DIÁLOGOS E PRODUÇÃO DE SENTIDOS SOBRE OS CUIDADOS COM A SAÚDE DE
HOMENS COM ARTRITE REUMATÓIDE
RESUMO
Tivemos como objetivo compreender os sentidos produzidos em relação aos cuidados com a saúde
de homens com Artrite Reumatóide (AR) e considerar a influência da rede social de apoio e sua
importância para o enfrentamento da doença e a manutenção do tratamento. Essa pesquisa
qualitativa foi embasada no construcionismo social e no referencial teórico-metodológico das
Práticas Discursivas e Produção de Sentidos. Nossos interlocutores foram: dois homens com AR,
participantes de um grupo de apoio de um Hospital Universitário; a médica reumatologista; e uma
reportagem do Globo Repórter sobre a Saúde do Homem e da Mulher. Realizamos três entrevistas
episódicas e analisamos os discursos midiáticos. Pressupomos que haveria uma negligência dos
cuidados com a saúde por parte dos homens colaboradores da pesquisa, porém compreendemos que
os cuidados consistiram em seguir as orientações médicas e no controle de si, como também que a
participação no grupo de apoio favoreceu a manutenção do tratamento. O maior problema apontado
pelos colaboradores foi a dificuldade para os médicos e hospitais diagnosticarem a doença e
indicarem o tratamento correto. No discurso midiático, identificamos processos de desnaturalização
da masculinidade hegemônica, a partir de argumentos contra-hegemônicos, que apresentaram
alternativas de ação. Ressaltamos a importância da qualidade na assistência à saúde, que tem
priorizado a quantidade em detrimento da qualidade, e propomos um modelo de cuidado
compartilhado, que considere todas as partes que estão envolvidas nessa relação: a população, os
serviços de saúde e os vínculos estabelecidos entre estes. Refletimos que a relação médico-paciente
influencia os cuidados com a saúde dos homens, bem como a participação numa rede social de
apoio, tornando-se estratégias importantes para nortearem as políticas públicas de saúde.
PALAVRAS-CHAVE: cuidados com a saúde, homens, artrite reumatóide.
DIÁLOGOS E PRODUÇÃO DE SENTIDOS SOBRE OS CUIDADOS COM A SAÚDE DE
HOMENS COM ARTRITE REUMATÓIDE
Autora: Fernanda Cristina Nunes Simião
Professora orientadora: Profa. Dra. Maria Auxiliadora Teixeira Ribeiro
Professores componentes da banca de examinadores:
Profa. Dra. Maria Auxiliadora Teixeira Ribeiro
Prof. Dr. Jefferson de Souza Bernardes
Profa. Heloísa Maria Cavalcanti Vital
1 – Introdução e Justificativa (relevância do tema e do problema)
Essa pesquisa teve origem a partir de uma experiência com um grupo de apoio psicossocial
voltado a pessoas com doenças reumáticas. Esse grupo fez parte de uma pesquisa, cujo objetivo foi
analisar os aspectos psicossociais presentes nas histórias de vida dos participantes, os quais foram
identificados a partir de suas narrativas durante os encontros do grupo e as entrevistas individuais,
realizados num Hospital Universitário.
A partir da convivência de dois anos com esse grupo, observamos uma crescente
participação dos homens, sendo esta de forma ativa e sistematizada, identificada pela presença e
assiduidade aos encontros mensais, pela expressão de seus posicionamentos e pelo aumento da
freqüência de suas falas durante as atividades do grupo. Além desse aspecto, notamos também a
formação de um subgrupo entre os homens participantes, que conversavam entre si. Esse fenômeno
nos chamou atenção e nos fez indagar se houve uma mudança nos cuidados com a saúde por parte
desses homens e se essa rede de amizades seria responsável por essas mudanças.
Partindo dessas considerações, buscamos ampliar a compreensão desse fenômeno e
investigar como os homens têm lidado com suas doenças, como as têm enfrentado e quais são os
fatores que contribuem ou não para seus cuidados com a saúde. A partir dessa pesquisa,
pretendemos contribuir para o desenvolvimento de ações direcionadas à melhoria das condições de
saúde dos homens. Nesse sentido, o objetivo desse estudo foi compreender os sentidos produzidos
em relação aos cuidados com a saúde de homens com Artrite Reumatóide, como também considerar
a influência da rede social de apoio e sua importância para o enfrentamento da doença e a
manutenção do tratamento. Além disso, pretendemos dar visibilidade às estratégias de
enfrentamento da doença, identificadas a partir da convivência com esse grupo, sendo elas uma boa
relação médico-paciente e a participação numa rede de apoio psicossocial.
Contribuíram para essa pesquisa dois homens com diagnóstico de Artrite Reumatóide, que
são acompanhados clinicamente no ambulatório de Reumatologia de um Hospital Universitário e
que têm participado do grupo de apoio a pessoas com doenças reumáticas há mais de um ano; a
médica reumatologista que os acompanha clinicamente; e a reportagem do Globo Repórter sobre a
Saúde do Homem e da Mulher, exibida em 29 de junho de 2007.
No que se refere à saúde, as políticas públicas têm procurado desenvolver suas ações
direcionando-as para a atenção primária: ações de prevenção e promoção da saúde. Um aspecto
importante, norteador dessas ações é a noção de integralidade, fundamentando-se como uma das
diretrizes do Sistema Único de Saúde (SUS). A participação dos psicólogos nas ações das políticas
públicas de saúde tem exigido uma maior produção de conhecimento neste campo. Assim, a
Psicologia tem estado cada vez mais presente no campo da saúde, sendo a sua colaboração
requisitada tanto pelos profissionais como pelos doentes. O ponto fundamental para essa inserção é
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a mudança do paradigma dualista, no qual o corpo e a mente estão dissociados, para o monista, no
qual o ser é encarado como um todo único, no seu existir biopsicossocial.
Falando sobre gênero, Medrado e outros (2000) afirmam que por muito tempo as pesquisas
em Ciências Humanas e Sociais e as ações políticas em saúde têm relacionado o conceito de homem
ao genérico ser humano e o conceito de gênero às mulheres. Hoje, constata-se que o conhecimento
sobre práticas sociais masculinas pode contribuir para ampliar o impacto de programas voltados à
prevenção de doenças sexualmente transmissíveis, ao controle da violência de gênero, à saúde das
crianças, das mulheres e, principalmente, dos próprios homens. Sobre esta temática, esses autores
ressaltam a construção social das masculinidades, dizendo que a masculinidade hegemônica é um
modelo cultural ideal e que, por esse motivo, não é possível de ser atingida por nenhum homem.
Nesta perspectiva, os homens estão inseridos numa cultura caracterizada por relações sociais
hierárquicas, por relações desiguais de poder e por relações de gênero. Destaca-se, assim, o
interesse por entender como os homens se posicionam no contexto das relações de gênero e que
alternativas discursivas sua cultura lhes oferece.
Badinter (1993), estudiosa da temática de gênero, afirma que se tornar masculino envolve
fatores psicológicos, sociais e culturais, além dos fatores genéticos. Ela aponta que antigamente a
mulher era o lado escuro da humanidade e que ninguém pensava em questionar o homem. Isso
ocorria porque a masculinidade parecia ser algo evidente, claro, natural contrário à feminilidade.
Porém, nas três ultimas décadas, essas evidências milenares explodiram e, ao procurar se redefinir,
as mulheres acabaram coagindo os homens a fazerem o mesmo.
Medrado e outros (2000) afirmam que pesquisas recentes têm discutido sobre a
masculinidade como uma construção de gênero. Esses estudos, em geral, buscam identificar e
analisar como os homens atualizam, em seu cotidiano, o modelo hegemônico de masculinidade,
considerando as matrizes culturais e históricas em que interagem e se desenvolvem socialmente.
Nesse sentido, de uma forma geral, os homens são educados, desde cedo, para responder a
expectativas sociais de modo proativo, em que o risco não é algo a ser evitado, mas superado
cotidianamente. A noção de autocuidado dá lugar a um estilo de vida autodestrutivo, a uma vida,
em diversos sentidos, vulnerável. Com isso, muitos homens em condições sociais diversas também
enfrentam, cotidianamente, a impossibilidade e obrigação de responder ao modelo hegemônico de
masculinidade, colocando-se em posições hierárquicas desfavoráveis.
Outras pesquisas realizadas recentemente apontam para o fato de ser a presença de homens
nos serviços de atenção primária à saúde menor do que a das mulheres. Nesse sentido, há autores
que associam isso ao próprio processo de socialização dos homens, no qual os cuidados com a
saúde não é visto como uma prática masculina (GOMES; NASCIMENTO; ARAUJO, 2007).
Assim, as pesquisas mostram que, em geral, os homens interatuam com o sistema de saúde de
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forma episódica porque se sentem incomodados com a situação passiva e dependente de estar
doente, fazendo com que eles ignorem os sinais de alarme das doenças (KORIN, 2001). Gomes,
Nascimento e Araújo (2007) apontam que
[...] à medida que o homem é visto como viril, invulnerável e forte, procurar o serviço de
saúde, numa perspectiva preventiva, poderia associá-lo à fraqueza, medo e insegurança;
portanto, poderia aproximá-lo das representações do universo feminino, o que implicaria
possivelmente desconfianças acerca dessa masculinidade socialmente instituída (p. 571).
Esses autores ressaltam também que, embora haja uma ampla discussão sobre masculinidade
na área da saúde em geral, ainda há uma insuficiência de estudos sobre o empenho masculino
voltado para o estilo de vida saudável e a promoção da saúde. Com isso, afirmam que, para se
avançar nessa discussão, é importante dar voz aos próprios homens para melhor compreender as
questões envolvidas no seu acesso aos serviços de saúde.
