiu a partir de duas situações vivenciadas: a primeira foi quando, eu, diretora da escola, junto com uma professora3, tivemos a oportunidade de visitar a casa de Claude Monet em Giverny, nos arredores de Paris. Quando assistimos uma cena que chamou nossa atenção, crianças entre 4 a 5 anos, no meio de um jardim cheio de flores de diferentes nuances, pintando a paisagem. A segunda ocorreu, quando no final deste mesmo ano, visitava o Pão de Açúcar com amigos. Era um dia de semana de pouco movimento e ao chegar no alto do Morro da Urca, encontrei um grupo de crianças, acompanhado de sua professora admirando a Baía da Guanabara e todo o cenário magnífico do Rio de Janeiro, para pintar como viam sua cidade. Essas duas cenas ficaram na memória. Comecei então a pensar, o que teria para mostrar aos alunos, para que eles admirassem o local onde moram? Ponta Porã, uma pequena cidade na fronteira com o Paraguai, uma cidade do interior, sem cinema, teatro e com poucos espaços de lazer. O que teria a revelar para as crianças que ali moravam? Sentia também, que nessa cidade, muitos alunos sonhavam em crescer para estudar em centros maiores e, talvez nunca mais voltassem para a cidade onde nasceram. Fiz um paralelo da cidade onde eu havia nascido, o Rio de Janeiro, e a cidade onde morava agora, Ponta Porã. Lá eu poderia estar levando meus alunos aos museus para conhecerem as obras 3 Prof. Ma. Emne Mourad Boufler, Coordenadora do Ensino Fundamental I da Escola Magsul e responsável por este projeto. Alfabetização na escola magsul: aprendendo a ler a palavra e o seu mundo 141 de artes, ao Jardim Botânico, para estudarem as plantas, aos lugares históricos, ao Jardim Zoológico, a muitos lugares. E na pequena cidade onde trabalhava agora? Inicialmente, parecia que nada tinha a oferecer. Com saudades, fui juntando imagens, senti que recordava com carinho e amava o lugar onde nasci. Como diretora da escola, sempre preocupada com as questões pedagógicas, eu desejava que as crianças também vivenciassem esse sentimento, através de um projeto de alfabetização, que além de ensinar a ler, ensinasse a amar a cidade onde nasceram. Assim, encontrei o tema: o amor pelo lugar onde nascemos e fomos criados; a valorização do mundo que nos cerca. Conversei com a coordenadora e com as professoras da escola, que adoraram a temática; juntas começamos a estudar propostas de alfabetização. A proposta inicialmente chamou-se: “Só ama quem conhece: Ponta Porã minha cidade” e posteriormente foi chamada de “Alfabetização pela Palavra Viva”, uma vez que poderia ser aplicada em outros lugares. Este novo título aflorou, procurando mostrar a importância do sentido da palavra para a criança, que ao aprendê-la, passa a compreender sua função social e os seus significados, uma proposta para crianças inspirada na Pedagogia do Oprimido de Paulo Freire. Este autor afirma que: “[...]alfabetizar-se não é aprender a repetir palavras, mas a dizer a sua palavra, criadora de cultura” (FREIRE, 2003, p. 18). Desta forma, a proposta tem como objetivo proporcionar uma alfabetização que visa à leitura das palavras e o seu significado, na busca da compreensão da sociedade em que está inserido, de seu papel como cidadão, tendo a consciência de que faz parte da história e, também de um planeta, devendo ser responsável por suas ações e pela construção da sociedade. 142 Maria de Fátima Viegas Josgrilbert, João Henrique Suanno 2. Reflexões sobre a fundamentação do projeto A escolha de trabalhar com projetos na escola e abandonar a proposta disciplinar apoiada em livros didáticos, foi uma ousadia vivenciada por essa escola no final da década de 1990, quando surgiu a nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei 9.394/96) democratizando o ensino e dando maior autonomia à escola. Esta ousadia foi gerada por uma coragem que suscitou também uma mudança de atitude, causada por uma série de constatações; entre elas, por sentir a necessidade de superação dos ideais tecnicistas e hierarquizantes, provenientes da Lei 5.692/71, Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, que já se apresentava descontextualizada e fragilizada diante dos ideais de cidadania da Nova República. Encontramos respaldo nos estudos de Libâneo que afirmam: A escola que conseguir elaborar e executar, num trabalho cooperativo, seu projeto pedagógico-curricular, dá mostras de maturidade de sua equipe, de bom nível de desenvolvimento profissional dos seus professores, de capacidade de liderança da direção e de envolvimento da comunidade escolar (2013, p. 126-127). A escola precisava ampliar seus objetivos que estavam centrados nos conteúdos escolares, passando a ser formadora do ser humano na sua vida individual e coletiva, deixando de ser reprodutora de conteúdos ou, simplesmente informadora. Não se justificava mais um ensino desatualizado, mecânico, fragmentado, com um currículo centrado em conteúdos e organizado disciplinarmente, distanciado da vida do aluno e das necessidades sociais. Era hora de “repensar a Educação e a Escola para favorecer a compreensão dos alunos de si mesmos e do mundo que os rodeia” (HERNANDEZ, 1998, p. 79). Alfabetização na escola magsul: aprendendo a ler a palavra e o seu mundo 143 O projeto também vislumbrava a almejada cidadania para todos. Portanto, as mudanças curriculares deviam acontecer: sem exclusão, com igualdade e equidade e com os direitos sociais básicos garantidos, objetivos perseguidos por perceber o aluno, não como mais um, mas como um ser humano que precisa ter direito a uma vida melhor, valorizando-se a si mesmo e aos outros, ou melhor, valorizando a sua vida e a vida do planeta, a partir do processo educativo. Tendo a ética como condutora do processo, fruto da conscientização e compreendida como tudo que se relaciona ao ser humano, como sustentáculo da felicidade e dos mais preciosos valores. Com esses pensamentos é que resolvemos modificar a escola, começando pelo processo de alfabetização, que deveria acontecer tendo como base um projeto significativo para a criança. O trabalho pedagógico foi um movimento importante dentro da escola, e neste sentido foi preciso criar algo nosso. O caminho foi traçado em conjunto: trocaríamos o isolamento e a solidão do trabalho pedagógico disciplinar, pelo diálogo, pela parceria, que requer um trabalho centrado em projetos; trocaríamos o ensino mecânico e fragmentado, pelo ensino contextualizado, coerente que visa à compreensão; trocaríamos o ensino que visa à formação de um adulto no futuro, para a construção do sujeito a partir da infância; trocaríamos o ensino informativo centrado no professor de forma unilateral, para uma aprendizagem de trocas, de descobertas, de pesquisa, de parceria - do professor dono do saber, para o professor que humildemente compartilha a busca do conhecimento com o aluno (JOSGRILBERT, 2004, p. 31). Por pensar na construção da cidadania e da identidade, o tema não podia ser outro: o conhecimento da cidade onde as crianças habitam. A sua elaboração seguiu alguns critérios: o projeto precisou ser completamente construído, pensado e discutido para que não houves- 144 Maria de Fátima Viegas Josgrilbert, João Henrique Suanno se dúvidas sobre o seu desenvolvimento; precisa sempre ter flexibilidade para adaptação de aprendizagens; e a avaliação precisa acontecer constantemente para que possa ser reavaliado e mudado, caso seja necessário. Tais critérios estabelecidos foram de suma importância para almejarmos o objetivo principal de atingir a qualidade de ensino e a formação, atendendo à comunidade em que está inserido. Há de se levar em conta que construir um projeto próprio, gera autonomia na escola, fortalece o espírito de equipe, principalmente quando são envolvidos diferentes atores do processo. Quando juntos, eles assumem em parceria, a responsabilidade da organização do trabalho escolar. É nessa coparticipação, nas ações em relação ao ensino e à aprendizagem, na busca de atingir um ensino de qualidade, contextualizado com a realidade vigente na comunidade, em que a escola está inserida, que se desenvolve um grupo dentro da escola e faz com que esse espírito de equipe seja restabelecido e fortalecido. Libâneo enfatiza que essa coparticipação resulta: [...] do empenho nas formas de gestão da escola um vínculo mais estreito com a comunidade. A autonomia propicia aos professores mais liberdade para travar relações com a comunidade local e fazer outras parcerias. Tomando-se a gestão e a autonomia nesse sentido, a organização escolar transforma-se em espaço educativo, em lugar onde todos podem aprender permanentemente (2013, p. 160). Ao começarmos a elaboração do projeto de alfabetização, tínhamos a consciência de que esta fase escolar é muito importante. Por este motivo, precisa ser agradável e partir da realidade da criança, além de se observar o alarmante índice de insucesso que ocorre neste período escolar. Por tudo isso, buscamos uma forma de levar a criança a aprender a ler e a escrever brincando e se relacionando com os outros e com a sua vida. Alfabetização na escola magsul: aprendendo a ler a palavra e o seu mundo 145 O Projeto Alfabetização pela Palavra Viva fundamenta-se na concepção de que a criança desde pequena carece aprender, uma vez que tem a ânsia de conhecer mais e de explorar o espaço em que vive; processo este que faz parte natural da sua idade. A alfabetização objetiva, sob este aspecto, conhecer o âmbito da cidade em que habita e descobrir de forma agradável, desfrutando da convivência em grupo, no qual todos aprendem conjuntamente. Nesse contexto, trabalhar em grupo, cria as possibilidades de comparar diferentes percursos, proposições, situações em que as diferenças individuais e coletivas, tornam-se grandes recursos para se compreender e, porque não ousar dizer, tomar consciência do seu próprio percurso, considerando-se que a criança atualmente encontra-se conectada a vários recursos tecnológicos que a atraem. E o que acontece na escola? Precisa ser um espaço atrativo, para que o processo ensino/aprendizagem se efetive de uma forma agradável e significativo. A alfabetização vista nesse ângulo torna-se um processo de conscientização, na qual a valorização da cultura do aluno e da sua comunidade é priorizada e compreendida. 3. Primeiros passos da proposta: o material didático e a metodologia A equipe da escola, em comum acordo, decidiu que, para alfabetizar não são necessários livros, cartilhas ou apostilas, que este processo pode acontecer de uma forma mais natural, prazerosa e ir se desenvolvendo de acordo com o interesse e o desenvolvimento das crianças. Neste sentido, qual é o material de apoio utilizado? Estudando, discutindo e analisando o processo de alfabetização, a equipe de professores da Escola Magsul decidiu que a alfabetização deve 146 Maria de Fátima Viegas Josgrilbert, João Henrique Suanno acontecer de forma gradual, partindo do interesse do próprio aluno. Logo, o material de apoio é construído junto com os alunos. Qual a metodologia de ensino adotada? Optamos por alfabetizar a partir do som das letras, logo a base é o método fônico e a partir daí trabalhamos as famílias silábicas. Como são escolhidos os fonemas? Os fonemas são escolhidos em grupos de 4 ou 5 para serem apresentados em conjunto: primeiro as vogais e depois as consoantes tendo a preocupação de não apresentar consoantes do mesmo grupo sonoro. Por exemplo: as consoantes P e B são bilabiais, não devem ser apresentadas juntas para evitar possíveis confusões sonoras; o mesmo acontecendo com as fricativas F e V e, assim sucessivamente. O trabalho também deve ser inter/transdisciplinar, ou seja, para que os alunos compreendam uma dúvida, eles utilizam a contribuição das diversas disciplinas, atingindo a compreensão para além da escola, para a vida. Compreendendo que a interdisciplinaridade e a transdisciplinaridade são duas teorias que se completam. Conforme Moraes (2008, p. 63): “[...] ambos os conceitos estão associados a algo muito mais amplo e profundo relacionado com a compreensão do funcionamento do real, além do processo de construção do conhecimento”. Esta autora complementa que: “Com a interdisciplinaridade integramos, e com a transdisciplinaridade transcendemos a subjetividade objetiva do sujeito que conhece,” (IBID., p. 65). Portanto, são conceitos harmônicos que se completam. O processo de alfabetização começa com uma brincadeira sugerida pela professora, que na verdade, é o início de um processo de pesquisa, sendo o primeiro grupo, o composto pelas vogais: vamos descobrir em nossa cidade lugares que começam com o som de A? Logo, as crianças vão enumerando diversos locais representativos: aeroporto, árvore, associação comercial, academia de ginástica, Alfabetização na escola magsul: aprendendo a ler a palavra e o seu mundo 147 açougue, entre outros. As professoras sugerem que os pais passeiem com seus filhos apresentando diferentes lugares que começam com A, para que a família também participe do processo. Depois disso, as crianças escolhem onde gostariam de ir para conhecer melhor. Assim, a cada dia, as professoras trazem um som para ser pesquisado e vão decidindo os locais escolhidos para visitarem. Quando são escolhidos os cinco lugares correspondentes às cinco vogais, está na hora de planejar um passeio para conhecer melhor a cidade. Nesta etapa do projeto, as crianças ficam eufóricas, pois participam de todo o processo. O dia do passeio é uma festa! Cabe destacar, que existe toda uma preparação para o passeio. A coordenação da escola entra em contato com os responsáveis pelos locais a serem visitados, agenda o horário, contrata um ônibus, enquanto que as crianças elaboram perguntas a serem feitas nesses locais e traçam o caminho a ser percorrido. Este mesmo trabalho é desenvolvido com cada grupo de consoantes. Durante o passeio, são tiradas fotos que vão ser utilizadas na construção do material de apoio ao processo de alfabetização. A cada ano o trabalho acontece de forma diferente, dependendo do local onde acontece o passeio. Isto pode ser verificado nos cartazes apresentados a seguir de anos diferentes (Figura 01). Figura 01: Material confeccionado a partir do passeio do projeto “Alfabetização pela Palavra Viva”, Escola Magsul. 148 Maria de Fátima Viegas Josgrilbert, João Henrique Suanno Cada letra se torna um projeto interdisciplinar, pois as crianças ficam sabendo o funcionamento e as curiosidades do local. Assim, a alfabetização ultrapassa a simples leitura e vai acontecendo em vários planos, os conhecimentos vão sendo construídos de forma inter/transdisciplinar. (Figura 02). Figura 02: Visita ao Dentista e o aprendizado de hábitos de Higiene Bucal Assim os cartazes e os textos de leitura, vão sendo construídos. A proposta vai sendo elaborada, a partir de visitas aos locais da cidade, onde está situada a escola, que são fotografados pela professora, junto com as crianças. O material é construído ao longo do processo, oportunizado pelas diferentes visitas, pelas fotografias e pelos textos elaborados pelas crianças em conjunto com a professora após cada passeio. Inicialmente, os textos são feitos oralmente e a professora os transcreve no quadro. Aos poucos, as crianças começam a construir seus próprios textos. Desta forma, ficam identificados os passos que devem ser percorridos para a efetivação do processo: 1-escolha dos locais a serem visitados de forma participativa com os alunos e discussão sobre o que desejam conhecer; 2-elaboração oral do trajeto, discutindo os diferentes caminhos; Alfabetização na escola magsul: aprendendo a ler a palavra e o seu mundo 149 3-elaboração de entrevistas de acordo com os interesses; 4-passeio, fotos; 5- informações sobre o local visitado (Figura 03); 5-construção do texto sobre a visita (Figura 04); 6-exercícios de oralidade, raciocínio lógico, ciências, história, geografia, matemática ou outros necessários ao desenvolvimento do processo. 7-formação e leitura de palavras de forma lúdica; 8-integração dos diversos conteúdos em torno dos lugares visitados. Todo o material de apoio é construído a partir das crianças, nada é previamente impresso. Figura 03: Visitas ao Aeroporto Municipal e à Empresa de Energia: projeto “Alfabetização pela Palavra Viva”, Escola Magsul. Figura 04: Produção de texto de uma aluna de 6 anos: “Alfabetização pela Palavra Viva”, Escola Magsul. Desta forma, as 150 Maria de Fátima Viegas Josgrilbert, João Henrique Suanno aulas giram em torno dos passeios, das entrevistas e das fotografias, não existindo a preocupação com conteúdos programáticos isolados, mas com o conhecimento integrado de forma interdisciplinar. Optávamos por uma mudança de visão de mundo, uma nova forma de relacionar o todo e suas partes. Da ênfase mecanicista nas partes, passamos a verificar a importância de se enxergar a totalidade do fenômeno” (JOSGRILBERT, 2004). Ressalta-se que a interdisciplinaridade não pretende acabar com as disciplinas, mas utilizar os conhecimentos de várias delas na compreensão de um problema, na busca de soluções, ou para entender um fenômeno sobre vários pontos de vista. Daí concluiuse que “o conhecimento das informações ou dos dados isolados é insuficiente” (MORIN, 2000 p. 36). A interdisciplinaridade é, portanto, um instrumento que na proposta da reforma curricular aponta para estabelecer na prática escolar interconexões e passagens entre os conhecimentos através de relações de complementaridade, convergência ou divergência, percebendo o processo de aprendizagem numa amplitude maior. Sob essa ótica, o professor precisa estar preparado para perceber essas questões teóricas e lidar com elas, demonstrando uma nova atitude frente à realidade, procurando compreender a totalidade dos fenômenos, uma vez que os estudos projetados pretendem revelar, segundo Fazenda uma “nova perspectiva nas questões de identidade, a interdisciplinar, na qual o que importa não é tentar explicar as causas das ações e representações dos indivíduos sob determinada situação, mas compreendê-las a partir da forma como elas ocorreram”. (FAZENDA, 1999, p. 47) Portanto, a interdisciplinaridade se concretiza nas ações e no planejamento do “Projeto Alfabetização pela Palavra Viva”, elaborado e, posteriormente, nos passeios, na sala de aula, buscando-se a Alfabetização na escola magsul: aprendendo a ler a palavra e o seu mundo 151 compreensão do processo vivenciado como um todo. Por exemplo, quando se trabalha a letra A, no caso aqui citado, aeroporto, busca-se a compreensão de outras palavras que iniciam com a letra, os diferentes meios de transporte, a localização geográfica da cidade, mapeamento, o ar em movimento, o tempo, o clima, a motricidade ampla e fina. Desta maneira, o projeto vai sendo construído a cada ano, sem ser engessado e sim adaptado à realidade da comunidade e da curiosidade daquela turma ou de cada criança, em determinado ano. Conhecendo a comunidade, as crianças começam a refletir sobre seus direitos, deveres, suas possibilidades sociais, dialogam, desenvolvem a atitude crítica e a noção de historicidade. Vão construindo a sua cidadania de forma ativa. Muitas vezes, passam a conhecer locais que nem mesmo seus pais haviam visitado e que dificilmente iriam se não fosse oportunizado pela escola. A cartilha perde sua função, pois os textos de leitura são criados em conjunto, professora e alunos, tornando-se o registro das atividades vividas. 4. Um passeio Um passeio sempre deve ser muito bem planejado para que seja realmente motivador. Os responsáveis pelas crianças são comunicados antecipadamente. Os locais a serem visitados também são informados através de ofícios e a coordenadora contata-os para verificar se é possível o atendimento para que não prejudique a rotina de trabalho. Na sala de aula as crianças também são preparadas para saberem o que devem observar e o que querem perguntar. O primeiro grupo de consoantes é o: V, D, L, M. Neste ano de 2014, por exemplo, os locais escolhidos para o passeio foram: Verde-vida (restaurante), Laboclínica (laboratório de análises clínicas), Daron (loja de eletrodomésticos), Mateplás (venda de produtos variados) (figura 05). 