FACULDADE DE ENGENHARIA DE MINAS GERAIS - FEAMIG CURSO DE ESPECIALIZAÇÃO EM ENGENHARIA DE SEGURANÇA DO TRABALHO MANUAL DE UTILIZAÇÃO DA NR-17 - ERGONOMIA. PUBLICADO PELO MINISTÉRIO DO TRABALHO, Brasília, 1994. 1. O QUE É ERGONOMIA (*) Podemos conceituá-la como "o conjunto dos conhecimentos científicos relativos ao homem e necessários à concepção de instrumentos, máquinas e dispositivos que possam ser utilizados com o máximo de conforto, segurança e eficiência". (WISNER, 1987) (grifo nosso). As palavras grifadas merecem alguns comentários: É na fase de concepção das máquinas, das ferramentas e dos espaços de trabalho que as contribuições da ergonomia são mais importantes. Habitualmente na fase de concepção não se levam em conta as peculiaridades do ser e da condição humana. Os responsáveis pela concepção, pela não - inclusão nos currículos de graduação, carecem, em geral, de conhecimentos sobre as características dos trabalhadores e partem de hipóteses falsas ou insuficientes sobre as relações homem - máquina. A correção de condições de trabalho já existentes (ergonomia de correção) é mais onerosa e menos eficiente, já que dificilmente se consegue realizar grandes mudanças ou adaptações. A ergonomia visa adaptar o trabalho ao homem, diferentemente de certas correntes que tentam encontrar o trabalhador ideal para uma certa tarefa, através da seleção. Conforto: assinalamos esta palavra, pois não se trata apenas de evitar doenças bem definidas (surdez, por exemplo). A noção de conforto (sempre subjetiva) integraliza as várias influências a que o corpo está submetido no trabalho (ruído + calor + odores + postura etc.). Conforto integraliza as esferas psíquica e somática. A palavra "eficiência" deve ser entendida num contexto temporal mais longo. Não significa que, após as mudanças sugeridas pelo ergonomista, a produção vai aumentar de imediato. Entendemos que um sistema eficiente seja aquele em que o trabalhador possa preservar a sua saúde, que se sinta bem e, como decorrência, permaneça naquele posto por longo tempo e, aí sim, sua experiência e aprendizado revertam na eficiência do sistema produtivo. Enfim, os conhecimentos científicos relativos ao homem dizem respeito às suas características psicofisiológicas que devem ser levadas em conta desde o momento da concepção do sistema produtivo. A seguir exporemos o que se entende por estas características. Dois. CARACTERÍSTICAS PSICOFISIOLÓGICAS DOS TRABALHADORES A NR-17 (item 17.1) "visa estabelecer parâmetros que permitam a adaptação das condições de trabalho às características psicofisiológicas dos trabalhadores, de modo a proporcionar um máximo de conforto, segurança e desempenho eficiente”. Esta afirmativa tem gerado dúvidas, pois se espera que a NR defina matematicamente quais são estes parâmetros. Dúvidas, aliás, pertinentes, pois a palavra parâmetro é um conceito da Matemática. Entretanto, não há parâmetros fixos, definidos e imutáveis para se avaliar a adaptação das condições de trabalho às mencionadas características. Tais características fazem parte de todo o conhecimento atual sobre fisiologia e psicologia humana, particularmente aquela do homem em situação de trabalho, submetido a diversas influências ambientais simultâneas. Enumeramos, entre outras, a força muscular; a capacidade ventilatória, a circulação sanguínea, a visão, a audição (e todos os demais sentidos), a digestão etc. 42 (*) A palavra ergonomia é derivada do grego: érgon = trabalho + nomas = lei. Apenas em algumas questões a NR-17 estabelece números precisos (por exemplo, número máximo de toques por hora na entrada eletrônica de dados). Diferentemente de um laudo em que o objetivo é estabelecer se determinada atividade é insalubre ou não (NR-15), numa análise ergonômica não há apenas que se comparar a situação em estudo com limites fixados por lei e chegar a um resultado se está ou não de acordo com a NR-17. 0 que se procura é esclarecer quais fatores de carga de trabalho estão implicados na questão central que originou a demanda do estudo, fatores estes passíveis de serem modificados. (*) (**) Como referência complementar, em outro campo do conhecimento, recomendamos: A Loucura do Trabalho: Estudo de Psicopatologia do Trabalho. (DEJOURS, 1987). 