Em relação à Artrite Reumatóide, Laurindo e outros (2002) explicam que ela é uma doença
auto-imune, de etiologia desconhecida e que afeta mais mulheres do que homens. Caracteriza-se por
poliartrite periférica e simétrica, que gera deformidade e destruição das articulações por erosão do
osso e da cartilagem. Além disso, acomete grandes e pequenas articulações em associação com
manifestações sistêmicas: rigidez matinal, fadiga e perda de peso.
No estudo realizado por Leitão (1999) em um Hospital Universitário, no qual foram
analisados, retrospectivamente, os aspectos epidemiológicos referentes ao sexo, idade, estado civil,
local de residência, tempo de evolução da doença, quadro clínico laboratorial da época do
diagnóstico, de 55 pacientes com Artrite Reumatóide, atendidos no ambulatório de Reumatologia
no período de novembro de 1981 a novembro de 1998, compararam-se os dados obtidos aos da
literatura e foi observada uma concordância na maioria dos dados, exceto no estudo
epidemiológico, relacionado à idade e ao sexo, onde se constatou uma relevante diminuição da
proporção mulheres/homens e um aumento significativo do diagnóstico após a idade de 50 anos.
O autor aponta que essa patologia é mais freqüente no sexo feminino, numa proporção
aproximada de 5:1, embora esta relação diminua acima dos 50 anos de idade. Em estudo realizado
no Brasil, percebeu-se uma prevalência estimada de 0,57% de pessoas com Artrite Reumatóide para
a região Nordeste do país. Segundo ele, presume-se que os homens possam apresentar algum fator
de proteção ainda não identificado, que vão perdendo com o passar dos anos.
O diagnóstico da Artrite Reumatóide depende da associação de uma série de sintomas e
sinais clínicos, achados laboratoriais e radiográficos, o que, de certa forma, dificulta o diagnóstico
precoce e protela o início do tratamento, sendo essas duas práticas fundamentais para o controle da
atividade da doença e para a prevenção do surgimento de uma incapacidade funcional e/ou lesão
articular irreversível (LAURINDO et al., 2002).
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A presente pesquisa caracterizou-se como qualitativa e fundamentou-se nos pressupostos
construcionistas para compreender o fenômeno estudado. O construcionismo social privilegia a
linguagem e a fala como objeto de estudo, sendo estas entendidas como ações que se produzem e se
constroem nas relações cotidianas. Elegemos o referencial teórico e metodológico das Práticas
Discursivas e Produção de Sentidos (SPINK, 2004), que norteou nossa compreensão dos aspectos
encontrados no campo da pesquisa, bem como a forma de obtê-lo.
2 – Problema e objetivo(s)
CUIDADOS COM A SAÚDE
Para discutirmos sobre os cuidados com a saúde por parte dos homens, iniciaremos falando
brevemente sobre as mudanças que foram ocorrendo na sociedade do ponto de vista histórico. Em
seguida, abordaremos as transformações pelas quais passou o campo da saúde, levando-se em
consideração os momentos de transição dos paradigmas que norteiam a Saúde Pública.
Discutiremos também o que estamos chamando de cuidados com a saúde, além dos tipos de
cuidado. Logo após, dialogaremos com alguns autores que discutem sobre a saúde masculina, dando
visibilidade aos seus posicionamentos diante dessa temática. E por fim, iremos esclarecer alguns
pontos sobre a Artrite Reumatóide.
Ressaltamos a importância do contexto histórico para a pesquisa construcionista, visto que
para entender os usos atuais dos discursos, é preciso conhecer como eles foram sendo construídos e
reconstruídos ao longo do tempo, e a partir daí, poderemos falar sobre os sentidos dados ao
fenômeno estudado que estão circulando atualmente (SPINK, 2004). Partindo desse pressuposto,
para compreendermos o mundo em que vivemos hoje, tomemos como base as discussões de Spink
(2000, 2004) sobre o terceiro estágio do desenrolar da modernidade: a Modernidade Tardia,
também conhecida como Modernidade Reflexiva – de acordo com Ulrich Beck –, ou PósModernidade, como preferem denominar outros autores. O que se pretende chamar atenção é que
houve uma ruptura, caracterizada pela passagem da sociedade feudal para outro tipo de formação
social, definindo-se, assim, um novo período histórico que se encontra atualmente em
transformação.
De acordo com as conceituações de Beck (1993, apud SPINK, 2000, 2004), a Modernidade
passou por três estágios de desenvolvimento, sendo eles: a Pré-Modernidade, transição do
feudalismo para a sociedade moderna; a Modernidade Clássica, coexistente com a sociedade
industrial; e, finalmente, a Modernidade Tardia, caracterizada pela sociedade de risco. Segundo
Spink (2000), esses períodos se caracterizam pela ruptura com a tradição. Desse modo, a sociedade
industrial – modernidade clássica – dissolveu a estrutura feudal, enquanto que, atualmente, a
modernidade reflexiva encontra-se em processo de dissolução das estruturas da sociedade industrial.
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Com isso, a modernidade clássica desmistificou os privilégios de hierarquia, baseados em
herança ou em afiliações religiosas, presentes no período da pré-modernidade. Em contrapartida,
hoje esse processo é marcado pela desmistificação da compreensão da ciência e da tecnologia
vigentes no período da sociedade industrial, como também pela desmistificação das formas de
estruturação dos modos de ser no trabalho, no lazer, na família e na sexualidade (op. cit., 2000).
Nesse sentido, Spink (2000) aponta que a desmistificação das tradições fundantes da
modernidade clássica leva ao colapso das grandes narrativas, gerando a possibilidade de
convivência de várias pequenas narrativas locais, culturais e étnicas. Desse modo, ocorre a liberação
dos costumes, marcado por um movimento intensificado a partir dos anos sessenta, caracterizado
pela: liberação sexual; liberação nas relações de gênero; desterritorialização, por meio do maior
potencial de locomoção pelo mundo afora; e pela liberação das contingências genéticas por meio da
engenharia genética.
Dentre as características da sociedade atual está a globalização que, na definição dada por
Giddens (1998, apud Spink, 2000), refere-se à interseção da presença e da ausência. Nesse sentido,
caracteriza-se pelo entrelaçamento de eventos sociais e relações sociais que estão “à distância” de
contextos locais. Esta articulação de relações sociais que atravessam vastas fronteiras de tempo e
espaço torna-se possível porque o movimento (de pessoas, produtos e informação) passou a ser
facilitado pelos avanços dos meios de transporte. Além disso, a marca registrada da globalização é o
desenvolvimento ocorrido no campo da mídia eletrônica. Todo esse panorama traz mudanças
significativas na forma como as pessoas se relacionam (SPINK, 2004).
A outra característica da modernidade tardia apontada por Beck (1993, apud SPINK, 2000,
2004) é a individualização, marcada pelos processos de destradicionalização das principais
instituições da modernidade clássica, dentre elas a família, o trabalho e a educação. Com isso, ela
apresenta-se caracterizada de duas formas: pelo paulatino enfraquecimento das estruturas de classe
decorrente das novas formas de inserção no mercado de trabalho e pelas transformações dos laços
afetivos e familiares. A conseqüência do processo referente à primeira característica da
individualização é que os problemas relacionados ao sistema perdem sua dimensão política e se
transformam em fracassos pessoais. A segunda característica da individualização gera um colapso
das classes e da família como unidade estável da sociedade, fazendo com que os indivíduos se
tornem agentes de sua subsistência, sendo responsáveis por seu planejamento e organização
(SPINK, 2000).
Nesse contexto de transformações sociais, verifica-se uma modificação nas relações de
gênero e, mais especificamente falando sobre os homens, identifica-se uma exigência contraditória
nos mais variados discursos, os quais dizem que eles têm que ser fortes e provedores da família e,
em contrapartida, devem cuidar de si, buscando ajuda quando necessário, o que poderia ser
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entendido como uma demonstração de fraqueza. Diante disso, como lidar com essa contradição nas
exigências sociais impostas ao homem?
Os sentidos de saúde produzidos ao longo do tempo: uma breve retrospectiva histórica
Para se falar sobre as mudanças ocorridas no campo da saúde, dialogaremos com Jair Santos
e Márcia Westphal (1999), autores estes que confrontam os diferentes paradigmas que vêm
orientando as práticas de Saúde Pública nos últimos dois séculos. Esses autores definem as
concepções de saúde que caracterizaram cada época e ressaltam a concepção em vigência: a de que
saúde se produz socialmente. Além deles, dialogaremos também com Mary Jane Spink e Gustavo
Matta (2007), autores que também discutem sobre o histórico da Saúde Pública e afirmam que, para
propor novas formas de atuação compatíveis com os princípios do SUS, é necessário,
primeiramente, romper com o que foi construído historicamente.
Santos e Westphal (1999) definem prática sanitária como a forma pela qual a sociedade
estrutura e organiza as respostas aos problemas de saúde. Nesse contexto, ressaltam que essa prática
é configurada e direcionada pelo paradigma e contexto vigentes, ou seja, a mudança de paradigma
nas ciências da saúde gera mudanças na prática sanitária. Eles esclarecem melhor dizendo que:
Desde há alguns anos a nossa visão da saúde passou da mera ausência da doença para a
noção de bem-estar físico e mental, e daí para conceito mais amplo que inclui uma
adequação de vida social. Ocorre claramente uma mudança de paradigma, inclusive com
ruptura semântica entre o conceito atual de saúde e o anterior. Modifica-se a prática
sanitária, passando-se da antiga – curativista – para a atual – a vigilância da saúde e a
promoção da saúde (SANTOS; WESTPHAL, 1999, p. 72).
