Teologia para leigos
2015
Modulo Cristologia
Assuntos:
A busca do Jesus Histórico
A palestina no tempo de Jesus
O messianismo de Jesus
Introdução
O centro da nossa fé é a pessoa de Jesus de Nazaré que nos levou a comunhão com o Pai na unidade do
Espírito Santo. Os cristãos desde então buscam uma melhor compreensão da pessoa de Jesus Cristo. A
cristologia quer responder a pergunta apresentada pelos textos dos Evangelhos sobre a identidade de Jesus
após o relato de suas obras maravilhosas. Como por exemplo:
Mc 4,41: quem é este a quem até o vento e o mar obedecem?
Mc 8, 27: Jesus partiu com seus discípulos para os povoados de Cesárea de Filipe. No caminho, ele perguntou
a seus discípulos. Quem dizem os homens que eu sou?
Fazer cristologia ou desenvolver uma abordagem cristologica significa expor criticamente, na fé e pela fé,
uma resposta orgânica e coerente á pergunta quem é Jesus. A exposição é critica porque necessita da
racionalidade, de método, da ajuda das ciências arqueológicas para compreender o ambiente vivido por Jesus.
Esse trabalho é feito na fé, para não ser apenas uma aproximação imparcial sobre a pessoa de Jesus.
A cristologia procura dar a resposta mais adequada para a pergunta: quem é Jesus? A resposta dada a essa
pergunta foi dada pelo novo Testamento: Jesus é o Cristo. O ponto originário da pesquisa cristologica é
desenvolver a formulação Jesus é o cristo. Essa afirmação será refletida ao longo do estudo para lembrar que
Jesus representa a dimensão histórica do homem de Nazaré enquanto o cristo é o ungido, o prometido por
Deus para nossa salvação.
A cristologia começa com a afirmação: Jesus é o Cristo encontrada nas passagens do Novo Testamento:
At 18,5: Quando Silas e Timóteo chegaram da Macedônia, Paulo dedicou-se inteiramente à pregação da
palavra, dando aos judeus testemunho de que Jesus era o messias.
Rm 10,9: Portanto, se com tua boca confessares que Jesus é o senhor, e se em teu coração creres que Deus o
ressuscitou dos mortos, serás salvo.
Essa profissão de fé está no centro da cristologia e sintetiza o conteúdo de fé da vida cristã. Na cristologia do
novo testamento e dos primeiros séculos aparece uma impostação soteriológica na apresentação de Jesus de
Nazaré, ou seja, a ligação da pessoa de Jesus com a obra de salvação do gênero humano. A cristologia e a
soteriologia estão unidos. O Jesus histórico anunciado como o cristo pelo Novo Testamento é o salvador da
humanidade.
Na idade medieval acontece um rompimento da cristologia com a soteriologia. O estudo cristológico
valorizou mais a pessoa de Jesus em si mesmo, e não sua obra para nós. O mais importante é o Jesus na sua
identidade e menos no seu amor demonstrado pela humanidade.
A cristologia nos últimos tempos busca sua inspiração nas Escrituras, com sua ligação com a Trindade,
voltado para a nossa salvação. A cristologia se alia a questão do universo com um cristologia cósmica, a
cristologia voltada para a libertação dos pobres, Jesus como messias esperado.
No Credo afirmamos a nossa fé na pessoa (em si) e na obra (para nós) de Jesus Cristo: Creio em Jesus Cristo,
seu único filho, Nosso senhor que foi concebido pelo poder do Espirito Santo, nasceu da virgem Maria,
padeceu e foi sepultado, desceu a mansão dos mortos e ressuscitou ao terceiro dia, está sentado a direita de
Deus Pai donde a há de vir julgar os vivos e os mortos.
Capitulo 1 A questão de Jesus
1.1 As duas cristologias:
Fundamentalmente temos dois tipos didáticos de tratar a cristologia nos dias atuais: a cristologia descendente
ou a partir de cima, que utiliza o método dedutivo. E a cristologia de baixo ou ascendente, que usa o método
indutivo. São duas formas de compreender o evento Jesus Cristo. A cristologia a partir de cima começa
falando de Deus que envia seu filho ao mundo para salvá-lo. Essa cristologia que acentua o evangelho de
João, valoriza a encarnação do verbo, mas historicamente separa a missão de Jesus da soteriologia e acentua a
divindade de Jesus.
A cristologia a partir de baixo acentua a humanidade de Jesus, sua pessoa única e irrepetível e absolutamente
original, viveu toda a sua existência como um ser humano, com todas as suas características. Jesus apareceu
como judeu pertencente ao seu povo, seus compromissos religiosos e costumes, que morreu numa cruz e
Deus o ressuscitou e constituiu senhor de toda a história. São duas formas de ler o mesmo evento Jesus que
se complementam para uma visão global da pessoa de Jesus. 1
1.2 Jesus histórico e o cristo da fé
A pergunta sobre o acesso a Jesus de Nazaré, sua busca histórica ganha muita dramaticidade. Em muitas
épocas a pergunta sobre a história de Jesus não era importante para as pessoas, bastava saber assegurar a fé na
sua pessoa. Mais tarde, começou a buscar uma ideia sobre o verdadeiro Jesus de Nazaré e não em possível
interpretações sobre a sua vida. Foi um momento de profundo questionamento porque havia duvidas sobre a
verdadeira identidade de Jesus. O Jesus transmitido pela Igreja em seus dogmas, sua devoção corresponde ao
Jesus que viveu aqui há dois mil anos? Poderia haver falsificações da imagem de Jesus? O que os apóstolos
ensinaram foi realmente a vida concreta de Jesus?2 A teologia se ocupa com as fontes que podem ajudar a
compreender a identidade da figura histórica de Jesus de Nazaré e sua interpretação teológica e catequética
sobre sua obra. Com fontes canônicas, extra-canônicas, geográficas, políticas e toda a pesquisa da arqueologia
podemos nos aproximar mais do tempo de Jesus para descobrir mais sobre sua pessoa.
A questão da historicidade da pessoa de Jesus é algo fundamental para a cristologia. No entanto a
historicidade de Jesus está dentro de uma comunidade de crentes que pode ter uma experiência singular de fé
e adesão a pessoa de Jesus. Pouco sabe-se sobre a historicidade de Jesus, poucos vestígios da sua existência
histórica, mas graças a comunidade de seguidores, o nome de Jesus foi interpretado como sendo o enviado de
Deus para salvar o mundo. É a comunidade que transmite a sua experiência de Jesus. Tudo que sabemos ou
podemos saber de Jesus, já vem marcada pela comunidade cristã que fez sua leitura do mistério de Jesus. O
método histórico positivista não consegue da conta da complexidade da pessoa de Jesus.
A partir daí, podemos dizer que toda a revelação neotestamentária é perpassada por uma tensão dialética entre
o Jesus histórico e o cristo da fé que é percebida e revelada pela boca das testemunhas de Jesus. Aquele que
foi visto, ouvido e tocado, a figura histórica do filho de Maria, chamado filho do carpinteiro que morreu na
cruz foi exaltado e glorificado como o messias salvador. O novo testamento foi uma interpretação teológica
da pessoa de Jesus, mas que se apoia fundamentalmente na sua existência histórica.
Os evangelhos não são biografias nem um documento meramente histórico. Os fatos de Jesus histórico
transcendentais que marcam os fatos históricos com um ensinamento de salvação. Por outro lado também não
pode ser uma reflexão espiritualizada da comunidade que cria um mito sobre um personagem de Nazaré, mas
alguém com solidez histórica. Por tanto, a única salvação está contida no corpo individual de Jesus de Nazaré.
3
1
Cf. BINGEMER, Maria Clara L. Jesus Cristo: servo de Deus e messias glorioso, p. 11-13.
Cf. THEISSEN,Gerd; MERZ, Annette. O Jesus histórico: um manual, p. 13.
3
Cf. BINGEMER, Maria Clara L. Jesus Cristo: servo de Deus e messias glorioso, p. 14-15.
2
Temos 5 fases sobre a pesquisa da vida de Jesus4
Primeira fase: os impulsos críticos para a questão do Jesus histórico
Hermann Reimarus (1694 a 1768) foi na sua vida um pioneira da religião da razão proposta pelo deísmo
inglês. Após sua morte, Lessing (1774-1778) publicou sete fragmentos da obra: Apologia ou escrito de defesa
para os adoradores racionais de Deus. Com Reimarus inicia o tratamento da vida de Jesus em perspectiva
histórica.
Ensinava no inicio a separação total do ensinamento do Jesus histórico do Cristo pregado pelos Apóstolos.