152 Maria de Fátima Viegas Josgrilbert, João Henrique Suanno Figura 05: Passeio do projeto “Alfabetização pela Palavra Viva”, Escola Magsul. Locais de Passeio na sequência: Restaurante “Verde Vida”; Lojas de Eletrodomésticos “Daron”; Laboratório de Análises Clínicas “Laboclínica” e; Loja “Mateplás”. Destaca-se, como um exemplo, que no passeio ao restaurante Verde Vida buscou-se trabalhar a importância de uma alimentação variada para o bom desenvolvimento e crescimento saudável da criança e, este trabalho continua na escola e, chega até a família. Na escola, complementamos esses ensinamentos, pois utilizamos o lanche coletivo que é aprovado, pela grande maioria dos pais, na qual cada criança, isto é, o seu responsável, traz o lanche da turma em um determinado dia. O cardápio é elaborado com a orientação de uma nutricionista, e busca equilibrar a alimentação, não havendo no cardápio frituras e refrigerantes, dando preferência a sucos naturais, salgados assados e frutas, o que facilita aos educadores trabalhar a importância da alimentação saudável, uma vez que as crianças muitas vezes não gostam de comer legumes e frutas. As professoras percebem que muitas crianças, às vezes, conhecem as frutas, mas dizem que não gostam e por meio do trabalho feito pelas educadoras, eles provam e acabam gostando, não podemos incluir todos, mas percebe-se que a grande maioria passa a consumir alimentos que antes não gostavam. Vale destacar que, durante o passeio deste ano, ao local citado, a nutricionista do restaurante, apresentou um bolo e não disse do que era feito. Os alunos comeram acreditando que era de chocolate, pois o bolo tinha a cor parecida e adoraram. Logo após, a nutricionista disse que o bolo Alfabetização na escola magsul: aprendendo a ler a palavra e o seu mundo 153 era de feijão, e eles não acreditaram, mas disseram que gostaram, e levaram para casa a receita para que pudessem comer novamente. Com este exemplo, é possível compreender que relações se estabelecem: com os passeios, com a alfabetização, com os conhecimentos adquiridos dentro e fora da escola e com a família, ultrapassando os muros da escola e transformando a aprendizagem em atividades significativas. Durante as visitas, as crianças conhecem o funcionamento desses locais, conversam com os responsáveis, tendo a oportunidade de aprender muitas coisas além do currículo, o mesmo acontecendo com os professores. Quando retornam à escola desenham o trajeto percorrido, introduzindo-se assim as noções de cartografia, entendendo o que os mapas representam (Figura 06). Cada passeio oportuniza uma gama de conhecimentos que vão além dos objetivos do projeto. Figura 06: Atividade: Aprendendo e discutindo sobre trajetos. 154 Maria de Fátima Viegas Josgrilbert, João Henrique Suanno Ao ultrapassar os muros da escola, as crianças aprendem em diferentes espaços ou cenários, ampliando sua visão de mundo. “O esforço em aproveitar os distintos cenários para conseguir novas conquistas nos faz pensar na necessidade de ter uma visão transdisciplinar e pode ir além do puramente acadêmico” (MAURA, 2008, p. 348). Por este motivo denominamos a nossa metodologia de inter/transdisciplinar, pois ensinamos dentro de uma perspectiva global que faz com que os alunos saibam e sintam que são membros de uma comunidade. 5. Considerações Finais Essa proposta, ora apresentada, está sendo aplicada na Escola Magsul desde 1999 e seus resultados têm sido significativos, pois o índice de alfabetização chega a 100% e a motivação tanto de professores como de alunos justificam sua continuidade. A ideia de aprender a ler e escrever conhecendo a cidade e extraindo dela os conhecimentos foi uma forma de colocar em prática a teoria inter/transdisciplinar, pois os conteúdos curriculares são aprendidos através de fatos da vida real, ensina-se a totalidade do fenômeno, sem abandonar os conteúdos disciplinares, mas colocando-os em segundo plano, como ferramentas de auxílio à compreensão. As crianças visitam ou revisitam a cidade de Ponta Porã, sob uma nova perspectiva, pois são conduzidas em um processo de curiosidade e na busca por uma nova percepção do espaço visitado. Conhecem o funcionamento dos órgãos que a constituem e depois simulam situações na sala. O real e o imaginário se mesclam para uma melhor aprendizagem, o que desperta a curiosidade e a busca por novos elementos. O projeto “Alfabetização pela Palavra Viva” apesar de ter um Alfabetização na escola magsul: aprendendo a ler a palavra e o seu mundo 155 caminho traçado, a cada ano ganha as características das turmas e das professoras que com ele trabalham. Com este projeto, os alunos aprendem a ler a palavra e o seu mundo! O registro do processo é efetivado pelas fotografias e pelos textos elaborados pelas crianças. Hoje, com a utilização deste projeto, a alfabetização tem um aspecto lúdico, não sendo utilizado a cartilha, ou material previamente impresso, respeitando-se o desenvolvimento do aluno e do grupo. E desta maneira tem dado certo! Para isso, porém, é necessário conhecermos e atualizarmos os diferentes métodos de alfabetização e, que a equipe pedagógica reflita em conjunto sobre cada passo dado, estudando os teóricos que abordam esta problemática, como: Emília Ferreiro, Vygotsky, Paulo Freire, procurando retirar deles o que é possível, para ajudar-nos na efetivação do processo. Os referenciais teóricos são escolhidos na medida em que vão ajudando a concretizar as propostas do projeto, e desta maneira, como nossos parceiros, juntos vamos auxiliando as crianças na construção do seu próprio conhecimento. De todas as propostas que construímos para ensinar a leitura e a escrita, a “Alfabetização pela Palavra Viva” foi a que consideramos mais completa e interessante. Se observarmos crianças aprendendo a falar, poderemos constatar que elas começam exercitando barulhos, imitando ruídos e sons de animais, para depois articularem as palavras. Os ruídos para ela expressam algo, têm significados. Seguimos a mesma lógica para a leitura. Começamos pelos sons para chegarmos às sílabas, às palavras, às letras. Além de que, ao visitarmos os elementos constitutivos da cidade, para deles extrairmos o som inicial que nos auxiliará na formação de novas palavras, estamos conhecendo este órgão na totalidade e assim praticando a interdisciplinaridade. Ao visitarmos um 156 Maria de Fátima Viegas Josgrilbert, João Henrique Suanno banco, por exemplo, para isolarmos o som do fonema “b”, as crianças conhecem suas funções, verificam como abrir uma conta bancária e quais os documentos necessários, aprendem como se usa o cartão de crédito, o caixa eletrônico e o cheque, elas entrevistam o gerente, além de terem o prazer de visitar um local considerado somente para adultos, conhecendo-o melhor. Desta visita, inúmeras atividades podem surgir e as crianças aprendem, porque vivem o processo de aprendizagem. E a cidade, que inicialmente, parecia ter pouco a oferecer, se mostrou rica de elementos que passaram a contribuir diretamente com a alfabetização, surgidos da própria vida da comunidade, como base do processo. Conversando com as mães sobre o que acham da alfabetização de seus filhos, temos tido as seguintes respostas: - ele compreende que as letras têm um som e a partir daí começa a entender o processo de ler; - meu filho aprendeu rápido; - minha filha não quer perder um passeio, ela aprende muitas coisas e gosta de contar as novidades; - meu filho entrou no meio do ano, ele já sabia muitas coisas, mas fiquei impressionada como ele progrediu nestes dois meses. As falas das mães demonstravam a satisfação com a maneira de como está sendo conduzido o processo de alfabetização. Vale ressaltar que, os passeios são feitos em três bimestres, de fevereiro a setembro, sendo que no quarto bimestre, as crianças já estão lendo e trabalham a leitura de frases e pequenos textos. Destaca-se ainda, que o tempo de cada criança é diferente e que algumas começam a ler fluentemente antes das outras, se encantam quando compreendem a junção dos sons para formar palavras que têm significado. Assim, vamos construindo nosso currículo escolar, a partir Alfabetização na escola magsul: aprendendo a ler a palavra e o seu mundo 157 de uma abordagem inter/transdisciplinar. Desejamos construir na escola uma visão mais ampla da educação “não como um produto acabado, mas que vai sendo construído à medida que seu próprio crescimento acontece e que tudo o que está ao redor do indivíduo vai servir para o seu desenvolvimento intelectual, linguístico, (...)” (MAURA, 2008, p. 342). Esta é a essência do Projeto Alfabetização pela Palavra Viva da Escola Magsul! REFERÊNCIAS FAZENDA, Ivani. Práticas interdisciplinares na escola. 6. ed. São Paulo: Cortez, 1999. FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido. 35. ed. Rio de Janeiro,: Paz e Terra, 2003. FREIRE, Paulo. A Importância do Ato de Ler: em três artigos que se completam. 22 ed. São Paulo: Cortez, 1988. HERNANDEZ, Fernando. Transgressão e Mudança na Educação. Porto Alegre: Artmed, 1998. JOSGRILBERT, Maria de Fátima Viegas. O sentido do projeto em educação: uma abordagem interdisciplinar. Tese de doutoramento. PUC/SP, 2004. LIBÂNEO, José Carlos. Organização e gestão da escola: teoria e prática. 6. ed. revista e ampliada. Goiânia: Editora Alternativa, 2013. MAURA, Maria Antonia Pujol. A Transdisciplinaridade na Educação Infantil. In: TORRE, Saturnino de La; MAURA, Maria Antonia Pujol; MORAES, Maria Cândida. Transdisciplinaridade e ecoformação: um novo olhar sobre a educação. São Paulo: TRIOM, 2008, MORAES, Maria Cândida. Interdisciplinaridade e Transdisciplinaridade na Educação: Fundamentos Ontológicos e Epistemológicos, Problemas e Práticas. In: TORRE, Saturnino de La; MAURA, Maria Antonia Pujol; MORAES, Maria Cândida. Transdisciplinaridade e ecoformação: um novo olhar sobre a educação. São Paulo: TRIOM, 2008, MORIN, Edgar. Os sete saberes necessários à educação do futuro. São Paulo: Cortez; Brasília, DF: UNESCO, 2000. 159 Os Sentidos da Escola VILA Os Sentidos da Escola VILA Patricia Limaverde Morena Limaverde RESUMO O texto descreve e discute alguns cenários transdisciplinares de aprendizagem, como atos de currículo da Escola VILA de Fortaleza, no Ceará. Compara, em termos gerais, os sistemas sociais aos sistemas vivos. A Escola VILA, sendo considerada como um sistema social educativo, possui códigos particulares compartilhados por todos que a compõem. Tais códigos expressam diferentes categorias de sentido. O texto investiga essas categorias de sentido e propõe uma educação liberadora a partir da convivência, do compartilhamento de códigos sociais transformadores e criativos, do refinamento sensível das percepções e, consequentemente, das ações pedagógicas por parte do educador. Palavras-chave: transdisciplinaridade; educação sensível; sistemas sociais; Escola VILA É interessante notar que as funções básicas de qualquer ser vivo estão organicamente definidas desde a primeira célula que o originou. Cada célula contém o potencial de todo o ser vivo impresso em seu código nuclear. A partir de determinadas causas e condições, cada célula revela sua natureza específica e expressa seus sentidos e funções, compartilhando dos mesmos códigos das demais células que compõem o ser vivo. Mesmo imbuídos num estado de determinismo estrutural, as mudanças e mutações acontecem a todo momento, nos modificando e nos afetando diretamente. Essa é a dança da vida: oscilamos entre determinismo e transformações criativas a cada instante. Os sistemas sociais, de certa forma, são regidos pelas mesmas características biológicas dos sistemas vivos: 160 Patricia Limaverde, Morena Limaverde • são sistemas abertos trocando energia, matéria e informação com o meio; • possuem um conjunto de códigos compartilhados entre todos os seus elementos, ou seja, os membros de um mesmo sistema social compartilham códigos como paradigmas, regras de conduta, normas, dogmas e valores que dão sentido e função a suas atitudes; • possuem reprodução e hereditariedade, ou seja, sistemas sociais possuem a tendência de conservar e reproduzir seus códigos nucleares ao longo do tempo, geração a geração. Podemos evidenciar isso em sistemas sociais como a instituição escolar, as igrejas, empresas, etc.; • mesmo com a tendência à conservação, por serem sistemas dinâmicos e em interação com outros, são passíveis de combinação gênica entre sistemas sociais distintos, ou seja, eles podem mesclar seus códigos internos e dar origem a novos sistemas sociais; • apresentam mutações ao longo da história evolutiva; • exibem homeostase, ou seja, possuem capacidade adaptativa em relação ao meio em um processo de equilíbrio dinâmico; • estão sujeitos à evolução como requisito adaptativo às pressões ambientais; • devido à deriva evolutiva, há uma grande diversidade de sistemas sociais. No caso dos seres vivos, seus códigos nucleares são evidenciados a partir de seu genoma específico. No caso dos sistemas sociais, quais seriam seus os códigos nucleares? Segundo Morin “todos os imprintings culturais recebidos desde o nascimento, depois na escola e na vida social, determinam nos indivíduos (exceto nos rebeldes e desviantes) seus princípios de conhecimento e suas visões de mundo.” (MORIN, 2013, p.196) Os Sentidos da Escola VILA 161 Para Moraes (2003), o conjunto dos códigos compartilhados em um sistema social, pode ser denominado de paradigma, ou seja “um paradigma impera sobre a mente ao estabelecer conceitos soberanos e relações lógicas de disjunção que se realizam sob o seu domínio. Seria um conceito nuclear, a partir do qual outros discursos convergem, giram, dançam ao seu redor.” (MORAES, 2003, p.139) Ainda de acordo com Moraes (2003), cada sujeito conhece, pensa e age de acordo com os paradigmas que estão inscritos culturalmente nele. Nossos sistemas de ideias, nossos pensamentos são organizados de acordo com eles, de acordo com eles, de acordo com aquilo que se acredita. É algo que está impregnado em nós mesmos e, na maioria das vezes, não percebemos. Concordamos com Edgar Morin (1992:190), quando diz: “o paradigma é inconsciente, mas irriga o pensamento consciente”. (MORAES, 2003, p. 140 – 141) Com relação aos códigos dos sistemas sociais, portanto, eles não possuem substância física, são na verdade ideias, conceitos, preconceitos, normas, regras, dogmas, mitos, arquétipos e outros itens de natureza abstrata e cultural, que são compartilhados em algum contexto social. Culturas diferentes definem sistemas sociais diferentes pois seus membros compartilham códigos culturais específicos conferindo uma identidade relativa ao sistema a que pertencem. Para Maturana (2013), todos temos uma história cultural e crescemos considerando certas coisas como válidas desde pequenos. Nós podemos transformar nossas realidades culturais, mas para isso precisamos refletir sobre os códigos culturais que reproduzimos muitas vezes de forma involuntária. De acordo com Maturana (2013), a saída para que possamos transformar nossas realidades passa justamente pela reflexão a respeito desses códigos submersos no nosso cotidiano: porque penso assim? como posso saber se isso é verdade? porque aceito 162 Patricia Limaverde, Morena Limaverde isso como verdadeiro? Somente a partir de reflexões revelamos os códigos submersos no nosso agir e, assim, poderemos escolher novos caminhos na co-construção de um mundo. Se alguém se pergunta sobre os fundamentos de como é e está sendo no mundo, se reflete sobre si e sobre suas ações, obviamente terá condições de escolha e transformação de seu fazer no mundo. Então, o ato de reflexão, de buscar saber que códigos reproduzo para fundamentar o que penso, é um ato de liberação. Porém, Maturana (2013) ainda nos diz que só poderemos realmente refletir sobre nós mesmos se nos desapegarmos de nossos próprios padrões de conduta, se ousarmos ir além de nossos domínios de ação e existência. Para ele, somente quando nos desapegamos podemos ver e pensar sobre nossas próprias circunstâncias. Assim, quando voltamos nossa atenção ao sistema social educativo, no sentido de podermos refletirmos e revelarmos seus códigos submersos do cotidiano escolar, podemos entender os potentes fundamentos de formatação, verdadeiros paradigmas, existentes em seu modelo. Podemos, de forma livre e desapegada, ousar perceber o que realmente é aprendido na escola, o que vai muito além de simples conteúdos disciplinares. O substrato presente em nossa cultura e que permeia a escola refere-se a dogmas e ideias paradigmáticas que muitas vezes nem percebemos. Para Moraes (2003), ao refletirmos sobre os códigos subjacentes no cotidiano da maioria dos sistemas sociais, revelamos algumas características: Desta forma, no pensamento simplificado subjacente ao modelo de pensamento tradicional presente na ciência clássica, prevalece a disjunção e a redução que condicionam um certo tipo de pensamento, uma determinada visão de mundo disjuntiva que divide realidades inseparáveis, que separa o sujeito do objeto, o indivíduo do contexto, o biológico do físico, o humano do biológico, a história da geografia, a mente e o corpo e a teoria da prática e, assim, sucessivamente. Traduz um pensamento elementar, tradicional, redutor, fragmentado, que não percebe a unidade existente na diversidade e a diversidade presente na unidade, que não compreende o diálogo das partes com o Os Sentidos da Escola VILA 163 todo e do todo com as partes, bem como as múltiplas realidades existentes. É um modelo que somente concebe a unidade e a diversidade no campo abstrato, como duas coisas que não se relacionam ou que estão desarticuladas. (MORAES, 2003, p.141) A partir da reflexão sobre os códigos subjacentes no nosso cotidiano social, podemos revelar tais códigos e suas implicações na co-construção das nossas realidades nos diferentes sistemas sociais a que pertencemos. Revelando os códigos sociais instituídos de forma mais ou menos consciente, poderemos ter a escolha de reinventar, de transformar essas realidades. Para isso, como nos diz Maturana (2013), precisamos nos desapegarmos, nos despojarmos de padrões já instituídos nos aventurando às incertezas inerente a qualquer ato criativo e criador. Para Morin (2013), estamos num processo histórico de metamorfose, de exercício intenso de criatividade social. É na metamorfose que a capacidade criadora da humanidade, enquanto civilização, pode ser restaurada. Tudo está para ser repensado. Tudo está para ser começado. Na verdade, tudo já começou, mas sem que se saiba disso. Estamos ainda na fase das preliminares modestas, invisíveis, marginais, dispersas. Em todos os continentes, em todas as nações, já existem efervescências criativas, uma profusão de iniciativas locais no sentido da regeneração econômica, ou social, ou política, ou cognitiva, ou educacional, ou ética, ou existencial. (MORIN, 2013, p. 41) No início da década de 80, em Fortaleza, no Ceará, surgiu um contexto propício à mudanças no cenário educativo local: mães e pais de família buscavam uma alternativa à educação tradicional, um novo paradigma que fosse embasado nas interligações entre saberes de diferentes áreas do conhecimento, entre teoria e prática, entre pensamento, sentimento e sensações. Uma nova educação onde o corpo, as artes e a convivência com a natureza encontrassem um espaço legítimo no currículo e na didática. 