De acordo com Spink e Matta (2007), no Brasil, a atenção à saúde na rede pública levou um
bom tempo para se organizar. Durante muitos anos, tal atenção foi relegada às Santas Casas ou aos
serviços voluntários de várias naturezas. Somente em 1923 é que foi instituída a primeira
organização estatal de serviços de saúde, a qual se responsabilizou pela seguridade social de
trabalhadores dos setores organizados.
No século XIX, a situação da morbi-mortalidade em todo o mundo era caracterizada pela
predominância de doenças infecciosas sobre as demais. Nessa época, toma corpo a idéia da natureza
biológica da doença, deslocando o pensamento causal em saúde do ambiente físico e social para
patógenos concretos. Com isso, acreditava-se que a doença teria uma só causa, na qual um germe
originava uma etiologia. Nesse sentido, conceituava-se saúde como ausência da doença, ou seja,
ausência de um agravo causado por um germe (SANTOS; WESTPHAL, 1999).
Para Santos e Westphal (1999), os principais elementos desse referencial são: o curativismo,
o mecanicismo, o biologicismo e o individualismo. O curativismo é o elemento primordial, pois,
como a saúde é a ausência da doença num indivíduo, o diagnóstico e a terapêutica ganham toda a
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relevância no processo. Assim, a prática sanitária passa a ser a busca da cura dos indivíduos que
manifestaram alguma doença. A noção do mecanicismo assemelha-se à da mecânica clássica,
ressaltando-se a unicausalidade, na qual se identifica a relação: uma só causa atuando num corpo,
sempre produz um efeito. Nesse período, há uma ênfase no biologicismo, pois se acreditava que as
doenças e suas curas sempre ocorriam no nível biológico; além do individualismo característico da
época, no qual o único e principal objeto das ações em saúde era o indivíduo, que seria tratado por
outro indivíduo, excluindo-se completamente dessa ação os contextos ambiental, social e histórico.
Segundo Spink e Matta (2007), o final do século XIX e início do século XX foram marcados
por mudanças nos direitos e deveres em relação à saúde, as quais foram caracterizadas pelo
esvaziamento da responsabilidade estatal e pela crescente responsabilização de cada cidadão pelo
seu próprio estado de bem-estar.
Em meados do século XX, dá-se início a era terapêutica que, após a Segunda Guerra
Mundial, foi reforçada pelo desenvolvimento moderno desse estado de bem-estar, como também
pelo aumento dos recursos públicos ao setor da saúde. Como conseqüência do processo de expansão
do movimento curativista, as grandes esperanças de recuperação da saúde, estavam depositadas na
assistência clínica, especialmente dentro dos hospitais (SANTOS; WESTPHAL, 1999).
Santos e Westphal (1999) pontuam que a Saúde Pública do início do século e as Escolas de
Saúde Pública – conhecidas como escolas de higiene –, voltaram seu interesse para os métodos
sociais e ambientais, tendo como objetivos a remodelação e o saneamento das cidades, além da
transmissão de normas higiênicas, resultando numa dicotomia prevenção/cura. Desse modo, o
higienismo, da mesma forma que o movimento sanitarista do final do século, tinha caráter
paternalista e vertical, caracterizado pelo pouco desenvolvimento ou ausência de mecanismos
democráticos nas sociedades que os desenvolveram.
Interessante notar que o próprio desenvolvimento dos estudos em epidemiologia e
imunologia, apontados por Santos e Westphal (1999), gerou crises nos elementos do paradigma
curativista mencionados anteriormente. Houve uma crise no mecanicismo com o surgimento das
noções de risco, exposição e suscetibilidade. Com isso, passou-se a entender que uma causa atuando
sobre um corpo nem sempre vem produzir o efeito esperado. A segunda crise gerada foi em relação
aos elementos do biologicismo e da unicausalidade, crise essa vinculada a três fatores: extensão das
noções próprias da epidemiologia das doenças transmissíveis para as não-transmissíveis;
surgimento da idéia de multicausalidade; e conceituação de fator de risco nas doenças
degenerativas, estando esse quase sempre associado ao meio físico e/ou social. Segundo esses
autores, o deslocamento da ênfase curativa para uma lógica pautada na prevenção foi a
conseqüência mais imediata desse processo de crise. Surge, então, a medicina preventiva que
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mesmo dando origem ao novo paradigma, parece não ter conseguido romper com as noções
vinculadas ao antigo paradigma flexeneriano curativista.
No Brasil, em 1966, a atenção médica foi unificada no modelo do Instituto Nacional de
Previdência e Saúde (INPS), o qual herdou uma estrutura de atenção à saúde muito incipiente,
fazendo-se necessária a criação de convênios com empresas e instituições de saúde. Como
conseqüência desses convênios, surgem os planos de saúde e o pagamento de serviços terceirizados,
que geraram uma segmentação na atenção à saúde entre a assistência pública e a assistência
conveniada (SPINK; MATTA, 2007).
Em relação à organização dos serviços de saúde, Spink e Matta (2007) afirmam que a
década de setenta foi caracterizada pela expansão e consolidação da assistência médica
individualizada. Além disso, observa-se uma recuperação da Saúde Pública, a qual incluiu, no seu
campo de práticas, medidas de atenção individualizada médico-sanitárias, gerando uma
revitalização do Ministério da Saúde e das Secretarias Estaduais de Saúde. Em 1976 foi criado o
Centro Brasileiro de Estudos de Saúde (CEBES), o qual organizava publicações e realizava eventos
que reuniam as discussões sobre os possíveis modelos de saúde que pudessem responder às
questões sanitárias do país. E em 1979, foi criada a Associação Brasileira de Saúde Coletiva
(ABRASCO), a qual reuniu o debate acadêmico de crítica ao modelo assistencial e propôs meios de
construção do SUS.
No campo das transformações econômicas mundiais, caracterizadas pela mudança do
capitalismo clássico para o neoliberalismo, observam-se transformações na forma como se via a
saúde, a qual passou a ser vista como onerosa, principalmente no que se refere à recuperação após a
doença. Com isso, o sanitarismo do final do século XIX e começo do século XX, que enfatizava a
higiene, passou a ser reconfigurado para um modelo preventivo. Nesse contexto, Spink e Matta
(2007) afirmam que a economia da saúde neoliberal contemporânea foi marcada pela minimização
dos custos com a recuperação da saúde por meio da promoção à saúde e prevenção do surgimento
de doenças. Explicando de outro modo, Rose (2001, apud SPINK; MATTA, 2007) pontua que a
forma como o Estado se posiciona frente à saúde se caracteriza pela transformação da biopolítica
em bioeconomia; ou seja, ele preocupa-se mais com os custos gerados pelas doenças, os dias
perdidos de trabalho ou o aumento das contribuições previdenciárias do que com as conseqüências
da falta de saúde da população.
Nesse sentido, Santos e Westphal (1999) contam que se propagou a nova abordagem
holística da saúde, caracterizada pela ampliação do conceito de educação sanitária – deixando-se de
lado a abordagem higienista –, o que contribuiu para o desenvolvimento de um dos elementos mais
importantes desse novo paradigma, a saber: a promoção da saúde. De acordo com Spink e Matta
(2007), quando o debate sobre saúde se dirigiu à promoção, expandiram-se os componentes de
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saúde: além dos aspectos biológicos, incluiu-se o ambiente físico, psicológico e social, como
também o estilo de vida; estando esses componentes presentes no adoecimento e nas ações voltadas
à prevenção, cura e recuperação.
Consoante a essas mudanças está a Constituição Federal Brasileira de 1988, que foi
inspirada na Conferência Nacional de Saúde de 1986, na qual o capítulo de Saúde – o qual instituiu
SUS – apresentou-se marcado pelo paradigma da produção social da saúde. Nesse documento
inicial, saúde foi definida como um direito universal, resultante das condições de vida e de trabalho,
como também garantida por meio de políticas sociais e econômicas. Estas últimas visam à redução
do risco de doença e outros agravos, além de oferecer o acesso universal e igualitário às ações e
serviços para a promoção, proteção e recuperação da saúde (SANTOS; WESTPHAL, 1999).
Ainda sobre essa Constituição, Spink e Matta (2007) afirmam que ela promoveu a
perspectiva de organização descentralizada, possibilitando aos diversos municípios que elaborem
políticas pertinentes à realidade local; além disso, ela referenda os princípios básicos do SUS, a
saber: universalidade, gratuidade, integralidade e organização descentralizada. Desse modo, a
ênfase na promoção de saúde e prevenção da doença amplia a compreensão dos fenômenos saúde e
doença, os quais passam a ser pautados pela determinação social da doença. De acordo com Spink e
Matta (2007) “O social se faz presente não apenas na explicação do processo saúde-doença, como
também na esfera do comportamento, trazendo para a discussão a reflexão sobre a cultura de classe
e significados do adoecimento” (p. 40).
Partindo desse novo conceito de saúde, Santos e Westphal (1999) concluem que ser saudável
não está necessariamente atrelado ao fato de não estar doente, como se costuma(va) pensar. Esse
novo conceito impulsiona a possibilidade de atuar e de produzir a própria saúde, seja por meio dos
cuidados tradicionalmente conhecidos ou por ações que influenciem o meio em que se vive;
deixando-se de lado todo o individualismo do paradigma anterior. Como conseqüência disso, o
movimento da nova Saúde Pública, baseado nesse referencial, busca métodos adequados à realidade
política vigente, objetivando-se atingir uma maior eficiência nas ações sociais e ambientais,
relacionadas à saúde e à qualidade de vida. Com isso, abandona-se definitivamente o enfoque
vertical e paternalista herdado do passado, caracterizado pelas práticas prescritivas dos profissionais
de saúde, os quais atuavam apoiados nos princípios do biologicismo e do mecanicismo.