Para conhecer o verdadeiro Jesus precisamos colocá-lo dentro do contexto histórico judaico. É preciso tirar
todas as interpretações sobre a vida de Jesus e alcançar sua existência mesma através do seu contexto
histórico. Para esconder o fracasso da vida de Jesus que morre na cruz, os discípulos criam a história da sua
vitória sobre o sofrimento e a vergonha da cruz. A situação política messiânica de Jesus foi fracassada, mas os
discípulos criam a ressurreição para fortalecer seu poder. O centro da pregação de Jesus era o Reinado de
Deus e no chamado a conversão.
A segunda fase: o otimismo da pesquisa liberal
O otimismo sobre a pesquisa do Jesus histórico se deve pelas descobertas de materiais biográficos capazes de
construir a evolução da formação dos evangelhos. A formação do evangelho de Marcos como primeiro
evangelho, as fontes orais, as cartas e todo material que deram credibilidade para as fontes históricas sobre
Jesus. Esperavam pelas fontes descobrir tudo sobre a personalidade de Jesus. Autores encontraram no
evangelho de Marcos uma evolução biográfica da vida de Jesus e sua personalidade.
A terceira fase: o colapso da pesquisa sobre Jesus
Na virada do século XX chega o colapso da teologia liberal. As imagens de Jesus já são interpretações dos
pesquisadores sobre a vida de Jesus que selecionam aspectos que mais interessam. Os autores também
descobrem que as fontes mais antigas já são interpretações sobre a vida de Jesus. O evangelho de Marcos
apresenta Jesus com a problemática desta comunidade sobre o messianismo de Jesus. A comunidade
apresenta a dificuldade de entender o messianismo de Jesus, que nos seus escritos aparece como alguém que
trata seu messianismo em segredo.
Não é possível chegar a personalidade de Jesus pelas fontes antigas pois elas já estão influenciadas pelo
autor. Houve uma grande desilusão com o processo de busca histórica sobre a vida de Jesus. O fracasso só
não foi maior pela atuação de Bultmann que dizia que não importa o que Jesus histórico tenha feito ou dito,
mas a pregação do cristo da fé dos apóstolos.
A quarta fase: uma nova pesquisa sobre o Jesus histórico.
É a fase que começa a unir e não contrapor o Jesus histórico do cristo da fé pregado pela Igreja. Começa a ver
a unidade entre o Jesus pré-pascal e o cristo pós-pascal. O querigma da Igreja está de acordo e fundamentado
com a pessoa histórica de Jesus. Deve haver uma tradição autentica sobre a pregação do Novo Testamento
A quinta fase é a third quest:
Até então o interesse pela história de Jesus tinha o pano de fundo a separação entre o cristianismo e o
judaísmo e da teologia contra as heresias dos primeiros séculos, como a gnose. Esta etapa se interessa mais
pelo contexto social e não teológico de Jesus e nas fontes não canônicas sobre a sua vida. O contexto social
de Jesus auxilia para compreender cada vez mais sua identidade. Ele é um judeu que inicia um movimento
dentro do judaísmo como tantos movimentos. A separação judaísmo e cristianismo na verdade acontece no
final do século I. Essa fase procura evitar o anti-semitismo colocando Jesus no seu ambiente judaico, como
uma fonte teológica de compreensão de Jesus e também as fontes não-canônicas.
4
A interpretação das cinco fases da pesquisa sobre a questão histórica de Jesus baseado no livro THEISSEN, Gerd; MERZ, Annette. O
Jesus histórico: um manual, p. 21-
Capitulo 2 A Palestina no tempo de Jesus
Nos últimos tempos, a cristologia buscou compreender Jesus a partir da sua localidade. A preocupação com a
questão geográfica, política, religiosa em que viveu Jesus ajuda a compreender melhor os seus ensinamentos.
Assim, o ambiente que Jesus viveu não passa despercebido pelo leitor, como se fosse um local neutro. A
Galiléia passa a ser visto não apenas como local geográfico, mas um conceito aberto, que formata, dialoga,
inventa a identidade da pessoa de Jesus. A Galileia, como os grupos religiosos, os locais de oração, a
preparação do Antigo Testamento, a expectivativa messiânica, todo o contexto integral é visto como uma
fonte inspiradora para a missão de Jesus.5
Jesus viveu na Palestina, pequena faixa de terra com área de 20 mil Km2, com 240 Km de comprimento e 85
Km de largura. A Palestina é dividida entre alto e baixo por uma cadeia de montanhas que influencia o clima.
A oeste a vento frio vindo do mar choca-se com as montanhas causando mais chuvas. A leste não existe o
vento do mar sendo o ambiente mais seco. As áreas cultiváveis estão na parte norte do pais e no vale do rio
Jordão. A região da Judeia é montanhosa e valoriza o cultivo de oliveiras e do pastoreio.
2.1 A situação política da Palestina6
Quando Jesus nasceu, reinava na palestina Herodes I, o grande (Mt 2,1). Com a morte de Herodes no ano 4 a.
C. o reino foi dividido entre seus três filhos, porém não receberam o titulo de reis. A Judeia e a Samaria com
Arquelau (Mt 2,22); A Galileia e a transjordania com Herodes II Antipa (Lc 3,1) e o Jordão, e leste do lago de
Galiléia com Filipe.
O governo romano deixava aos judeus certa autonomia para administrar a região. As províncias eram
administradas por governadores ou procuradores. Eram representantes do Estado e se encarregavam de
assuntos econômicos, jurídicos e militares. A competência judicial do governador incluía o ius gladii, isto é
pena de morte.
Pôncio Pilatos era procurador da Judeia de 26 a 36 d.C. e que condenou Jesus a morte. Ele era
intransigente,duro e obcecado, cruel e ambicioso. A imagem desse procurador no processo de condenação de
Jesus não confere com a realidade: Pilatos que tenda libertar Jesus da condenação. Na verdade, o texto quer
acentuar a inocência de Jesus que mesmo um tirano reconhece a injustiça da condenação.
2.2 A Economia da Palestina
A economia no tempo de Jesus se destaca pela agricultura e pecuária. Há pequenas propriedade de terra, mas
também grandes proprietários que geralmente moram na cidade e deixam administradores e escravos, ou
diaristas para cultivar a propriedade.
Agricultura: sobretudo na Galiléia onde a terra é mais verdejante.
Produz: trigo, cevada, oliveira, frutas, uva, figo.
Pecuária:
Principalmente na Judéia, onde as terras são menos férteis. Destaca-se a criação de camelos, vacas, ovelhas e
cabras. A pesca - no Lago de Tiberíades (Mar da Galiléia).
Artesanato:
Desenvolveu-se nas aldeias e nas cidades, principalmente em Jerusalém. Seus ramos de atividades são a
cerâmica, trabalhos em couro, lã. A produção é artesanal e familiar, passa de pai para filho.
5
6
Cf. FREYNE, Sean. Jesus, um judeu da galileia, p. 1-13.
Cf. MATEO, Juan; CAMACHO, Fernando. Jesus e a sociedade de seu tempo, p. 9- 18
2.3 Os impostos na região da palestina7
A obrigação mais importante dos procuradores, além da direção das tropas e do exercício de funções
judiciais, era a administração dos recursos econômicos. precisamente esta função deu origem ao titulo de
procurador. Na palestina havia duas classes de tributos diretos:
Tributum soli: era o importo sobre os produtos do campo, da propriedade. Dependia do tamanho da
propriedade, da produção e do número de escravos. Os fiscais verificavam e fixavam a quantia a ser paga.
Periodicamente havia nova fiscalização através dos censos.
Tributum capitis: Era o imposto sobre as pessoas. Era uma taxa sobre as propriedades, que variava conforme
a avaliação do capital da pessoa. Incluía homens e mulheres entre 12 e 65 anos. Era sobre a força do trabalho:
20% da renda de uma pessoa era para o imposto.
Pedágio ou alfândega: Era um imposto sobre circulação de mercadoria, cobrado pelos publicanos. Havia
soldados nos postos fiscais para obrigar os que não queriam pagar. Os procuradores podem cobrar impostos
nas suas fronteiras sobre a circulação de mercadorias. Os tributos ano eram arrecadados por funcionários
civis, e sim pelos publicanos. Se a arrecadação excedesse uma soma anual fixa, o lucro poderia ficar com o
cobrador de impostos; porém se a arrecadação fosse menor, o publicano precisava pagar para atingir a soma
fixa anual. Muitas vezes, houve abuso na cobrança de impostos o que causou muito ódio do povo contra os
publicanos.
Imposto para o Templo e o Culto
Shekalim: Imposto para o Templo propriamente dito, a manutenção do prédio.
Dízimo: Imposto para a manutenção do clero.
Primícias: Imposto para a manutenção do culto.
Segundo Lc 19,1-10: Zaqueu era um publicano, rico e chefe dos cobradores de impostos, que sobe na arvore
para ver Jesus. “Senhor, eis que eu dou metade dos meus bens aos pobres, e se defraudei a alguém restituo-o
o quádruplo”.