3. O(S) OBJETIVO(S) DA ANÁLISE ERGONÔMICA O objetivo da análise é determinar os fatores que contribuem para uma sub ou sobrecarga de trabalho, sendo que esta análise implica necessariamente avaliação de como os trabalhadores se ressentem desta carga (avaliação subjetiva). A noção de carga de trabalho é diferente daquela de exigências da tarefa que é a quantidade e qualidade do trabalho exigidas e das limitações que lhe são impostas (LAVILLE, 1977). Isto quer dizer que, mesmo mantendo iguais as exigências da tarefa, a carga de trabalho varia em função das características individuais de quem a executa. Como conseqüência da avaliação dos fatores que influenciam na carga de trabalho, procurar-se-á adequá-la às capacidades dos trabalhadores, evitando tanto a sobrecarga como a subcarga. Com as modificações, procura-se introduzir graus amplos de liberdade, tanto do mobiliário, máquinas e ferramentas (permitindo mudanças de postura), quanto da organização do trabalho (flexibilidade na cadência, por exemplo) para que a carga de trabalho seja compatível com as possibilidades do trabalhador, a curto, médio e longo prazos, ou seja, que, mesmo com o envelhecimento, o trabalhador possa continuar executando sua tarefa. Vamos a seguir explicitar o que entendemos por carga de trabalho. 4. O QUE É CARGA DE TRABALHO Conceituamos carga de trabalho como "uma medida quantitativa ou qualitativa do nível de atividade (mental, sensitivo-motora, fisiológica, etc.) do operador, necessária à realização de um dado trabalho”.(SPERANDIO, 1987). A carga de trabalho não depende apenas da quantidade de trabalho que é realizada. Ela é o resultado de vários fatores, e é ressentida diferentemente por cada trabalhador dependendo da sua idade, sexo, grau de experiência etc. Na Figura 1, visualizam-se esquematicamente os fatores que influenciam na carga de trabalho. Estes vários fatores é que determinam como (atividade de trabalho) e em que condições o trabalhador vai realizar a tarefa. Nos retângulos colocados à esquerda estão os fatores que dizem respeito à população trabalhadora. Á direita, aqueles que dependem e são passíveis de modificação pela empresa. ________________ 43 (*) Para os interessados em aprofundar seus conhecimentos em fisiologia do homem em situação de trabalho, indicamos: SCHERRER (1981). Précis de Physiologie du travail: Notions d'Ergonomie. (**) No que se refere às características psicológicas, o conhecimento atual também é muito vasto, não sendo possível estabelecer parâmetros ou uma enumeração sucinta neste manual. Recomendamos: SPERANDIO (1987). Traité de Psychologie du Travail e LEPLAT & CUNY (1977), Introduction à la Psychologie du travail. Uma avaliação da carga de trabalho passa necessariamente pela expressão do trabalhador, como ele se ressente desta carga, como ele a vivencia, pois é no seu corpo que se somam os vários fatores que compõem a carga. É impossível ao analista mensurar todos estes fatores objetivamente. A intervenção ergonômica não tem como objetivo a modificação das características da população trabalhadora. Os fatores dependentes da empresa é que são passíveis de modificação. 5. OS MÉTODOS ADEQUADOS Por "método" entendemos "um programa regulando de início uma seqüência de operações a realizar e assinalando certos erros a evitar, tendo em vista atingir um resultado determinado" o que é diferente de "metodologia", que é "o estudo, a posteriori dos métodos" (LALANDE, 1985: 624) ou a atividade crítica que se aplica aos diversos produtos da pesquisa. A escolha dos métodos está subordinada às particularidades da situação que motivou a demanda. Depende também das possibilidades técnicas e financeiras da empresa, bem como do jogo social das várias partes envolvidas na questão. Como princípio fundamental, podemos dizer que para transformar as condições de trabalho primeiro é preciso conhecê-las. Portanto, a análise ergonômica deve se basear na atividade real desenvolvida pelos trabalhadores (o que eles realmente fazem) e não apenas no trabalho teórico ou prescrito pela empresa. Há de se levar em conta as dificuldades dos novatos em executar a tarefa, bem como as estratégias utilizadas pelos mais experientes para adequar as exigências das tarefas as suas possibilidades físicas e cognitivas. 