164 Patricia Limaverde, Morena Limaverde No quintal de casa, Fátima Limaverde iniciou o que seria a semente da Escola VILA: um espaço não formal de aprendizagem na convivência, com atividades de artes, artesanato, teatro, música, expressão corporal, plantio e outras ações educativas. Um espaço em que crianças e “orientadores” estabeleciam seus objetivos e realizavam projetos didáticos contextualizados. Tal proposta, que não tinha muitas pretensões, acabou por atrair a atenção de boa parte da cidade, especialmente de professores universitários, jornalistas, artistas, ecologistas e políticos. Em pouco tempo, muitas crianças da cidade começaram a passar suas tardes nesse espaço de convivência. Viam plantas crescerem, colhiam frutas e faziam comida; construíam brinquedos e outros artefatos com sucata, madeira e diversos tipos de materiais; realizavam apresentações artísticas toda semana; faziam campanhas e manifestações socioambientais envolvendo todas as famílias; faziam trabalho de corpo para manutenção da saúde e meditação. Assim, em outubro de 1981, essa semente encontrou o solo apropriado para germinar de maneira formal: nascia a Escola VILA, com um projeto pedagógico inovador em um contexto educativo legal e formalizado. A ideia nuclear de estabelecer um ambiente de aprendizagem vasto, visando o desenvolvimento de habilidades de interação com o meio social, com a natureza e do indivíduo consigo mesmo, num processo de autoconhecimento, repercutiu de diferentes maneiras na composição curricular e na didática próprias da Vila. Como uma semente, ao longo de mais de três décadas, a Escola VILA germinou, brotou, cresceu, estabeleceu-se, frutificou e já semeou outros contextos. A Escola VILA, como um sistema social educativo possui e reproduz códigos sociais mutantes, ou seja, assume sua postura metamorfoseada e produtora de metamorfoses na medida em que influencia condutas e modos de agir que fogem dos padrões comumente estabelecidos e encontrando, inclusive, repercussões em outros sistemas sociais. Os Sentidos da Escola VILA 165 Desta maneira, a Escola VILA, como qualquer sistema social, apresenta ao longo de sua existência um conjunto de códigos compartilhados entre seus elementos, garantindo sua identidade o que a torna uma entidade, comparável a um organismo. Que códigos poderiam compor sistemas sociais educativos criativos e transformadores? Moraes (2003) nos aponta algumas características que devem permear metodologias transformadoras: . a presença de um sujeito ativo, criativo e autônomo; um sujeito auto-organizador, autoprodutor, ao mesmo tempo, autodeterminado em sua estrutura organizacional; . a existência de intercâmbios interindividuais, de processos reflexivos e tomada de consciência mediante processos de auto-organização; . o reconhecimento da importância do contexto, da formação contextualizada associada à tematização do cotidiano; . o aprendiz como investigador, como pesquisador, um sujeito capaz de compreender as diferentes dimensões de um problema [...], capaz de usar diferentes fontes de informações para solução de um problema; . a compreensão da mudança como condição intrínseca a qualquer processo de formação e de aprendizagem; . o reconhecimento da inscrição corporal do conhecimento, da importância do corpo como fonte de informações e de conhecimentos e o papel das emoções no desenvolvimento de ações e reflexões; . a valorização da linguagem emocional nos ambientes de aprendizagem; . a educação como processo de transformação na convivência, o que requer o resgate da ética, a vivência de valores humanos, bem como o prazer em aprender; . a possibilidade de incorporação das incertezas, dos imprevistos e do aleatório nas propostas curriculares; 166 Patricia Limaverde, Morena Limaverde . a integração teoria e pratica e o desenvolvimento de processos reflexivos que potencializem a dinâmica entre elas; . a valorização do processo, da descoberta do caminho, da experiência, da vivência do trajeto e a consciência da importância do momento como produto de circunstancias geradoras de um campo vibracional e energético que nunca se repete; . o reconhecimento do papel relevante do contexto, das circunstâncias, dos ambientes e do clima nos processos de aprendizagem, compreendendo que todo indivíduo é produto e produtor de suas próprias experiências, é causa e causante ao mesmo tempo, em função de sua ação sobre as circunstancias e retroação destas sobre ele, a partir do acoplamento estrutural que ocorre entre sistema vivo e o meio. (MORAES, 2003, p. 163-164) Quando perguntamos o que pode caracterizar o sistema social da Escola VILA, estamos em busca de seus códigos compartilhados. Que conjunto de códigos define a organização da Vila? Esses códigos contemplariam as características “metamorfoseantes” que Moraes citou? Podemos inferir que códigos são informações que produzem algum sentido. A melhor forma de se analisar os códigos é a partir de sua expressão significativa. O DNA, por exemplo, possui sequências inteiras não codificáveis, que não fazem sentido em si mesmas. Assim, nem tudo que está no DNA é, em si, código. Códigos e sentidos estão, portanto, imbricados. Os códigos dos sistemas sociais escolares vão além dos conteúdos curriculares disciplinares. A visão tradicional de currículo é restrita se contempla apenas conteúdos disciplinares. Na verdade o currículo, se entendido sob uma visão ampla, transdisciplinar e complexa, poderia ser todo o conjunto de códigos compartilhados de um sistema social educativo, e incluiria não só os conteúdos dis- Os Sentidos da Escola VILA 167 ciplinares, mas também os valores, os códigos morais, as regras de conduta e outros códigos implícitos nas situações mais usuais de tal sistema. Quais seriam, pois, os códigos compartilhados na Escola VILA que expressam sentido e, desta forma, podem constituir sua identidade? Para encontrar tais características, precisamos compreender o que podemos considerar como “sentido”. Por “sentido”, podemos compreender diferentes categorias de significado. Por exemplo, “sentido” pode ser entendido como: • o próprio significado de algo; • um sentido sensorial, como os cinco sentidos que possuímos no corpo; • uma direção a ser tomada enquanto nos movemos: o sentido do movimento; • um estado sentimental: uma emoção sentida e percebida; • um objetivo traçado para uma meta a ser alcançada: o sentido de determinada ação; • a importância de se realizar algo; • um propósito maior, um significado mais profundo, o “sentido” da vida. Portanto, a palavra “sentido” transita por diferentes significados, envolvendo a inteireza do ser humano, ou seja, perpassa os âmbitos corporal, sensorial, motor, relacional, emocional, cognitivo e até espiritual. Durante as vivências nos Laboratórios de Horta, Farmácia Viva, Pomar e Jardim vivenciados na Escola VILA, por exemplo, podemos notar essas diferentes categorias de sentido: • o contato direto, sensorial, com elementos da flora: a textura, o cheiro, o sabor, as cores e formas de cada parte da planta; a percepção visual e auditiva da planta em seu con- 168 Patricia Limaverde, Morena Limaverde • • • • texto como o barulho de uma fruta caindo, a agitação das folhas ao vento, a interação de outros seres vivos com a planta como os insetos, minhocas, etc.; o microclima que um conjunto de plantas pode criar tornando o ambiente mais sombreado, úmido e prazeroso; o refinamento da percepção atenta e do ato de cuidar na manutenção desses laboratórios ao tentar perceber o que a planta necessita naquele momento: ela precisa de mais ou de menos água? Está sendo atacada com pragas? Suas folhas estão vistosas ou murchas e descoloridas? Ela precisa de mais nutrientes no solo? Precisa de poda? Que indicadores podem nos dar essas informações? que impressões, emoções e sentimentos, que reflexões subjetivas o ato de cuidar das plantas me proporciona? Que vivências compartilhadas entre os colegas de grupo, durante os períodos diários de laboratório, se fazem significativas, produzindo um sentido subjetivo? num sentido cognitivo, quais os objetivos a serem atingidos no trabalho com esses laboratórios? Qual o valor nutritivo dos alimentos da horta e do pomar? Quais os princípios ativos das plantas medicinais da Farmácia Viva? Que plantas cada turma vai cultivar? Qual a origem dessas plantas, seus nomes científicos, suas particularidades de plantio e colheita? qual o sentido maior de se participar dessas vivências nos laboratórios? Qual o propósito dessas vivências para a minha vida? Alem desses laboratórios que envolvem a flora, na Vila trabalhamos ainda os laboratórios de Manutenção, Tecnologia Alternativa, Saúde e Alimentação, e Fauna. Cada um desses laboratórios possui seus sentidos compartilhados. De uma forma breve, descrevo a seguir os demais laborató- Os Sentidos da Escola VILA 169 rios desenvolvidos na Escola VILA sem, no entanto, entrar em detalhes sobre seus sentidos atribuídos: • O laboratório da Fauna é um cenário transdisciplinar que possui um viveiro de animais de diferentes espécies. Nesse ambiente de aprendizagem, os alunos são motivados a desenvolver habilidades de convivência com os animais, bem como a capacidade de observação e contemplação desses seres. São suscitados a pesquisar sobre os sistemas orgânicos de cada grupo de vertebrados e de invertebrados, presenciando aspectos como locomoção, reprodução, alimentação e outras características típicas de cada espécie. • O laboratório de Tecnologias Alternativas é um ambiente criativo de possibilidades de construções de equipamentos e pequenas edificações que possuam em suas concepções a ideia de sustentabilidade e ecodesign. Nesse laboratório vivencial, os alunos entram em contato com tecnologias alternativas de captação de energia solar para aquecimento de água, secagem de frutas e ervas, cozimento de comida; captação e utilização da água pluvial; reutilização de água nas construções urbanas; reciclagem de papel; reutilização de sucata na confecção de objetos de utilidade doméstica. Além de pesquisarem sobre esses aspectos, projetam e executam a construção desses itens. • No laboratório de Manutenção, manter o ambiente limpo, agradável e conservado é o principal objetivo desse cenário de aprendizagem. Nesse laboratório vivencial, os alunos aprendem técnicas de conservação de ambientes, como instalações elétricas e hidráulicas, restauração de móveis, conserto de objetos e aparelhos de uso doméstico. • O laboratório de Saúde e Alimentação é um cenário de aprendizagem composto de uma cozinha experimental 170 Patricia Limaverde, Morena Limaverde para os alunos elaborarem receitas naturais e saudáveis. Pesquisam e elaboram receitas de pratos típicos de diversas regiões do país e do mundo, receitas experimentais, vegetarianas, orgânicas, entre outras. Estudam os valores nutritivos dos alimentos e diferentes formas de balanceamento de cardápios. Além dos oito laboratórios que são vivenciados no cotidiano da Escola VILA, há também cinco espaços de criação, autoconhecimento e transformação que são: 1- Artes Plásticas: ateliê onde o aluno aprende diversas técnicas de artes, desde os mais variados estilos de pintura, escultura, xilogravura, colagem, etc. O objetivo maior é ir além da técnica. É servir de possibilidade de linguagem para expressão concreta, com o auxílio de diferentes materiais, de conteúdos internos como emoções, pensamentos, opiniões, impressões. Noções de equilíbrio e diversidade estética são trabalhadas. 2- Artesanato: ateliê de criação de trabalhos manuais, com diversas técnicas como croché, tricô, corte e costura, macramê, papel machê, etc. A força de vontade e a disciplina são habilidades bastante desenvolvidas nesses ateliês, bem como aperfeiçoamento e destreza. Noções como acabamento e durabilidade são trabalhadas, bem como a ideia de reutilização de itens de refugo, que seriam jogados fora, como embalagens e outros produtos descartáveis. 3- Teatro: expressão teatral, nos mais diferentes gêneros, passando por dramatizações, mímica e clown. Utilizandose do próprio corpo, da própria voz, de gestos, figurinos, máscaras, cenários, os alunos são incitados a representar situações, a se transpor a realidades não vividas, a expe- Os Sentidos da Escola VILA 171 rimentar personalidades diferentes, a mudar de papeis, a refletir sobre os papeis que representam e quais podem desenvolver. 4- Música: desde a iniciação musical até o canto ou a prática de um instrumento escolhido. A música é um tipo de expressão sutil, não visível, mas bastante tocante e reverbera em sentimentos e impressões. Cantar e tocar são habilidades inerentes ao ser humano desde de épocas primitivas. Desenvolver estas habilidades nos reconecta ao ser humano ancestral, que era capaz de utilizar-se da máxima “quem canta seus males espanta” da maneira mais essencial. 5- Corpo: yoga, meditação, tai chi chuan, do-in, técnicas de massagem, são parte do currículo desse ateliê vivencial. Autoconhecimento e a saúde do corpo e da mente são os principais objetivos dessas aulas. Assim como tentamos fazer quando analisamos os sentidos dos laboratórios de Horta, Farmácia Viva, Pomar e Jardim, cada um desses outros cenários transdisciplinares expostos deveria ser refinadamente percebido em seus sentidos possíveis, o que não seria possível no contexto deste breve texto. Essa descrição sucinta dos cenários transdisciplinares de aprendizagem da Escola VILA não expressa a amplitude de diferentes categorias de sentidos que lhes podem ser atribuídos. Para chegarmos ao entendimento mais aproximado daquilo que vem a ser a identidade da Escola VILA, ou seja, seus códigos nucleares compartilhados, necessitamos ampliar nossa visão, nossa percepção, nosso modo de pensar e nos aventurar a explorar sentidos mais profundos do que apenas uma descrição sumária de conteúdos, objetivos ou ações pedagógicas. Num sistema social, a maioria dos códigos são compartilhados de forma não consciente, nem sempre são percebidos e iden- 172 Patricia Limaverde, Morena Limaverde tificados. Assim, torna-se de extrema importância o refinamento sensível do educador para que ele possa perceber cada vez mais os sentidos de suas ações pedagógicas intencionais. Tal refinamento permitiria ao educador uma amplitude criativa e transformadora em relação a sua prática docente. Ampliando nossa percepção abrimos espaço para a expressão mais consciente e sensível de códigos compartilhados através dos sistemas sociais educativos. Adentramos, desta forma, a dimensão da educação sensível. O trabalho da Escola VILA busca portanto expandir, refinar e ao mesmo tempo, aprofundar os sentidos da formação humana. É um caminho de educação transdisciplinar que transgride e transforma, que perpassa as fronteiras disciplinares, indo além, envolvendo dimensões distintas de formação sensível. Busca a inteireza e a diversidade; o autoconhecimento e a convivência atenta ao cuidado com o outro e com a natureza; a compreensão da interdependência e, ao mesmo tempo, o potencial de libertação transformadora de cada um, envolvendo as diferentes dimensões do ser humano, em todos os sentidos. REFERÊNCIAS MATURANA, Humberto. Somos seres emocionales. In MONSALVE, Felipe. Homeostasis: un continuo movimiento de adaptación. [e-book] Santiago de Chile: Grijalbo, 2013. MORAES, Maria Cândida. Educar na biologia do amor e da solidariedade. Petrópolis: Vozes, 2003. MORIN, Edgar. A via para o futuro da humanidade. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2013. 173 Escola sustentável e rede de escolas criativas: parceria entre escola e universidade Jeane Pitz Pukall1 Roseli de Andrade2 Vera Lúcia de Souza e Silva3 Introdução A construção de conhecimentos e de estratégias inovadoras para lidar com os desafios do mundo contemporâneo é objetivo da ecoformação, que se utiliza de uma visão transdisciplinar, ou seja, dinâmica e interativa, para abranger o tema da sustentabilidade. Isto fica evidente, a partir do pensamento de Torre: [...] ecoformação como uma maneira sistêmica, integradora e sustentável de entender a ação formativa, sempre em relação ao sujeito, à sociedade e à natureza. O caráter de sustentabilidade somente é possível quando se estabelecem relações entre todos 1 Jeane Pitz Pukall - Mestranda do PPGECIM-Programa de Pós-graduação em Ensino de Ciências Naturais e Matemática daFURB-Universidade Regional de Blumenau-SC (2015). Especialista em Psicopedagogia Clínica e Institucional (2006) na UNIASSELVI - Centro Universitário Leonardo da Vinci, Pedagoga com habilitação em Orientação Educacional (1993) na FURB - Universidade Regional de Blumenau. Supervisora do PIBID FURB Subprojeto Educação Ambiental (2015), Professora Articuladora do Projeto Escola Sustentável da EBM Visconde de Taunay (2015). Membro da RIEC FURB - Rede Internacional de Escolas Criativas (2015). [email protected] 2 Roseli de Andrade - Especialização em Gestão, Supervisãoe Orientação Educacional na Uniasselvi -Centro Universitário Leonardo da Vinci (2008) ,Especialista em Inovação Tecnológica na Uniasselvi- Centro Universitário Leonardo da Vinci (2007), Graduada em Ciências Naturais e Agrícolas pela UFSC- Universidade Federal de Santa Catarina (2004) e em Ciências Naturais pela FURB (1986), Diretora da EBM Visconde de Taunay (2015). [email protected] 3 Ciências Biológicas, Docente e Pesquisadora da FURB- Universidade Regional de Blumenau e Coordenadora da RIEC- Rede Internacional de Escolas Criativas na FURB . verass@ furb.br 174 Jeane Pitz Pukall, Roseli de Andrade, Vera Lúcia de Souza e Silva os elementos humanos. A partir do enfoque transdisciplinar, nós a entendemos como sendo um olhar diferente da realidade e de seus diversos níveis. (TORRE, 2008, p. 21). Para desenvolver atividades ecoformativas, precisamos ter uma percepção transdisciplinar do conhecimento, pois, para compreender a ciência como um conjunto sistematizado de conhecimentos o estudante precisa ter a leitura abrangente de mundo. Pois, como defende Laszlo (2009), estamos vivendo um momento de mudanças globais sem precedentes e a sociedade ou colapsa entre violência e caos, ou se move em direção a uma civilização sustentável mais avançada. E nesta abordagem transdisciplinar o caráter de sustentabilidade somente é possível quando se estabelecem relações entre todos os elementos do objeto estudado. A atitude transdisciplinar busca a transformação do ser humano na sua totalidade e adota como ponto de referência os valores humanos, o desenvolvimento da consciência, da criatividade, a defesa do meio natural, a solidariedade e o desenvolvimento sustentável e a convivência em harmonia (D’AMBROSIO, 2002; MORAES; TORRE, 2004; MORAES, 2008; SILVA, 2004 e 2013; TORRE, 2011). Numa sociedade em transformação, cada vez mais desenvolvida com seus processos tecnológicos e de produção do conhecimento, considera-se fundamental que o sistema educacional esteja alinhado com estes avanços e progressos na formação dos estudantes. É necessário formar indivíduos autônomos, pensantes, questionadores, críticos e criativos, favorecendo o desenvolvimento intelectual, social e afetivo de cada um deles. O potencial criativo está presente naturalmente em todo ser humano, desta forma indiferente da faixa etária, da atividade ou área de atuação, toda pessoa tem potencial para ser criativa, e é possível desenvolver e aprimorar este processo através da prática do dia-a-dia ao longo da vida. Para Torre e Zwierewicz “a essência do criativo exige três condições: a) potencial ou capacidade, b) geração de algo novo e diferente, pertinente com os valores, c) e comunicação ou expressão de uma ideia, realização ou proposta”. (Torre e Zwierewicz, 2009, p. 57) Escola sustentável e rede de escolas criativas: parceria entre escola e universidade 175 Nesta direção, a maneira mais simples de ser criativo, é primeiramente realizar o que se aprecia, para sentir-se motivado com o que se está fazendo, e não permitir que as pressões dos ambientes interfiram negativamente para limitar o processo criativo. Além disso, é preciso também querer ser criativo, permitir a manifestação da criatividade e trabalhar para alcançar este objetivo. Outro aspecto importante no processo de criatividade é a socialização de ideias que surgem para que o coletivo possa integrar essas ideias e ampliá-las no processo de criação e aplicação das mesmas em benefício do coletivo. Logo, o indivíduo criativo é aquele que se mostra inquieto em busca de novas pesquisas, ideias e soluções, de novos saberes, que reconstrói realidades de forma ética e amorosa. Desta maneira, o desenvolvimento deste potencial criativo depende da relação que o indivíduo possui com o meio social e cultural, envolvendo assim fatores pessoais, sociais, culturais e históricos. Portanto, a criatividade necessita de condições favoráveis para se desenvolver, e conseguir enfrentar as exigências do mundo moderno. O ambiente em que o sujeito está inserido tem forte influência neste processo, podendo inibir ou estimular o desenvolvimento da criatividade. Para o indivíduo ser criativo, não são necessárias apenas suas habilidades, é