2.4 O idioma de Jesus
A língua sagrada. O idioma usado por Jesus no dia-a-dia era o aramaico. Pois, em sua época, o povo já não
falava mais o hebraico. Considerado uma língua sagrada, o hebraico era empregado apenas na composição de
obras eruditas e nos ritos religiosos. Nas sinagogas, as leituras dos textos eram feitas em hebraico. Mas, para
que as pessoas comuns pudessem compreendê-las, um servente as traduzia ao aramaico.
A língua do povo. Na comunicação cotidiana, desde a época do exílio na Babilônia (586 a.C.-538 a.C.), só se
utilizava o aramaico. Trata-se de um idioma do grupo semítico, originário da Alta Mesopotâmia, falado ainda
hoje em círculos restritos. É tão semelhante ao hebraico quanto o espanhol ao português. E, a partir dos
últimos reinados assírios e persas, no século 6 a.C., tornou-se uma língua internacional, empregada
principalmente no comércio.
As línguas estrangeiras. A terceira língua falada na região era o grego, disseminado por todo o Oriente
Médio com as conquistas de Alexandre, o Grande, no século 4 a.C.. O grego era utilizado, principalmente,
pelas comunidades judaicas que viviam fora da Palestina. Mas é bem provável que Jesus o conhecesse.
Quanto ao latim, o idioma do Império, seu uso se restringia aos quadros da administração romana.
7
Cf. MATEOS, Juan; CAMACHO, Fernando. Jesus e a sociedade de seu tempo, p. 12-13.
2.5 As instituições judaicas8
O Sinédrio
“Os chefes dos sacerdotes e todo o sinédrio procuravam um falso testemunho contra Jesus, a fim de matá-lo.”
(Mt 26,59);
O sinédrio gozava de poderes legislativos e executivos. A jurisdição civil estava completamente nas mãos do
sinédrio e de seus tribunais, regidos pela Lei judaica. O governo judaico estava nas suas mãos, era composto
de 70 membros, composto de uma aristocracia sacerdotal, presbíteros e escribas, mais o sumo sacerdote. A
figura do sumo sacerdote era sagrada, e originalmente vitalício, mas no tempo de Jesus era nomeado pelos
romanos segundo seu interesse político. Contava com força de policia e tinha direito de executar detenções e
prisões. Quando condenava a morte, parece que suas sentenças tinham que ser ratificadas pelo governador
romano.
O Templo
São inúmeras as passagens de Jesus relacionado com o templo. Sua peregrinação aos doze anos, seus
ensinamentos, quando expulsa os cambistas do templo. O templo, Jerusalém, era o centro religioso e político
de Israel. Celebravam o culto diário, que consistia de dois sacrifícios de animais, o da manha e o da tarde.
Mas os momentos de esplendor eram as grandes festas judaicas da Páscoa, pentecostes e tendas. O templo
habita Deus, único, santo e separado. Quanto mais perto de Deus mais próximo do Templo. Para se purificar
somente estando perto do templo de Jerusalém.
A sinagoga
A palavra sinagoga significa reunião. A reunião acontecia no sábado. Toda a comunidade judaica tinha a sua
sinagoga. A sua importância era extraordinária por seu contato na palestina e no estrangeiro. A sinagoga é o
lugar onde o povo se reúne para a oração, ouvir a palavra de Deus e para a pregação. Qualquer israelita adulto
pode fazer a leitura do texto bíblico e depois fazer a interpretação. O sacerdote não tem função especifica na
sinagoga. Em localidades menores, a sinagoga serve de escola para os jovens. Nos grandes centros também
pode ser lugar das reuniões.
A Lei
“Não penseis que vim revogar a Lei e os Profetas. Não vim revogá-los, mas dar-lhes pleno cumprimento” Mt
5,17.
“A Lei de Moisés manda que mulheres desse tipo devem ser apedrejadas. E tu, o que dizes? Eles diziam isso
para pôr Jesus à prova e ter um motivo de acusa-lo”. (Jo 8,5)
Paulo apresenta a antítese entre Lei e Graça, entre Moisés e Cristo, justamente para enfatizar a novidade da
salvação que Cristo alcançou mediante a obediência ao Pai. A Carta aos Hebreus insiste em dizer que Jesus é
o mediador da Nova Aliança. “A Lei possui apenas uma sombra dos bens futuros e não a realidade concreta
das coisas. A lei não pode produzir a perfeição. Na carta aos romanos: “Deus tornou possível aquilo que pela
lei era impossível” (Rm 8,3).
A lei era a expressão suprema da vontade de Deus. A lei convertida no centro da vida religiosa, leva a
conceber a relação com Deus em termos de obediência e não nos entrega filial ou de fidelidade por amor. A
lei continha o chamado código de santidade ou de pureza, em virtude do qual, para manter a relação com
Deus era necessário precaver-se do contato com toda realidade de impureza.
A pureza e impureza tem 3 sentidos:
Sentido físico: os recipientes devem estar limpos, certos animais que a lei proibia comer e todo cadáver;
Sentido médico: a pessoa sadia era pura e a pessoa doente considerada impura;
Sentido religião: a pessoa que segue a lei era pura e os impuros os que não seguem a lei.
8
Cf. MATEOS, J.; CAMACHO, F. Jesus e a sociedade de seu tempo, 18-42.
O seguimento da lei acabava gerando vários ritos de purificação e a divisão entre puros e impuros. As
consequências da Lei acabavam sendo a inclusão ou exclusão das pessoas do reino de Deus.
A Observância da Pureza
A observância da pureza custava muito dinheiro! Por exemplo, caso um animal impuro passasse por cima de
um prato ou pote de barro, estes ficavam impuros e deviam ser destruídos Lv. 11,33. A lagartixa era
considerada animal impuro (Lv. 11,30). Dá para evitar que lagartixa passe por cima do pote? Caso um animal
impuro passasse por cima do forno ou um animal impuro morto caísse lá dentro, o forno devia ser destruído
(Lv. 11,35). Para que uma pessoa pudesse ser declarada curada de qualquer doença de pele, ela devia fazer a
oferta de ao menos um cordeiro (Lv. 14,21). A manutenção da pureza custava muito dinheiro! Por isso, para o
povo trabalhador era praticamente impossível viver e trabalhar e, ao mesmo tempo, manter-se na pureza
exigida pela lei.
Assim, por causa destas leis em torno da pureza muita gente ficava marginalizada, excluída! Sobretudo as
mulheres. Cada mês a menstruação, o contato com o sangue tornava a mulher impura (Lv. 15,19-30).
Também o parto era causa de impureza (Lv. 12,1-7). Era muito ruim a situação dos hansenianos que eram
chamados leprosos (Lv 13,1-59). Não podiam entrar em contato com o resto do povo (Mc 1,40). Qualquer
mancha na pele, na roupa ou na casa era chamada de lepra (Lv 13). E tantas outras pessoas eram
marginalizadas como impuras: os loucos, os possessos, os publicanos, os doentes, os mutilados, os
paraplégicos, os samaritanos, os estrangeiros. Tantos! Sobretudo os pobres que não tinham condições de
conhecer nem de observar todas aquelas normas (Jo 7,49) Jesus viu e experimentou tudo isto durante os anos
que vivia em Nazaré.
O sábado9
O sábado era umas das principais instituições da religião judaica. A observância do descanso sabático,
desconhecida em outras culturas. Com o sábado, o homem se assemelha a Deus, libertando-se do trabalho e
mostrando o senhorio sobre a criação.
A Lei era sinal da presença de Deus, mas foi transformada num rigor e peso para o cumprimento das pessoas.
A desobediência da lei era castigada por Deus e poderia ser até condenada a morte conforme Ex 31,14.
2.6 Os grupos religiosos no tempo de Jesus
Os Sacerdotes
O povo reconhecia também o poder dos sacerdotes. A maioria deles vivia em Jerusalém, longe da Galiléia.
Eles eram os encarregados do culto no Templo. O contato com eles acontecia que sacrificavam o cordeiro
pascal no templo para o povo comer nas casas. Era para o Templo que o povo devia levar o dízimo e as outras
taxas e ofertas para pagar suas promessas (Dt 26,1-4; Lc 2,22-24). Quando Jesus curou o leproso, falou para
ele: Vai mostrar-te ao sacerdote, e paga a ele a taxa que Moisés prescreveu" (Mc 1,44). Só o sacerdote podia
dar alta ao leproso e declará-lo curado (Lv 14,1-5).
Os Saduceus 10
A grande parte dos saduceus eram membros de famílias sacerdotais, originários do sacerdote Sadoc.