Assim, Spink e Matta (2007) pontuam que os discursos a respeito da promoção à saúde
oriunda dos fóruns e documentos – tanto nacionais quanto internacionais – apontam para uma
reorientação da assistência, com ênfase cada vez maior nos serviços básicos de saúde, endossados
pela Organização Mundial de Saúde.
Uma estratégia de ação apontada por Santos e Westphal (1999), coerente com a perspectiva
da produção social da saúde, como também da criação de ambientes saudáveis, é a Estratégia Saúde
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da Família. Ela funciona como um centro de saúde formado por uma equipe de saúde da família, a
qual apresenta uma delimitação territorial de abrangência e desenvolve ações focalizadas na
promoção da saúde. Nesse sentido, essa estratégia caracteriza-se por ser uma atuação contínua,
personalizada, reconhecedora da importância do relacionamento humano, além de estimuladora das
ações intersetoriais. Os autores ressaltam que os resultados dessa estratégia têm demonstrado sua
alta resolubilidade – incluindo os aspectos curativos –, seus baixos custos diretos e indiretos e seus
excelentes efeitos na articulação com outros setores que lidam com o campo da saúde.
Diante do panorama exposto, ressaltamos que as possibilidades de pesquisa e ação de caráter
psicossocial no campo da saúde se ampliam, como nos falam Spink e Matta (2007), as quais podem
abarcar os mais variados conceitos que estão circulando atualmente (risco, vulnerabilidade, coconstrução de sentidos etc.).
O que estamos chamando de cuidados com a saúde e quais são os tipos de cuidado?
Como já foi dito anteriormente, a Modernidade Tardia é caracterizada pela ruptura com as
tradições e tem como uma de suas conseqüências a individualização, na qual o homem se torna
agente de sua subsistência, sendo responsável por seu planejamento e organização, inclusive no
campo da saúde (SPINK, 2000). Neste contexto, inserimos os cuidados com a saúde, o qual, no
final do século XIX e início do século XX, passaram a ser da responsabilidade dos cidadãos, devido
às mudanças nos direitos e deveres tanto destes – cidadãos – quanto do Estado – no que se refere à
saúde (SPINK; MATTA, 2007). Ou seja, cada pessoa tornou-se responsável por cuidar de sua
própria saúde.
Além disso, o modelo de assistência à saúde dessa época era eminentemente individualista,
pautado apenas pelos aspectos biológicos das afecções. Contudo, quando o debate sobre saúde
começou a se voltar à promoção, houve uma expansão dos componentes de saúde, passando a se
considerar também o ambiente físico, psicológico e social, além do estilo de vida. Desse modo, de
acordo com as propostas das Políticas Públicas, foi necessária uma reorientação da assistência,
dando-se uma ênfase cada vez maior na criação de serviços básicos de saúde que levassem em
consideração todos esses componentes em suas ações de prevenção, cura e recuperação.
Em relação aos tipos de cuidado, destacamos: os cuidados com o corpo (alimentação,
condicionamento físico etc.), os cuidados com o ambiente externo (sol, poluição etc.) e a utilização
dos serviços de saúde, incluindo todas as atividades que são propostas nestes centros que vão além
dos atendimentos individuais. Nesse sentido, uma das práticas que vem sendo utilizada pelos
serviços de saúde – consoante às propostas das Políticas Públicas – é o trabalho com grupos, o qual
pode ser voltado às mais variadas populações e temáticas.
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O que tem se falado sobre Cuidados com a Saúde em relação à(s) Masculinidade(s)?
Para se discutir sobre os cuidados com a saúde por parte dos homens, faz-se necessário
considerar os estudos sobre masculinidade ou, melhor dizendo, masculinidades, como preferem
chamar alguns autores, tendo em vista a diversidade e multiplicidade de formas que podem ser
vivenciadas, em contraposição ao modelo hegemônico construído socialmente.
Dentre os/as estudiosos/as da temática de gênero com os/as quais dialogaremos encontra-se
Elisabeth Badinter (1993). Sobre as relações de gênero e a superioridade masculina, ela afirma que:
Desde o surgimento do patriarcado, o homem sempre se definiu como ser humano
privilegiado, dotado de alguma coisa a mais, ignorada pelas mulheres. Ele se julga mais
forte, mais inteligente, mais corajoso, mais responsável, mais criativo ou mais racional. E
este mais justifica sua relação hierárquica com as mulheres, ou pelo menos com a sua (p. 6,
grifo da autora).
Segundo essa autora, a maior razão da vulnerabilidade física dos homens se deve a uma
maior vulnerabilidade psíquica, a qual é resultado do esforço deste para construir-se um homem
como tal. Nesse sentido, o macho nasce de uma fêmea e busca, durante toda sua vida, se diferenciar
da mulher; ou seja, o menino se afirma negativamente à sua mãe. Desse modo, para afirmar sua
identidade masculina, ele deve tanto se convencer quanto convencer os demais de que não é uma
mulher, não é um bebê e não é um homossexual. Nesse contexto de mudanças sociais, identifica-se
a necessidade de se repensar a masculinidade, sendo essa prática iniciada pelos americanos, na
década de 70 do século passado, com a inauguração dos men’s studies, que floresceram tanto na
Inglaterra quanto nos Estados Unidos, na Austrália e, em menor grau, nos países nórdicos.
Badinter (1993) discute sobre as mudanças que vêm ocorrendo na identidade masculina, as
quais dão visibilidade ao “esforço” que os homens fazem para se tornarem homens de acordo com o
que é exigido deles: autodomínio, vontade de se superar, gosto pelo risco e o desafio e resistência à
opressão. Nesse sentido, ela ressalta que essas virtudes ditas masculinas pertencem a todo ser
humano, da mesma forma que as virtudes femininas. Segundo essa autora, as virtudes femininas
conservam o mundo, enquanto que as virtudes masculinas fazem recuar os limites. Porém,
considera que:
Longe de serem incompatíveis, elas são indissociáveis, para que se pretenda o título de
humano. Embora uma tradição milenar as tenha colocado em oposição, atribuindo-as a um
ou a outro sexo, tomamos pouco a pouco consciência de que uma sem as outras acabariam
se tornando um pesadelo: o autodomínio pode tornar-se neurose, o gosto pelo risco pode
tender ao suicídio, a resistência pode transformar-se em agressão. Inversamente, as virtudes
femininas, tão celebradas nos dias de hoje, podem, se não forem temperadas pelas virtudes
masculinas, conduzir à passividade e à subordinação (BADINTER, 1993, p. 188-189).
De acordo com Daniel Korin (2001), um muro de silêncio e invisibilidade impediu que se
enxergassem as conseqüências da masculinidade tradicional, como também se deixou de lado o
13
mal-estar e o sofrimento dos homens, inclusive no que se refere à saúde destes. Entretanto, esse
autor revela que “diversos grupos de homens nas Américas, Europa, Austrália e Nova Zelândia
estão trabalhando, há algum tempo, na tarefa de romper este silêncio e dirigirem-se a um exercício
saudável da masculinidade” (p. 68).
Korin (2001) diferencia os termos sexo e gênero, conceituando-os da seguinte forma: sexo
refere-se à distinção biológica entre homem e mulher; enquanto que gênero compreende uma série
de significados culturais atribuídos a essas diferenças biológicas. Com isso, o conceito de gênero
abrange os atributos, as funções e as relações que transcendem o biológico/reprodutivo e que são
construídos social e culturalmente. Desse modo, ele assinala que o gênero possui três dimensões:
espacial, varia de uma cultura a outra; temporal, em uma mesma cultura há diferentes tempos
históricos; e longitudinal, varia ao longo da vida de um indivíduo.
Nesse contexto, esse autor aponta a dificuldade que os homens enfrentam ao ter que
sucumbir ao modelo hegemônico de masculinidade e afirma que “as conseqüências de não
chegarem a ser o modelo ideal são tão aterrorizantes que os homens pagam com má saúde e
inclusive com a morte para demonstrar sua ‘macheza’” (p. 69). Dessa forma, o desejo e a
capacidade de cuidar desaparecem durante sua socialização, além de ele ter que prezar pelo poder,
pela autonomia, pela força, pela racionalidade e pela repressão das emoções. Como uma possível
solução para isso, Korin (2001) diz que
é importante encontrar outros homens que estejam enfrentando essas mudanças, para que
juntos resistam às pressões para que se adaptem a uma masculinidade dominante e rígida, e
para que se apóiem mutuamente no desenvolvimento de novas formas de ser homem, a fim
de criar uma cultura de masculinidade mais sadia (p. 76).
Para isso, esse autor aponta que é necessário adotar novos paradigmas de prestação de
serviços, posto que os em vigência buscam apenas satisfazer o aspecto técnico racional de uma
pessoa. Nesse sentido, ele propõe que os serviços devem ser ampliados para abarcar as dimensões
socioculturais, como também as estruturas de desigualdade, além da importância de se capacitar os
prestadores de serviço em todos os níveis.
Utilização dos Serviços de Saúde por Homens: um tipo de cuidado?