preciso também que a comunidade na qual está inserido escute e valorize suas ideias e possíveis ações. Eis o papel de ambientes escolares que potencializam e ampliam as habilidades criativas dos estudantes. O Programa de Extensão REDE DE ESCOLAS CRIATIVAS da FURB (RIEC FURB) baseia-se na interdisciplinaridade, transdisciplinaridade, complexidade e na ecoformação como princípios investigativos e formativos. O Programa da FURB faz parte da Red Internacional de Escuelas Creativas (RIEC), com atuação na Argentina, Bolívia, Brasil, Chile, Colômbia, Espanha, México, Perú e Portugal que, entre outras metas, pretende potencializar o estabelecimento de parceria investigativa em Rede e em cooperação Internacional, fundamentais para o desenvolvimento da pesquisa 176 Jeane Pitz Pukall, Roseli de Andrade, Vera Lúcia de Souza e Silva no mundo contemporâneo. A RIEC tem aprofundado as questões reflexivas acerca da ecoformação e transdisciplinaridade, na busca de formação inicial e continuada de professores, enfocando questões conceituais e metodológicas. Do mesmo modo, pesquisa e identifica iniciativas, ações e projetos criativos e inovadores em escolas da rede pública de ensino de Blumenau. Apesar das limitações que se apresentam aos professores no seu cotidiano profissional, tem-se verificado experiências exitosas relacionadas a práticas pedagógicas de qualidade. Esta constatação está baseada em pesquisas realizadas pela RIEC FURB em escolas da região, entre elas a EBM Visconde de Taunay, reconhecida e diplomada, em maio/2013, pela Red Internacional de Escuelas Creativas (RIEC) como escola criativa. Os resultados da pesquisa que reconheceu esta escola como criativa foram publicados na Revista Electrónica de Investigación y Docencia (REID), 11, Enero, 2014, 107-122, artigo intitulado Investigação sobre Criatividade em uma Escola da Rede Pública de Blumenau (SC). Com o objetivo de adotar práticas de sustentabilidade na escola, adaptando seus espaços e tempos, para sensibilizar alunos e famílias de que as mudanças no planeta começam em casa, na escola e na comunidade, a EBM Visconde de Taunay criou, em 2011, o Projeto “Escola Sustentável”. Este texto relata a experiência de planejamento e implementação de ações da EBM Visconde de Taunay na direção de projetos de sustentabilidade e criatividade que são desenvolvidos junto à comunidade escolar, em Blumenau-SC-Brasil. A ESCOLA: um pouco de história... A EBM “Visconde de Taunay” teve sua origem como uma escola particular alemã no ano de 1903. Está localizada na região norte do município de Blumenau-SC, área privilegiada pois ainda predominam espaços de muito verde das matas, córregos e animais silvestres. A escola conta com aproximadamente 900 alunos do pré Escola sustentável e rede de escolas criativas: parceria entre escola e universidade 177 -escolar à oitava série do Ensino Fundamental. A comunidade escolar ainda preserva características culturais das tradições alemãs, pois as primeiras famílias a colonizar a região eram descendentes de alemães. Porém, como esta região norte de Blumenau é livre de enchentes e deslizamentos, percebese aumento da procura de pessoas de outras regiões do município pela área, com desenvolvimento econômico e social se expandindo de forma acelerada. Atualmente, com a implementação de loteamentos e construção de condomínios residenciais na região, percebe-se uma diversidade cultural intensa nesta comunidade, por conta da vinda de famílias de regiões diversas, tornando a escola um espaço rico de trocas de vivências da comunidade. A maioria dos pais e mães tem o ensino fundamental completo, na sua maioria trabalhadores nas indústrias do município, predominando a têxtil, a metalúrgica e a construção civil. A comunidade valoriza a escola, como instituição de formação e possibilidade de ascensão cultural e social dos filhos. Sempre que solicitados participam das atividades escolares e a maioria acompanha a vida escolar dos filhos. ESCOLA SUSTENTÁVEL: a ecoformação como prática educativa Apesar de a escola estar localizada num ambiente rodeado por árvores, no pátio interno havia uma grande área descoberta, com pedra brita como cobertura do solo, local muito utilizado pelas crianças e adolescentes. Após conhecer o Projeto do Ecocentro IPEC (Instituto de Permacultura e Ecovilas do Cerrado), em Pirenópolis no estado de Goiás, em julho/2011 (Figura 1), professores e gestores da escola pensaram em alternativas sustentáveis para reorganizar o espaço do pátio da escola. Isso foi realizado a partir do plantio de árvores, com o objetivo de criar um ambiente diversificado com plantas e pequenos animais, onde estudantes e professores pudessem observar e respeitar todas as formas de vida, além de usufruir da área para descanso, lazer, entretenimento, leitura, brincadeiras e promover a interação entre eles e o meio ambiente. 178 Jeane Pitz Pukall, Roseli de Andrade, Vera Lúcia de Souza e Silva Figura 1- Grupo de Professores no IPEC-julho/2011 Fonte: Arquivo da escola Tornar a escola sustentável implica no envolvimento de toda a comunidade escolar. Pensando nisso, em agosto/2011 foi organizado um café com ideias (Figura 2) para estabelecer parcerias importantes para a realização deste projeto entre escola e comunidade. Foram criados então, dois comitês: o consultivo (formado por técnicos ambientais, arquiteto, artista plástico e engenheiro agrônomo) e o executivo (formado por membros da comunidade). Atualmente são os comitês que dão suporte para as ações mais amplas dos projetos da escola. Figura 2- Café com ideias na EBM Visconde de Taunay Fonte: Arquivo da escola Escola sustentável e rede de escolas criativas: parceria entre escola e universidade 179 Em outubro/2011 aconteceu uma reunião com o comitê técnico e cada membro sugeriu ações em uma área da escola. Nesta reunião enfatizou-se a necessidade de diminuir a temperatura nas salas de aulas. Foi sugerida, por um artista plástico da região, a forração das paredes de uma das salas de aula com mantas térmicas feitas de caixas de leite. Para ampliar as ações de sustentabilidade na escola, iniciou-se uma campanha de coleta de caixas de Tetra Pak® pelos estudantes dos segundos anos, que fizeram a leitura dos rótulos e a contagem das caixas, pois estavam estudando o sistema de numeração decimal. As caixas passaram a ser abertas, lavadas e costuradas por uma servente da escola. Começava assim, a confecção das mantas térmicas para cobertura das salas de aula. A partir destas atividades, os estudantes pesquisaram a respeito do tema temperatura e aprenderam a medição nos termômetros. Fizeram comparações entre as temperaturas coletadas na sala e no bosque da escola, com o objetivo de verificar possíveis alterações em diferentes ambientes. Com as mantas térmicas foram construídos dois murais: um para a sala dos professores, onde são divulgadas informações atualizadas sobre sustentabilidade e outro no pátio, com informações e fotos de acontecimentos na escola e no mundo em termos de sustentabilidade (Figuras 3 e 4). Figura 3- Mural das salas dos professores Figura 4- Mural no pátio escolar Fonte: Arquivo da escola 180 Jeane Pitz Pukall, Roseli de Andrade, Vera Lúcia de Souza e Silva Como foram usadas as partes internas das caixas de leite nos murais, estes podem ser reaproveitados para novas informações semanalmente. O uso destas caixas para a confecção de mantas térmicas (Figura 5), cortinas térmicas, sacolas viajantes para livros de literatura da biblioteca, e de murais pelos estudantes são maneiras viáveis de reciclar ou reaproveitar estes materiais para outros fins, minimizando desta forma os impactos ambientais causados pelo seu descarte inadequado. A partir destas Figura 5- Isolamento térmico de uma das salas com ações, plantou-se a mantas de caixas de leite semente do projeto Escola Sustentável, cujo objetivo geral é “adotar práticas pedagógicas de sustentabilidade na escola, adaptando seus espaços e tempos, para criar consciência nos Fonte: Arquivo da escola estudantes e famílias de que a mudança no planeta começa por nós, nossa casa, nossa escola e nossa comunidade” (EBM Visconde de Taunay). O projeto conta com a ação de órgãos, instituições e colaboradores parceiros da escola. Desde 2012 é coordenado por uma pedagoga que orienta os professores da escola com sugestões de ações pedagógicas, de acordo com os objetivos do projeto, que se fundamenta no Projeto Político Pedagógico da escola (BLUMENAU, 2013, p. 13) que tem por objetivo “a construção de saberes que levem o aluno a refletir sobre o grupo, a comunidade e a sociedade na qual está inserido”. O conceito de Sustentabilidade foi vivenciado pelo grupo em Pirenópolis e está sendo abordado na prática educativa da escola. Fazendo parte do currículo escolar, como tema transversal, sustentabilidade é um conceito utilizado para definir ações e atividades humanas Escola sustentável e rede de escolas criativas: parceria entre escola e universidade 181 que visam suprir as necessidades atuais dos seres humanos, sem comprometer o futuro das gerações (UNESCO, 1999). Ou seja, a sustentabilidade está diretamente relacionada ao desenvolvimento econômico e material sem agredir o meio ambiente, usando os recursos naturais de forma adequada para sua preservação no futuro. Nesta direção, entendemos sustentabilidade como o desenvolvimento presente garantindo o futuro das próximas gerações. A partir de então, a escola planejou, em parceria com as instituições colaboradoras outras ações de educação para a sustentabilidade (UNESCO,1999), tais como: - Formação continuada sobre o Projeto Escola Sustentável, com o objetivo de qualificar a prática pedagógica dos professores para desenvolverem atividades relacionadas à sustentabilidade. - Construção do Jardim Biodiverso pelos alunos, pais e colaboradores, com mudas de diversas plantas da região trazidas de casa pelos estudantes e professores (Figuras 6 e 7), com objetivo de sensibilizar a comunidade escolar para a necessidade de resgatar jardins com diversidade de exemplares da região. Figuras 6 e 7- Mutirão para construção do Jardim Biodiverso Fonte: Arquivo da escola - Construção de Bancos de Adobe no Jardim Biodiverso da escola. O adobe é construído com materiais e recursos do próprio ambiente em que a edificação é erguida. Constituem-se de terra crua, água e palha e algumas vezes outras fibras naturais (Figura 8) 182 Jeane Pitz Pukall, Roseli de Andrade, Vera Lúcia de Souza e Silva Figura 8- Construção do banco de Adobe Fonte: Arquivo da escola - Separação dos resíduos sólidos gerados na escola e mobilização na comunidade para colocar em prática as atitudes de Reduzir, Reutilizar e Reciclar. Aquisição de lixeiras para separação do lixo escolar. Além disso, aplicação do Projeto: “Onde você esconde seu lixo?”, para sensibilizar a comunidade escolar a respeito da importância da coleta seletiva dos resíduos na escola e em casa (Figura 9). Figura 9- Construindo o espaço “onde você esconde seu lixo”? Fonte: Arquivo da escola - Construção do pátio das sensações, com o objetivo de am- Escola sustentável e rede de escolas criativas: parceria entre escola e universidade 183 pliar o contato com meio natural e despertar diversas sensações e emoções a partir deste contato. Além disso, houve no local sessões de contação de histórias relacionadas ao tema sustentabilidade com a participação da bibliotecária da escola (Figuras 10 e 11). Figura 10 Construção do pátio das sensações Figura 11 Contação de história para os alunos Fonte: Arquivo da escola - Instalação de caixa coletora de água da chuva. - Desenvolvimento de projetos voltados à sustentabilidade por todas as turmas da escola. - Ajardinamento com plantio de árvores nativas, frutíferas e ornamentais nos pátios e terreno da escola ( Figuras 12 e 13). Figura 12 Mutirão para reflorestar o pátio Fonte: Arquivo da escola Figura 13 Revitalização dos canteiros 184 Jeane Pitz Pukall, Roseli de Andrade, Vera Lúcia de Souza e Silva - Construção da horta mandala na área do estacionamento (Foto 14). - Construção de um parque com pneus usados (Foto 15), para ampliar e urbanizar os espaços de lazer e aprendizagem. Foto 14- Horta Mandala Foto 15- Parque com pneus Fonte: Arquivo da escola - Construção de uma composteira próxima à horta mandala, para aproveitamento dos resíduos gerados pelo descarte de produtos orgânicos gerados na escola. - Construção, observação e acompanhamento do minhocário com minhocas californianas, pelos estudantes e professores dos anos iniciais do ensino fundamental. - Construção de Jardins Verticais, com montagens de painéis verdes ou vasos que dão vida a paredes e muros, corredores, ambientes ou cantos próximos das salas de aula. (Figuras 16 e 17). Jardins verticais proporcionam aos ambientes internos e externos vários benefícios, tais como a beleza única na urbanização dos espaços, o conforto térmico, a redução da poluição e do ruído externo. Escola sustentável e rede de escolas criativas: parceria entre escola e universidade 185 Figuras 16 e 17 - Jardins verticais Fonte: Arquivo da escola O projeto Escola Sustentável tem inspirado os professores a desenvolverem subprojetos nas turmas, promovendo a sensibilização nos estudantes e respectivas famílias que a mudança no planeta começa por cada um de nós, em casa, na escola e na comunidade, para que possamos modificar a realidade que está aí: a falta de cuidado com as pessoas e o planeta como um todo. Desta forma, procura realizar atividades educativas na direção de alcançar o objetivo geral da escola: “observar as desigualdades sociais, inconformar-se com as injustiças, desacomodar-se em busca de uma qualidade de vida melhor, pesquisar, analisar para compreender as relações que predominam na sociedade são metas da escola” ( BLUMENAU, 2013, p. 13). Educar para a sustentabilidade tem como pressuposto o ensino de valores, o cuidado com o planeta e com as pessoas. Uma das mais importantes abordagens do currículo está na perspectiva dos conteúdos atitudinais, assim como definidos por Coll (1992 apud ZABALA, 1998). Por conteúdos atitudinais compreendem-se aqueles que englobam valores, atitudes e normas como solidariedade, respeito aos outros, responsabilidade, cooperação com o grupo. Conteúdos que os alunos precisam aprender para ser, ou seja, desenvolver atitudes para conviver com a sua, as outras espécies e com o meio ambiente. Compreendem atitudes como curiosidade, humildade, persistência, crítica; atitudes para o cultivo da vida em 186 Jeane Pitz Pukall, Roseli de Andrade, Vera Lúcia de Souza e Silva grupo tais como cooperação, solidariedade, respeito às normas; e atitudes para consigo mesmo como autocuidado, autoestima, entre outros. Constituindo-se assim fundamental recurso para construção de valores sustentáveis na sociedade, pois para que um empreendimento humano seja considerado sustentável, é preciso que seja ecologicamente correto, economicamente viável, socialmente justo e culturalmente diverso ( ELKINGTON apud ALMEIDA, 2007). Para ilustrar os sentidos atribuídos dos projetos relatados acima, investigamos junto à comunidade escolar o que representou este movimento da escola em direção à sustentabilidade para alguns dos participantes destes projetos. Nas falas abaixo identificamos alguns elementos deste processo, tais como mudança de atitudes, inovação, ruptura com o tradicional, aprendizagem significativa, exemplo a ser seguido, incentivo às mudanças nas famílias: “O Projeto Escola Sustentável veio para inovar e conscientizar nossas atitudes em relação ao nosso planeta” (professora de anos iniciais). “Os alunos da escola apresentam um vocabulário voltado à sustentabilidade e sempre que se envolvem em atividades sustentáveis da escola, valorizam-na muito mais” (gestora). “A minha escola é um exemplo de sustentabilidade, tenho orgulho em ajudá-la e me sinto muito feliz em estudar aqui” (estudante do 7º ano). “A nossa escola é um exemplo a ser seguido” (estudante do 4ºano). Diante disto, podemos inferir que o processo pedagógico da escola está contribuindo para a ampliação de tomada de consciência em relação às atitudes e reflexões acerca da sustentabilidade. Entendemos também que a escola está tornando-se um espaço de contribuição para o despertar de uma consciência diante de padrões de percepção sobre a realidade, do sentido da vida e do ser humano nesse universo planetário que nos toca viver (TORRE; ZWIEREWICZ, 2012). O despertar de uma consciência mais ampla em relação ao mundo que nos cerca se revela na criatividade com que os projetos Escola sustentável e rede de escolas criativas: parceria entre escola e universidade 187 se desenvolvem e se articulam para o alcance dos objetivos da Escola Sustentável, num processo de ecoformação coletivo. Afirma-se isso, pois a ecoformação possui algumas características a serem consideradas: a) vínculos interativos com o entorno natural e social, pessoal e transpessoal; b) desenvolvimento humano a partir de e para a vida, em todos os seus âmbitos de maneira sustentável ; c) caráter sistêmico e relacional que nos permite entender a formação como redes relacionais e campos de aprendizagem; d) caráter flexível e integrador das aprendizagens ; e) princípios e valores de meio ambiente que consideram a Terra como um ser vivo, onde convergem os elementos da natureza tanto vivos como inertes (TORRE, 2008). A escola tem um papel fundamental na formação de cidadãos criativos e comprometidos, que possam identificar problemas da realidade e solucioná-los por meio do que aprendem na escola. A finalidade das Escolas Criativas (Torre, 2009) é a de contribuir para uma educação atenta às necessidades presentes do século XXI, estimulando o desenvolvimento da consciência, de valores e da criatividade. Ações pedagógicas inovadoras tiveram um impacto na aprendizagem dos estudantes, isto é anunciado pela fala de uma das representantes da gestão da escola: “Fica evidente, na prática pedagógica, da maioria dos professores que houve mudanças, crescimento, que o projeto impulsionou a desacomodação, a ruptura da rotina. O ensino ficou mais atraente e a aprendizagem mais significativa” (gestora). Incentivar que este projeto ultrapasse os “muros da escola” e alcance as casas dos estudantes para contribuir com uma comunidade mais sustentável, é um dos nossos maiores desafios enfrentados pela escola. Mas, sem dúvidas, o envolvimento das crianças e adolescentes de hoje nos processos de ecoformação é fundamental para o sucesso, em longo prazo, dos esforços para a sustentabilidade. Como nos lembra Torre (2013) em uma escola criativa, o ensino vai além das paredes da sala de aula, o currículo expande os objetivos e as metas, o professor estimula os alunos à 188 Jeane Pitz Pukall, Roseli de Andrade, Vera Lúcia de Souza e Silva criação de cenários e campos de aprendizagem e a escola se torna um espaço de saber. Precisamos lembrar constantemente que nossas crianças herdarão a responsabilidade de cuidar da Terra, esse é o papel da Escola Sustentável e Criativa, preparar futuras gerações para despertar o cuidado consigo mesmo, com o outro e com o planeta. Isto fica claro no depoimento de uma mãe de aluno ao declarar que : “a partir da iniciativa da escola, nossos filhos trazem bons exemplos e nos incentivam a sermos sustentáveis”. Precisamos lembrar constantemente que nossas crianças herdarão a responsabilidade de cuidar da Terra. ESCOLA CRIATIVA: a parceria com a RIEC Devido aos projetos desenvolvidos relativos à sustentabilidade em direção à ecoformação e criatividade, a Escola Visconde de Taunay foi escolhida pela RIEC FURB para uma pesquisa sobre criatividade. A pesquisa resultou num Trabalho de Conclusão do Curso de Pedagogia, da acadêmica Daiana Cardoso, orientada pela Profa. Vera Lúcia S. Silva, intitulado Investigação Sobre Criatividade em uma escola da rede pública de Blumenau – SC. Os resultados desta pesquisa foram publicados na Revista Electrónica de Investigación y Docencia (REID), 11, Janeiro, 2014, p. 107-122, disponível em http://revistaselectronicas.ujaen.es/index.php/reid/article/viewFile/1226/1082. Escolas criativas podem ser consideradas aquelas que desenvolvem os potenciais criativos de seus