Apoiavam os reis-sacerdotes Asmoneus11 e posteriormente os governantes romanos. Do ponto de vista
teológico enfrentam a oposição dos piedosos contrários a helenização do judaísmo, não aceitam a ressurreição
(cf At 23, 8: Pois os saduceus afirmam não haver ressurreição, nem anjos, nem espíritos, mas os fariseus
admitem uma e outra coisa). Sabe-se que não aceitavam as ampliações da Lei feitas pelos fariseus. É por isso
que não acreditavam na ressurreição, uma vez que ela não é claramente ensinada na Lei do Antigo
9
Cf. MATEO, Juan; CAMACHO, Fernando. Jesus e a sociedade de seu tempo, p. 31-32.
Cf. Texto de Geraldo Hackmann, pg. 44; MATEO, J. e CAMACHO, Fernando. Jesus e a sociedade de seu tempo, p. 33-34.
11
Asmoneus: é o nome da dinastia que governou a Judeia desde a guerra dos Macabeus até a conquista dos romanos chefiada por
Pompeu em 63 a.C. Para os macabeus se atribui a Matatias e seus filhos, enquanto para asmoneus são os descendentes desta geração.
10
Testamento (Gênesis a Deuteronômio). Essa visão negativa para a vida após a morte também diz respeito a
rejeição da visão apocalíptica da história, mantendo suas posições conservadoras em relação a política de
manutenção dos privilégios.
Os evangelhos sinóticos responsabilizam este grupo pela condenação de Jesus conforme os textos:
Mt 26, 3-5: Então o príncipe dos sacerdotes e os anciãos do povo reuniram-se no pátio do sumo
sacerdote,chamado caifas, e deliberaram sobre os meios de prender Jesus por astúcia e o matar.
Explicitada pelos motivos políticos, pois Jesus foi considerado um agitador político e motivos religiosos
porque se dizia ser filho de Deus.
Os Fariseus
Mt 5,20: Digo-vos que a vossa justice não for maior que a dos escribas e fariseus, não entrareis no reino dos
céus;
Mt 12,14:
Mc 2, 16:
Lc 11,39:
Lc 17,20: os fariseus perguntaram a Jesus sobre o momento da chegada do reino de Deus. Jesus respondeu: O
reino de Deus não vem ostensivamente.
Todos os judeus, mas sobretudo os fariseus, procuravam observar a pureza. (Mc 2,16; 7,3). Fariseu significa:
separado. Diziam: “Através da observância da pureza temos que ser um povo separado, santo, consagrado a
Deus, como quer a Lei de Deus”. O ideal deles era este: todo o povo, um dia, vai chegar a ser puro,
purificado, em condições de poder comparecer todo inteiro diante de Deus no Templo. São nacionalistas e
contrários ao império romano, mas sua resistência é do tipo pacifica. Identificam-se pelo rigoroso
cumprimento da Lei em todos os campos e situações da vida diária. A maior expressão do farisaísmo é a
construção da sinagoga que se opõe ao templo, dominado pelos saduceus.
Os fariseus acreditam na vida após a morte, na ressurreição e no messianismo. Esperam um messias políticoespiritual, cuja função é precipitar o fim dos tempos e a libertação do povo de Israel da dominação romana.
Esse messias será da descendência de Davi. Para os fariseus, a observância da Lei, a oração e o jejum
provocarão a vinda do messias. Sugerem uma visão apocalíptica da história. Isso determinou sua posição
política contra o império estrangeiro na terra dos judeus.
Escribas ou doutores da Lei
Mc 1,22: “Jesus ensina como quem tem autoridade e não como os doutores da Lei”
Lc 20,27: sobre a ressurreição;
Os escribas recebem grande consideração do povo provenientes do conhecimento que transmitem. Jesus
também ensina e se apresenta como um mestre que ensina o povo, mas com discernimento referente a Lei. O
seu ensinamento é novo e exercido com autoridade. Jesus critica os mestres da Lei pelo monopólio do
conhecimento que discriminava o povo que não tinha acesso ao conhecimento da escritura, conforme Lc 11,5:
“Aí de vós, legistas, porque tomastes a chave da ciência! Vós mesmos não entrastes e impedistes os que
queriam entrar”.
Além dos fariseus, preocupados com a pureza do povo, havia os escribas, também chamados doutores da lei.
Eles eram os encarregados do ensino. Eram pessoas que dedicavam sua vida ao estudo da Lei de Deus e
ensinavam ao povo como fazer para observar em tudo a lei de Deus. O povo reconhecia a autoridade dos
escribas (Mt 23,2s). Sabia quase de memória o que eles ensinavam (Mc 9,11; 12,35). Já estava tão
acostumado com o jeito deles que estranhou o jeito diferente de Jesus (Mc 1,22).
Os Zelotas (ou nacionalistas)
Jesus se distancia dos zelotas, conforme Mt 26,51: “Nesse momento um dos que estavam com Jesus estendeu
a mão, puxou a espada e feriu o empregado do sumo-sacerdote, contando-lhe a orelha. Jesus disse: guarda a
espada na bainha. Pois todos que os que usam da espada, pela espada morrerão”.
Este era o grupo que mantinha vivo o espírito de Judas Macabeu, o líder guerreiro que conseguiu retomar o
templo das mãos dos sírios, no século II a.C. Os zelotas recusavam-se a pagar impostos aos romanos e
mantinham-se preparados para a guerra que traria o Reino de Deus. Desencadearam várias revoltas. Uma
delas só terminou com a destruição de Jerusalém pelos romanos em 70 d.C. Pelo menos um dos discípulos de
Jesus, Simão (não Simão Pedro) fora zelota. Nesse tempo são considerados uma força expressiva, sinal que
no tempo de Jesus não tinham tanta expressão.
Os Essênios
Os Essênios eram uma seita menor e mais exclusiva que os fariseus, nunca tendo alcançado mais que alguns
poucos milhares. Desenvolveram-se no século II a.C., como movimento de protesto contra a influência grega
sobre a religião judaica, contra os reis corruptos e contra a crescente negligência na observância da Lei entre
o povo judeu. Eram ainda mais rigorosos que os fariseus, que acusavam de “explicadores de interpretações
fáceis”. Estavam tão desgostosos com a sociedade judaica, que muitos deles resolveram abandoná-la, indo
viver em comunidades monásticas.
O movimento adquiriu um caráter sacerdotal e cultual, mas totalmente separado do Templo de Jerusalém. A
sua doutrina incluía banquetes rituais, e vários banhos de purificação em água fria, dualismo, espera iminente
do reino de Deus, além de manter a esperança na ressurreição como volta a vida no momento do juízo
escatológico. O mundo é visto como lugar tomado pelo mal, por isso isolam-se da sociedade para esperar a
chegada do reino como um grupo fiel a aliança com Deus. Jesus se distancia deles por ensinar o reino de
Deus destinado ao mundo e não como lugar do mal.
Capitulo 3 A pessoa de Jesus: nascimento e infância
O nome de Jesus:
O nome Jesus deriva do latim, que por sua vez provém do grego Iésous. A forma hebraica é Yeshua, no
dialeto Galileu se diz Yeshú. O nome Jesus significa Deus salva. Apenas no século III, com o aramaico
babilônico o acento mudou de local se tornando Yeshu. O nome de Jesus é um nome comum no tempo do I
a.C. a I d.C. Para identificar Jesus se acrescenta o local do nascimento, o Nazareno; após a ressurreição
afirma-se a identidade de Jesus como o Cristo. Nas narrativas do nascimento de Jesus nos mostra a razão da
sua encarnação: será o salvador da humanidade. Quando o anjo anuncia Maria sua maternidade diz: darás o
nome de Jesus. No evangelho de Mateus, José dá nome ao menino que nasceu. Os pastores atestam o motivo
e a missão do menino que nasce: nasceu para vós o salvador.12
Casamento de José e Maria
Os dois evangelhos de Mateus e Lucas coincidem ao afirmar que quando Jesus é concebido, Maria já está
casada com José, embora ainda não vivessem juntos.
Mt 1,18: “A origem de Jesus, o messias, foi assim: Maria, sua mãe, estava prometida em casamento a José e
antes de viverem juntos, ela ficou grávida pela ação do Espírito Santo.”
Lc 1,34: “Maria perguntou ao anjo, como vai acontecer isso, se não vivo com nenhum homem.”
A questão é saber quando começa a convivência matrimonial. Entre Mateus e Lucas o ponto de debate é
sobre a situação de José e Maria. Para Mateus a convivência matrimonial começa antes de Jesus nascer
quando o anjo pede que José aceite sua esposa. Isso está de acordo com a lei judaica do Ketubá ou acordo
matrimonial, porque os recém –casados não vivem juntos de imediato, onde preparavam o novo lar e depois
celebra-se a festa de casamento. Segundo Lucas, quando Jose e Maria chegam a Belém e nasce Jesus ainda
continuam na mesma situação de casamento, mas cada um em sua casa. Ambos os evangelistas colocam a
migração da família de Jesus. Em Mateus Jesus, é um fugitivo e em Lucas um deslocado por causo do
recenseamento.13
12
13
Cf. Puig, A. Jesus: uma biografia, p. 147-149.
