Departamento de Engenharia Mecânica OBTENÇÃO DAS GRANDEZAS CARACTERÍSTICAS ESTATÍSTICAS DE GOLFADAS Aluno: João Henrique Paulino Azevedo Orientadora: Angela Ourivio Nieckele Introdução Escoamento multifásico é caracterizado pelo escoamento simultâneo de diferentes fluidos, consistindo de mais de uma fase (sólido, líquido ou gás) da mesma substância ou de fluidos diferentes. As diferentes fases podem ser da mesma substância pura, como um líquido e seu vapor, ou de diferentes substâncias, como um líquido e um gás ou dois líquidos ou qualquer combinação de líquido, gás e sólido. As fases de um escoamento multifásico podem se arranjar de diversas formas, dando origem a diferentes configurações de escoamento com características diversas. A Figura 1 ilustra possíveis arranjos das fases para escoamento horizontal, i.e., diferentes padrões de escoamento para o caso do fluxo horizontal. Os padrões encontrados são: estratificado e estratificado ondulado, bolhas alongadas, golfadas, anular e anular ondulado e bolhas de gás dispersas no líquido. Figura 1 – Padrões de escoamento na horizontal. Escoamentos bifásicos no regime de golfadas são caracterizados pela alternância de pacotes de líquido e grandes bolhas de gás na tubulação. Golfadas são associados a altas perdas de carga, possuindo uma natureza estocástica, pois a distribuição espacial das fases induz a intermitência local em uma seção transversal da tubulação a qual leva à variação temporal dos parâmetros de escoamento. Este escoamento ocorre em larga faixa de vazões de gás e líquido em tubulações de diâmetro médio e pequeno, com variação periódica da densidade, fração de vazio e pressões na seção transversal da tubulação [1]. Com muita frequência uma descrição física simplificada é realizada em termos dos valores médios do comprimento, velocidade e frequência das golfadas. Há, contudo, casos em que informações sobre os valores médios não são suficientes, sendo importante conhecer dados sobre a distribuição das variáveis e o máximo valor possível alcançado. O valor máximo do comprimento das golfadas de líquido, por exemplo, é uma informação essencial no projeto de separadores gás-líquido. Dessa forma, a correta previsão deste tipo de Departamento de Engenharia Mecânica escoamento é fundamental para o projeto adequado de tubulações, e dos reservatórios de separação das fases. O desenvolvimento de uma ferramenta numérica também é muito útil para auxiliar na operação de dutos Particularmente na indústria do petróleo, o escoamento multifásico ocorre na produção e durante transporte de fluidos (hidrocarbonetos, água e sólidos) provenientes dos reservatórios conforme ilustrado na Fig.2. Figura 2 – Sistema de produção de petróleo, Barracuda e Caratinga. A importância da previsão de escoamento multifásico em tubulações de petróleo é notável de forma a permitir um melhor dimensionamento dos equipamentos de processamento, assim como tornar situações operacionais (início, operação normal, desligamento, despressurização, etc.) mais eficientes. A exploração em águas cada vez mais profundas, com tubulações horizontais e verticais, onde diferentes padrões de escoamento podem ocorrer, tem contribuído mais ainda para o desenvolvimento de modelos para prever este tipo de escoamento. Objetivos O presente trabalho tem como objetivo o desenvolvimento de um programa de pósprocessamento de dados em MATLAB para analisar numericamente o padrão de escoamento bifásico no regime de golfadas, visando a caracterização das golfadas e das bolhas de acordo com comprimento, frequência e velocidade de translação, para o regime estatisticamente permanente. Os resultados numéricos obtidos serão comparados com os dados experimentais disponíveis na literatura e obtidos no Departamento de Engenharia Mecânica da PUC-Rio [2]. Modelo Matemático Utilizou-se o Modelo de Dois Fluidos para prever o escoamento no regime de golfada em uma tubulação circular horizontal. As equações para o Modelo de Dois Fluidos foram derivadas originalmente por Ishii [3]. A utilização de modelos 1D se deve principalmente pela complexidade e esforço computacional e foi desenvolvido a partir do trabalho de Ortega [4] e Carneiro [5]. O Modelo de Dois Fluidos requer a solução de uma equação de conservação para cada fase. Sendo assim, as equações governantes ficam: Departamento de Engenharia Mecânica Conservação de Massa para o Gás e Líquido ; (1) Conservação de Quantidade de Movimento Linear para o Gás e Líquido: (2) (3) onde G, L e i referem-se à fase gasosa, líquida e interface, respectivamente. é a velocidade média na