alunos e professores, valores humanos e sociais, de convivência, liberdade e criatividade, competências para a vida, iniciativa e capacidade empreendedora, dando importância ao desenvolvimento humano e meio ambiental sustentáveis, pretendendo sempre aliar o conhecimento ao reconhecimento (TORRE; ZWIEREWICZ, 2009). A pesquisa, baseada em 100 critérios de avaliação do desenvolvimento criativo de instituições educativas (VADECRIE- instrumento Escola sustentável e rede de escolas criativas: parceria entre escola e universidade 189 elaborado pela RIEC), identificou a EBM Visconde de Taunay como Instituição Criativa. Depois disso, enviamos o relatório da pesquisa para Universidade de Barcelona, para avaliação, com pedido oficial da RIEC FURB para reconhecimento como Escola Criativa. A avaliação foi feita pelo conselho gestor da RIEC (Universidade de Barcelona) e a diplomação aconteceu em maio/2013 (conforme Figura 18). Figura 18- Diplomação Escola Criativa-João Natel PollonioMachado (Reitor FURB), Vera L. de Souza e Silva (RIEC FURB), Saturnino de la Torre (Universidade de Barcelona-RIEC), Sinclair Ferreira (Diretora da EBM Visconde de Taunay) e Napoleão Bernardes (Prefeito de Blumenau) Autor: Rogério Pires Não se trata de concursos ou disputas entre escolas, mas de reconhecimento das ações de instituições com propostas pedagógicas inovadoras para servirem de referência a outros espaços de educação que desejam se aprimorar em aspectos de criatividade e sustentabilidade. Neste sentido, a escola vem recebendo a visita de outras escolas e de cursos de licenciatura da Universidade como forma de socializar e ampliar seu espectro de ações. A gestão e grupo de professores 190 Jeane Pitz Pukall, Roseli de Andrade, Vera Lúcia de Souza e Silva da escola, quando questionados sobre as contribuições que a RIEC, a partir da certificação com escola criativa, vem trazendo para a Escola Visconde de Taunay, apontaram para “ a vinda da Universidade para dentro da escola, a formação para professores e equipe gestora, divulgação dos trabalhos escolares, desacomodação de alguns profissionais e a concepção de escola criativa influenciando a prática dos professores.” (Gestão e docentes da EBM Visconde de Taunay). PARA FINALIZAR: educar com e para a Vida Há muitas iniciativas criativas e inovadoras nos projetos desenvolvidos na EBM Visconde de Taunay. O processo ensino aprendizagem acontece baseado na mediação dos professores, em que alunos e professores aprendem juntos, pois passam a serem pesquisadores. Com isso aumentam as possibilidades de ampliação dos conhecimentos para além do mínimo exigido para cada turma e disciplinas curriculares. As aulas tornam-se interessantes e os conteúdos são significativos, o grupo se envolve e participa das atividades planejadas no coletivo. Um dos elementos fundamentais de inovação no planejamento das ações está nas reuniões pedagógicas que acontecem fora do espaço escolar, num ambiente inspirador e educativo, que proporciona uma maior integração ao grupo e o surgimento de ideias sustentáveis para a sala de aula e para a vida. Os espaços diversificados da escola oportunizam um aprendizado vivenciado e amplo, além das paredes da sala de aula. Espaços como as hortas, jardim biodiverso, bosque e parque oportunizam ao estudante um ambiente de maior contato com a natureza, tranquilo e inspirador, onde aprender a respeitar o meio em que vivem torna-se um processo de vida. O envolvimento dos estudantes na construção e revitalização desses espaços fez com que aumentasse a noção de pertencimento à escola, pois decisões compartilhadas promovem responsabilidade compartilhada, passando a respeitar a escola e proteger os espaços com atitude mais comprometida. A escola alcançou muitos avanços a partir do Projeto Escola Sustentável, entre eles podemos destacar a redução do lixo no pátio escolar, desafio constante nas escolas. A identidade da escola está Escola sustentável e rede de escolas criativas: parceria entre escola e universidade 191 assentada na sustentabilidade e criatividade na realização dos projetos da Escola Sustentável. Se considera Escola Sustentável pois está presente no trabalho educativo interdisciplinar e transdisciplinar diariamente em todos os anos escolares; na participação do projeto educativo de todos os profissionais da escola; na participação efetiva da comunidade nas tomadas de decisões; na adaptação dos espaços escolares e na ecoformação. Podemos dizer que o grande diferencial da escola é desenvolver um projeto que envolve toda a comunidade escolar. O projeto está inserido no PPP da escola e nos planos de ensino de cada professor. A reflexão e as mudanças de comportamento que ocorrem na vida diária de todos (professores, alunos e comunidade) é visivelmente percebida. Isso se deve ao comprometimento e ao trabalho em equipe de todos os envolvidos. Para que as práticas pedagógicas sejam criativas, a escola tem como princípios orientadores a gestão democrática, a ecoformação e a transdisciplinaridade. A Certificação como Escola Criativa é o reconhecimento das ações pedagógicas inovadoras e criativas que a escola desenvolve com sua equipe de professores e gestores no campo da sustentabilidade. Divulgar iniciativas e experiências criativas como as que acontecem nesta escola, é meta da RIEC para apoiar e reconhecer os centros de educação que estão comprometidos com a transformação do ensino. Trata-se de incentivar e polinizar ações exitosas na educação, para servirem de referência a outras instituições de ensino se mobilizar a construir seus processos na direção de desenvolvimento da criatividade dos estudantes. Nosso entendimento é o de que existem várias práticas pedagógicas testadas pelos docentes de escolas de educação básica, que podem contribuir como um banco de dados rico em experiências e vivências que a comunidade escolar vem produzindo e amadurecendo empiricamente. Estes banco de dados podem se revelar como um potencial de ações a serem reconhecidas e avaliadas por pesquisas pela universidade para posteriormente serem utilizadas e citadas na formação de professores. Os estudos e reflexões da RIEC tem possibilitado repensar e reorganizar a formação de professores na comunidade e, além dis- 192 Jeane Pitz Pukall, Roseli de Andrade, Vera Lúcia de Souza e Silva so, reconhecer, valorizar e tornar a escola um lócus de reflexão e ação para a promoção de práticas pedagógicas inovadoras e criativas. Isto vem ao encontro do que orienta Boaventura Sousa Santos (2008) ao apontar a dinâmica de construção denominada ecologia dos saberes em que reconhece a existência de conhecimentos plurais, como uma forma de extensão de aprendizado ao contrário, de fora da universidade para dentro da universidade. Este é o papel da RIEC e da escola: educar com e para a vida, para despertar consciência e atitudes para um mundo mais sustentável com pessoas mais felizes. 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Ao repensar a organização das cidades, em função dos problemas que permeiam a realidade atual e a incerteza diante do futuro, torna-se imprescindível repensar a educação em sua capacidade de fomentar uma nova consciência em relação ao bem-estar individual, social e ambiental. Em contrapartida, ao repensar a educação é imprescindível considerar sua capacidade transformadora frente à organização das cidades. Educação e cidade, portanto, são aspectos que se articulam, 194 Marlene Zwierewicz, Brígida Marioti especialmente quando existem preocupações e transformações comprometidas com a vida. A percepção de Morin, expressada na epígrafe de abertura deste capítulo e registrada no documento que apresenta as contribuições desse pensador planetário para o Fórum Urbano Mundial, realizado em Medellín (Colômbia), no primeiro semestre de 2014, está implícita na criação dos Projetos Criativos Ecoformadores - PCE, uma proposta metodológica transdisciplinar e ecoformadora, que balizou a criação do Projeto Urussanga Vira Criança: Aspirações Infantojuvenis no Planejamento Municipal Criativo e Sustentável. Por isso, a apresentação do referido projeto, desenvolvido na cidade implícita no título, situada no Sul de Santa Catarina, cuja realidade caracteriza-se pelas consequências da exploração indiscriminada do carvão, é acompanhada pelas considerações em relação ao Pensamento do Sul, sistematizado por Morin (2011, 2012, 2014), e pela descrição da metodologia dos Projetos Criativos Ecoformadores - PCE, criada por Torre e Zwierewicz (2009) e exemplificada nos estudos de Somariva et al. (2011) e Zwierewicz (2011, 2013). Este capítulo, portanto, tem como intenção referenciar as contribuições de Morin para uma possível ressignificação do planejamento das cidades e as contribuições dos Projetos Criativos Ecoformadores - PCE para o desenvolvimento de iniciativas educacionais comprometidas com a vida, analisando suas implicações na criação e desenvolvimento do Projeto Urussanga Vira Criança: Aspirações Infantojuvenis no Planejamento Municipal Criativo e Sustentável. Espera-se que as reflexões, tecidas neste capítulo, possam contribuir ao estímulo de ações que colaborem na organização de cidades sustentáveis, permeadas por propostas educacionais que as norteiem e impulsionem. O Pensamento do Sul sistematizado por Edgar Morin O que é o Pensamento do Sul? O Pensamento do Sul tem como motivação a supremacia dos países do Sul em relação aos países do Implicações ‘projeto - aspirações infantojuvenis no planejamento municipal criativo e sustentável’ do pensamento do sul de morin e dos projetos criativos ecoformadores no urussanga vira criança 195 Norte? Por que o Pensamento do Sul tem se tornado motivo de reflexão para a articulação entre educação e o planejamento de cidades sustentáveis? Questões como estas podem se manifestar quando, pela primeira vez, temos contato com a expressão Pensamento do Sul. Mas afinal, “O que é o Sul? [...] trata-se de uma noção falsamente clara. Se é evidente que o Sul se define em relação ao Norte, um Sul - como o Magrebe em relação à Europa - é um Norte para a África [...].” É nesse contexto que “A noção de Sul é relativa.” Em contrapartida, o Norte “[...] também não pode ser concebido como entidade geográfica.” O que atualmente denominados como Norte “[...] era, há algumas décadas, chamado de Ocidente, quando o opúnhamos ao Oriente; ele se tornou Norte, oposto do Sul, quando o termo ‘Terceiro Mundo’ caiu em desuso.” (MORIN, 2011, p. 7, tradução nossa). O autor também lembra que “Para o Sul, existe de fato uma hegemonia do Norte, que é a hegemonia da técnica, da economia, do cálculo, da racionalização, da rentabilidade e da eficiência.” Sua posição é de que “Essas noções não devem ser subestimadas, embora um Pensamento do Sul talvez deva se expressar de maneira consciente e crítica a respeito delas [...]”, já que “[...] essa hegemonia insufla intensamente seu dinamismo no planeta como um todo, especialmente porque o Norte está atualmente devorando - ou tratando de devorar - o Sul.” Morin segue suas reflexões, afirmando que existem vários ‘suis’ muito diferentes uns dos outros, mas que estão submetidos a uma “[...] concepção única proveniente do Norte, do atraso, do subdesenvolvimento, do imperativo do desenvolvimento e da modernização [...]”, sendo que essa visão impede a percepção em relação às qualidades do Sul, suas formas de viver, seus modos de conhecimento. Eles deveriam não ser somente salvaguardados, como também “[...] difundir-se aos Nortes.” É diante dessa perspectiva que “[...] Para alcançar uma plena consciência das qualidades e virtudes 196 Marlene Zwierewicz, Brígida Marioti do Sul, é necessário um Pensamento do Sul [...]”, que somente pode ser “[...] elaborado a partir das experiências dos diversos suis.” Na proposição de um Pensamento do Sul, Morin estima que é necessário um esclarecimento, especialmente por afirmar que Norte e Sul são noções relativas. “[...] É preciso acrescentar que não é preciso idealizar nem desvalorizar uma ou outra. Qualquer cultura ou qualquer civilização [...] têm qualidades, virtudes, ilusões, imperfeições.” O que Morin propõe não é desconsiderar as contribuições das culturas do Norte, especialmente as que colaboraram e colaboram para os direitos humanos, mas não esquecer que possuem carências, tais como algumas encontradas no Sul. Para ele, o que precisamos abandonar, minimamente, é composto por duas faces: - a do homem dominador, concebido como senhor e mestre da natureza, que atende a formulação de Descartes. Ou seja, rejeitar o humanismo arrogante, já que a partir desse momento sabemos que qualquer vontade de dominar a natureza a degrada, tanto quanto degrada a humanidade; - a da supressão do valor e da dignidade de todo ser, pois independente da condição e do contexto, o humanismo é necessário e precisa ser propagado. Urge, portanto, “[...] reproblematizar nossa relação com a natureza, que temos considerado como feita de objetos a serem manipulados, domesticados ou destruídos, quando somos inseparavelmente e vitalmente ligados a ela.” Nesse processo, “Devemos reproblematizar nossas crenças e credos, a começar pela nossa crença num progresso irreversível da humanidade.” (MORIN, 2011, p. 9). É diante dessa perspectiva que o Pensamento do Sul valoriza as solidariedades consideradas concretas e não somente as que “[...] se degradaram nas nossas civilizações ocidentalizadas ou nortificadas, mas também a nova solidariedade planetária, cuja necessidade é vital para nós.” O que queremos é “[...] uma mundialização Implicações ‘projeto - aspirações infantojuvenis no planejamento municipal criativo e sustentável’ do pensamento do sul de morin e dos projetos criativos ecoformadores no urussanga vira criança 197 de solidariedade e de compreensão, uma religião da fraternidade humana no sentido cunhado por mim de Terra-pátria.” (MORIN, 2011, p. 15). Por isso, o autor reforça que o Pensamento do Sul tem relação com a restauração de valores, como o sentimento da honra e da hospitalidade e a regeneração ética, a fim de poder regenerar as solidariedades e as responsabilidades planetárias. A metodologia dos Projetos Criativos Ecoformadores - PCE Ainda que o surgimento dos Projetos Criativos Ecoformadores - PCE tenha ocorrido antes da propagação do Pensamento do Sul, há implicações convergentes nas propostas. De certa forma, os Projetos Criativos Ecoformadores - PCE contribuem para dinamizar o que se propõe por meio do Pensamento do Sul, oferecendo ao âmbito educacional uma proposta metodológica, que estimula a solidariedade e a responsabilidade planetária, motivada pela religação dos conhecimentos, pela superação do modelo escolar como entorno de exclusiva transmissão de conhecimentos, pelo fortalecimento da resiliência e pela sua capacidade de intervir na realidade. A criação dessa proposta surgiu em função da necessidade de estimular uma prática pedagógica transdisciplinar (NICOLESCU, 1997), ecoformadora (MALLART, 2009, PINEAU, 2002) e mobilizada por um pensamento organizador, ou pensamento complexo (MORIN, 2005, 2007). A metodologia atende, entre outros chamados, o apelo de Morin ao afirmar que existe atualmente um distanciamento, estando de um lado [...] os saberes separados, fragmentados, compartimentados entre disciplinas, e, por outro lado, realidades ou problemas cada vez [...] transversais, multidimensionais e transnacionais, globais, planetários. (2009, p. 13) Ao amparar-se na Teoria da Complexidade e na transdisciplinaridade, a metodologia dos Projetos Criativos Ecoformadores - PCE pretende superar o que Morin (2007) define como cegueira 198 Marlene Zwierewicz, Brígida Marioti do conhecimento, presente em sala de aula quando são desconsideradas as necessidades de discutir e provocar as relações entre as ciências e das ciências com a realidade. Nesse ínterim, as duas perspectivas se aliam à ecoformação, por buscar a superação de iniciativas individualistas, voltadas para o atendimento do que está “[...] mais próximo, espacial e temporalmente, e desatender as previsíveis consequências futuras de nossas ações.” (MALLART, 2009, p. 29). A metodologia dos Projetos Criativos Ecoformadores - PCE foi lançada na obra ‘Uma escola para o século XXI: escolas criativas e resiliência na educação’, organizada por Zwierewicz e Torre (2009). Sua inserção no planejamento escolar disponibiliza uma sequência didática transdisciplinar e ecoformadora, que inicia com a seleção do pensamento organizador (conectando ciência e realidade) e encerra com a polinização (que consiste na retroalimentação do processo, por meio da difusão dos resultados). Entre os resultados é dada ênfase a uma inovação que contribui para transformar a realidade, fazendo da polinização um momento de abertura a novas possibilidades. O pensamento organizador tem relação com as problemáticas da realidade que, ao serem diagnosticas, mobilizam escolas, gestores, docentes, estudantes e a comunidade a encontrar soluções para elas. É nesse processo que o Pensamento do Sul passa a ter sentido, pois se trata de uma prática pedagógica que prestigia a capacidade de compartilhar, evitando a hegemonia de interesses de parte do grupo implicado. O que passa a ter valor são os problemas enfrentados pelos estudantes e suas comunidades, bem como os problemas globais, estimulando soluções que visem ao bem-estar das pessoas, da sociedade e do meio ambiente. Nesse processo de aproximação do ensino à vida, a metodologia dos Projetos Criativos Ecoforamdores - PCE contribui para reproblematizar a relação com a natureza, valorizando aquilo que Morin (2011) chama de solidariedade planetária. É diante dessa perspectiva de uma nova relação entre homem e natureza, que o Implicações ‘projeto - aspirações infantojuvenis no planejamento municipal criativo e sustentável’ do pensamento do sul de morin e dos projetos criativos ecoformadores no urussanga vira criança 199 Pensamento do Sul e a dinâmica dos Projetos Criativos Ecoformadores - PCE pretendem contribuir para soluções como a mencionada pelo próprio Morin (2014), quando faz referência aos moradores da zona urbana que, convencidos das virtudes da agroecologia, têm mudando da cidade para o campo com a finalidade de encontrar, entre outros aspectos, habitação mais barata e atividades menos estressantes, reduzindo as pressões sobre as cidades, enquanto também buscam alternativas para preservação do ambiente rural. São soluções que reduzem a agressão contra as pessoas e contra o meio ambiente e estimulam a capacidade de compartilhar. Em contrapartida, superam práticas exploratórias que denigrem as condições de vida no e do planeta. Algumas são simples, outras mais complexas, mas todas têm sua relevância, como pode ser percebido quando a Secretaria Municipal de Educação de Urussanga se mobilizou, juntamente com o Centro Educacional e Profissional Lydio de Brida, para o desenvolvimento do Projeto Urussanga Vira Criança: Aspirações Infantojuvenis no Planejamento Municipal Criativo e Sustentável, apresentado na sequência. Implicações do Pensamento do Sul e da metodologia dos Projetos Criativos Ecoformadores - PCE no Projeto Urussanga Vira Criança: Aspirações Infantojuvenis no Planejamento Municipal Criativo e Sustentável O Projeto Urussanga Vira Criança: Aspirações Infantojuvenis no Planejamento Municipal Criativo e Sustentável nasceu dos anseios da gestão municipal de Urussanga de estimular a participação infantojuvenil nas decisões sobre a cidade. Seu objetivo foi pautado na possibilidade dessa participação nas decisões sobre o desenvolvimento da área urbana e rural, por meio da elaboração de um documento composto por percepções e projeções a respeito do desenvolvimento econômico, social e da gestão de recursos hídricos, coletadas nas produções dos estudantes na finalização do projeto, bem como nas vivências oportunizadas durante seu desenvolvimento. 