De acordo com Cláudia Travassos, Francisco Viacava, Rejane Pinheiro e Alexandre Brito
(2002), em estudo pioneiro que objetivou investigar o perfil de utilização de serviços de saúde por
homens e mulheres no Brasil, identificaram que o uso desses serviços dependeu do poder aquisitivo
das famílias e das características sociais do próprio indivíduo, o que foi relacionado a um perfil de
desigualdades sociais. Segundo esses autores, levando-se em consideração o ponto de vista
comportamental, “a procura por serviços de saúde tem sido explicada pelas diferenças na forma
14
como homens e mulheres expressam a doença, o que por sua vez, estaria associado aos diferentes
papéis sociais que assumem em cada sociedade” (p. 366). Ampliam essa explicação considerando
que homens e mulheres com doenças crônicas e com papéis sociais semelhantes, diferem pouco no
comportamento de procura por serviços de saúde. Levando em consideração os resultados dessa
pesquisa, eles sugerem que a formulação de políticas voltadas para a redução das desigualdades
sociais no consumo de serviços de saúde deve levar em consideração as diferenças no padrão de uso
dos serviços de saúde por homens e mulheres.
Outra autora que discute sobre a construção da subjetividade masculina e seu impacto sobre
a saúde do homem é Marlene Braz (2005). Ela denuncia que a temática relacionada à saúde do
homem, em contraposição à saúde da mulher, tem sido pouco abordada e discutida, tanto nas
políticas públicas quantos nas mais variadas investigações. Ela cita Pinheiro e outros (2002) que,
embasados na Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios de 1998, afirmam que as consultas de
mulheres e crianças são mais abundantes. Confirmando esses dados, Silva e Alves (2003, apud
BRAZ, 2005) apontam que “nos países ocidentais, as mulheres procuram consultas médicas mais
do que os homens. Elas declaram mais suas doenças, consomem mais medicamentos e se submetem
a mais exames, como também avaliam pior o seu estado de saúde” (p. 99).
Além disso, Pinheiro e outros (2002, apud BRAZ, 2005) demonstram que há um maior
número de homens internados em situação grave, como também à procura de serviços de
emergência. Esses indicadores nos fazem refletir sobre a necessidade de criar novas propostas de
atendimento voltadas à parcela masculina da população. Braz (2005), ao discutir sobre o ideal de
homem construído socialmente, afirma que manter esse ideal é um grande fator de risco para os
homens, pois, como conseqüência disso, ocorre um “silenciamento” de ter que sustentar esse ideal
heróico. Tal comportamento repercute na dificuldade em procurar ajuda e/ou cuidados médicos, ou
seja, representa uma dificuldade de ser assistido, posto que, contrariamente, foram “criados” para
assistir e prover. Nesse sentido, Pinheiro e outros (2002, apud BRAZ, 2005) concluem que “ao
homem caberia, então, ser forte – o que pode resultar em descuido com o próprio corpo. Pedir ajuda
quando não suporta mais os desaba [fragiliza] diante da doença, especialmente quando a situação
socioeconômica é desfavorável” (p. 101).
Outro fator impeditivo da visita dos homens aos serviços de saúde, apontado por Braz
(2005), refere-se à dificuldade de se encontrar postos de saúde ou ambulatórios abertos após as
dezessete horas, sendo este mais um fator que inviabiliza a procura dos homens por atendimento
médico precoce. Com isso, restam a eles os serviços de emergência e de urgência, visto que estes
funcionam vinte e quatro horas.
Além disso, essa autora alerta para a existência de um preconceito sexual, que se reflete na
sociedade como um todo, seja nas formulações das políticas públicas, seja nas relações com os
15
profissionais de saúde, chefes, patrões, colegas de trabalho e as parceiras, que estranham quando um
homem procura de forma preventiva algum serviço de saúde. De acordo com ela, esse preconceito
nem sempre aparece como uma discriminação sexual visível, como no caso das mulheres, mas ele
aparece de forma clara em relação aos homens na medida em que determinadas condutas podem ser
vistas como “coisas de mulher”.
Inserindo os homens nas discussões do campo da saúde: da masculinidade hegemônica ao
conceito de masculinidades múltiplas
Karen Giffin (2005) comenta o atual interesse em estudar os homens e argumenta que está
ocorrendo uma modernização da masculinidade hegemônica, gerando transformações nas relações
pessoais desses homens. Com isso, essa autora ressalta uma perspectiva histórica sobre a
masculinidade, sendo esta constantemente construída dentro da história de uma estrutura social em
evolução.
Estela Aquino (2005) aponta que, durante muito tempo, as diferenças entre os sexos no
adoecimento e na morte foram consideradas naturais e as explicações, quando buscadas, apoiavamse na biologia (ciência considerada neutra e objetiva). Nesse contexto, a produção de
conhecimentos e as intervenções no campo da saúde ocupacional voltavam-se aos homens,
enquanto que às mulheres, consideradas sempre potencialmente grávidas, estavam reservados os
cuidados com o feto. Nos últimos tempos, em relação ao campo da saúde, tem-se buscado
demonstrar, cada vez mais, como a masculinidade hegemônica gera comportamentos danosos à
saúde do homem. Nessa perspectiva, essa autora nos diz que
os estudos sobre homens e masculinidades têm trazido contribuições importantes ao
problematizar aspectos cruciais para reflexão sobre a dominação masculina e as relações de
gênero. Ao partir da noção de masculinidade hegemônica, a produção teórica e empírica
neste campo tem permitido o reconhecimento de masculinidades múltiplas (AQUINO,
2005, p. 20).
Em suas pesquisas, essa autora afirma que na base de dados Medline – principal base de
referências bibliográficas sobre saúde – a expressão “saúde do homem”, no singular, não é
encontrada e o termo men's health não integra os descritores, diferentemente do termo women's
health, que foi incorporado a essa base em 1991. De acordo com Aquino (2005), em meados de
1996, men's health intitulava um editorial do British Medical Journal, no qual tinham destaque os
variados condicionantes da saúde dos homens. Acreditava-se que eles, comparando-se às mulheres,
teriam menor capacidade de reconhecer seus problemas físicos e emocionais, como também de
procurar ajuda. Diante desse contexto, essa autora pontua que
Na organização da atenção à saúde, enfatizar as especificidades pode reiterar o
essencialismo, mas incorporar a perspectiva de gênero pode contribuir para adequar os
16
serviços às necessidades de homens e mulheres e superar mecanismos e atitudes de
discriminação. Isso pode envolver ações e estratégias voltadas a grupos de homens ou de
mulheres em particular, sem a segmentação de espaços e novas especialidades (AQUINO,
2005, p. 22).
Porque os homens morrem mais cedo do que as mulheres? Sentidos produzidos sobre o
processo do adoecer em homens
No texto elaborado por Ruy Laurenti, Maria Helena Jorge e Sabina Gotlieb (2005) sobre o
perfil epidemiológico da morbi-mortalidade masculina, tem-se que a mortalidade masculina é maior
em praticamente todas as idades e para quase a totalidade das causas, além de as esperanças de vida
ao nascer, como também em outras idades, são sempre menores entre os homens. Além disso, esses
autores destacam que, apesar dos altos índices de mortalidade masculina, os indicadores de
morbidade, medidos pela demanda aos serviços e por inquéritos populacionais, demonstram que, de
uma maneira geral, as mulheres freqüentam mais os serviços de saúde do que os homens.
Laurenti, Jorge e Gotlieb (2005) alertam que, para a análise da saúde do homem, é preciso
levar em consideração as mudanças ocorridas nas esferas demográficas e epidemiológicas,
resultantes do envelhecimento populacional e das alterações no panorama das doenças de uma
forma geral. Dão ênfase também ao fato de que
Várias doenças acometem mais os homens, traduzindo-se por maior mortalidade desse sexo.
Essa é uma questão que precisa ser levada em conta quando se pensa em saúde da família e,
por extensão, em uma comunidade saudável. De fato, em geral, há programas de saúde que
contemplam a criança, o adolescente, a mulher e o idoso, não existindo, porém, com
exceção dos programas de saúde do trabalhador, aqueles voltados especificamente para o
homem adulto. Não que seja desejável existir um programa somente dirigido a ele, mas no
programa de saúde da família ou do sub-programa de saúde do adulto, devem ser levantadas
algumas questões específicas para o homem, como, por exemplo, ações educativas em
relação às violências e aos cânceres de próstata e de pulmão (LAURENTI; JORGE;
GOTLIEB, 2005, p. 38).
Segundo esses autores, a constatação do alto índice de mortalidade masculina não
necessariamente pode ser justificada como estando relacionada ao sexo (variável biológica),
podendo ser melhor explicada pela associação aos fatores sociais e comportamentais (variável
gênero). Assim, Laurenti, Jorge e Gotlieb (2005) se posicionam dizendo que a estratégia de
prevenção e promoção à saúde tem de levar em conta essas mudanças comportamentais, ocorridas
em toda a população, em relação aos mais variados hábitos, tendo sempre em mente as diferenças
de gênero.
Wilza Villela (2005), em suas reflexões sobre gênero, saúde dos homens e masculinidades,
fala que a identidade dos homens é marcada pela não contenção e pela exacerbação, sendo estas
entendidas como sinais de poder. Outro aspecto levantado por essa autora diz respeito às relações
existentes entre masculinidades e machismo. Segundo ela, o machismo seria uma atitude particular
17
que homens e mulheres podem ter em relação a homens e mulheres, enquanto que as
masculinidades estão relacionadas aos modelos de constituição de identidade dos homens. Nesse
sentido, embora existam conexões entre o machismo e as masculinidades, o comportamento
machista não decorre necessariamente destas, embora seja uma das possibilidades de vivência do
masculino. Este é um ponto importante a ser levantado, visto que o machismo pode estar
relacionado à percepção de fragilidade ou insuficiência de cumprimento dos ideais de
masculinidade. Decorrência disso são os agravos à saúde identificados em homens, nos quais se
encontram mais traços do machismo do que de masculinidades.
Diante disso, Villela (2005) nos diz que “o modo como os homens constroem e vivenciam
as suas masculinidades está relacionado aos seus modos particulares de adoecer e morrer” (p. 32).