44 É indispensável o diálogo com os trabalhadores já que é impossível avaliar a carga de trabalho apenas pelas exigências da tarefa. É com os trabalhadores que se vai delimitar o que analisar, bem como as possibilidades de solução que lhes sejam mais satisfatórias. Sem esta parceria as melhorias propostas podem ser ineficazes e até mesmo adversas. Aliás, a participação dos trabalhadores no conhecimento e transformação dos seus ambientes e organização do trabalho já está prevista claramente na nova redação da NR-9, onde a elaboração de Mapas de Riscos pelos trabalhadores componentes da CIPA (Comissão Interna de Prevenção de Acidentes) é fundamental. Para uma melhor compreensão dos métodos e técnicas a serem adotados na elaboração dos mapas, cremos ser indispensável a leitura da obra: Ambiente de Trabalho: a Luta dos Trabalhadores pela Saúde (ODDONE, 1986), onde os autores expõem sua base teórico-prático-metodológica. As informações dos mapas constituem-se em material valioso para estabelecimento das situações prioritárias para uma análise mais fina. Todas as informações devem ser cruzadas (obtidas com as chefias e com os subordinados), pois cada um tem sua própria percepção da mesma realidade. Tivemos a oportunidade de ler relatórios em que, por exemplo, as informações sobre número máximo de toques exigidos e pausas para descanso foram obtidas apenas com as chefias. Dependendo da situação e das possibilidades, utilizam-se anotações em papel, gravações em fita cassete, ou registro em vídeo. As filmagens são fontes importantes de apreensão por parte dos trabalhadores e só devem ser utilizadas após ampla aceitação dos que nelas estarão envolvidos. Para isso é necessário que os objetivos do estudo sejam muito bem esclarecidos. (*) Uma boa discussão, também em português e mais sintética, foi realizada por FISCHER & PARAGUAY (1989): A Ergonomia conto Instrumento de Pesquisa e Melhoria das Condições de Vida e Trabalho. 6. QUANDO INDICAR UMA ANÁLISE ERGONÔMICA As situações de trabalho a serem analisadas devem ser, prioritariamente, aquelas que estejam colocando algum tipo de problema para os trabalhadores, seja de saúde ou de insatisfação. Sem pretender esgotar todas essas situações, listamos abaixo aquelas mais freqüentemente problemáticas, o que não quer dizer que o sejam sempre: a) trabalho exigindo grande esforço físico; b) trabalho exigindo posturas rígidas ou fixas (só sentado ou só em pé, por exemplo); c) introdução de novas tecnologias ou mudanças no processo de produção; d) taxa de absenteísmo elevada; e) rotatividade elevada; f) freqüência e gravidade de acidentes elevadas; g) presença maciça de trabalhadores jovens; h) queixas de dores musculares; i) pagamento de prêmio de produtividade; j) conflitos freqüentes (incluindo greve); k) trabalho exigindo movimentos repetitivos; l) trabalho em turnos; m) trabalho exigindo grande precisão e qualidade; n) situações outras detectadas pelos mapas de risco ou outros métodos de avaliação. 45 A ergonomia contribui mais eficazmente se utilizada desde a fase de concepção de novos ambientes, máquinas ou equipamentos, pois correções posteriores são muito onerosas, quando não impossíveis. ________________________________________ (*) Dispomos, em português, de referencia em métodos de análise ergonômica: ALAIN WISNER (1987): Por Dentro do Trabalho: Ergonomia: Método & Técnica 7. COMO REDIGIR O RELATÓRIO FINAL O relatório deve refletir a evolução do estudo realizado. É recomendado que se aborde, no mínimo, as condições de trabalho a que a NR-17 faz referência. O relatório não deve se limitar à verificação de que as condições de trabalho estão de acordo com a NR-1 7, pois não se trata de laudo de avaliação de insalubridade. Alguns técnicos nos perguntam se a análise do trabalho é o mesmo que "perfil profissiográfico". A resposta é não. O perfil profissiográfico é um recurso utilizado pelos serviços de seleção e recrutamento e se limita a estabelecer as habilidades requeridas de um trabalhador para que ele possa ocupar um determinado posto. Este perfil retrata as exigências teóricas da tarefa de acordo com a representação de quem o elabora. Nunca reflete as competências realmente utilizadas na execução da tarefa. A título de sugestão recomendamos que o relatório deva abordar, no mínimo, os seguintes itens: a) Análise da Demanda do Estudo O que o motivou, se partiu de associações de trabalhadores (CIPA, sindicato), ou dos Serviços Especializados em Engenharia de Segurança e Medicina do Trabalho, ou da gerência de produção motivada por problemas de qualidade e quantidade, se se almeja uma redução de pessoal. Esta análise é importante, pois permite estabelecer quais os interesses que estão em jogo e que tipo de resposta, solução ou sugestão se vai dar ao problema; b) Análise da População Trabalhadora Idade, sexo, antigüidade na empresa ou no posto (rotatividade). Uma população demasiadamente jovem permite aventar a hipótese de que as exigências da tarefa são incompatíveis com as características psicofisiológicas de trabalhadores mais idosos, tais como exigências de precisão e rapidez do gesto, ritmo imposto, grande acuidade visual. Populações com predominância do sexo feminino são encontradas em situações onde há controle rígido de tempo, pois à mulher a obediência é culturalmente imposta. Exige-se dela também a habilidade (capacidade de executar gestos finos, delicados), atribuindo-lhe esta característica como natural. Enfim, uma grande rotatividade pode significar que as exigências da tarefa estão além das capacidades dos trabalhadores. Não se deve daí inferir que urna resistência à mudança para outros postos signifique que a carga de trabalho esteja compatível com as possibilidades dos trabalhadores. O fenômeno da resistência à mudança é observado entre trabalhadores que tiveram grande dificuldade em atingir o bom desempenho na tarefa atual e tentam evitar um novo aprendizado - supostamente tão difícil quanto o anterior; c) Métodos Empregados Entrevistas, questionários, observações e/ou gravações de situações reais de trabalho, especificando a duração, horários e datas; d) Análise da Tarefa Deverá ser analisadas a tarefa, que é o trabalho exigido, e a atividade real (o que faz o trabalhador para realizar a tarefa, quais as suas dificuldades e as estratégias para superá-las); e) Avaliação do Local/Setor de Trabalho Espaços, mobiliário, agentes químicos, físicos, biológicos, mecânicos etc. 46 f) Características da Organização do Trabalho (Ver item 17.6); g) Relações entre Condições de Trabalho e Condições de vida Meios de transporte, características da residência, lazer. Nas grandes cidades, o tempo gasto no transporte nunca deve ser negligenciado como fator de sobrecarga de trabalho, já que é comum encontrar-se tempos de duas a quatro horas e, quase sempre, na posição em pé. Residências com pouco isolamento acústico e luminoso dificultam o sono diurno dos que trabalham á noite. As dificuldades em manter uma vida social plena, em participar de associações comunitárias, de praticar esportes podem indicar que o tempo fora do trabalho é suficiente apenas para a recuperação da fadiga, quando o é; h) Análise da Relação saúde-trabalho Acidentes de trabalho e doenças profissionais ou do trabalho; e l) Recomendações/Sugestões: Visando a melhoria das condições de trabalho. A solução dos problemas encontrados, evidentemente, não depende apenas de ergonomistas. A procura de soluções deve envolver técnicos e trabalhadores dos vários níveis hierárquicos. Cada um avaliando como as mudanças futuras vão afetar sua tarefa especifica, facilitando-a ou dificultando-a. Segunda Parte 1. ITEM 17.2- LEVANTAMENTO, TRANSPORTE E DESCARGA INDIVIDUAL DE MATERIAIS A Consolidação das Leis do Trabalho, no seu Capítulo V, Seção XIV, artigo 198, estabelece como sendo de 60 kg o peso máximo que um empregado pode remover individualmente. Na sua redação anterior, a NR47 admitia o transporte e descarga individual de peso máximo de 60 kg. Para o levantamento individual estabelecia 40 kg. Foi proposta a alteração destes limites na nova redação. O quadro sugerido chegou a figurar na minuta da NR-1 7, mas como contrariava a CLT, foi re4rado antes de sua publicação. Por isso, na nova redação não há nenhuma referência a pesos máximos. Reproduzimos abaixo o quadro proposto que poderá ser usado como referência. CARGAS MÁXIMAS PARA LEVANTAMENTO MANUAL (em Kg) ADULTOS JOVENS ADOLESCENTES APRENDIZES 47 homem mulher homem mulher Raramente 50 20 20 15 Freqüentemente 18 12 11-16 7-11 FONTE: GRANDJEAN (1980) A Norma Francesa NF X 35-106 (AFNOR) trata, em detalhes, dos limites de esforços recomendados no trabalho. Não só de levantamento e carregamento de cargas, mas também o recomendado para os membros superiores: empurrar, puxar, etc. Do mesmo modo, o esforço máximo a ser exercido 50bre pedais em varias posturas: sentada, em pé etc. 2. ITEM 17.3- MOBILIÁRIO DOS POSTOS DE TRABALHO O mobiliário deve ser concebido com regulagens que permitam ao trabalhador adaptá-lo às suas características antropométricas (altura, peso, comprimento das pernas, etc.). Deve permitir também a alternância de posturas (sentado, em pé etc.), pois não existe nenhuma postura fixa que seja confortável. Entre a população trabalhadora há indivíduos muito pequenos e muito grandes. É difícil conceber um