200 Marlene Zwierewicz, Brígida Marioti Organizado em sete etapas, o projeto foi desenvolvido durante o ano de 2013, no município de Urussanga, uma cidade situada ao Sul catarinense afetada pela extração indiscriminada do carvão. Parte dos danos causados pela exploração indiscriminada da natureza pode ser observada nas visitas aos rios de Urussanga e região. Outra parte, contudo, somente é contabilizada quando estudos mais profundos são realizados, desvelando aquilo que Morin (2011) aponta quando defende que é preciso um Pensamento do Sul, que contribua para reproblematizar a relação do homem com a natureza. Para contextualizar os prejuízos ao meio ambiente, causados pela exploração do carvão em Urussanga e região, o estudo realizado por Castilhos e Fernandes (s. d.), do Centro de Tecnologia Mineral/CETEM-MCTI, destaca que os solos mostram tendência a acidez, resultando em efeito subletal a invertebrados, sugerindo comprometimento ambiental. Além disso, os baixos valores de pH nas águas causam toxicidade, afetando a vida nos rios que integram a Bacia Hidrográfica do Rio Urussanga. Outro fato curioso destacado no estudo é que os royalties da mineração têm valores irrisórios, não significando nenhum aporte adicional, quer para o investimento em capital humano, quer para a mitigação do estrago ambiental. Em outro estudo, indica-se que os principais impactos ambientais da extração do carvão “[...] decorrem da disposição de resíduos sólidos (estéreis e rejeitos) produzidos durante as etapas de lavra e beneficiamento do carvão.” Por conter minerais sulfetados que propiciam a formação de drenagens ácidas, os resíduos reduzem o “[...] pH, dissolvendo metais e tornando as águas inadequadas para uso doméstico e agropecuário.” (NASCIMENTO et al., s. d. p. 1). Outra questão merecedora de destaque é que, mesmo havendo investimento para redução dos danos à natureza nos últimos anos, os problemas derivados da exploração do carvão persistem, estendendo-se até o destino final do produto, quando esse chega à termoelétrica. Por um lado Implicações ‘projeto - aspirações infantojuvenis no planejamento municipal criativo e sustentável’ do pensamento do sul de morin e dos projetos criativos ecoformadores no urussanga vira criança 201 [...] A geração de energia por termoelétrica está cada vez mais sendo criticada pela opinião pública que está preocupada com os problemas do aumento da temperatura global. Por outro [...] essa mesma sociedade também contribui para a manutenção. (RAVAZZOLI, 2013, p. 200). Portanto, a ideia de exploração indevida da natureza, estimulada pelo desejo de dominação do homem que a degrada, enquanto também degrada a humanidade (MORIN, 2011), é presente na realidade de Urussanga e região, trazendo consequências devastadoras que precisam ser conhecidas e trabalhadas. É com essa perspectiva que o Projeto Urussanga Vira Criança: Aspirações Infantojuvenis no Planejamento Municipal Criativo e Sustentável’ foi elaborado. Para sua dinamização, contou com a sequência didática proposta pela metodologia dos Projetos Criativos Ecoformadores - PCE. Partiu-se, portanto, do impacto da realidade atual (epítome), voltando-se à realidade com possibilidades de transformação (polinização), conforme pode ser observado na sistematização das etapas. - Etapas do Projeto Urussanga Vira Criança Etapa I: com o objetivo de promover a formação dos docentes envolvidos no projeto, foram realizados encontros que totalizaram a carga horária de oito horas. Contando com a colaboração Ilustração 1 - Equipe responsável pelo desenvolvimento do projeto 202 Marlene Zwierewicz, Brígida Marioti do Comitê do Rio Urussanga, a formação possibilitou: apresentar a hidrografia do município e sua relação com a hidrografia da Bacia do Rio Urussanga, conhecer aspectos socioeconômicos e ambientais da referida bacia, apresentar exemplos de gestão sustentável e orientar as observações que seriam realizadas com os estudantes na realidade afetada pela exploração do carvão. Etapa II: nesta etapa a proposta foi apresentada aos estudantes, sendo também realizadas as visitas para facilitar o diagnóstico do contexto. Tendo como tema ‘O lugar onde vivo’, os resultados da etapa foram sistematizados por meio de acrósticos, poemas, crônicas, narrações e descrições, tal como expressado na sequência. Destaca-se que o registro é parte do texto produzido pelo estudante Carlos Eduardo Alves e evidencia que as preocupações do Pensamento do Sul podem transitar pelas atividades realizadas pelas escolas, desde que exista predisposição para estimulá-las. O lugar onde vivo Aqui a vida é diferente Não é como antigamente, A água é poluída. Onde está o meu meio ambiente? Ilustração 2 - Observação dos danos ambientais causados pela exploração do carvão Implicações ‘projeto - aspirações infantojuvenis no planejamento municipal criativo e sustentável’ do pensamento do sul de morin e dos projetos criativos ecoformadores no urussanga vira criança 203 Vejo muita poluição, vinda do carvão. Precisamos de ar puro, Para combater essa invasão. No mundo em que vivemos O homem não passa de mero explorador Destruindo a natureza, Dando lugar à devastação! A vida na nossa comunidade Passa a ser emergente. É preciso ter mais consciência Com meu, com seu, com o nosso meio ambiente. Etapa III: a terceira etapa foi dedicada à seleção de parte das produções, à vivência na gestão pública por parte dos estudantes envolvidos no projeto e ao lançamento das ideias no Seminário Regional de Educação. Destaca-se que ao vivenciar as atividades de Prefeito, Vice-Prefeito e Presidente da Câmara de Vereadores, a etapa promoveu a interação dos estudantes com as autoridades e colaborou para compreender a rotina e o papel dos gestores no desenvolvimento do município. Etapa IV: nesta etapa foi realizado o Fórum Infantojuvenil por uma Urussanga Criativa e Sustentável, possibilitando que os estudantes discutis3 - Fórum Infantojuvenil por uma Urussanga sem percepções e Ilustração Criativa e Sustentável 204 Marlene Zwierewicz, Brígida Marioti possíveis contribuições do projeto para o planejamento da cidade, embasados pelos problemas herdados pela exploração do carvão e pelo quadro que retrata a realidade atual. Etapa V: na quinta etapa foi simulada uma sessão na Câmara de Vereadores, oportunizando aos participantes do projeto a vivência com o legislativo do município e o contato com Ilustração 4 - Entrega do documento às autoridades a função que lhe é públicas atribuída para legitimação do planejamento da cidade. Etapa VI: nesta etapa foi elaborada a Carta para uma Urussanga Criativa e Sustentável, incluindo percepções e sugestões dos estudantes para o futuro da cidade. A sistematização de parte das considerações, tecidas neste documento, é realizada na sequência. Etapa VII: esta etapa foi dedicada à entrega do documento às autoridades e demais convidados em uma sessão solene na Câmara de Vereadores. Por meio das diferentes etapas do projeto, os participantes tiveram o acesso à realidade, refletiram e propuseram soluções. Essa tríade estimula um processo educacional que ultrapassa a simples transmissão de conhecimentos, para ganhar sentido na sua capacidade de intervenção, promovendo um Pensamento do Sul, livre da visão exploratória e dinamizado pela perspectiva dos Projetos Criativos Ecoformadores - PCE. Implicações ‘projeto - aspirações infantojuvenis no planejamento municipal criativo e sustentável’ do pensamento do sul de morin e dos projetos criativos ecoformadores no urussanga vira criança 205 A Carta para uma Urussanga Criativa e Sustentável Com o propósito de transformar a realidade diagnosticada, os estudantes elencaram prioridades para a cidade nos próximos anos. Apresentadas na sequência, as prioridades formaram o documento final do projeto, entregue às autoridades públicas para que as considerem em suas decisões e ações. São elas: Reivindicações referentes à Bacia Hidrográfica do Rio Urussanga: 1. mais lixeiras apropriadas para a coleta seletiva de lixo; 2. conscientização da população para que não jogue mais lixo nos rios da cidade; 3. alguma forma de penalidade para as pessoas que jogam lixos nos rios; 4. lixeiras mais resistentes e altas para evitar que animais espalhem o lixo; 5. reflorestamento correto nas encostas dos rios; 6. maior fiscalização nas encostas dos rios; 7. fiscalização nas empresas para que utilizem filtros, evitando maior poluição; 8. recolhimento do lixo com mais frequência, em especial nas comunidades do interior; 9. tratamento e redes de esgoto em todo município; 10. mais campanhas de reciclagem e maior utilização de papel reciclado; 11. criação de soluções para ‘tratar’ a água do Rio Urussanga; 12. multa e proibição de construções nas encostas dos rios; 13. pavimentação nas ruas; 14. melhor sinalização nas ruas, estradas e no ginásio de esportes do bairro; 15. coleta seletiva de lixo; 16. fiscalização nos rios na questão do esgoto e dos lixos e aumento dos dias da coleta seletiva; 17. ampliação do serviço de limpeza nas bocas de lobo; 18. fiscalização nos terrenos baldios; 19. estimulação da conscientização da população sobre a necessidade de preservação do meio ambiente. 206 Marlene Zwierewicz, Brígida Marioti Considerações finais Motivadas pelos resultados do ‘Projeto Urussanga Vira Criança: Aspirações Infantojuvenis no Planejamento Municipal Criativo e Sustentável’ e estando cientes da influência do Pensamento do Sul e dos Projetos Criativos Ecoformadores - PCE nesse processo, encerramos este capítulo com as contribuições dos participantes do referido projeto. A inserção de parte dos textos produzidos é um tributo à consciência dos estudantes, pois acreditamos que o alcance dos resultados os mobilizará a seguir lutando por uma cidade criativa e sustentável. Nossa confiança se expressa no texto do estudante Vitor Manuel Elias ao afirmar que é preciso refletir, bem como no texto da Pamela Xavier Cimolin, quando comenta que é preciso mudar, abrindo mão de alguns benefícios para obter outros. Esses pensamentos se complementam com a visão da estudante Nathalia Bez Batti ao registrar que não pretende que seus filhos presenciem uma natureza tão destruída. É preciso evitar que o rio morra e desemboque no oceano, levando consigo a poluição causada pela exploração do carvão e pelo lixo acumulado pela população, conforme destaca a estudante Laura Gastaldon. Portanto, o futuro depende de nós, como lembra a estudante Giovana Hoffman Miotello. Além dessas percepções e das reivindicações expressadas na Carta para uma Urussanga Criativa e Sustentável, os estudantes também se posicionaram diante da realidade que envolve a segurança pública, saúde e mobilidade, delimitando a amplitude das necessidades. Ao unir o conteúdo da carta aos demais documentos produzidos pelos participantes do projeto, observa-se que o comprometimento com a vida precisa ser valorizado para que em um futuro próximo, ou distante, a cidade supere os resquícios da exploração exacerbada da natureza pelo homem. Destaca-se que o projeto obteve um reconhecimento nacional, por meio do Prêmio Palma de Ouro, que avaliou a iniciativa a Implicações ‘projeto - aspirações infantojuvenis no planejamento municipal criativo e sustentável’ do pensamento do sul de morin e dos projetos criativos ecoformadores no urussanga vira criança 207 partir dos seguintes critérios: gestão democrática, gestão em educação e participação da sociedade na gestão municipal. Dessa forma, sua relevância foi percebida além dos limites de Urussanga, o que sugere que outros contextos também podem desenvolver projetos com o mesmo enfoque. Referências CASTILHOS, Zuleica; FERNANDES, Francisco. A Bacia Carbonífera Sul Catarinense e os impactos e passivos da atividade da indústria extrativa mineral de carvão na territorialidade. [S.l.]: [s.n.], s. d. Disponível em: <http://www.cetem.gov.br/palestras/recursos_minerais_sustentabilidade/ grandes-minas-comunidades/13-bacia-carbonifera-impactos-atividadeindustria%20extrativa-mineral-carvao.pdf>. Acesso em: 16 mar. 2014. MALLART, Joan. Ecoformação para a escola do século XXI. In: ZWIEREWICZ, Marlene; TORRE, Saturnino. Uma escola para o século XXI: Escolas Criativas e resiliência na educação. Florianópolis: Insular, 2009. p. 29-42. MORIN, Edgar. A cabeça bem-cheia: repensar a reforma, reformar o pensamento. Tradução de Eloá Jacobina. 16. ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2009. _________. 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Blumenau: Nova Letra, 2013. p.163-187. 209 Uma educação comprometida com a vida: implicações e resultados dos projetos criativos ecoformadores na escola municipal de ensino fundamental professora amélia de souza silva Marlene Zwierewicz Centro Universitário Barriga Verde - Unibave Saturnino de la Torre Universidade de Barcelona - UB Maria Canever da Silva Liene Silveira Rafael Marcelino da Silva Secretaria Municipal de Educação de Balneário Rincão Introdução Ante a nova metáfora de conhecimento em rede, representada por uma raiz, uma raiz rizomática (interconectada), o nosso modo de ensinar e a nossa atitude conceitual revelam-se desarticulados e insuficientes, por seu enfoque concentrado no racional e por ignorarem o contexto relacional entre o todo e as partes. (SANTOS, 2009, p. 21). A desarticulação entre conhecimento e realidade está presente no modelo de escola configurado a partir da ideia de ensinar tudo a todos (COMÊNIOS, 1957) e foi impulsionada pelo princípio cartesiano da fragmentação (DESCARTES, 1996), não sendo superada com as necessidades de universalização da escola pública, proposta pelo movimento escolanovista (DEWEY, 1956). Sem a intenção de adentrar na influência dessas ênfases para transformações que ocorreram na história da educação, lembramos que foi necessário chegar praticamente ao final do século XX para que ideias mais sistêmicas sobre o currículo escolar fossem difundidas, na tentativa de superar uma educação linear, fragmentada e descontextualizada. 210 Marlene Zwierewicz, Saturnino de la Torre, Maria Canever da Silva, Liene Silveira, Rafael Marcelino da Silva Nesse ínterim, as instituições educativas colaboraram para posicionar o conhecimento como um produto a ser consumido/ reproduzido. Constituíram-se, portanto, em entornos para a transmissão de conhecimentos historicamente acumulados, subestimando a capacidade para construção de novas possibilidades. Em função das demandas atuais, esse tipo de instituição carece de sentido. Em seu lugar é necessária uma escola capaz de analisar criticamente o presente e de imaginar criativamente o futuro, colaborando para sua consolidação, por meio de ações comprometidas com o bem comum e o destino coletivo da humanidade (LIMA, 2005). Ou seja, uma escola que tenha como pensamento organizador o bem-estar das pessoas, da sociedade e do meio ambiente (TORRE; ZWIEREWICZ, 2009). Considerando as potencialidades do pensamento complexo, da transdisciplinaridade e da ecoformação para a religação dos conhecimentos, a superação do modelo escolar como entorno de exclusiva transmissão de conhecimentos, o fortalecimento da resiliência e a intervenção na realidade, este capítulo tem como objetivo apresentar resultados de uma experiência implantada no Sul catarinense, vivenciada na Escola Municipal de Ensino Fundamental Professora Amélia de Souza Silva, situada no município de Balneário Rincão, Santa Catarina - Brasil, em função da aplicação da metodologia dos Projetos Criativos Ecoformadores - PCE. São integradas ao texto algumas discussões teóricas sobre os conceitos de base do PCE: pensamento complexo, transdisciplinaridade e ecoformação, eventos e publicações que têm colaborado para a difusão desses conceitos e a experiência realizada na referida escola. Espera-se que as reflexões e a vivência, que norteiam este capítulo, estimulem o resgate do elo perdido implícito na epígrafe de abertura deste capítulo. E, dessa forma, valorizem o trabalho dos que transitam de um ensino linear, fragmentado e descontextualizado para uma prática transdisciplinar (NICOLESCU, 1997), eco- Uma educação comprometida com a vida: implicações e resultados dos projetos criativos 211 ecoformadores na escola municipal de ensino fundamental professora amélia de souza silva formadora (MALLART, 2009, PINEAU, 2002) e mobilizada por um pensamento complexo (MORIN, 2005, 2007). Do pensamento reducionista ao pensamento complexo e ao ensino transdisciplinar e ecoformador Há inadequação cada vez mais ampla, profunda e grave entre os saberes separados, fragmentados, compartimentados entre disciplinas, e, por outro lado, realidades ou problemas cada vez [...] transversais, multidimensionais e transnacionais, globais, planetários. (MORIN, 2009, p. 13). O pensamento reducionista, que para Morin (2004, p. 112) não apreende a “[...] multidimensionalidade das realidades [...].”, vem contribuindo para uma disciplina corporal voltada à recepção de conteúdos historicamente acumulados. Ao se respaldar nessa prática, que transparece na epígrafe de abertura desta seção, a concepção de homem que se forma no interior da escola é a de um ser racional, subestimando sua pluralidade e marginalizando outras “[...] qualidades de sua constituição como a emoção, a cultura, a ludicidade, a motricidade.” (MATTOS, 2010, p. 4). Em contrapartida, o pensamento complexo e as perspectivas da transdisciplinaridade e da ecoformação, sistematizados na sequência, trazem ao contexto educacional possibilidades até então pouco valorizadas. São conceitos que, ao permearem os processos de planejamento educacional, colaboram para ressignificar a forma de pensar e de atuar, fomentando o que referencia quando alerta que “[...] não se pode reformar a instituição sem antes haver reformado as mentes, mas não se podem reformar as mentes se antes as instituições não foram reformadas.” (MORIN, 2011, p. 147, tradução nossa) Teoria da Complexidade: é considerada uma referência para a superação da cegueira do conhecimento, anunciada por Morin 212 Marlene Zwierewicz, Saturnino de la Torre, Maria Canever da Silva, Liene Silveira, Rafael Marcelino da Silva (2007), que se perpetua na educação durante séculos, centrando-se muito mais na reprodução de conteúdos que no bem-estar das pessoas, da sociedade e da natureza (TORRE; ZWIEREWICZ, 2009). É uma contribuição para o despertar de uma consciência de que estamos caminhando para uma mudança paradigmática em relação à “[...] realidade e sobre o sentido da vida e do ser humano nesse universo planetário em que vivemos.” (TORRE; ZWIEREWICZ, 2012, p. 10). “A complexidade é efetivamente uma rede de eventos, ações, interações, retroações, determinações que sustentam nosso mundo fenomenológico [...].” O que é complexo “[...] alguma coisa que diz respeito à lógica, ou seja, à incapacidade de evitar contradições.” (MORIN; CIURANA; MOTTA, 2009, p. 44). - Transdisciplinaridade: constitui-se, com frequência, em esquemas cognitivos que podem atravessar as disciplinas (MORIN, 2009), rompendo, portanto, com as barreiras disciplinares. Seu conceito caracteriza essa função, pois nele está implícito o prefixo ‘trans’ que [...] indica, diz respeito ao que está ao mesmo tempo entre as disciplinas, através das diferentes disciplinas e além de toda disciplina. Sua finalidade é a compreensão do mundo atual, e um dos imperativos para isso é a unidade do conhecimento. (NICOLESCU, 1997, p. 1). - Ecoformação: tem relação com as demandas da realidade atual, já que se vive uma emergência planetária, com enormes problemas relacionados entre si, tais como: a contaminação e degradação dos ecossistemas; o esgotamento de recursos naturais; o crescimento incontrolado da população mundial; conflitos bélicos atrozes e incompreensíveis em nosso grau de civilização; perda da diversidade biológica, linguística e cultural, “Tudo isso acrescentado a uma profunda crise econômica global que não parece ser uma Uma educação comprometida com a vida: implicações e resultados dos projetos criativos 213 ecoformadores na escola municipal de ensino fundamental professora amélia de souza silva crise de crescimento, mas sim uma mudança de sistema.” (MALLART, 2009, p. 29). O autor ainda alerta que essa situação está relacionada à “[...] condutas individuais e coletivas, orientadas à obtenção de grandes benefícios particulares em curto prazo, sem entender suas consequências para os demais ou para as futuras gerações.” Esse comportamento é “[...] fruto do hábito de atender somente o mais próximo, espacial e temporalmente, e desatender