Cf. PUIG, A. Jesus: uma biografia, p. 153-154.
O anúncio do nascimento de Jesus Lc 1,26-38:
Nessa cena temos diversos pontos que lembram o antigo testamento: a aparição de anjos, nascimento de
crianças especiais, oráculos messiânicos. A primeira parte descreve Jesus como o messias esperado pelo povo
de Israel. No versículo 30, Jesus herda o trono de seu pai Davi. A pergunta de Maria não é uma dúvida como
acontece com Zacarias, mas um pedido de esclarecimento da forma como Jesus será concebido. É o Espírito
Santo que agirá na concepção de Jesus. A ação do Espírito Santo na concepção virginal de Maria revela a
relação única de Jesus com o Pai que existe na eternidade. O texto lembra promessa do profeta Isaias de que
uma jovem/virgem dará a luz um filho que será sinal de uma vida novo para o país.
A questão da virgindade: é um tema importante?
Visitação de Maria e Isabel Lc 1,39A visitação de Maria a prima Isabel serve para confirmar a ação de Deus com Isabel para ela confirmar que
era possível sua gravidez.
A questão da virgindade
Mateus que busca resgatar as promessas do antigo Testamento refere-se ao nascimento de Jesus seguindo as
promessas de Is 7,1414: “ Pois saibam que Javé lhes dará um sinal: a virgem/jovem conceberá e darás a luz
um filho e chamará com o nome de Emanuel”. Mateus recuperar a esperança do Antigo Testamento ao
afirmar que Maria será mãe de Jesus pela obra do Espírito Santo sem nenhuma participação humana na
concepção, conforme Mt 1,23: Vejam: a virgem conceberá e dará a luz um filho”. A polêmica ocorre pelo
termo al’ma, que significa jovem e não virgem. No hebraico betulah e no grego parthenos, são traduzidos por
virgem, nem sempre significando virgindade física, mas alguém núbil para casamento. O termo pode ser
usado como moça.
A fé da Igreja confirmou a virgindade perpetua para atestar que Jesus é o filho de Deus.
Os irmãos de Jesus:
As fontes antigas falam de irmãos e irmãs de Jesus. Jesus teria 4 irmão e 2 irmãs. Os quatro irmãos de Jesus
significam quatro nomes clássicos de Israel: Tiago, o irmão mais velho tem o nome do patriarca Jacó; os
outros três receberam os nomes de seus filhos: José, Judá ou Judas e Simeão ou Simão. Os irmãos de Jesus
assuem posturas diferentes dos discípulos de Jesus a quem escolheu livremente. Os irmãos têm dificuldades
que aceitar e Jesus e até dizem que ele estava louco. Sobre os irmãos de Jesus temos 4 possibilidades:
-Os irmãos de Jesus seriam biológicos. Maria e Jose teriam uma família numerosa de 7 filhos;
-Os irmãos de Jesus na verdade serem primos diretos;
-Os irmãos seriam meio-irmãos de Jesus. José seria o pai legal de Jesus e não biológico, enquanto seria pai
biológico de um primeiro casamento.
-Os irmãos seriam meio-irmãos de sangue. Maria seria a mãe legal e biológica comum de todos. José seria
apenas o pai legal de Jesus, não biológico. Jesus seria apenas filho de Maria. Depois do parto, José e Maria
teriam tido pelo menos seis filhos.
As observações criticas:
A primeira conclusão não se sustenta porque os textos canônicos sempre se referem que Maria e José não
tiveram relações. Não há no Novo Testamento algo contrário. Somente em textos apócrifos do século II e III
que dizem que Jesus é filho biológico de José.
Na segunda hipótese, temos a tradução de são Jerônimo, IV, que identifica vários trechos do antigo
Testamento onde parentes são tratados como irmãos. Lot é chamado de irmão (‘ah) de Abraão embora seja
seu sobrinho, gn 29,12; Jacob é chamado de irmão de Labão embora seja sobrinho. A explicação é a pobreza
de termos hebraicos para designar todas as denominações de parentesco. No grego existe um termo próprio
para irmãos que é anepsios que aparece em cl 4,10.
14
O tema está no contexto de guerra. O reino do Norte une-se com o rei de aram para se proteger do perigo assírio. O reino do sul não
participa da coalizão com um país estrangeiro preferindo a fidelidade da aliança com Deus. Com medo que o reino do sul se unisse com
a assíria, o reino do norte resolve atacar o sul. Acaz, rei de Judá sente medo, mas é consolado pelo profeta Isaias que demonstra com a
gravidez da rainha que Deus protege o seu povo. O nascimento do menino é sinal da fidelidade de Deus.
A terceira possibilidade é a mais antiga. No século II mostram os apócrifos que José teria filhos de um
primeiro casamento. O protoevangelho de Tiago menciona os filhos de José durante o recenseamento. As
narrações de Tomé sobre a infância de Jesus relata uma picada de cobra a um filho de José que Jesus teria
curado. O evangelho de Pedro também fala dos filhos de Jose do primeiro casamento.
Em mc 6,3 (Esse homem ano é carpinteiro, o filho de Maria e irmão de Jeset, de Judas e de Simão?) mostra
uma relação singular entre José, Maria e Jesus que começa após o nascimento e continua devido a
maternidade de Maria. Em suma, apesar de não se poder excluir que a expressão irmãos de Jesus signifique
na realidade primos de Jesus, existem boas razões para pensarmos que Jesus teve irmãos e irmãs legais, e
portanto reais, embora não biológicos.15
Os deslocamentos da família de Nazaré 16
Sobre o censo de Herodes: surge a pergunta: porque Jesus nasceu fora de Nazaré? Em Lucas 2,l-2: “naqueles
dias, o imperador augusto publicou um decreto, ordenando o recenseamento em todo o império. Esse primeiro
recenseamento foi feito quando Quirino era governador da Síria”. Periodicamente, os romanos decretavam
tais recenseamentos para recadastrar o povo e saber quanto cada um tinha de pagar de imposto. Porém temos
um problema que Quirino começou a governa a Síria, que regia a Judéia, apenas no ano 6 d.C. Assim, este
censo não pode ser o mesmo que levou José e Maria a Belém, uma vez que Jesus nasceu durante o governo de
Herodes. Este morreu no ano 4 a. C., 10 anos antes de Quirino. Na perspectiva do recenseamento do ano 6 a.
C. estamos em condição de compreender melhor os motivos da saída de José para Belém. A finalidade da
viagem foi inscreverem-se num registro destinado a satisfazer o tributum capitis de cada habitante. Cada um
tinha que registrar-se na sua terra. José poderia ter se inscrito em Nazaré, mas vai para Belém. Ao que parece,
José tem duas casas: Belém e Nazaré. De qualquer forma, José não tem casa própria em Belém, nem pelo
menos parentes, uma vez que segundo Lucas, Maria dá a luz no estábulo de uma hospedaria destinada a
acolher caravanas.
Em Lucas 2,4 se insiste em dizer que Jesus nasceu em Belém, a cidade de Davi. Com isso o Evangelho ensina
ou sugere: O menino é o Messias prometido, pois, conforme a profecia de Miquéias (Mq 5,1), o Messias
devia nascer em Belém e ser da descendência de Davi. O fato de ser Belém pode ser mais uma questão
teológica que histórica. Porém, o silencio de Marcos sobre o lugar do nascimento não nos dá nenhuma
conclusão. Portanto, também não temos argumentos decisivos contrários ao nascimento em Belém.
Em Mateus, a família de Nazaré é fugitiva da perseguição de Herodes.
A data do nascimento
O nascimento de Jesus é o episódio que assinala o início da era cristã. Mas, devido a um erro de
cálculo, cometido no século 6 d.C. pelo monge Dionísio, o Pequeno. Sabe-se hoje que Jesus nasceu antes do
ano 1 - entre 8 e 6 a.C.. Pode-se afirmar isso com razoável segurança, graças a uma passagem muito precisa
do evangelho de Lucas. Segundo o evangelista, o fato aconteceu na época do recenseamento ordenado pelo
imperador romano César Augusto. Esse censo, o primeiro realizado na Palestina, tinha por objetivo
regularizar a cobrança de impostos. E os historiadores estão de acordo em situá-lo no período que vai de 8 e 6
a.C..