Contudo, devem-se levar em consideração as múltiplas e variadas possibilidades de construir e
vivenciar a masculinidade, além dos possíveis entrelaçamentos destas com o processo saúdedoença.
Ao falar sobre homens e saúde na pauta da Saúde Coletiva, Lília Schraiber, Romeu Gomes e
Márcia Couto (2005) afirmam que, ao longo das duas últimas décadas, pesquisadores de diferentes
campos disciplinares buscam entender os riscos diferenciados de adoecimento e morte em homens e
mulheres. Nesse sentido, do ponto de vista histórico, eles ressaltam duas contribuições das ciências
sociais: de uma maneira geral, o próprio caráter social do adoecimento e a perspectiva de gênero
como forma particular da relação saúde-sociedade. Além disso, os autores colocam que, ao se
incluir os homens no debate sobre as questões da prevenção e da promoção à saúde, gera-se não só
melhorias na saúde destes, como também repercutem em questões da saúde feminina, haja vista a
existência de temáticas que só avançam na medida em que se consegue a participação masculina em
seu enfretamento.
Somado a isso, Schraiber, Gomes e Couto (2005) afirmam ser comum que homens casados
dependam de suas mulheres em relação aos cuidados com a saúde, ou seja, para eles o casamento é
tido como um fator de proteção no que se refere aos processos de adoecimento. Além disso,
apontam que o trabalho (tão importante na constituição da identidade masculina), o desemprego ou
a não-ocupação, geram conseqüências no adoecimento e nos cuidados com a saúde destes homens,
pois a falta de trabalho e a conseqüente impossibilidade de prover materialmente a família é um
aspecto importante relacionado aos riscos de saúde destes.
Em contrapartida, no que se refere aos cuidados com a saúde, esses autores pontuam que o
trabalho é considerado como um obstáculo para o acesso aos serviços de saúde e/ou para a
continuidade dos tratamentos médicos. Os homens justificam que não tem tempo, não podem deixar
as atividades laborais, como também sentem um medo não revelado de descobrir que estão com
18
algum problema de saúde. Além disso, temem que a necessidade de se ausentar para realização do
tratamento médico possa prejudicá-los, o que poderia resultar na perda de seu posto de trabalho.
Que outros sentidos têm os cuidados com a saúde dos homens?
Daniela Knauth e Paula Machado (2005), ao comentarem o texto produzido por Schraiber,
Gomes e Couto (2005), dizem que esses autores, ao discutirem a inserção dos homens na pauta da
saúde coletiva como uma novidade, estão dando visibilidade a uma concepção específica do
masculino, pois esse tema já vinha sendo trabalhado tanto nos estudos quanto na atenção em saúde,
porém num enfoque mais relacionado à manutenção da força de trabalho.
Essas autoras denunciam que a grande maioria dos trabalhos na área da Saúde Coletiva
ainda é embasada na perspectiva da masculinidade hegemônica, não levando em consideração a
existência de diferentes tipos de masculinidades. Além disso, elas afirmam que apenas incluir os
homens nos estudos e na formulação de políticas públicas não mudará esse panorama. Desse modo,
elas propõem uma mudança na forma de abordar as questões de saúde e de prevenção. Knauth e
Machado (2005) dizem que “esta perspectiva impõe uma abordagem centrada no caráter relacional
e, portanto, não basta incluir os homens, mas a própria forma de trabalhar com as mulheres deve ser
repensada” (p. 19).
Segundo essas autoras, as concepções de saúde e de cuidados de si ainda estão fortemente
embasadas no modelo biomédico. Este modelo não contempla outras possibilidades de se pensar os
cuidados de si e do outro para além das formas tradicionais. Nessa perspectiva, os homens são
percebidos como não-socializados para os cuidados e a valorização da saúde. Contudo, a partir da
reflexão das questões de gênero, os cuidados adquiriram também outros sentidos. Exemplos disso
são as estratégias utilizadas pelos homens em relação a determinadas situações: como as relações
sexuais com as “mulheres de rua” ou “perigosas” e todos os esforços despendidos à manutenção da
própria masculinidade. Nesses casos, pode-se questionar se essas atitudes não estariam relacionadas
ao cuidado de si e do outro (KNAUTH; MACHADO, 2005). Com isso, essas autoras se posicionam
da seguinte forma:
Assim, antes de excluir os homens das categorias de cuidado e saúde faz-se necessário
pensar nas significações que estas categorias adquirem no universo masculino. E, neste
sentido, a perspectiva de gênero pode contribuir para o questionamento das categorias e
práticas tradicionais da área da saúde, permitindo, com isso, conhecer outras formas de se
relacionar com a mesma que escapam às suas prescrições. Incluir os homens nos estudos
deve propiciar uma mudança de perspectiva e não apenas de universo de investigação (op.
cit., 2005, p. 19).
Sérgio Carrara (2005), ao comentar sobre as mudanças ocorridas nos últimos dois séculos,
afirma que os homens de diferentes camadas sociais estão tendo um tipo de atitude/cuidado com
seus corpos que antes era considerado mais apropriado às mulheres. Nesse sentido, eles estão mais
19
atentos ao próprio corpo e, como conseqüência disso, estão consumindo mais os serviços
profissionais e os produtos que prometem manter seus corpos mais saudáveis, sensíveis, potentes,
jovens, produtivos, flexíveis etc.; de acordo com as exigências da cultura de massa da passagem do
século. Nessa perspectiva, segundo esse autor, está ocorrendo um desaparecimento acelerado dos
antigos pudores, tendo em vista as épocas anteriores, nas quais a atenção sobre si ou sobre o próprio
corpo era tida como um sinal de feminilidade, o que mantinha os homens bem distantes dos
cuidados médicos.
Homens e Serviços de Saúde: que sentidos estão em jogo nessa relação?
No que concerne às relações estabelecidas nos serviços de saúde, Pedro Nascimento (2005)
denuncia o enfoque marcadamente materno-infantil da atenção básica, afirmando que isso faz com
que esses serviços, que muitas vezes são deficitários para identificar as especificidades das
mulheres, sequer reconheçam os homens como sujeitos de sua atenção. Conseqüência disso é a
cristalização de oposições construídas socialmente como se fossem dados da natureza: “desestimula
os homens a procurarem os serviços de saúde e enxerga as mulheres como essencialmente
cuidadoras e as únicas responsáveis pela esfera da saúde” (p. 27).
Considerando a assistência à saúde dos homens como um desafio para os serviços de
atenção primária, Wagner Figueiredo (2005) se posiciona dizendo que é bastante disseminada a
idéia de que as Unidades Básicas de Saúde (UBS) são serviços destinados quase que
exclusivamente às mulheres, as crianças e os idosos. Nesse contexto, referente a pouca presença
masculina nesses serviços, ele pontua quatro possíveis justificativas. A primeira delas refere-se à
associação da ausência dos homens, ou sua invisibilidade nesses serviços, a uma característica da
identidade masculina relacionada ao seu processo de socialização. Nesse caso, essa identidade
estaria associada à desvalorização do autocuidado e à preocupação incipiente com a saúde.
Na segunda justificativa, o autor diz que os homens preferem utilizar outros serviços de
saúde, como farmácias ou prontos-socorros, que responderiam mais objetivamente às suas
demandas. Nesses lugares, eles são atendidos mais rapidamente e conseguem expor seus problemas
com uma maior facilidade. Na terceira justificativa, reconhecem-se as UBS como sendo elas
próprias a causa da dificuldade do acesso dos homens ao serviço. Isso se deve porque os homens
sentem dificuldade de serem atendidos nesses lugares, seja pelo tempo perdido na espera da
assistência, seja por considerarem essas unidades como um espaço feminilizado, haja vista ser
freqüentado em sua maioria por mulheres, além de grande parte das profissionais que lá atuam
também ser mulher. Nesse contexto, eles não se sentem pertencentes a esse lugar.
A quarta e última justificativa levantada por Figueiredo (2005) está relacionada ao fato de
que os homens não procuram as UBS porque elas não disponibilizam programas ou atividades
20
direcionadas especificamente para eles. Nessa questão, não se está buscando culpados para a
ocorrência desse fenômeno, mas sim, propõe-se compreender o problema no contexto de uma
complexa teia de relações que envolvem três dimensões, que se relacionam entre si: os homens, os
serviços e os vínculos estabelecidos entre eles. Desse modo, faz-se necessário a criação de
estratégias para que as UBS possam contribuir para um melhor acolhimento das necessidades em
saúde dos homens e, conseqüentemente, para a geração de uma prática cotidiana mais saudável por
parte da população masculina.
Nessa perspectiva, esse autor aponta para a necessidade de identificação das necessidades de
saúde dos homens como um primeiro passo para que os serviços de saúde ampliem seu foco de
atenção também para a população masculina. Além disso, ele ressalta que é preciso levar em
consideração os contextos nos quais as UBS estão inseridas, como também que as estratégias
assistenciais construídas por esses serviços devem contemplar as diferentes necessidades de saúde
dos homens de acordo com cada região/localidade. Sobre as possíveis mudanças nos serviços de
saúde, ele sugere que se aumente o número de profissionais do sexo masculino, o que poderia
contribuir para uma maior percepção de pertencimento dos homens nesses serviços. Contudo, o
mais importante é que haja uma mudança da postura prática de todos os profissionais.