seção transversal, é a fração volumétrica, é a massa específica. é a pressão, é a área da seção transversal do duto, é a inclinação do duto, e correspondem às coordenadas axial e temporal, respectivamente. é a tensão de cisalhamento com a parede, é a tensão de cisalhamento da interface gás-líquido, é o perímetro molhado da fase k, é o perímetro da interface gás-líquido, é a aceleração da gravidade. Para a determinação das tensões cisalhantes fase k – parede (wk), e líquido – gás (i), considerou-se escoamento localmente hidrodinâmicamente desenvolvido, com as tensões de cisalhamento baseadas na prescrição do fator de atrito da fase k e interface fi calculados a partir de correlações disponíveis na literatura, recomendadas por [1] ; (4) As frações volumétricas de gás e líquido estão relacionadas por: , (5) Para modelar o escoamento em tubulações horizontais, considera-se o escoamento estratificado como escoamento base [1, 6], a partir do qual o padrão de golfadas evolui e é ilustrado na Fig. 3. Figura 3 – Base de geometria para escoamento estratificado. Os parâmetros geométricos referentes a um escoamento estratificado são: (6) Departamento de Engenharia Mecânica ; ; ; ; (7) (8) (9) Método Numérico O método de volumes finitos [7] foi selecionado para ser utilizado neste trabalho para resolver as equações de conservação de massa e quantidade de movimento do Modelo de Dois Fluidos. Este modelo é baseado em dividir o domínio computacional em pequenos volumes de controles, e integrar temporalmente e espacialmente cada equação de transporte em cada volume de controle, estabelecendo uma equação discreta que expresse a mesma lei de conservação em cada um deles. O código utilizado na presente dissertação foi desenvolvido pelo grupo de Dinâmica dos Fluidos Computacional do Departamento de Engenharia Mecânica da PUC–Rio [4,5] e vem sendo continuamente aprimorado. A metodologia empregada é baseada no Modelo de Dois Fluidos uni-dimensional [6, 8]. Os programas desenvolvidos foram criados em linguagem Fortran. De acordo com recomendação de Patankar [7], utilizou-se malha deslocada para as velocidades em relação às outras grandezas escalares (frações volumétricas, massas específicas e pressão). As equações foram integradas com aproximação upwind para a discretização espacial e Euler implícito para a discretização temporal. O acoplamento velocidade-pressão foi resolvido com uma metodologia análogo ao método PRIME, conforme descrita por [9]. O sistema algébrico foi resolvido utilizando a metodologia TDMA. Metodologia Os cálculos médios dos parâmetros das golfadas foram feitos depois de atingir o regime estatisticamente permanente. Para determinar se este regime foi alcançado, a fração volumétrica bem como os parâmetros das golfadas são monitorados ao longo do tempo em diferentes coordenadas axiais. Somente após a observação de que este regime foi obtido, as grandezas de interesses são armazenadas para a determinação das médias de interesses. Os parâmetros das golfadas como comprimento, velocidade da frente e da cauda e a frequência são medidas numericamente em algumas posições fixas ao longo da tubulação. Para cada posição foram calculadas médias dos resultados obtidos para estes parâmetros. A velocidade da frente da golfada é medida medindo-se o intervalo de tempo levado pela frente para percorrer uma determinada distância entre dois pontos pré-definidos (x1 e x2). No presente caso é possível obter as medidas para três espaçamentos diferentes: 5D, 10D ou 15D. Assim quando a fração de vazio for inferior a 2% , considera-se que a frente da golfada atingiu a posição x1, e um contador de intervalos de tempo é acionado. A contagem continua até que na segunda coordenada, (x2)˂ 0,02, isto é, quando a frente da golfada atinge x2. Assim, a velocidade de translação da frente da golfada, pode ser estimada como: (10) A velocidade da cauda de golfada é medida de forma análoga, medindo-se o intervalo Departamento de Engenharia Mecânica de tempo levado pela cauda para percorrer a mesma distância (x1 e x2). Assim, quando a variável (x1) ˃ 0,02, a cauda atinge a posição x1, e outro contador de intervalos de tempo é acionado, a contagem continua até (x2) ˃ 0,02 , quando a cauda da golfada atinge a posição x2. Assim a velocidade da cauda (ou velocidade de translação da bolha) pode ser determinada da seguinte maneira: (11) a) Frente b) Cauda Figura 4 – Representação do método de calculo das grandezas estatísticas. Para calcular o comprimento de cada golfada passando pela posição x2, a variável é continuamente monitorada, de forma