mobiliário que satisfaça a esses extremos. O recomendável é que o mobiliário permita uma regulagem que atenda a, pelo menos, 90% da população em geral. (*) Não é recomendável que as dimensões dos postos de trabalho sejam adaptadas somente à população que já esteja empregada, pois quando se pretende modificar os postos de trabalho visando uma melhor adaptação, não se deve basear apenas nas medidas antropométricas da população que já esteja ocupando os postos, mas sim basear-se em dados de toda a população brasileira. Isto porque os trabalhadores atuais podem já ter sofrido uma seleção, formal ou informal, e terem permanecido apenas aqueles que melhor se adaptaram e, portanto, não serem representativos de todos que poderão, no futuro, ocupar esses postos. As regulagens dos planos de trabalho permitem também uma adaptação à tarefa. Por exemplo: onde há necessidade de aplicação de grandes forças pelos membros superiores. um plano mais baixo permite que a força seja exercida com o antebraço em extensão que é a posição onde se consegue maior força. Por outro lado, se há grande necessidade de controle visual da tarefa (por exemplo, costurar) um plano mais elevado aproxima dos olhos o detalhe a ser visualizado. Concluindo, o mobiliário deve ser adaptado às características antropométricas da população e também à natureza da tarefa. 48 ________________ (*) Para dados antropométricos da população brasileira, ver FERREIRA (1988). 3. ITEM 17.4- EQUIPAMENTOS DOS POSTOS DE TRABALHO Os seres humanos sempre procuraram adaptar suas ferramentas ás suas necessidades. Nas situações industriais modernas, com a divisão entre planejamento e execução, o trabalhador quase não tem oportunidade de influir nas decisões de compra dos equipamentos. Fatores como o preço podem decidir as colhas. Isto leva a inadaptações, aumenta a carga de trabalho. Uma má escolha pode penalizar os trabalhadores durante anos. Alguns conseguem modificar seus equipamentos adaptando-o às tarefas. Mas esta capacidade é limitada. A opinião dos trabalhadores antes da compra tem mostrado um bom resultado em nossa prática de trabalho. Algumas empresas colocam algumas opções para teste. Pode-se notar que, quando o usuário tem influência na escolha, os fabricantes dos equipamentos investem mais em pesquisas para aperfeiçoá-los. Citamos, como exemplo, as cadeiras de odontólogos e os veículos automotores. A Norma Francesa X 35-105 (AFNOR) dá uma boa indicação de características a serem respeitadas nos comandos de máquinas. 4. ITEM 17.5- CONDIÇÕES Ambientais Apesar da redundância, insistimos que não se trata de caracterizar insalubridade. 4.1. Condições Acústicas Os níveis de ruído devem ser entendidos aqui não como aqueles passíveis de provocar lesões ao aparelho auditivo, mas como a perturbação que podem causar ao bom desempenho da tarefa. Muitas vezes, equipamentos ruidosos São colocados em ambientes onde não são necessariamente obrigatórios. Apenas isolando as impressoras em locais outros que não as salas de digitação, temos conseguido melhorar as condições acústicas destes ambientes. 4.2. Condições Térmicas A NR-17 faz uma menção especial aos locais de trabalho onde são executadas atividades que exijam solicitação intelectual e atenção constantes. Isto porque nestes ambientes preponderavam baixas temperaturas, correntes de ar e baixa umidade relativa, condições exigidas para o bom funcionamento de computadores. Ora, a NR15, no seu Anexo 3, faz referência a limites de tolerância para exposição ao calor, não sendo um bom guia quando o que se procura é o conforto. 4.3. Condições de Iluminação A NR-17 remete à Norma Brasileira (NBR 5413), que trata apenas das luminâncias recomendadas nos ambientes de trabalho. Um iluminamento adequado não depende só da quantidade de lux que incide no plano de trabalho. Depende também da refletância dos materiais, das dimensões do detalhe a ser observado ou detectado, do contraste com o fundo etc. 49 Atender apenas aos valores preconizados nas tabelas sem levar em conta as exigências da tarefa pode levar a projetos de iluminamento totalmente ineficazes. A situação mais desejada seria aquela em que, além do iluminamento geral, o trabalhador dispusesse de fontes luminosas individuais nas quais pudesse regular a intensidade. A Norma X 35 103 da AFNOR (França) é mais esclarecedora que a NBR 5413, pois no local de projeção a iluminação adequada leva em conta vários fatores, não se atendo apenas à luminância. 