História verídica da Sophia de Mello Breyner Andresen e dos seus antepassados. Texto A Os antepassados de Sophia de Mello Breyner e de Miguel Sousa Tavares chegaram a Portugal em meados do século XIX, vindos da ilha de Föhr, no arquipélago das Frísias. Tudo começou com um adolescente de espírito aventureiro que viria a introduziu o nome Andresen no nosso país. A história é rocambolesca e tem contornos próprios da literatura de aventura. Imagine-se a vida do jovem Jann Hinrich Andresen, com apenas 14 anos, na ilha de Föhr, no arquipélago das Frísias, no gelado mar do Norte, junto à costa da Dinamarca. Rodeados de água por todos os lados, ainda mais água fértil em vida, os habitantes da ilha não fugiam ao destino e dedicam-se unicamente ao mar. A indústria conserveira e a pesca eram as actividades que dominavam a pequena economia. Estávamos no século XIX e na altura o isolamento da vida numa ilha era ainda mais constrangedor. Foi neste cenário que certo dia, em 1840, Jann Andresen pediu aos pais - Thomaz Andresen e Thunke Poppen - autorização para embarcar num veleiro. Após semanas a viajar pelos mares da Europa, o barco ancorou no Porto numa manhã quente, e os marinheiros dinamarqueses tomaram conta da cidade. A bordo manteve-se o mais novo tripulante, o jovem Andresen, com a incumbência de tomar conta da embarcação. Às tantas, aborrecido, encontrou uma pele de um urso-polar e resolveu estendê-la na coberta do barco, com o objectivo de atrair transeuntes. Por meio de gestos, contava aos curiosos a história da caça ao urso-polar e cobrava 10 réis a quem quisesse entrar no barco para apreciar de perto a pele do animal. O negócio corria-lhe bem até que o comandante, regressado de terra, se deparou com aquele cenário. Irado com a ousadia do rapaz, o comandante perseguiu-o até onde pôde com o intuito de o sovar. Mais rápido e mais jovem, Andresen refugiou-se em terra e nunca mais os seus companheiros lhe puseram a vista em cima. Maria Alice Rios contou esta aventura no livro Famílias Tradicionais do Porto. Do resto da vida de Jann Hinrich Andresen, o que se sabe é que as coisas lhe correram de feição. Ficou em terra e nunca mais pensou voltar à gelada ilha de Föhr. Podia não saber falar uma única palavra de português, mas tinha jeito para os negócios. Primeiro, empregou-se numa loja de candeeiros. Deu-se bem. Mais tarde, seguiu a sua paixão: os vinhos. Trabalhou afincadamente e era obstinado nos negócios. Em poucos anos, criou uma verdadeira fortuna com base no vinho do Porto. E aprendeu a falar e a escrever português num ápice. Em 1854, com a anexação das Frísias pelo imperador alemão, durante a Guerra dos Ducados, Jann Hinrich reagiu violentamente e pediu a naturalização portuguesa. D. Fernando II, príncipe regente, concedeu-lha, no Paço de Sintra. A partir de então, o dinamarquês, que na altura já era um respeitado homem de negócios, passou a chamar-se João Henrique Andresen. E assim ficou conhecido para sempre. Nas gerações que se seguiram, a fortuna da família foi consolidada e os negócios floresceram. João Henrique júnior comprou a Quinta de Campo Alegre, onde a família viveu muitos anos. O primogénito do aventureiro dinamarquês casou-se com uma senhora alemã, discípula do pintor Katzenstein, que era obcecada por flores e plantas. Nos 17 hectares da quinta esta senhora mandou construir um jardim romântico e ecléctico, bem ao estilo bucólico da época. Foi na Quinta de Campo Alegre que a escritora Sophia de Mello Breyner - 4.ª geração dos Andresen - passou a infância. A casa teve, aliás, grande impacto na obra da poetisa, a primeira mulher a ganhar o Prémio Camões (1999). " Foi um território fabuloso com uma grande e rica família, servida por uma criadagem numerosa", disse numa entrevista em 1993. Nessa altura, já a Quinta do Campo Alegre tinha sido transformada em Jardim Botânico do Porto, hoje, ironicamente, dirigido pela arquitecta paisagista Teresa Andresen, descendente de João Henrique Andresen. O barco dos Andresen da Dinamarca ancorou em Portugal, por RITA ROBY GONÇALVES Esta quinta fica muito próximo do cemitério de Agramonte onde podemos encontrar um túmulo cuja inscrição pertence à família Andresen. Texto B Sophia de Mello Breyner Andresen nasceu no Porto, no dia 6 de Novembro de 1919. O seu pai, João Henrique Andresen, era neto de um dinamarquês, Jan Henrik, que se fixou no Porto e que ali fez fortuna, primeiro no sector da cabotagem, depois no negócio dos vinhos. A mãe, Maria Amélia de Mello Breyner, "leitora desabalada" que, segundo Sophia, criticava a filha por "não ler nada", pertencia a uma família aristocrática de fortes tradições liberais. Entre os seus antepassados mais ou menos directos contam-se Pedro de Mello Breyner, que deu nome à Rua do Breiner, no Porto, e Tomás de Melo Breyner, que foi portabandeira de D. Pedro IV. Pedro de Mello Breyner, encarcerado pelos miguelistas, morreu na Torre de S. Julião da Barra, em 1828, sem ter tido a consolação de assistir à vitória das tropas liberais no cerco do Porto. Um dia que certamente lhe teria parecido "inteiro e limpo", como esse outro dia que Sophia pôde viver um século e meio mais tarde. No cerco do Porto lutaram, aliás, dois Mello Breyner: António, filho de Pedro Mello Breyner, gravemente ferido em combate, e Tomás, a quem D. Pedro IV incumbiu que cravasse a sua bandeira nas areias do Mindelo. A infância e adolescência, passou-a Sophia na quinta portuense do Campo Alegre, adquirida pelo seu avô Andresen no final do século XIX. "Um território fabuloso", assim a evocaria mais tarde a própria autora. É claro que um exíguo quintalejo pode ser, para uma criança, um território fabuloso. Mas não era bem o caso. Uma parte do que dele resta é hoje o Jardim Botânico do Porto. "Era tão grande a Quinta dos Andresen que o filho primogénito, João Henrique [pai de Sophia], administrador das minas de S. Pedro da Cova, não precisava de galgar os muros para atirar à caça de arribação", escreve Fernando Assis Pacheco, num belo texto intitulado "Sophia, a vida tirada a limpo", que a "Visão" publicou em 1995. (…) Uma Vida Vertical, Por LUÍS MIGUEL QUEIRÓS, Sábado, 03 de Julho de 2004 Proposta de trabalho: 1 A “Saga”, sendo um conto de ficção, tem alguns aspectos biográficos da autora. Demonstra a presença desses mesmos aspectos no conto, estabelecendo um paralelismo entre a história de ficção (Saga) e os textos A e B, a história verídica de Sophia e dos seus antepassados.