Jesus nasceu no tempo do imperador Augusto (37 a.C. a 14 d. C.) com toda a probabilidade em Nazaré. Não
há indícios seguros do ano do nascimento. Mateus e Lucas concordam em atestar que Jesus nasceu durante a
vida de Herodes magno (Mt 2,1; lc 1,5) isto é antes da primavera de 4 a.C. de acordo com Josefo. Em Lucas
faz uma aproximação do governo de Herodes com o recenseamento de Quirino. Isso pode ser duvidoso: as
fontes extracristãs não informam nada sobre uma cobrança no tempo de Jesus. Mas houve em 74 d.C. houve
uma tributação. O evangelista deve ter transferido essa experiência para o censo local; Quirino só se tornou
governador a partir de 6 d.C. Há pelo menos 10 anos de diferença.17
15
Cf. PUIG, A. Jesus: uma biografia, p. 173-182.
Cf. PUIG, Armand. Jesus : uma biografia, p. 155-159.
17
Cf. THEISSEN, G. O Jesus histórico: um manual, p. 173-175.
16
A datação incorreta aconteceu com a mudança para o calendário romano quando o monge Dionísio que
calculou errado o início da era cristã a partir da data do nascimento de Jesus e a morte de Herodes. Lucas diz,
Lc 3,23 que Jesus inicia sua atividade pública com 30 anos. Levando o erro de Dionísio, Jesus teria 35 anos
quando inicia sua vida publica e mais de 35 quando morre na cruz. Foi julgado durante o governo Pôncio
Pilatos que durou entre 28 a 33 d.C.18
A data do natal
O dia 25 de dezembro é obviamente uma data simbólica. Nesse dia, ocorria em Roma o festival pagão
do Solis Invictus (Sol Invencível). Realizado logo depois do solstício de inverno - quando o percurso aparente
do Sol ocupa sua posição mais baixa no céu - o evento celebrava o triunfo do astro, que voltava a ascender no
firmamento. Muito cedo, os cristãos associaram as virtudes solares a Jesus, atribuindo-lhe várias qualidades
do deus Apolo. Não surpreende que acabassem por transformar o festival pagão na sua festa de Natal. Isso
aconteceu por volta do ano 330 d.C.
O local do nascimento19
O Novo Testamento afirma com toda a clareza que a terra de Jesus é Nazaré, na Galileia. Em várias
passagens Jesus é apresentado como Galileu, ou nazareno. Sua identificação com a sua cidade é bastante
evidente pelos relatos bíblicos. Por outro lado, os evangelhos de Mateus e Marcos distinguem o lugar da
habitação de Jesus e o lugar do seu nascimento. Nazaré é a terra onde Jesus passou sua infância, juventude, a
maior parte de sua vida pública foi vivida na Galiléia. Enquanto Belém, o lugar da sua origem. É preciso se
perguntar: onde foi o nascimento de Jesus, em Nazaré ou Belém, cidade do rei Davi, o grande rei de Israel.
De passagem por essa cidade, José e Maria procuraram onde se alojar. Mas, segundo Lucas, "não havia um
lugar para eles na sala". A palavra "sala" (katalyma, em grego) tanto pode designar uma pousada como a casa
de algum parente de José. Estando o local cheio, devido ao grande número de pessoas vindas de outras
regiões para o recenseamento, o casal teve que se acomodar do lado de fora, talvez sob um alpendre, junto à
manjedoura dos animais. Foi aí que Maria deu à luz.
A cidade de Nazaré é considerada a cidade da infância de Jesus. As questões sobre a origem de Jesus geram
diversas polêmicas. Em João e Marcos faz uma ligação mais forte de Jesus com Nazaré sendo a sua terra. No
evangelho de João ainda lembra o preconceito contra os nazarenos: de Nazaré pode sair coisa boa? (cf. Jo
1,45). Em contrapartida os evangelhos de Mateus e Lucas relatam que Jesus nasceu em Belém, pela filiação
messiânica de Davi. A narrativa de Lucas lembra a tradição de Davi: José é da descendência de Davi, (Lc
2,4); a cidade de Davi segundo a promessa de Mq 5,1 era a terra que o messias deveria nascer. Com a ordem
do imperador do recenseamento Jose parte com Maria para Belém, terra de José, assim explica porque Jesus
não nasceu em Nazaré. Em Mateus, oferece a veneração dos magos guiados pela estrela talvez pela profecia
em Nm 24,17. O rei não nasce no palácio de Herodes, os magos são guiados pela estrela até Belém. A
conclusão de estudiosos é que Jesus não nasceu em Belém, mas em Nazaré e seu nascimento foi transferido
para Belém por questões teológicas. Por outro lado, o silêncio de Marcos e João sobre o nascimento de Jesus
também não comprovam de forma absoluta que Jesus não teria nascido em Belém. A tradição definiu Belém,
mas fica a questão em aberto pela impostação teológica do lugar do nascimento.20
A ESPERA DO MESSIAS
Vida Pública e atividade messiânica de Jesus
O ministério de Jesus pode ser concebido a partir de sua mensagem. Em torno desse núcleo
organizam-se a práxis, os gestos e o itinerário do Nazareno. O Nazareno aparece como o mensageiro
da Boa Nova, como o evangelista do tempo final. A missão messiânica de Jesus engloba toda a sua
18
Cf. BARREIRO, Alvaro. Os trinta anos de Jesus em Nazaré, p. 17-18.
Cf. PUIG, Armand. Jesus: uma biografia, p, 149-155.
20
Cf. THEISSEN, G. O Jesus histórico: um manual, p. 185-186.
19
atuação: a pregação do Evangelho do Reino aos pobres, as curas, a libertação, a fome de justiça. E o
ponto de partida do anúncio de Jesus é o movimento escatológico de João Batista.
a) O Batismo e a Vocação de Jesus
Os evangelhos atestam que a vida pública de Jesus foi precedida pela atividade de João Batista.
Jesus, por longo tempo, pertence ao círculo do Batista, foi convicto de sua mensagem apocalíptica,
foi batizado por João, aproximadamente no trigésimo ano de sua vida (cf. Lc 3,23) e abandonou o
grupo para afirmar-se com seu próprio anúncio21. Naquele tempo o movimento do Batista estava
muito difundido. Sua mensagem tinha um caráter eminentemente escatológico, por isso nosso autor
encontra em João Batista as fontes da mensagem escatológica de Jesus, ainda que sejam grandes as
diferenças entre os dois anúncios.
João retirou-se para o deserto de Judá e vivia do alimento escasso da região: gafanhotos e mel
silvestre. Trajava roupa de mendigo e anunciava o juízo vindouro, qualificando o tempo presente
como a última hora, exigindo a imediata conversão: “O machado já está posto à raiz das árvores” (Mt
3,10). O juízo de Deus já está à porta. Ele começa na casa de Deus, em Israel. João anuncia a ira
vindoura de Deus e convoca o povo à conversão e ao retorno à Torá. Além de profeta, ele era o
Batizador. Batizava no Jordão e anunciava um batismo de conversão para o perdão dos pecados. O
lugar, também tem um significado especial e simbólico: recorda o novo êxodo da escravidão e o
ingresso escatológico na Terra Prometida: “No deserto, preparai os caminhos do Senhor” (Is 40,3).
João não organiza uma nova seita em Israel, embora tivesse muitos discípulos, apenas favoreceu um
movimento popular de conversão.
Existem, entretanto, traços de continuidade entre João Batista e Jesus da Galiléia. Jesus
condividiu publicamente o batismo de João e o engrandeceu. Reconhecia que o seu batismo era de
Deus ( Mc 11,30). Afirmava que ele era mais do que um profeta ( Mt 11,9) e dizia ser João é o maior
dentre os nascidos de mulher”(Mt 11,11). Para Jesus e para os seus discípulos, João foi o derradeiro
resumo das promessas dos profetas e da Torá.
Sobre a descontinuidade entre o anúncio do Batista e do Nazareno, percebe-se constatando que
João anuncia o reino vindouro como juízo da ira divina sobre os pecados da humanidade. Ele
convoca à conversão na última hora e oferece como última salvação o batismo. Jesus, por sua vez,
anuncia o Reino eminente como o reino da graça e da misericórdia do Deus que vem. Ele não o
apresenta como uma acusação aos pecadores, mas como o perdão dos pecados.
Aquilo que João exprime no Batismo do Jordão, no Evangelho de Jesus encontra a sua
manifestação escatológica. Para Jesus o Evangelho do Reino é uma boa notícia messiânica, e não
uma ameaça apocalíptica sobre o mundo. Os sinais que ele indica não revelam o fim do mundo, mas
revelam o tempo messiânico: “os cegos recuperam a vista, os coxos caminham, os leprosos são
curados, os surdos recuperam o ouvido, os mortos ressuscitam, aos pobres é anunciada a boa nova”(
Mt 11,5).