Cenários de Pesquisa e Debate sobre Masculinidades e Saúde
Autoras como Rosele Paschoalick, Maria Lacerda e Maria de Lourdes Centa (2006),
afirmam que para se compreender a relação existente entre o comportamento dos homens e sua
saúde é necessário evidenciar como se deu a construção da masculinidade, a partir de um conjunto
de elementos culturais. Segundo elas, os pesquisadores e formuladores de políticas públicas de
saúde têm desconsiderado o processo de socialização como um fator que pode aumentar a
vulnerabilidade dos homens.
Como uma possível solução para isso, essas autoras afirmam que mais recentemente estudos
estão sendo conduzidos com enfoque na identificação das conseqüências que o comportamento
masculino tem trazido para a saúde dos homens e daqueles com os quais ele se relaciona. Exemplos
disso é que, no Brasil, várias organizações não governamentais (Instituto PROMUNDO, ECOS –
Comunicação em Sexualidade, Instituto PAPAI e Instituto NOOS) têm se dedicado a estudar o
comportamento dos homens visando, não apenas a melhoria da sua saúde e bem-estar, mas também
a saúde de seus pares, por acreditarem que existe relação entre eles.
Além disso, Paschoalick, Lacerda e Centa (2006) pontuam que, na década de noventa do
século XX, ocorreram dois importantes fóruns mundiais: a Conferência Internacional sobre
População e Desenvolvimento (1994), ocorrida no Cairo, e a IV Conferência Mundial da Mulher
(1995), ocorrida em Pequim. Esses eventos trouxeram os homens, juntamente com as mulheres,
21
para o centro das discussões relacionadas à saúde sexual e reprodutiva, à disseminação da AIDS e
demais doenças transmitidas por contato sexual, à violência doméstica, à criação dos filhos, entre
outros temas geradores de agravos à saúde.
Uma constatação interessante levantada por essas autoras refere-se ao fato de que, ao
revermos as políticas públicas de assistência à saúde no Brasil, observa-se a ausência de propostas
de atendimento integral à saúde do homem, nas quais os aspectos da masculinidade culturalmente
herdados sejam considerados. Como solução para essa problemática, elas trazem as seguintes
reflexões:
Acreditamos que para modificar o atual cenário, estratégias de ação dos profissionais de
saúde devem ser revistas de maneira a ampliar a participação do homem nos serviços de
saúde e no cuidado de si. Ajudá-lo a reconhecer suas necessidades, a falar e a cuidar de si, a
refletir acerca de seu comportamento, das transgressões que faz e a respeito da
masculinidade estereotipada que o coloca em riscos desnecessários, são ações que os
profissionais de saúde e governantes devem contemplar em suas propostas de intervenção à
população masculina, em especial os jovens (PASCHOALICK; LACERDA; CENTA,
2006, p. 85).
O que é Artrite Reumatóide?
Segundo Leitão (1999), a Artrite Reumatóide é uma das afecções mais importantes dentro
do campo da Reumatologia, devido a sua alta freqüência e cronicidade. Laurindo e outros (2002)
explicam que ela é uma doença auto-imune, de etiologia desconhecida e caracterizada pela
poliartrite periférica e simétrica, que pode gerar deformidade e destruição das articulações por
erosão do osso e da cartilagem. De acordo com Carvalho, Noordhoek e Silva (2006), a Artrite
Reumatóide é uma das doenças crônicas mais comumente relatadas e acomete cerca de 1% da
população mundial. Essas autoras apontam que a dor crônica, a fadiga e a incerteza sobre o curso da
doença freqüentemente estão relacionadas às dificuldades funcionais afetivas, comportamentais e
sociais, o que gera, conseqüentemente, graus variados de dificuldades na execução das atividades de
vida diária, trabalho e lazer.
Para diagnosticar a Artrite Reumatóide é necessária a associação de uma série de sintomas e
sinais clínicos, achados laboratoriais e radiográficos. Isso, de certa forma, dificulta o diagnóstico
precoce e protela o início do tratamento; sendo essas duas práticas fundamentais para o controle da
atividade da doença e para a prevenção do surgimento de uma incapacidade funcional e/ou lesão
articular irreversível (LAURINDO et al., 2002). No que se refere ao atendimento oferecido pela
Saúde Pública, essa situação de fechamento do diagnóstico se agrava ainda mais, levando-se em
consideração as dificuldades que as pessoas que buscam os serviços de saúde encontram para serem
atendidas, diagnosticadas e receberem um tratamento adequado, de acordo com as necessidades de
sua doença. Assim, ressalta-se o difícil acesso da população aos serviços médicos e, mesmo quando
se consegue ser atendido, há dificuldades no fechamento do diagnóstico.
22
O que tem chamado atenção no que se refere à questão de gênero na Artrite Reumatóide é
que essa patologia é identificada mais em mulheres do que em homens. Sobre isso, Seda (1982), Mc
Carty (1989), Laurindo e outros (2002) e Ciconelli (2004) afirmam que as mulheres são afetadas
duas a três vezes mais do que os homens e sua incidência tende a aumentar com a idade. Segundo
Ciconelli (2004), essa patologia acomete 1% da população adulta, com incidência anual de
aproximadamente 0,1 a 0,2/1000 homens e de 0,2 a 0,4/1000 mulheres. Essa doença pode surgir em
qualquer idade, porém inicia-se mais freqüentemente entre a quarta e a quinta década de vida. No
Brasil, de acordo com dados fornecidos por Seda (1982), a Artrite Reumatóide corresponde cerca de
7 a 10% de todos os reumatismos, com incidência em 0,4% da população brasileira.
Objetivos
Objetivo Geral: compreender os sentidos produzidos em relação aos cuidados com a saúde de
homens com Artrite Reumatóide e considerar a influência da rede social de apoio e sua importância
para o enfrentamento da doença e a manutenção do tratamento.
Objetivos Específicos:
•
Identificar e situar, ao longo do tempo, os cuidados com a saúde na perspectiva de gênero, a
partir das discussões produzidas no campo científico;
•
Identificar as ações relacionadas aos cuidados com a saúde praticadas pelos homens com Artrite
Reumatóide colaboradores da pesquisa;
•
Avaliar a influência da rede social de apoio nos cuidados com a saúde, no enfrentamento da
doença e na manutenção do tratamento a partir dos discursos de homens com Artrite
Reumatóide.
3 – Procedimentos
A PESQUISA COMO CONSTRUÇÃO
Como se chegou à pesquisa?
Esta pesquisa teve origem a partir da experiência com um grupo de apoio psicossocial
voltado a pessoas com doenças reumáticas. Esse grupo fez parte de uma pesquisa, cujo objetivo foi
analisar os aspectos psicossociais presentes nas histórias de vida dos participantes, que foram
identificados a partir de suas narrativas durante os encontros do grupo e as entrevistas individuais,
realizados num Hospital Universitário.
A partir da convivência de dois anos com esse grupo, observou-se uma crescente
participação dos homens e a formação de um subgrupo entre eles, que conversavam entre si. Esse
23
fenômeno nos chamou atenção e nos fez indagar se houve uma mudança nos cuidados com a saúde
por parte desses homens e se essa rede de amizades seria responsável por essas mudanças. Partindo
dessas considerações, buscamos ampliar a compreensão desse fenômeno investigando-o.
Inicialmente, planejamos entrevistar apenas dois homens com Artrite Reumatóide, porém,
no período em que a pesquisa estava em desenvolvimento, foi exibida a reportagem do Globo
Repórter sobre o tema que estava sendo pesquisado. Haja vista a grande circulação do discurso que
a mídia televisiva gera, optamos por incluir esse material midiático como um dos nossos
informantes. Além disso, sentimos a necessidade de incluir também na pesquisa a visão da médica
reumatologista, que os acompanha clinicamente, sobre como os homens com Artrite Reumatóide
cuidam da saúde.
A pesquisa desenvolvida caracterizou-se como qualitativa e para melhor compreender essa
metodologia, traremos as considerações traçadas por Ulin, Robinson e Tolley (2006). Para essas
autoras, os métodos qualitativos de investigação são um dos instrumentos que está à disposição dos
pesquisadores para compreender e propor novas formas de intervenção nas mais diversas áreas do
conhecimento. Em relação ao campo da saúde, elas colocam que os métodos qualitativos de
pesquisa permitem abordar as interpretações culturais de saúde e enfermidade, como também
conhecer os comportamentos, as crenças, atitudes e pontos de vista dos problemas de saúde, por
parte da população, de uma maneira mais adequada e completa, as quais não são identificadas pelos
métodos quantitativos.
De acordo com Ulin, Robinson e Tolley (2006), quando os objetivos essenciais de uma
indagação são explorar e explicar o comportamento no lugar de descrevê-los, e quando o tema
tratado é pouco conhecido e investigado é muito conveniente que os pesquisadores utilizem
perguntas e indagações seguindo o método qualitativo de pesquisa. Nesse contexto, são muitas as
contribuições desse tipo de investigação, o qual pode resultar em mudanças de comportamentos
básicos, atitudes e perspectivas que trazem conseqüências diretas para o modo como se lida com a
saúde.
Esse estudo fundamentou-se no construcionismo social, que privilegia a linguagem e a fala
como objeto de estudo, sendo estas entendidas como ações que se produzem e se constroem nas
relações cotidianas. Elegemos o referencial teórico e metodológico das Práticas Discursivas e
Produção de Sentidos (SPINK, 2004), que norteou nossa compreensão dos aspectos encontrados no
campo da pesquisa, como também a forma de obtê-lo. De acordo com Spink (2000), o
construcionismo concebe o conhecimento como produto histórico que se ancora em contextos
sociais e culturais específicos. Com isso, a perspectiva construcionista caracteriza-se por um
posicionamento crítico diante das verdades universais e considera que todo conhecimento é
resultado de um processo histórico particular, produzido por uma cultura ou grupo cultural
24
particular. Os posicionamentos construcionistas são utilizados como recursos para a compreensão,
análise e produção de conhecimentos (ÍÑIGUEZ, 2002).