as previsíveis consequências futuras de nossas ações.” (p. 29). “Entendemos a ecoformação como uma maneira sintética, integradora e sustentável de conceber a ação formativa, sempre em relação ao sujeito, à sociedade e à natureza.” (TORRE et al., 2008, p. 21). Para esses autores, o caráter de sustentabilidade somente é possível quando se estabelecem relações entre todos os elementos da natureza, sendo que o enfoque transdisciplinar é concebido como um olhar diferenciado sobre a realidade, considerando a existência de diversos níveis. Entre as características da ecoformação, os autores destacam: a) vínculos interativos com o entorno natural e social, pessoal e transpessoal; b) desenvolvimento humano a partir e para a vida, em todos seus âmbitos e manifestações de maneira sustentável, sendo que a sustentabilidade é uma característica significativa da ecoformação e de todos os conceitos relativos a ‘eco’, como ecopedagogia, ecoprojeto, ecoavaliação, ecossistemas; c) caráter sistêmico e relacional, que nos permite entender a formação como redes relacionais e campos de aprendizagem; d) caráter flexível e integrador das aprendizagens, tanto por sua origem multissensorial e interdisciplinar, como por seu poder polinizador; e) primazia de princípios e valores de meio ambiente, que consideram a Terra como um ser vivo e um local no qual convergem os elementos da natureza. A vinculação desses três conceitos na criação e aplicação da metodologia do PCE tem contribuído para articular conteúdos curriculares e a realidade dos estudantes e de seus entornos. Tendo 214 Marlene Zwierewicz, Saturnino de la Torre, Maria Canever da Silva, Liene Silveira, Rafael Marcelino da Silva como ponto de partida as problemáticas locais/globais, a utilização do PCE contribui para sua transformação, já que em sala de aula a ênfase é uma educação comprometida com a vida e, portanto, com o bem-estar das pessoas, da sociedade e da natureza. Trajetórias para difusão do pensamento complexo, da transdisciplinaridade e da ecoformação Nos últimos anos, o contexto educacional brasileiro têm se transformado em um campo profícuo para a difusão dos pressupostos que fundamentam a Teoria da Complexidade e, portanto, o pensamento complexo, bem como os que fundamentam a transdisciplinaridade e a ecoformação, estimulando a implicação em diferentes instituições de ensino. Sem dúvida, uma das estratégias mais potentes da difusão e polinização desse novo olhar transformador tem sido a linha de Congressos sobre Transdisciplinaridade, Complexidade e Ecoformação, de caráter internacional, realizados desde 2007. O primeiro foi realizado em Barcelona, impulsionado pelo Grupo de Pesquisa GIAD, tendo como um dos resultados a elaboração do Documento de Barcelona: transdisciplinaridade e educação, bem como a obra Transdisciplinaridade e Ecoformação, na versão espanhola e portuguesa. Um ano depois, o mesmo grupo, em colaboração com a UNED, organizou o segundo congresso, voltado ao Ensino Superior. O terceiro foi realizado em Brasília, referenciando a necessidade de investimentos na pesquisa e na formação, apoiados pela ótica da complexidade e da transdisciplinaridade. O quarto congresso foi realizado na Costa Rica, motivando a transformação de instituições de ensino superior. O quinto foi realizado em Barranquilha, na Colômbia, e o sexto foi realizado em Lima, no segundo semestre de 2014, com especial atenção à formação docente. Uma descrição mais detalhada dos eventos pode ser pesquisada na obra ‘Movimiento de Encuentros sobre Transdisciplinariedad’, de Torre (2012). Uma educação comprometida com a vida: implicações e resultados dos projetos criativos 215 ecoformadores na escola municipal de ensino fundamental professora amélia de souza silva Além da linha de congressos, são realizados encontros impulsionados por uma comunidade de pesquisadores e educadores que compartilha a perspectiva de Ciência com consciência para a transformação. O ‘II Simposio Internacional del Pensamiento Complejo: vías para la gran metamorfosis en defensa de la vida’, realizado em Lima, em 2012, o ‘IV Congresso Internacional de Educação Unibave: desenvolvimento e sustentabilidade - a América Latina e suas propostas’, realizado em Orleans, em 2013, o ‘Seminário Internacional de Escolas Criativas - RIEC’, realizado em Goiânia, em 2014, e os subsequentes Fóruns Internacionais de ‘Innovación y Creatividad’, realizados em Barcelona, são, em parte, responsáveis por esse processo de ressignificação do pensamento e da instituição, anunciado por Morin (2011). Da mesma forma, colaboram para os avanços dos conceitos -base deste capítulo, as publicações resultantes de pesquisas realizadas em programas de mestrado e doutorado, as que decorrem da colaboração entre grupos de pesquisa e as realizadas com a colaboração de professores que atuam na Educação Básica, tais como as registradas no Quadro1. Quadro 1: Obras que veiculam os conceitos de complexidade, transdisciplinaridade e/ou ecoformação Obra Autores/Organizadores Ano Paradigma Educacional Emergente Maria Cândida Moraes 2001 Transdisciplinaridade e ecoformação: um novo olhar sobre a educação Saturnino de la Torre, Maria Antonia Pujol e Maria Cândida Moraes 2008 Os sete saberes necessários à educação do futuro Uma escola para o século XXI: escolas criativas e resiliência na educação Edgar Morin Marlene Zwierewicz e Saturnino de la Torre 2004 2009 216 Marlene Zwierewicz, Saturnino de la Torre, Maria Canever da Silva, Liene Silveira, Rafael Marcelino da Silva Complexidade e transdisciplinaridade: em busca da totalidade perdia Akiko Santos e Américo Sommerman 2009 La vía para el futuro de la humanidad Edgar Morin 2011 Creatividad e innovación: enseñar e investigar con otra conciencia Didática e formação de professores: perspectivas e inovações Inovando na sala de aula: instituições transformadoras Documentos para transformar a educação (Conclusiones de principales Congresos y Foros) Criatividade e inovação no ensino superior: experiências latino-americanas e europeias em foco Saturnino de la Torre e Maria Antonia Pujol Maura Marilza Suanno e Núria Rajadell Saturnino de la Torre, Maria Antonia Pujol e Vera Lúcia de Souza e Silva Saturnino de la Torre, Maria Cândida Moraes e Maria Antonia Pujol Marlene Zwierewicz 2010 2012 2013 2013 2013 Além das obras registradas no quadro, é cada vez mais expressiva a veiculação de artigos em periódicos científicos reconhecidos nacional e internacionalmente. Entre eles, destacamos os cinquenta e quatro artigos acessíveis atualmente no site http://www. scielo.br, por meio do termo ‘transdisciplinaridade’. Alguns resultados Em meados de 2013, foi iniciada uma proposta de ressignificação do processo educacional de responsabilidade da Secretaria Municipal de Educação de Balneário Rincão, no Sul catarinense. A proposta consistia em um programa de formação-ação que colaboraria, simultaneamente, para a formação dos professores da rede e para a transformação da forma de planejar e desenvolver os planos de aula. O desafio era grande e os resultados incertos, pois demandariam de uma série de variáveis controláveis e não controláveis. Uma educação comprometida com a vida: implicações e resultados dos projetos criativos 217 ecoformadores na escola municipal de ensino fundamental professora amélia de souza silva Contou-se, nesse processo, com a capacidade inovadora, bem como com o comprometimento da equipe envolvida, deixando perceptível que esses são dois fatores indispensáveis para a manifestação de uma nova consciência no processo educacional. - Do programa de formação Balneário Rincão foi emancipado recentemente, estimulando a busca por uma identidade local, permeada pelo vínculo de pertencimento e pela identificação da vocação da cidade. Essa condição motivou a criação de um programa de formação-ação, voltado para o diagnóstico das prioridades e potencialidades dos estudantes e de seus entornos. Pretendia-se colaborar, por meio da educação, para uma cidade sustentável, sendo necessária uma proposta formativa que estimulasse: ∞ um ensino transdisciplinar e ecoformador, no qual é considerado o desenvolvimento cognitivo, mas também as outras dimensões que integram o desenvolvimento humano; ∞ um ensino que tivesse como ponto de partida a vida e a ela se voltasse com soluções estimuladas em sala de aula. Encontros com a comunidade: entendeu-se que a formação -ação implicaria, além dos gestores e docentes, as autoridades e a comunidade em geral, que estiveram presentes em encontros como no de abertura do programa, compartilhando seus saberes e fazeres do passado e aspirações sobre o presente e o futuro da cidade. Além de apresentar a proposta, a abertura do programa, ilustrada pelas Figuras 1, 2 e 3, ampliou as possibilidades para uma formação mais contextualizada. 218 Marlene Zwierewicz, Saturnino de la Torre, Maria Canever da Silva, Liene Silveira, Rafael Marcelino da Silva Figuras 1, 2 e 3: Abertura do programa de formação-ação em Balneário Rincão Encontros por unidade de ensino e seminários de socialização na rede e em rede: entre as atividades que integraram a sequência do programa de formação-ação, foram incluídos momentos de planejamento nas unidades de ensino, bem como seminários para socialização dos PCE, elaborados pelas diferentes instituições de ensino, com apresentação dos resultados parciais. Figuras 4, 5 e 6: Encontros por unidade de ensino e seminários de socialização da rede municipal Seminário de polinização com encerramento do programa: o evento foi aberto à comunidade, oportunizado que todas as escolas de Ensino Fundamental e os Centros de Educação Infantil pudessem socializar os resultados dos PCE, polinizando ideias para o presente e futuro da cidade. Figuras 7, 8 e 9: Seminário de polinização e encerramento do programa de formação-ação Uma educação comprometida com a vida: implicações e resultados dos projetos criativos 219 ecoformadores na escola municipal de ensino fundamental professora amélia de souza silva - Da ressignificação do planejamento Considerando os conceitos discutidos neste capítulo (complexidade, transdisciplinaridade e ecoformação), Torre e Zwierewicz (2009) criaram a metodologia do PCE. Essa metodologia é formada por uma sequência didática que inicia com a seleção do pensamento organizador, implícito no título e no epítome, e encerra com a polinização, que consiste na retroalimentação do processo, por meio da difusão dos resultados e da inclusão de uma ‘criação’ que contribua para qualificar a vida, sendo, portanto, um momento de abertura a novas possibilidades. Essa proposta foi lançada na obra ‘Uma escola para o século XXI: escolas criativas e resiliência na educação’, publicada pelos autores em 2009. Registram-se, por meio da Figura 10, os organizadores conceituais que dão forma ao PCE. Figura 10: Projetos Criativos Ecoformadores - PCE (ZWIEREWICZ, 2012) 220 Marlene Zwierewicz, Saturnino de la Torre, Maria Canever da Silva, Liene Silveira, Rafael Marcelino da Silva Durante o programa de formação-ação na Rede Municipal de Balneário Rincão, a estrutura foi discutida e, com base nos organizadores conceituais, um dos PCE elaborado recebeu o título ‘Encantos da Barra Velha e de todo o município do Balneário Rincão: nem tudo aqui é mar’, cujo desenvolvimento e principais resultados são sistematizados na sequência. Destaca-se, antes dessa descrição, que entre as maiores virtudes do referido PCE está o lançamento da proposta ‘Lixo de Papel Zero’, que mobilizou a Escola Municipal de Ensino Fundamental Professora Amélia de Souza Silva. Ao atingir a meta do ‘Lixo de Papel Zero’, a escola eliminou o depósito de papel no meio ambiente, destinando os resíduos produzidos a uma fábrica de reaproveitamento, que atua na própria comunidade em que está situada a escola. Projeto Criativo Ecoformador ‘Encantos da Barra Velha e de todo o município do Balneário Rincão: nem tudo aqui é mar’ . O PCE ‘Encantos da Barra Velha e de todo o município do Balneário Rincão: nem tudo aqui é mar’ nasceu com a perspectiva de que, ao aprofundar os conhecimentos em relação à história e características do munícipio, situando cada estudante nesse contexto, poderia contribuir para construir a noção de identidade e o sentimento de pertencimento à comunidade que pode ser transformada, por meio de intervenções fomentadas no entorno escolar. Com base nessa ideia, o PCE foi organizado da seguinte forma: Epítome: foi realiza uma série de visitas na comunidade na qual está situada a escola e em outras áreas da cidade. O objetivo dessas visitas foi o de reconhecimento do bairro, observando prioridades e potencialidades em relação aos demais. Uma educação comprometida com a vida: implicações e resultados dos projetos criativos 221 ecoformadores na escola municipal de ensino fundamental professora amélia de souza silva Figuras 11, 12 e 13: Epítome do PCE Entre as prioridades, observou-se a necessidade de uma política de preservação do meio ambiente. Em contrapartida, entre as potencialidades, foi situada a fábrica que utiliza resíduos de papel, colaborando com a preservação ambiental. Legitimação teórica e pragmática: para legitimar teoricamente o PCE e articulá-lo à realidade local/global, além das visitas que integraram o epítome, foram previstas as seguintes ações: ∞ uso de livros didáticos, jornais e outros materiais de referência no tema; ∞ acesso a documentos históricos do bairro/município; ∞ entrevistas; ∞ oficina com o grupo de mulheres que produzem sabão, utilizando óleo de cozinha; Perguntas geradoras: alguns dos questionamentos que mobilizaram a escola foram: ∞ Quais são as prioridades e potencialidades da comunidade? 222 Marlene Zwierewicz, Saturnino de la Torre, Maria Canever da Silva, Liene Silveira, Rafael Marcelino da Silva ∞ A emancipação do munícipio trará mudanças para a comunidade? ∞ O que precisa ser feito para proteger as belezas naturais do bairro? ∞ Como podemos reutilizar os resíduos de papel na escola, estendendo a ideia para a comunidade? ∞ Como podemos usar o que aprendemos nas diferentes áreas do conhecimento para melhorar nossa realidade? Metas: as metas contribuem para mobilizar os envolvidos, pois são aspirações de quem está diretamente engajado na aplicação do PCE (TORRE; ZWIEREWICZ, 2009). Foram metas do PCE: ∞ identificar as principais necessidades e potencialidades do bairro; ∞ atingir ‘Lixo de Papel Zero’ na escola; ∞ lançar a proposta ‘Lixo de Papel Zero’ na comunidade.; ∞ gravar um documentário com os conhecimentos produzidos em relação à comunidade: passado, presente e futuro. Eixos norteadores: os eixos norteadores são formados pelos objetivos, conteúdos e conceitos essenciais, bem como pelos recursos implicados no PCE: Objetivos: na sequência é registrado o objetivo geral do PCE e três de seus objetivos específicos: ∞ Promover o conhecimento da história e as características da comunidade, estimulando o sentimento de pertencimento e a capacidade de enfrentamento das adversidades, por meio de atividades criativas, sustentáveis e voltadas ao desenvolvimento integral dos estudantes. ∞ Estimular a apropriação de conhecimentos que possibilitem ao estudante situar-se a partir do lugar em que reside. ∞ Proporcionar o encontro da criança com o espetáculo natural que é a paisagem de seu bairro/munícipio, contribuindo para elevação da estima. ∞ Contribuir para a apropriação de conhecimentos histori- Uma educação comprometida com a vida: implicações e resultados dos projetos criativos 223 ecoformadores na escola municipal de ensino fundamental professora amélia de souza silva camente produzidos e para sua articulação com as prioridades e potencialidades da comunidade. Conteúdos e conceitos fundamentais: como o PCE foi aplicado em toda a escola, envolvendo estudantes do 1° ao 5° ano, foram integrados diferentes conceitos e conteúdos. Parte deles está sistematizada na sequência: Artes: reciclagem de resíduos sólidos, produção de slogan, produção de documentário, exposição; Educação Física: brinquedos e brincadeiras, ritmo, movimento, regras e procedimentos de jogos colaborativos; Ciências: água, poluição, animais, reciclagem; Geografia: limites geográficos, pontos cardeais, mapas, paisagem, transformações naturais e intencionais, incluindo as que se processam na lagoa próxima à escola; História: movimentos migratórios, formação do bairro, sambaquis, emancipação da cidade; Língua Portuguesa: produção textual, incluindo relatório, interpretação, expressão oral, roteiro de entrevista, itens de um questionário, gramática; Matemática: operações numéricas, problemas, percentuais, fração, gráficos. Recursos: entre os recursos básicos para o desenvolvimento do PCE foram utilizados: resíduos sólidos para a confecção de objetos utilizáveis; ônibus para o transporte; autorização dos pais para as visitas; roteiro de entrevista e questionário; outros materiais utilizados tradicionalmente na escola. Itinerários: são as principais atividades previstas na elaboração do PCE. Em função das metas e dos objetivos, as atividades consideraram três momentos: Analisando o passado ∞ pesquisa: aplicação de questionário e entrevista aos pais; ∞ roda de conversação: entre crianças e o Clube da Terceira Idade; ∞ identificação, no mapa, do local das construções mais antigas; 224 Marlene Zwierewicz, Saturnino de la Torre, Maria Canever da Silva, Liene Silveira, Rafael Marcelino da Silva ∞ análise do movimento de consolidação dos bairros, destacando as mudanças na paisagem; ∞ exposição com utensílios antigos; ∞ atividades envolvendo a cultura dos indígenas e os sambaquis. Contextualizado o presente ∞ observação das construções mais antigas, problemas ambientais, rede de esgotos, dificuldade de chegar ao mar, infraestrutura... ∞ identificação das potencialidades: aspectos que diferenciam o desenvolvimento... belezas naturais, a qualidade do ar, as lagoas como fonte de renda e de bem -estar; ∞ atividades econômicas, soluções de produção para o inverno, a produção agrícola, fábrica de reciclagem, produção de sabão com restos de óleo vegetal. Criando uma perspectiva de futuro ∞ Fórum para discussão do lançamento da proposta ‘Lixo de Papel Zero’ ∞ Projeção ‘A escola de nossos sonhos’. Coordenadas temporais: o projeto foi estruturado para ser desenvolvido em um semestre letivo. Avaliação emergente: desenvolvida por meio de estratégias, tais como: ∞ produções individuais e coletivas; ∞ revisão das produções individuais e coletivas; ∞ acompanhamento das intervenções das crianças a partir do que estudaram e compartilharam. Polinização: entre as atividades, destaca-se a Linha do Tempo do Município, que foi agrupada aos resultados das demais ins- Uma educação comprometida com a vida: implicações e resultados dos projetos criativos 225 ecoformadores na escola municipal de ensino fundamental professora amélia de souza silva tituições educativas da rede, formando a Figura 17, registrada na sequência, bem como: ∞ proposta de Lixo de Papel Zero na escola; ∞ início de um projeto de bairro sustentável, com o lançamento da campanha ‘Lixo de Papel Zero’ na comunidade. Figuras 14, 15, 16: Polinização do PCE Figura 15: Linha do tempo construída coletivamente pelas instituições da Rede Municipal de Ensino de Balneário Rincão Por meio dessa sequência didática, o PCE ‘Encantos da Barra 226 Marlene Zwierewicz, Saturnino de la Torre, Maria Canever da Silva, Liene Silveira, Rafael Marcelino da Silva Velha e de todo o município do Balneário Rincão: nem tudo aqui é mar’, atendeu a perspectiva de que, ao aprofundar os conhecimentos em relação ao histórico e características do munícipio, situando cada estudante nesse contexto, contribuiria para construir a noção de identidade e o sentimento de pertencimento. Nesse processo, gestores, docentes, estudantes e a comunidade, perceberam que a realidade pode ser transformada, por meio de intervenções fomentadas no entorno escolar. Considerações finais A complexidade, a transdisciplinaridade e a ecoformação fortalecem a capacidade de superar práticas mantidas por escolas que “[...] ensinam a isolar os objetos (de seu meio ambiente), a separar as disciplinas (em vez de reconhecer suas correlações), a dissociar os