Diferentes dos discípulos de João, os seguidores de Jesus não jejuam, não abandonam as aldeias
oprimidas para se dirigirem ao deserto, mas junto com Jesus entram nas vilas e cidades para falar
com o povo. João vive asceticamente na espera do juízo. Jesus vive festivamente, come e bebe, na
alegria do Reino que já iniciou. João batiza para o arrependimento. Jesus não batizou ninguém, mas
perdoou os pecados de muitos.
b) O Espírito do Messias
Se o Espírito desce sobre Jesus “como uma pomba” ou “na forma de uma pomba”, então está
sendo resgatado o antigo simbolismo feminino da pomba22.
O Espírito torna-se propriedade da pessoa de Jesus para, através dele, compartilhar-se com outras
pessoas. No Batismo de Jesus há uma associação inseparável da história do Espírito de Deus
Cf. J. MOLTMANN Trinitá e Regno di Dio, 76-77.
Moltmann acolhe a interpretação da ruah de Javé como o feminino de Deus, o Espírito seria o rosto materno de
Deus, porque ruah é um substantivo feminino. Essa interpretação é muito polêmica e muitos refutam tal
identificação por considerá-la muito tendenciosa e parcial.
21
22
salvador, criador e profético, da história de Jesus Cristo. Trata-se da manifestação das relações
recíprocas entre o Espírito e Jesus, entre Jesus e o Espírito. Em Jesus o Espírito é enviado sobre a
comunidade. O que mostra que “Jesus não foi batizado com o Espírito como pessoa privativa, mas
pars pro toto, representativamente, como um entre muitos e como um para muitos”. O Nazareno
recebe o Espírito para os doentes que curou, para os pecadores que perdoou, para os pobres que
procurou, para os discípulos que o seguiram.
c)O Filho Predileto do Abba
A essa dotação com o Espírito associa-se a imagem do céu aberto (Mc 1,10). Este é um sinal
salvífico, pois a figura do céu fechado designa desgraça, abandono e infertilidade do solo. Aparece
ainda, um outro elemento: uma audição divina: “Tu és meu Filho amado em quem tenho prazer” (Mc
1,11). “Este é o meu Filho amado em que me comprazo” (Mt 3,17).
“Tu és o meu Filho”. Trata-se claramente de uma alocução tomada do ritual israelítico do rei, que
se encontra no Salmo 2,7 “Tu és o meu Filho, eu hoje te gerei”. Refere-se a uma evidente expressão
messiânica relativa ao momento da entronização do rei, quando ele é declarado Filho de Deus.
Os evangelhos, no entanto, ajuntam ao termo a expressão “predileto” que, segundo a tradição
veterotestamentária, significa que o filho dileto é também o filho único - recorde-se Isaac. Na
perspectiva messiânica é possível fazer outra conexão sobre a expressão “Filho predileto”
relacionada a Jesus. Tal expressão também faz referência ao servo de Deus de Isaías 42,1: “Eis o meu
servo, o meu eleito que me compraz”. 23 Nessa relação recorda-se que a história de Jesus não
expressou o triunfo de um messias vitorioso, mas muito mais, revelou a história de sofrimentos do
Servo de Deus prometido em Isaías 53.
O conteúdo da revelação dada a Jesus mediante o batismo e a vocação, está justamente no nome
de Deus que ele emprega num modo tão singular e exclusivo como o Abba, meu pai. Uma invocação
como esta não se encontra em nenhuma outra tradição israelítica. O nome Abba não sublinha o
senhorio paterno de Deus, mas põe em evidência uma intimidade inaudita.
O nome do Pai como Abba qualifica e determina a compreensão do reino anunciado por Jesus.
Ele não anuncia o profeticamente distante e principesco Reino de Deus, mas o Reino do Pai
fraternalmente amável e próximo.
d) As tentações messiânicas
Nos evangelhos sinóticos, após o Batismo no Jordão e a descida do Espírito Santo, Jesus aparece
sendo conduzido para o deserto. Desenrola-se a história das tentações (Cf. Mc 1,12-13; Mt 4,1-11; Lc
4,1-13).
Analisemos, em primeiro lugar, o que os textos apresentam em comum: o Espírito que conduz Jesus
ao deserto; Satanás que tenta; os anjos que servem Jesus; ele estava com os animais. Em seguida
percebe que em Mateus e Lucas o diabo tenta a filiação divina de Jesus: “Se és o Filho de Deus,
então...” Aqui não se pensa numa filiação divina no sentido metafísico, mas na perspectiva do reino
messiânico. É através das tentações que o Reino é posto à prova e melhor definido, pois as
possibilidades que o tentador oferece a Jesus são meios para a messiânica tomada do poder sobre
Israel e sobre os povos. A conversão de pedras em pão alude à carência das multidões famintas, que
espera um Messias que lhe sacie. O domínio dos reinos através da adoração a Satanás evoca a relação
de poder que exercem os tiranos sobre as nações e a expectativa de um messias que recebe o poder
pelas mãos de satanás, isto é, que exerce o domínio das nações como outros poderosos. A tentação
referente ao templo de Jerusalém é a exigência de um sinal messiânico para a libertação de Israel no
templo da cidade santa. Mateus inverte a segunda e a terceira tentação. Aparece então, o interesse do
evangelista em ressaltar o clímax das promessas de poder ao rei messiânico.
23
Cf. J. JEREMIAS, Neutestamentliche Theologie I, Güterloh 1971, 60s .
Jesus rejeita essas possibilidades da messiânica tomada do poder. Através das tentações e das
respectivas rejeições, Jesus é privado dos meios econômicos, políticos e religiosos para “tomar o
poder”. Desde essa experiência do deserto é possível perceber que sua paixão já está traçada
antecipadamente. Jesus vence através do seu sofrimento e de sua morte. Na sua entrada na cidade
santa de Jerusalém, ele não oferece pão ao povo, ao entrar no templo ele não realiza o sinal
messiânico e diante de Pôncio Pilatos não invoca as legiões celestiais para conquistar a vitória
militar.
A experiência das tentações está associada à experiência da cruz. Vê que a história das tentações
segue o caminho para a cruz. Este é o caminho pelo qual conduz o Espírito de Deus. Os anjos
serviram Jesus nesse caminho, porém ocultamente, no poder da entrega e do sofrimento e não na
forma de legiões celestiais. 24
Somente depois de João Batista ter sido preso por Herodes por motivos políticos, sendo
silenciado, Jesus retorna à Galiléia e anuncia publicamente o Reino de Deus. O cruel fim do Batista
marca o início da vida pública de Jesus.
d) O Evangelho do Reino
A história de Jesus é vista pelos evangelhos sob a luz de seu envio messiânico, isto compreende a
pregação, a obra messiânica do Galileu, seu agir e seu sofrer, sua vida e sua morte. Do seu anúncio
do Reino de Deus transparece o sentido do seu agir e vice-versa, o seu agir acompanha o seu anúncio.
O Evangelho é a prefiguração da salvação e o que ele propõe nada mais é do que o advento de
Deus. O Reino de Deus inicia ao mesmo tempo em que ele é anunciado. O Evangelho, portanto, não
é uma descrição utópica de um futuro remoto, mas é o início deste futuro na palavra.
Sobre o conceito de Reino basiléia toû theû, há uma dupla tradução para o termo: senhorio divino
e Reino de Deus. Numa recíproca integração, assim se expressa: o senhorio de Deus é a presença do
seu Reino e o Reino de Deus é o futuro do seu senhorio. Essa dupla tradução integrada não permite
de reduzir o senhorio de Deus no além de tudo, privado de relações com o mundo terrestre, corpóreo
e histórico. Com a vizinhança do Evangelho de Cristo e do seu Reino que vem, o senhorio divino é
experimentado na libertação daqueles que são submissos, na cura das doenças, na expulsão dos
demônios e na elevação dos humildes.
Jesus anuncia o Reino messiânico de Deus e vincula a relação dos ouvintes com o Reino, à atitude
com relação à sua pessoa e a sua mensagem. Não só a pessoa de Jesus se dissolve inteiramente na sua
palavra, mas também as suas palavras se dissolvem inteiramente na sua pessoa e nesta torna-se
evento. Apenas do reverso desta identificação emerge com clareza o escândalo provocado pelo seu
anúncio: um de Nazaré (“o que pode vir de bom de Nazaré?”), e mais precisamente um pobre,
anuncia aos pobres e aos pecadores o Reino e a justificação de Deus.
Jesus de Nazaré proclama o Reino como Boa Nova. Trata-se do Reino da nova justiça de Deus.