5. ITEM 17.6- ORGANIZAÇÃO DO TRABALHO "Organizar, no sentido comum, é colocar uma certa ordem num conjunto de recursos diversos para fazer deles um instrumento ou uma ferramenta a serviço de uma vontade que busca a realização de um projeto. Em toda organização aparecem conjuntamente os problemas da cooperação e da hierarquia. Mas, qualquer que seja a forma que a hierarquia assuma, e qualquer que seja o meio pelo qual a cooperação se realize, elas não São puramente violentas e arbitrárias. A organização, seus objetivos, seus procedimentos, contentem, segundo modalidades próprias, às diferentes categorias de atores que dela participam. Ou, para dizer a mesma coisa em outros termos, uma das condições de sobrevivência, bem como da eficácia da organização, é sua capacidade de motivar seus participantes" (BOUDON & BOURRICAUD, 1993: 408). A organização do trabalho pode ser caracterizada pelas modalidades de repartir as funções entre os operadores e as máquinas: é o problema da divisão do trabalho (LEPLAT & CUNY 1977: 60). Ela define quem faz o quê, como e em que tempo. É a divisão dos homens e das tarefas. Tentou-se organizar o trabalho cientificamente. A Organização Científica do Trabalho dividiu rigidamente a concepção do trabalho da sua execução. Alguns poucos concebem e planejam e outros executam. Projetam-se tarefas fragmentadas sem levar em conta que os homens preferem iniciar e finalizar a fabricação de um produto, entender o que estão fazendo, criar novos processos, ferramentas mais adequadas etc. Em outras palavras, a organização Científica do Trabalho impondo uma hierarquia rígida, não conseguiu a necessária cooperação dos trabalhadores. Com a introdução das linhas de montagem tentou-se assegurar a produção impondo o tempo de execução, mas não se conseguiu a motivação dos trabalhadores como sublinhado acima. Breve tornou-se necessária a introdução de prêmios de produtividade em tarefas fragmentadas. Um recurso eficiente a curto prazo, mas de efeitos danosos ao longo do tempo. O taylorismo, prescrevendo tarefas a serem executadas em tempos rígidos e invariáveis para todos, pressupõe uma estabilidade dos homens, das máquinas, das matérias-primas, estabilidade que não existe na prática. As avaliações para estabelecimento dos tempos e movimentos (como se deve executar a tarefa e em quanto tempo, também denominada "cronoanálises") são realizadas em trabalhadores cujas capacidades não são representativas das reais capacidades da população trabalhadora em geral. Por exemplo, essas avaliações são feitas durante um intervalo de tempo muito curto e em trabalhadores com um ótimo grau de aprendizado. Isto por si só já induz ao estabelecimento de altas cotas de produção. Cotas difíceis de serem atingidas, já que a atividade humana sofre flutuações ao longo do tempo: ao longo do dia, da semana e mesmo ao longo da vida laboral. Um mesmo ritmo pode não ser tolerado igualmente durante toda a jornada de trabalho. Além da variação fisiológica circadiana, há de se levar em conta a fadiga acumulada que pode tornar penoso, no fim da jornada, um ritmo suportável no seu início. Durante a cronoanálise, os trabalhadores, sabendo-se em observação, esforçam-se para atingir o máximo de rendimento de que são capazes. Rendimento que seria impossível de ser mantido ao longo da jornada, da semana, com o passar dos anos. Quando o ritmo é estabelecido sobre população demasiadamente jovem, ele se torna insuportável à medida que se envelhece, razão pela qual certos locais de trabalho são povoados apenas por jovens. Os que vão permanecendo adoecem e, aos poucos, vão sendo excluídos, sendo demitidos ou pedindo demissão quando a carga de trabalho se torna insuportável. 50 O ser humano para executar um trabalho pode proceder de maneiras diferentes dependendo do tempo de que dispõe, dos instrumentos de que se utiliza, das condições ambientais, de sua experiência prévia e do modo como é remunerado, entre outras variáveis. Por outro lado, vários homens para produzir a mesma peça podem proceder de maneiras diferentes, mesmo se mantidos os mesmos instrumentos e o mesmo ambiente de trabalho, devido às diferenças individuais. Tradicionalmente, a Organização Científica do Trabalho tenta não levar em consideração essas variações individuais, mas todos sabemos que um trabalhador mais idoso e experiente executa suas atividades de modo diferente daquele de um jovem relativamente inexperiente. Além disso, o estado dos instrumentos de