problemas, em ver de reunir e integrar.” (MORIN, 2009, p. 15). Ainda que essa possibilidade pareça utópica, é necessário lembrar que “[...] o conhecimento científico não pode tratar sozinho dos problemas epistemológicos, filosóficos e éticos.” (MORIN, 2007, p. 21), presentes na realidade atual e, possivelmente, na futura. Considerando a delimitação do contexto escolar e as limitações do conhecimento científico apontadas por Morin, a Rede Municipal de Ensino de Balneário Rincão iniciou uma trajetória diferenciada pelas relações que as instituições educativas vêm estabelecendo entre o conteúdo curricular e a realidade local/global. Foram necessárias ressignificações profundas, nesse processo, e isso poderia ser impossível sem um programa de formação-ação. Em seu desenvolvimento, observou-se que, entre as potencialidades mais relevantes da perspectiva complexa, transdisciplinar e ecoformadora, está sua capacidade para vincular escola e vida. A complexidade, por exemplo, teve lugar na aparente simplicidade da vida, da consciência e do cenário formativo. Os conteúdos formativos, por sua vez, transcenderam o espaço da sala de aula e o currículo acadêmico despertou nos estudantes suas potencialidades, ao Uma educação comprometida com a vida: implicações e resultados dos projetos criativos 227 ecoformadores na escola municipal de ensino fundamental professora amélia de souza silva possibilitar que entrassem em contato com seu entorno. Por isso, o projeto ‘Lixo de Papel Zero’ tem todos os ingredientes que se dinamizam pela implicação desses conceitos. O que educa e faz uma criança feliz é sua inserção e sua valorização, o que não é viável com aprendizagens fechadas e empacotadas em livros. Ao contrário, são os estímulos ‘cultural e socialmente enriquecidos na escola’, que se configuram em entornos potencializadores, marcando a diferença do processo educacional. É nesse processo que os Projetos Criativos Ecoformadores - PCE deixaram sua marca, reafirmando a constatação de Lipton e Bhaerman (2010), quando registraram que o encontrado em nosso entorno é responsável, em grande parte, pelo que somos e fazemos. Na proposta apresentada, a metodologia do PCE estimulou uma dinâmica que influenciou no próprio programa formativo, permeada pelo trabalho em rede. Em seu desenvolvimento, gestores e docentes se retroalimentam, na medida em que socializaram as inovações propostas a partir das discussões teóricas e do acesso a iniciativas das demais instituições. Foi nesse contexto que nasceu o PCE ‘Encantos da Barra Velha e de todo o município do Balneário Rincão: nem tudo aqui é mar’. Ao criar a proposta, a ideia não era a de reproduzir o que já estava determinado nos livros didáticos, tendo como ponto de partida os conteúdos curriculares. O que mobilizou o planejamento, sendo seu ponto de partida, foi a própria realidade dos estudantes e, portanto, a vida. O ponto de chegada, por sua vez, voltava a ser a mesma realidade, contudo, a trajetória percorrida ofereceu possibilidades para sua ressignificação. Foi assim que a campanha de ‘Lixo de Papel Zero’ nasceu motivada pelo diagnóstico da realidade e repercutiu além dos muros da escola. Nesse processo, o ensino linear, fragmentado e descontextualizado deu lugar a uma prática complexa, transdisciplinar e ecoformadora. Os conteúdos, por sua vez, estavam implícitos durante toda 228 Marlene Zwierewicz, Saturnino de la Torre, Maria Canever da Silva, Liene Silveira, Rafael Marcelino da Silva trajetória, dando um sentido de pertinência ao que era compartilhado com os colegas da sala e professores, bem como com as outras instituições educativas e a comunidade de uma forma geral. Nesse processo, a prática pedagógica, mantida nos cativeiros disciplinares e que não responde às necessidades da realidade, que já não são de exclusiva alçada econômica, mas atingem todas as esferas da vida (ZWIEREWICZ, 2013), deu lugar para uma religação dos conhecimentos, para a superação do modelo escolar como entorno de exclusiva transmissão de conhecimentos e para o fortalecimento da resiliência, em função das possibilidades de intervenção percebidas e/ou aplicadas durante o desenvolvimento do PCE. Referências BASARAB, Nicolescu. 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Blumenau: Nova Letra, 2013. p. 9-16. Ensino de línguas estrangeiras: em busca de inovações no processo de ensino Thierry Augusto Ferreira Barbosa 1 Marilza Vanessa Rosa Suanno2 Introdução O objetivo do presente capítulo é analisar relatos de experiência, no ensino de Língua Estrangeira, publicados dos anais do “I Seminário da Rede Internacional de Escolas Criativas - RIEC”. Busca-se identificar como os professores de língua estrangeira inovam no processo de ensino aprendizagem superando as amarras do ensino guiado pelo livro didático e do ensino centrado na gramática da Língua Estrangeira. O I Seminário RIEC, ocorreu na cidade de Goiânia, entre os dias 26 e 29 de março de 2014, tendo sido organizado e realizado pela Rede Internacional de Escolas Criativas - RIEC, em parceira com a Universidade Federal de Goiás - UFG, a Universidade Estadual de Goiás – UEG/Câmpus Inhumas e o Centro de Ensino e Pesquisa Aplicada à Educação – CEPAE/UFG. Os anais do evento contêm 109 trabalhos, e neste universo buscaremos identificar os relatos de experiência referentes ao ensino de Língua Estrangeira, práticas de ensino emergentes, criativas e inovadoras. Metodologicamente, procedemos à busca no sumário, via leitura dos títulos dos textos, e a leitura vertical no documento digital dos anais3. Após este procedimento identificou-se sete textos relacionados à Língua Estrangeira, sendo que destes quatro são 1 Graduando do curso de Letras Português e Inglês da Universidade Estadual de Goiás – UEG, Câmpus Inhumas. Professor de Inglês no Colégio Estadual Rodolfo de Oliveira e Colégio Caminho das Letras. E-mail: [email protected] 2 Orientadora. Professora da Universidade Estadual de Goiás – UEG e da Universidade Federal de Goiás – UFG. E-mail: [email protected] 3 Anais do I Seminário RIEC (2014). Disponível em: https://cepae.ufg.br/n/67032-i-seminario-da-riec. Acesso em 06/09/2014. 232 Thierry Augusto Ferreira Barbosa, Marilza Vanessa Rosa Suanno relatos referentes ao ensino de Língua Inglesa, dois de Língua Espanhola e um de Língua Francesa. Os relatos analisados apresentam estratégias didáticas com a utilização de literatura infantil, dramatização, culinária, oficinas temáticas, práticas de ensino vinculadas ao estágio supervisionado e a utilização do livro didático para o ensino de línguas estrangeiras. Ao analisar os textos foi possível observar que os (as) professores (as) mediavam o processo de ensino, e na sequência apresentamos os relatos selecionados e o que foi possível compreender dos mesmos. O critério de exposição definido foi apresentar, inicialmente, os relatos de ensino de Língua Inglesa, seguidos pelos relatos de Língua Espanhola e, posteriormente, os de Língua Francesa. Desenvolvimento No Relato de Experiência A ‘princesa e o sapo’: em busca da criatividade no ensino de inglês como língua estrangeira e o uso de TICS (SABOTA, 2014) inovar é produzir uma relação de algo que já se sabe, com algo novo e argumenta que os professores não necessitam inventar algo extraordinário para que uma aula se torne inovadora e criativa, basta que ele desenvolva um bom planejamento e permita ao aluno ser criativo ao aprender uma nova língua. A autora relata uma experiência de ensino com o objetivo de criar frases comparativas em inglês, por meio de uma metodologia em três momentos: a) no primeiro momento promoveu uma pesquisa sobre o tema selecionado na internet, um tema conhecido pelos alunos, o Carnaval; b) no segundo momento, exibiu o filme animado da Walt Disney Animation Studios: A princesa e o sapo; c) em seguida, promoveu o diálogo sobre o tema, incentivando a criação de comparação entre os elementos do filme, e para tal, dever-se-ia utilizar de recursos linguísticos em inglês. A professora mediou e incentivou os alunos a criarem frases comparativas em inglês. Para auxiliar no input de informações culturais da língua es- Ensino de Línguas Estrangeiras: em busca de inovações no processo de ensino 233 trangeira e acréscimo da motivação selecionei um vídeo para ser exibido em um auditório (com características acústicas e visuais relativamente apropriadas), já que o uso do cinema como recurso pedagógico adicional tem a possibilidade de envolver os alunos por sua linguagem, suas cores, e sons próprios (SABOTA, 2014, p. 128). A professora exibiu o filme em Inglês, com a legenda em português, para assim, possibilitar a escuta em língua estrangeira. A escolha do filme animado A princesa e o sapo se deu em detrimento do mesmo fazer alusão ao carnaval, temática que os alunos tinham conhecimento prévio o que poderia facilitar a construções de frases comparativas. Os alunos, por meio de pesquisa, fizeram o levantamento de informações sobre o carnaval e as organizaram em um cartaz. Sabota (2014) considera que esta atividade poderia ter sido realizada via google doc, por meio de escrita colaborativa, que pudesse ser disponibilizada em lousa digital, ou apresentada em power point, caso os recursos da escola permitissem. Após a exibição do filme animado foi elaborado um handout, um folheto com a sequência do filme, as cenas importantes, os personagens, os pontos comparativos entre o filme e o tema carnaval. Na elaboração do handout, a professora ajudou os alunos a relembrar o enredo do filme. Concluímos que Sabota (2014) foi criativa ao elaborar e mediar a atividade comparativa em inglês, tendo utilizado o estudo em torno da temática, com filme animado e TICs, indo além das práticas tradicionais centradas na utilização do livro de gramática e em tarefas individuais repetitivas. Pareceu-nos interessante o trabalho da professora por oportunizar aos alunos aprender comparações em inglês, por meio de pesquisa coletiva, diálogo sobre um filme animado, em outro ambiente para além da sala de aula e, fundamentalmente, porque a professora mediou didaticamente do processo de ensino apren- 234 Thierry Augusto Ferreira Barbosa, Marilza Vanessa Rosa Suanno dizagem. E assim, os alunos conseguiram aprender e listar várias comparações, que era o objetivo da atividade. Filho (2014), no Relato de Experiência Literatura infantil, cinema e dramatização em aulas de inglês como língua estrangeira, apresenta projeto desenvolvido com estudantes do 6º ano do ensino fundamental, no qual planeja e medeia o processo de ensino aprendizagem a partir da sensibilização da percepção, da experiência estética, da fruição com os estudantes. As práticas de ensino de línguas são comunicativas e se baseiam em tarefas, que articulam literatura, leitura, atuação, corporeidade, pesquisa, diário dialogados e aprendizagem de inglês. Os estudantes procedem à leitura cuidadosa e atenciosa de livros de literatura infantil ilustrados, em inglês, obras atuais e altamente recomendadas pela crítica. Vivenciam a leitura do texto, da imagem e a percepção sensível da literatura no corpo ao atuar. Com esse trabalho, procurei refletir sobre o processo de ensino e aprendizagem de língua estrangeira, tomando-se como ponto de partida a leitura de literatura não como pretexto para o ensino de língua, mas como fruição e experiência. (FILHO, 2014, p.569). O professor explicita sua intencionalidade de levar os livros ilustrados à cena, de fazer da leitura um processo para a criação corporal, para a dramtização da literatura selecionada, para “experimentar o texto literário como corpo, baseia-se, portanto, no pressuposto de que a literatura convoca o corpo do leitor a reescrever o texto, ao interpretá-lo por meio de sua respiração, sua voz e ritmo” (FILHO, 2014, p. 568). Tal vivência busca possibilitar aos estudantes a ampliação da percepção sensível e estética sobre o processo de fluir do texto literário para o corpo, para a experimentação da interpretação e atuação, por meio da voz, da respiração, dos silêncios, dos movimentos e do contexto. Bem como, a implicação subjetiva do processo experiênciado. Ensino de Línguas Estrangeiras: em busca de inovações no processo de ensino 235 Como parte da atividade os estudantes foram incentivados a fazer pesquisas na internet sobre literatura infantil, o que possibilitou a construção de conhecimentos, a autonomia na busca e a familiarização com alguns termos em inglês. E o professor motivou a utilização de diários dialogados entre professores e aluno como estratégias de estudo, de tomada de consciência sobre o processo de aprendizagem, de autonomia e exercício de tomada de posição sobre as temáticas das aulas e sobre si mesmo, bem como possibilidade de estímulo para a comunicação. Pareceu-nos muito interessante e transdisciplinar o trabalho desenvolvido e relatado. Em Oficinas temáticas no ensino de língua inglesa na escola (BROSSI e SILVESTRE, 2014) as autoras relatam o trabalho com oficinas temáticas no Estágio Supervisionado em Língua Estrangeira, Inglês, desenvolvido com bolsistas do Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência – PIBID, da Universidade Estadual de Goiás/Câmpus Inhumas. Relatam experiências colaborativas e criativas desenvolvidas nas oficinas ministradas nos anos finais do ensino fundamental, bem como as reuniões reflexivas entre os (as) estagiários (as) e professoras, como oportunidade para dialogar, analisar e avaliar os alcances da oficina desenvolvida. Os temas selecionados para a realização das oficinas emergiram da perspectiva crítica, possibilitando o diálogo sobre os papéis sociais e políticos dos sujeitos em seus contextos. Os estagiários não utilizavam livros didáticos, pois confeccionavam os materiais didáticos com a supervisão das professoras - formadoras. Foram desenvolvidas seis oficinas temáticas, com temas diversos, no intuito de ensinar Língua Inglesa e mobilizar os estudantes para o processo de ensino aprendizagem, sendo eles: Good food, crood life; Series de TV; The different types of family; We can be heroes; Feelings e Patriarchy. No texto as autoras apresentam as atividades e os materiais 236 Thierry Augusto Ferreira Barbosa, Marilza Vanessa Rosa Suanno confeccionados para uso coletivo dos estudantes que participavam das oficinas de Língua Inglesa ministradas pelos estagiários. O relato do projeto de estágio apresenta características criativas, colaborativas, participativas e com ampla mediação didática. No Relato de experiência Adaptação e complementação de materiais didáticos para o ensino de língua inglesa na educação básica: relato de experiência (DUARTE, 2014) a autora apresenta olhares sobre o papel, os limites e as possibilidades do uso de livros didáticos no processo de ensino aprendizagem de Língua Estrangeira. Destaca que alguns autores criticam o uso do livro didático; outros sugerem a adequação ou adaptação dos mesmos para as necessidades dos professores e dos estudantes; outros questionam o processo de seleções dos livros, muitas vezes centralizados na decisão de coordenadores pedagógicos, sem a consulta do professor da disciplina. A autora enfatiza a necessidade de se criar adaptações para que os livros didáticos sejam pontes para o ensino de língua estrangeira. Adaptações para melhor atender aos sujeitos, aos contextos, aos processos, ao currículo, a aprendizagem de Língua Estrangeira, potencializando a motivação, a significação, a fluência, a consciência linguística, a conversação e a escrita. SELLANES (2014), no Relato de experiência A culinária hispano-americana nas aulas de espanhol, apresenta e analisa o processo de implantação da Língua Espanhola, de uma escola pública, por meio de uma abordagem natural, uma proposta de sensibilização e de atividades que favorecem a interação dos sujeitos no processo de ensino aprendizagem e o desenvolvimento de habilidades de compreensão auditiva e expressão oral em Língua Espanhola. A culinária é utilizada como estratégia para sensibilizar os estudantes para conhecer a cultura, os costumes e a Língua Espanhola. A proposta de sensibilização visa à construção de um processo de aprendizagem significativa, bem como a transposição do uso da Língua Espanhola para além do contexto da sala de aula. Ensino de Línguas Estrangeiras: em busca de inovações no processo de ensino 237 Carvalho (2014), no relato Espanhol em ambiente virtual de aprendizagem, apresenta reflexões sobre as potencialidades dos ambientes virtuais na aprendizagem de Espanhol e aponta que esta pode ser integrada ao ensino presencial. Vieira (2014), no relato de experiência A transdisciplinaridade como ferramenta de uma aula de língua e cultura francesa estrangeira, apresenta o trabalho docente desenvolvido no ensino médio tendo por temática o Romantismo como reação ao classicismo. O projeto visa promover a compreensão da literatura francesa do século XIX, possibilitando o conhecimento da língua e cultura francesa investigada em seus sentidos. Os alunos já têm conhecimentos básicos de língua francesa, por estudarem a língua desde a segunda fase do ensino fundamental. O professor desenvolve atividades em sala de aula, apresentando quadros comparativos contendo o movimento romântico e o classicismo. Os alunos são motivados a apontam características comparativas entre esses movimentos, utilizando adjetivos em Língua Francesa, apresentados em cartões/imagens. Considerações provisórias Os professores e professoras de língua estrangeira demonstraram intencionalidade de criar processos e práticas de ensino capazes de envolver os alunos e alunas na aprendizagem da língua estrangeira e na respectiva cultura. Convidamos a todos para conhecerem os relatos de experiência de ensino publicados no Anais do I Seminário da Rede Internacional de Escolas Criativas – RIEC, que se encontra disponibilizados no site do Centro de Estudos e Pesquisas Aplicados à Educação – CEPAE, da Universidade Federal de Goiás – UFG. 238 Thierry Augusto Ferreira Barbosa, Marilza Vanessa Rosa Suanno Referências BROSSI, Giuliana Castro e SILVESTRE, Viviane Pires Viana. Oficinas temáticas no ensino de língua inglesa na escola. In: Anais do I seminário da Rede Internacional de Escolas Criativas – RIEC. Goiânia: CEPAE/UFG, 2014. 927 p. Disponível em: http://cepae.ufg.br/p/7479-riec-2014. Acesso em: 12/12/2014. p. 691. CARVALHO, Iris Oliveira de. Espanhol em ambiente virtual de aprendizagem. Anais do I seminário da Rede Internacional de Escolas Criativas – RIEC. Goiânia: CEPAE/UFG, 2014. 927 p. Disponível em: http://cepae.ufg.br/p/7479-riec-2014. Acesso em: 12/12/2014. p. 465. DUARTE, Magali Saddi. Adaptação e complementação de materiais didáticos para o ensino de língua inglesa na educação básica: relato de experiência. Anais do I seminário da Rede Internacional de Escolas Criativas – RIEC. Goiânia: CEPAE/ UFG, 2014. 927 p. Disponível em: http://cepae.ufg.br/p/7479-riec-2014. Acesso em: 12/12/2014. p. 153. FILHO, Newton Freire Murce. Literatura infantil, cinema e dramatização em aulas de inglês como língua estrangeira. In: Anais do I seminário da Rede Internacional de Escolas Criativas – RIEC. Goiânia: CEPAE/UFG, 2014. 927 p. Disponível em: http://cepae.ufg.br/p/7479-riec-2014. Acesso em: 12/12/2014. p. 567. SABOTA, Barbra. A “princesa e o sapo”: em busca da criatividade no ensino de inglês como língua estrangeira e o uso de TICS. In: Anais do I seminário da Rede Internacional de Escolas Criativas – RIEC. Goiânia: CEPAE/UFG, 2014. 927 p. Disponível em: http://cepae.ufg.br/p/7479-riec-2014. Acesso em: 12/12/2014. p. 127. SELLANES, Rosana Beatriz Garrasini. A culinária hispano-americana nas aulas de espanhol. Anais do I seminário da Rede Internacional de Escolas Criativas – RIEC. Goiânia: CEPAE/UFG, 2014. 927 p. Disponível em: http://cepae.ufg. br/p/7479-riec-2014. Acesso em: 12/12/2014. p. 47. VIEIRA, Thales Rodrigo. A transdisciplinaridade como ferramenta de uma aula de língua e cultura francesa estrangeira. Anais do I seminário da Rede Internacional de Escolas Criativas – RIEC. Goiânia: CEPAE/UFG, 2014. 927 p. Disponível em: http://cepae.ufg.br/p/7479-riec-2014. Acesso em: 12/12/2014. p. 141. 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