Faz justos os pecadores, reconcilia os inimigos e devolve a esperança para quem a perdeu. Rompe as
barreiras e os limites da antiga ordem que separava os bons dos maus, os puros dos impuros, os
justos dos pecadores e os santos dos profanos. O Reino de Jesus não é deste mundo, pois renova
todas as relações, mas é para este mundo e exige uma nova postura política.
e) A opção pelos pobres
Jesus não proclama simplesmente a chegada do Reino de Deus. Proclama o Evangelho do Reino
de Deus aos pobres, o direito da graça vem aos maus e a alegria de Deus vem aos tristes. O
Evangelho da libertação que traz o Reino de Deus proclama o êxodo definitivo.
O Reino é anunciado aos pobres, isto é, aos famintos, aos desempregados, aos doentes, aos
desesperançados e aos sofredores. Jesus procura o povo submisso, oprimido e humilhado. Diante
destes estão os “violentos” - conceito que descreve uma pessoa que empobrece os outros e se
enriquece a custa deles25.
24
Cf. J. MOLTMANN O Caminho de Jesus Cristo, 135.
25
Opondo os “pobres” aos violentos acolhe-se a terminologia usada por G. GUTIERREZ, La forza Storica dei
Poveri, Brescia, 1981 .
“A pobreza aqui se entendia desde a pobreza econômica, social e física até a pobreza psíquica,
moral e religiosa. Pobres são todos aqueles que devem suportar a violência e a injustiça, sem poder
confrontar. Pobres são todos aqueles que devem viver, seja a nível corpóreo que espiritual, com um
pé na cova, e que não têm nada para viver e não ganham nada da vida. Pobres são todos aqueles que
vivem de mãos vazias e abertas. Pobreza significa, portanto, referência e abertura” 26.
Com essa definição, rejeita-se a interpretação espiritualizante da categoria pobre. Também afirma
que não se deve restringir o conceito de pobreza sobre o plano religioso, numa referência universal
do homem para Deus. Refuta, ainda, quem considera os pobres do Evangelho num sentido apenas
econômico ou somente psíquico. Essa categoria define-se pela característica desumanização do ser
humano que ela comporta nas suas diversas dimensões. O conceito oposto ao de pobre no Antigo
Testamento é o de violento, daquele que oprime o pobre, o que promove uma vida miserável e
enriquece às suas custas. No outro lado da medalha está o conceito de riqueza. Compreende-a
também numa dimensão pluridimensional que vai da exploração econômica ao predomínio social, até
a autosatisfação daquele que não se preocupa com o outro, a não ser consigo mesmo. Rico, portanto,
é compreendido como aquele que não respeita os direitos dos outros, nem se sente no dever de
agradecer a ninguém. Ricos são todos os que vivem com as mãos fechadas, indivíduos que não se
referem aos outros e nem estão abertos aos outros. Quando Jesus anuncia o Reino aos pobres, ao
mesmo tempo ele emite um julgamento sobre os ricos (cf. Lc 6,24). Não se refere a uma vingança no
presente, mas a uma futura justiça divina.
O anúncio de Jesus não promete ainda aos pobres o fim da fome e a plenitude de uma vida farta.
Trata-se de trazer uma nova dignidade. De agora em diante ele não serão mais objeto passivo de
repressões e humilhações, mas serão sujeitos com direitos dos primeiros filhos de Deus. Eles, porém,
não deverão firmar-se no sistema de valores dos seus exploradores, no qual só o rico é um verdadeiro
homem, abençoado e justificado diante de todos, e para o qual o pobre é um falido, maldito e impuro.
O evangelho não oferece aos pobres uma utopia que lhes console no presente, mas muito mais, um
futuro de Deus que através deles chega ao seu presente. O Reino de Deus torna-se o reino messiânico
dos pobres. Trata-se de um Reino já presente em Jesus e na sua pregação e obras. A promessa de
Jesus leva os pobres pelo caminho de comunhão, onde vigora a cultura da divisão.
f) O apelo à conversão
O Evangelho de Jesus apresenta duas faces: se de um lado anuncia a Boa Nova aos pobres (Lc
4,18), a quem pertence o Reino de Deus (Mt 5,3), do outro é um forte apelo de conversão aos ricos (
Mt 6,24).A primeira coisa que o rico deve fazer diante da aproximação do Reino é reconhecer a
própria pobreza, para inserir-se na comunhão com os pobres.
Converter-se significa viver na antecipação de um Reino de Deus que nos precede, e que realiza
uma reviravolta da violência para a justiça, do isolamento à comunhão, da morte, para a vida. A
conversão possibilita o seguimento de Jesus a homens e mulheres que representam a nova
comunidade messiânica. Esta comunidade, nos primeiros tempos do cristianismo, era composta de
pobres e ricos, de tal modo que estes últimos exercitavam o dever da misericórdia no confronto com
os necessitados.
A conversão para o futuro do Cristo envolve toda a pessoa e todos os seus relacionamentos. Ela
envolve tanto a alma, quanto o corpo, tanto o particular quanto o coletivo.
g) O domínio sobre o mal: curas e exorcismos
A atividade messiânica de Jesus consiste no anúncio do Reino de Deus que está vizinho. Com a
chegada desse Reino, aproxima-se a salvação de toda criação. Chega também a cura no corpo e na
alma, no indivíduo e na sociedade, no homem e na natureza. Desde o início de sua missão
messiânica, Jesus marca sua atividade com curas e exorcismos.
A primeira experiência que as pessoas viram no encontro com Jesus, segundo os evangelhos, foi o
poder da cura de Deus. Quando elas se aproximam de Jesus se revelam como doentes e não como
pecadores, como acontecia com São Paulo. Quando o médico aparece, encontram-se os enfermos e
26
J. MOLTMANN, La
Chiesa nella forza dello Spirito, 115.
as enfermidades. Os doentes saem dos becos e sombras onde haviam sido encurralados e procuram
Jesus: “À noite, porém, quando o sol já havia se posto, trouxeram-lhe toda sorte de doentes e
possessos, e a cidade inteira se reunia à sua porta. Ele ajudou a muitos doentes que estavam com
enfermidades diversas e expulsou a muitos demônios”(Mc 1,32s).
Os demônios apresentam-se com poder de desordem e destruição. Têm prazer em atormentar. “A
antiga esperança dos judeus afirma que , quando o Messias vier, esses espíritos atormentadores
desaparecerão da terra e os seres humanos poderão voltar a viver sadia e inteligentemente” 27.
Tudo isso é parte integrante da sua mensagem. Trata-se de um ensinamento criativo que produz
aquilo que afirma. Quando Jesus anuncia o senhorio de Deus que traz a salvação, manifesta-o no
domínio sobre a natureza e sobre a dimensão espiritual: curando doentes e libertando possessos. Há a
cura corporal que estabelece uma nova relação com a natureza, não apenas desfruta-se de bens
espirituais, mas chega uma salvação integral. O conceito de salvação cura o homem inteiro, o
homem todo. Isto é percebível nas ações concretas de Jesus ligadas aos verbos curar, purificar,
redimir.
Há distinção entre cura e salvação. A primeira vence a doença e restabelece a saúde, mas não
vence o poder da morte. A segunda, porém , na sua plena atuação, significa também a destruição do
poder da morte e a ressurreição do homem para a vida eterna.
h) À mesa com os pecadores
Além do anúncio do Reino de Deus aos pobres e cura de doentes, Jesus oferece o direito de Deus,
que é direito da graça, aos publicanos e pecadores. Estes são um terceiro grupo de destinatários do
Reino do messias. Com eles Jesus entra numa comunhão de mesa (Mc 2,15). Esta atitude do
Nazareno provoca um conflito social com matizes religiosas. Num contexto que separa claramente os
bons e justos, leiam-se escribas e fariseus, dos injustos maus, leia-se publicanos e pecadores, Jesus
propõe uma nova postura. Todos conhecem esse conflito na sociedade da época. É uma dualização
que produz duas classes contrapostas que determina uma luta entre os bons, que estabelecem o que é
bom e o que é mau, contra os maus. Luta que geralmente se conclui com a derrota desses últimos.
Acolhendo os publicanos, as prostitutas e os pecadores, Jesus não justifica a corrupção, a
prostituição e o pecado, mas quebra o círculo diabólico das suas discriminações no sistema de valores
nos quais os justos acreditam, e que eles próprios estabeleceram. Jesus coloca-se na parte dos
discriminados e a eles perdoa os pecados sem impor nenhuma condição.
É possível encontrar na atitude de sentar à mesa com os pecadores um acento messiânico da
mensagem de Jesus. Ele manifesta a acolhida e o perdão dos pecados da parte do Deus
Misericordioso. E convida-os para o grande banquete do Reino de Deus, antecipando-o na
comunhão que ele estabelece com esses grupos.
27
J. MOLTMANN, Quem é Jesus Cristo para nós, hoje?, Petrópolis, 1997, 17.
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