trabalho varia ao longo do tempo (uma serra circular torna-se menos afiada, por exemplo) modificando também o modo operatório e influindo na carga de trabalho. A análise da organização, portanto, é algo complexo, não sendo possível fixar, de antemão, um roteiro aplicável a todas as situações. O método bem como o quê analisar vão sendo estabelecidos paulatinamente, envolvendo os trabalhadores e dependem, em muito, da demanda que motivou a análise. Em primeiro lugar, não necessariamente o relatório final deve estar restrito a estes tópicos. Eles servem de orientação que deve permear toda a análise. Dependendo da situação, vão-se priorizar alguns em particular. Mas o conhecimento de todos é importante para se avaliar a carga de trabalho, já que esta carga vai variar em função de como o trabalho é organizado. A carga não é a mesma se se exige que o trabalhador fabrique uma peça por minuto obrigatoriamente ou se ele pode fabricar 480 peças ao longo de oito horas de trabalho. Neste último caso, a liberdade para acelerar; ou desacelerar a cadência, além de adequá-la ao seu próprio ritmo biológico, possibilita ao trabalhador contornar os incidentes sem diminuir a produção. 5.1. As Normas de Produção São todas as normas que o trabalhador deve seguir para realizar a tarefa. Aqui se incluem desde o horário de trabalho até a qualidade desejada do produto (um erro acarreta conseqüências graves?), passando pela utilização obrigatória do mobiliário e dos equipamentos disponíveis. Mas nem sempre tudo é previsto. Mesmo as normas de qualidade podem não ser claras, assim como os meios de atingi-las, fato que leva o trabalhador a um estado constante de incerteza. Este estado pode ser agravado quando às exigências de qualidade se somam àquelas de quantidade. 5.2. 0 Modo Operatório É o modo como as atividades ou operações devem ser executadas para se atingir o resultado final desejado. Ele pode ser prescrito (ditado pela empresa) ou real (o modo particular adotado pelo trabalhador para fizer face às variações dos instrumentos, da matéria-prima, do seu próprio corpo e das suas motivações). Uma análise ergonômica coloca em evidência os vários modos operatórios possíveis (prescritos e reais), legitimando os mais confortáveis, e propondo mudanças nos meios e equipamentos que possam melhorar o conforto e a segurança. Ou seja, aumentar os graus de liberdade na realização da tarefa. Aumentar os graus de liberdade na realização da tarefa significa permitir que haja vários modos operatórios possíveis e que possam ser adotados em situações diferentes (inclusive aquelas resultantes de variações do estado corporal interno). Por exemplo, ter a possibilidade de executar a tarefa em pé quando já se cansou de ficar sentado. 5.3. A Exigência de Tempo Expressa o quanto deve ser produzido em um determinado tempo, sob imposição. Uma expressão equivalente seda "a pressão de tempo”. Toda atividade humana se desenvolve dentro de um quadro temporal: em um momento dado (horários), durante um certo tempo (duração da jornada), com uma certa rapidez, em uma certa freqüência e com uma certa regularidade (velocidade, cadência, ritmo) (DANIELLOU et alii, 1989). 51 A capacidade produtiva (rendimento) de um mesmo indivíduo pode variar ao longo do tempo (ao longo de um mesmo dia, semana, mês, ano e ao longo dos anos = variação intraindividual), assim como variar entre um indivíduo e outro (variação interindividual). Limites mínimos fixados pela empresa podem superar a capacidade de um ou vários trabalhadores colocando em risco sua saúde. O "ideal" em qualquer situação de trabalho é que não haja exigências estritas de tempo, confiando-se em que cada trabalhador produzirá sem entrar em esgotamento (físico) ou estresse emocional. Isto evidentemente está bem distante do observado na prática e os trabalhadores têm desenvolvido lutas para que as exigências de tempo sejam mais flexíveis. 5.4. A Determinação do Conteúdo de Tempo É o que faz o trabalhador em determinado tempo. Quanto tempo olha, quanto tempo leva para receber ou entregar o trabalho, quanto tempo leva para verificar erros ou tomar decisões. A Organização Científica do Trabalho procura também determinar rigidamente o modo de emprego do tempo. A análise pode revelar quanto tempo se leva na execução de atividades não prescritas, mas importantes na realização da tarefa e que podem ser desconhecidas das próprias gerências. Tal é o caso dos numerosos incidentes que podem ocorrer durante uma jornada, que demandam um certo tempo para sua resolução e que não são levados em conta quando se faz o calculo dos tempos e movimentos. 