há identificar os instantes em que a frente e a cauda da golfada atingem esta posição. (x2)˂ 0,02, detecta-se a chegada da frente da golfada. Um novo contador de intervalos de tempo é iniciado, até que (x2) atinja novamente valores maiores do que 0,02, marcando o momento de chegada da cauda da golfada a x2. Com a velocidade de translação anteriormente determinada e assumindo que a mesma é constante, pode-se calcular o comprimento da golfada passando por x2 através de: (12) onde f e c significam ‘’frente’’, e ‘’cauda’’ da golfada, respectivamente. A frequência das golfadas é definida como o número de golfadas que passa numa determinada posição (x0) por intervalo de tempo. Este parâmetro é calculado a partir dos valores de fração volumétrica de líquido (hold-up) medidos em função do tempo durante todo o intervalo de tempo de simulação. Desta forma, cada valor discreto de frequência pode ser definido como o inverso do intervalo que decorre entre a passagem de duas frentes consecutivas de golfadas por x0. Portanto, pode-se escrever: (13) Para calcular os valores médios de cada um dos parâmetros da golfadas (velocidades da frente e cauda, comprimento e frequência), uma média aritmética é realizada de acordo com as seguintes expressões: Departamento de Engenharia Mecânica (14) (15) onde N é o número de medidas realizadas. Para análise dos resultados de comprimento foram empregadas as Funções Densidade de Probabilidade (PDF) dos tipos log-normal e gamma. A escolha dessas distribuições é relevante pelo fato de representarem uma assimetria (obliquidade) positiva, o que é observado nas distribuições de comprimento da golfada e bolha através do tempo em uma dada coordenada da tubulação. Para a distribuição log-normal (16) onde µ é a média e σ o desvio padrão da amostra analisada. No caso da distribuição gama temos que, (17) (18) onde θ e k são o parâmetro de forma e o parâmetro de escala, e Γ a função gama. Na Figura (5) tem-se exemplos da distribuição (a) gama e (b) log-normal, comprovando o formato similar entre as duas. Figura 5 – Variação dos parâmetros de entrada para (a) distribuição gama e (b) log-normal. Resultados e Discussão Um programa para pós-processamento de dados foi desenvolvido e disponibiliza para o usuário uma gama de possibilidades para construção de gráficos para velocidade da bolha, velocidade do pistão de líquido, frequência, comprimento do pistão de líquido e comprimento da bolha em função do tempo ou da coordenada da tubulação. Além dessas, é possível gerar gráficos das respectivas médias em função do tempo ou coordenada e também histogramas em conjunto com PDF’s (Função Densidade de Probabilidade) dos tipos log-normal e gamma. Também é possível a partir do programa, gerar arquivos com as informações médias de cada coordenada pré-determinada, para realização de testes de malha determinísticos da melhor relação entre tempo de simulação e precisão nos resultados. Departamento de Engenharia Mecânica Para fins de comparação utilizou-se as mesmas condições de teste utilizadas nos experimentos de [2], onde os fluidos envolvidos são gás e água com suas respectivas densidades e viscosidades, com uma tubulação de diâmetro D=0,0240m e comprimento L=10m, pressão de saída constante e igual a atmosférica. A Tabela 1 apresenta as velocidades superficiais dos 6 casos considerados em [2], e que foram utilizadas como condições de contorno, onde velocidades superficiais são definidas como ; sendo (19) a vazão volumétrica e A é a área de seção transversal. CASOS UsG UsL 1 0,475 0,295 2 0,475 0,393 3 0,475 0,516 4 0,788 0,295 5 0,788 0,393 6 0,788 0,516 Tabela 1 – Matriz de teste [2] O programa computacional de simulação disponibiliza a possibilidade de analisar os dados estatísticos em coordenadas pré-estabelecidas. Fonseca [2] só mediu os dados característicos da golfada, no final da tubulação onde teoricamente o escoamento já está desenvolvido e as golfadas já estão formadas. Logo, todos os resultados aqui mostrados, quando utilizados para fins de comparação, são de dados obtidos na coordenada x=9m. Para demonstrar o desenvolvimento dos parâmetros médios ao longo da tubulação, para um determinado caso, foram escolhidas 7 coordenadas diferentes ao longo da tubulação (x=3, 4, 5, 6, 7, 8, 9m). As Figuras 6 a 9 ilustram os comprimentos das golfadas medidos no final da tubulação, para os diversos casos que a metodologia foi capaz de reproduzir o caráter intermitente do escoamento no padrão de golfadas, com uma variedade de comprimentos das golfadas, concordando com a literatura [10-12]. Nota-se claramente