5.5. 0 Ritmo de trabalho Aqui devemos fazer uma distinção entre ritmo e cadência. A cadência tem um aspecto quantitativo, o ritmo qualitativo. A cadência refere-se à velocidade dos movimentos que se repetem em uma dada unidade de tempo. O ritmo é a maneira como as cadências são ajustadas ou arranjadas: livre (pelo indivíduo) ou imposto (linha de montagem) (TEIGER, 1985: 89). O ritmo de trabalho pode ser imposto pela máquina (no caso de uma linha de montagem, com operações que devem, às vezes, ser executadas em menos de um minuto), ou ser gerenciado pelo trabalhador ao longo de um dia, mas que deve ter uma produção xis no final dele, ou pode ser influenciado pelo modo de remuneração (salário baseado no número de toques ou peças produzidas) que é teoricamente um ritmo livre, mas que induz o trabalhador a uma auto aceleração que não mais respeita sua percepção de fadiga. Há trabalhos que devem ser necessariamente executados em tempo previamente determinado (os cheques devem ser compensados até as seis horas1 por exemplo), o que por si só constitui uma pressão temporal com sobrecarga de trabalho em determinados horários. 5.6. 0 Conteúdo das Tarefas O conteúdo das tarefas determina o modo como o trabalhador percebe seu trabalho: monótono ou estimulante. Pode ser estimulante se envolve uma certa criatividade, se há uma certa variedade de atividades e se elas solicitam o interesse do trabalhador. Nem sempre uma variedade muito grande de tarefas é necessariamente estimulante. Por exemplo, quando se requer grande memorização e treinamento. A maior ou menor riqueza do conteúdo das tareias passa também pela avaliação do trabalhador e depende das suas aspirações na vida, bem como das suas motivações para o trabalho. Em síntese, a análise ergonômica procura colocar em evidência os fatores que possam levar a uma sub ou sobrecarga de trabalho (física ou cognitiva) e suas conseqüentes repercussões sobre a saúde, estabelecendo quais são os pontos críticos que devem ser modificados. Insistimos que uma análise deve levar em conta a expressão do(s) trabalhador(es) sobre suas condições de trabalho e que para transformá-las positivamente, é preciso agir quase sempre sobre a organização do trabalho. (GUERIN, 1985: 74). 6. LIMITES DE UMA NORMA A NR-1 7, como todas as normas, não consegue oferecer soluções para todas as situações encontradas na prática. Deve-se vê-la apenas como uma referência. A solução dos problemas só é possível pelo esforço conjunto de todos os interessados. 52 TERCEIRA PARTE: ROTEIRO PARA AVALIAÇÃO ERGONÔMICA DO POSTO DE TRABALHO 1. Características gerais 1.1. Tarefa 2. Solicitações da tarefa (avaliação qualitativa) 2.1. Repetitividade 2.2. Fragmentação 2.3. Diversidade de funções 2.4. Enriquecimento de tarefas 2.5. Autonomia e discernimento 2.6. Variedade 3. Solicitação psicofisiológica (avaliação qualitativa) 3.1. Possibilidade de pausa entre um ciclo e outro 3.2. Pressão de tempo (ao final de um ciclo, já há outro esperando) 3.3. Incentivo à produtividade (explícito) 3.4. Pressão por produção (implícita) 3.5. Ritmo de trabalho induzido pela esteira 3.6. Possibilidade de aumento do ritmo pela supervisão 3.7. Horas extras ou dobras de turno 3.8. Pausas regulares 3.9. Possibilidade fácil de interromper o trabalho para necessidades fisiológicas 4. Aspectos gerais de ergonomia (avaliação qualitativa) 4.1. Postura de trabalho 4.2. Possibilidade de flexibilidade postural 4.3. Qualidade da cadeira 4.4. Altura do posto de trabalho 4.5. Posição dos braços 4.6. Posição do tronco 4.7. Espaços de trabalho 4.8. Distâncias existentes 53 5. Avaliação biomecânica das posturas dos membros superiores: Segmento/Posição Utilização Razoável (na jornada) Ombros: extensão-flexão Flexão Flexão de 45º .90º .135º Neutro Extensão ocasional ocasional até 3% até 10% >87% ocasional Ombros: abdução - adução ocasional >85% até 10% até 5% Aduzido Neutro .45º Abduzido Ombros: lateral - medial Lateral Neutro . 45º Medial ocasional >96% ocasional ocasional Cotovelo(s) Fletido .90º .45º Estendido Rotação do antebraço Supinação Neutro Pronação até 40% até 50% >25% >25% até 15% >40% >40% Punhos - desvio Radial Neutro Ulnar Punhos: ângulo ocasional >90% até 10% Estendido . 45º - extensão Neutro . 45º - flexão Fletido Fonte: até 5% até 10% >80% até 10% até 5% COUTO (1991) 54 55