que para baixas velocidades superficiais do líquido, as golfadas são mais espaçadas e maiores do que para velocidades superficiais de líquidos maiores, enquanto que para altas velocidades superficiais de líquido observa-se golfadas menores e menos espaçadas, ou seja, com uma frequência maior. É possível observar que com o aumento da velocidade superficial do gás, há uma diminuição no comprimento das golfadas. Observa-se ainda, que a medida que a velocidade superficial do líquido cresce, a freqüência das golfadas também cresce, juntamente com uma diminuição do comprimento das mesmas. Somente após atingir o regime estatisticamente permanente, os valores médios das grandezas características da golfada são calculados, ou seja, para se determinar os dados estatísticos, os dados obtidos no período de tempo inicial são descartados. As Figuras 10 e 11 ilustram o desenvolvimento dos valores médios de comprimento e velocidade de translação do filme (bolha) com o tempo, para o caso 4. Observa-se um transiente inicial, e após aproximadamente 200 segundos, uma estabilização dos valores médios é obtida, indicando a obtenção do regime desenvolvido estatisticamente. Departamento de Engenharia Mecânica Ls/D Ls/D Figura 6 – Caso 1, USL=0,295m/s Ls/D Figura 7 - Caso 3, USL=0,516m/s Ls/D Figura 8 – Caso 4, USL=0,295m/s Figura 9 – Caso 6, USL=0,516m/s Figura 10 - Comprimento médio da golfada Figura 11 - Velocidade média da bolha ao longo do tempo, Caso 4 ao longo do tempo, Caso 4 Departamento de Engenharia Mecânica Para determinar as grandezas médias, utiliza-se um período de tempo suficiente grande para obter uma amostra numerosa o bastante. As Figuras 12 e 13 apresentam para o Caso 3, a variação ao longo do duto da velocidade média de translação da bolha e frequência média da golfada, respectivamente. Observa-se que a velocidade da bolha é aproximadamente constante ao longo do duto, porém, a frequência da golfada apresenta uma queda, tendendo a um valor constante próximo à saída, onde o regime pode-se considerado como desenvolvido. Figura 12 - Velocidade da bolha, Caso 3 Figura 13 - Frequência da golfada, Caso 3 O caráter aleatório das golfadas também pode ser apreciado na Fig. 14, a qual apresenta histogramas dos dados experimentais do comprimento da golfada, próximo à saída. Na figura, as duas PDF log-normal e gamma foram incluídas. Observa-se que as duas PDF apresentam comportamento semelhante e que a PDF log-normal representa melhor os dados experimentais. Figura 14 – Histograma e PDF experimental do comprimento da golfada. Caso 6 Departamento de Engenharia Mecânica Uma comparação da PDF log-normal dos cumprimentos das golfadas, obidas a partir dos dados experimentais e dados numéricos é apresentada na Fig.15. Observa-se resultados bem semelhantes, com aproximadamente a mesma faixa de comprimentos, sendo que a concentração máxima observada numericamente é um pouco menor. Porém, pode-se afirmar que o modelo numérico conseguiu prever de forma adequado as características do escoamento no padrão de golfadas. Figura 15 – Comparação numérico versus experimental da função densidade de probabilidade log-normal para o comprimento da golfada. Conclusões Com a ferramenta elaborada para análise dos dados estatísticos, ou seja, para posprocessamento de dados, foi possível gerar gráficos para visualização do comportamento das variáveis ao longo do tempo e coordenada da tubulação. Utilizando a mesma matriz de teste de Fonseca [2], onde varia-se a velocidade superficial de líquido da entrada, para duas diferentes velocidades superficiais de gás. Observa-se que a medida que a velocidade superficial do líquido cresce, a frequência das golfadas também cresce, juntamente com uma diminuição do comprimento das mesmas. Já quando a velocidade superficial de gás é aumentada a frequência cresce ligeiramente, porém o comprimento da golfada diminui de uma forma mais brusca. É possível observar através dos gráficos gerados, comportamentos característicos do padrão de golfadas relatados na literatura, como a evolução dos parâmetros das golfadas ao longo da coordenada da tubulação. Para o comprimento da golfada, apresentou-se duas distribuições de probabilidade, lognormal e gama. Observou-se que a distribuição log-normal representa melhor as distribuições de frequência dos comprimentos das golfadas. Obteve-se ótimas representações tanto para os dados numéricos, quanto para o experimentais, além de uma comparação satisfatória entre os dois. Referências 1 – CARNEIRO, J.N.E; FONSECA Jr, R.;. 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