Nesse contexto, Spink (2000) afirma que dar sentidos ao mundo é o mais poderoso motor da
ação humana. Nessa perspectiva, a produção de sentidos encontra-se relacionada ao uso da
linguagem, sendo a linguagem em uso um fenômeno da ordem da interação. Portando, a produção
de sentidos é um fenômeno sócio lingüístico. Sobre esse aspecto, essa autora ressalta ainda a
interanimação dialógica que se estabelece entre pesquisador e seus interlocutores, sendo este o
cerne do processo de produção de sentidos, haja vista que sem a colaboração de nossos informantes
não teríamos os dados necessários para o processamento e interpretação das informações.
Segundo a perspectiva construcionista, um aspecto importante na produção de
conhecimentos é a co-construção, ou seja, é a partir da relação entre os colaboradores da pesquisa e
destes com o pesquisador que se produz o conhecimento e, para isso, é de fundamental importância
o diálogo entre eles. Nesse sentido, a maneira de produzir qualquer conhecimento depende
principalmente das práticas discursivas, tendo a linguagem uma função primordial para a realização
dessas práticas. Aquilo que é conhecido é, portanto, sempre co-constituído e a maneira de sua
constituição depende das relações discursivas (RIBEIRO, 2003).
Nesse contexto, o Construcionismo Social preocupa-se com a explicitação dos processos por
meio dos quais as pessoas descrevem e explicam o mundo em que vivem (GERGEN, 1985, apud
RIBEIRO, 2003). Em outras palavras, os estudos fundamentados na perspectiva construcionista têm
em comum, segundo Shotter (1993, apud RIBEIRO, 2003), buscar compreender como constituímos
e reconstituímos o senso comum, como também o modo como nos fazemos ou nos refazemos nesse
processo.
Nossos Interlocutores
Contribuíram para essa pesquisa dois homens com diagnóstico de Artrite Reumatóide que
são acompanhados clinicamente no ambulatório de Reumatologia de um Hospital Universitário
(HU) e que têm participado do grupo de apoio a pessoas com doenças reumáticas há mais de um
ano. Os colaboradores foram indicados pela médica reumatologista que os acompanha clinicamente.
O primeiro interlocutor, que chamaremos de Carlos, com 24 anos, nasceu em 28 de agosto
de 1982. É procedente da zona rural, estudante, com nível médio completo, solteiro e não tem
filhos. Tem Artrite Reumatóide Sistêmica e Doença de Still. A doença eclodiu quando foi a Recife
em busca de trabalho, há aproximadamente quatro anos atrás, em 2003. Passou por vários médicos e
hospitais, tanto do interior quanto da capital, os quais suspeitaram que pudesse ser Pneumonia,
Tuberculose ou Leucemia. Disse que teve “infecção” – na verdade teve afecção – no pulmão, no
fígado, no baço, no coração e os exames detectaram que seus órgãos estavam crescidos. Houve
25
dificuldades no fechamento do diagnóstico e, por conta disso, tomou muita medicação incorreta, o
que acabou prejudicando sua saúde. Chegou ao HU no dia 11 de setembro de 2003, quando a
doença foi diagnosticada e tratada adequadamente, obtendo uma recuperação bastante rápida.
Assim que saiu de alta do HU, no final de 2003, foi convidado pela médica a participar do grupo de
apoio psicossocial. Participa das reuniões mensais sempre que pode, mesmo encontrando
dificuldades para ir, devido à distância de duas horas de viagem de onde mora até o HU e, em
função disso, depende do transporte da prefeitura. Atualmente, sua doença encontra-se estabilizada
e não toma nenhuma medicação há aproximadamente três anos, além de não sentir mais nenhum
sintoma da doença.
O segundo interlocutor, que chamaremos de Francisco, com 34 anos, nasceu em 28 de maio
de 1974. É procedente da zona rural, analfabeto, agricultor, casado e tem três filhos, sendo dois
meninos, um com quatro e outro com dez anos, e uma menina de onze anos. Tem diagnóstico de
Artrite Reumatóide. No dia 10 de fevereiro de 2003 ele começou a sentir as dores e se preocupou,
porque pensou logo na família. Nessa época, estava trabalhando numa usina, cortando cana, mas
teve que parar o trabalho e decidiu se cuidar. Procurou mais de um médico, que indicaram
tratamentos incorretos, fazendo com que tomasse muita medicação inadequada para a doença por
cerca de oito meses, o que só piorou seu estado de saúde e o fez emagrecer. A doença foi
diagnostica por um exame que realizou no interior e, depois disso, começou a tomar a medicação
correta e foi em busca de um internamento, porém encontrou dificuldade em conseguir uma vaga
para se internar. Passou vinte dias internado no HU. Teve uma recuperação rápida e recebeu
orientação médica, mas quando voltou para casa piorou, pois encontrou dificuldade em tomar o
remédio corretamente. Com isso, voltou para o hospital e a médica o orientou novamente em
relação ao tratamento. Assim que saiu de alta, em setembro de 2003, foi convidado pela médica a
participar do grupo de apoio psicossocial, do qual começou a freqüentar em outubro de 2003, sendo
um dos assíduos participantes do grupo.
Além deles, a médica reumatologista também colaborou para a construção do conhecimento
dessa pesquisa, sendo uma de nossos interlocutores. Ela formou-se em Medicina em 1980, atende
no ambulatório do HU e é professora do curso de Medicina de uma Universidade Federal. Participa
das reuniões mensais do grupo de apoio psicossocial desde o seu surgimento, visto que a criação
desse grupo partiu de uma demanda dela. Com isso, a médica convida e incentiva as pessoas que ela
atende no ambulatório do HU a participarem do grupo.
As discussões de Benedito Medrado (2004) sobre mídia como prática discursiva nos
fundamentaram em relação à escolha da reportagem do Globo Repórter sobre a Saúde do Homem e
da Mulher, exibida em 29 de junho de 2007, como uma de nossos interlocutores nessa pesquisa, a
qual não estava prevista no projeto inicial. Esse autor discute sobre a importância que a mídia tem
26
na construção e circulação de discursos na sociedade contemporânea, haja vista ser a televisão um
dos mais elevados itens de consumo da população brasileira. Conseqüentemente, a mídia tem uma
grande influência no cotidiano das pessoas, além de influenciar a forma como as pessoas produzem
sentidos sobre os fenômenos sociais e se posicionam.
Com isso, Medrado (2004) discute a reconfiguração entre as dimensões pública e privada
que a mídia proporciona devido ao seu poder de dar visibilidade aos fenômenos sociais, como
também de construir novas dinâmicas interacionais. Desse modo, há uma redução das barreiras
espaciais e temporais, o que permite comunicações para além das interações face-a-face. Nessa
perspectiva, ele aponta que as produções midiáticas constituem práticas sociais de caráter
discursivo, as quais são construídas por um grupo social específico a partir da seleção e
configuração de determinados repertórios. Como conseqüência desse processo, as produções
midiáticas ampliam as possibilidades de repertórios disponíveis às pessoas, o que gera a produção
de outros sentidos e a construção de outras versões sobre si e sobre o mundo. Assim, a mídia
permite a desfamiliarização progressiva de alguns sentidos e a construção de outros.
Sobre a temática de como a masculinidade vem sendo abordada pela mídia, esse autor
pontua que “investigar sobre masculinidade significa também discutir preconceitos e estereótipos e
repensar a possibilidade de construir outras versões e sentidos” (MEDRADO, 2004, p. 264). Nesse
contexto, quando se identifica repertórios lingüísticos nos materiais midiáticos, apreendem-se
alguns sentidos que circulam no cotidiano das pessoas e que podem assumir outras significações a
partir do esforço de produção de outros sentidos nas práticas discursivas. Por fim, esse autor afirma
que a mídia é caracterizada por possuir conteúdos potencialmente dinâmicos, no qual é a
interpretação que lhe dá sentido. Desse modo, é interessante notar o potencial que a mídia tem de
provocar reflexões e discussões ativas.
O conteúdo da reportagem do Globo Repórter sobre a Saúde do Homem e da Mulher foi
acessado via internet. Nessa reportagem foram exibidos nove blocos, dos quais analisaremos seis,
que são os que abordam o tema dos cuidados com a saúde dos homens e os tipos de cuidado.
Escolha das ferramentas para compreender o fenômeno
O método escolhido para o presente estudo foi a Entrevista Episódica elaborada por Flick
(2002). Nela, convidam-se as pessoas entrevistadas a narrarem acontecimentos concretos (nos quais
possuam determinadas experiências) com perguntas mais gerais, que buscam respostas mais amplas
(por meio de definições, argumentações, narrações, etc.) de relevância pontual; tendo como ponto
de referência a relevância subjetiva da situação para as pessoas entrevistadas. Esse tipo de entrevista
abre espaço às subjetividades e interpretações das pessoas entrevistadas no contexto das narrativas
27
situacionais. Com isso, ela se caracteriza por ser orientada para narrativas de pequena escala
baseadas em situações.
Como a pesquisa foi desenvolvida?
Primeiramente, realizamos um levantamento da literatura desse campo de estudo que discute
os cuidados com a saúde numa perspectiva de gênero. Nesse meio termo, o projeto de pesquisa
elaborado passou pelo Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) da Universidade Federal. Além disso,
houve um treino da entrevista episódica para verificação da clareza das perguntas elaboradas e
identificação dos ajustes necessários.
Depois da aprovação do CEP, a médica reumatologista indicou os dois possíveis
colaboradores da pesquisa, Carlos e Francisco, de acordo com os critérios estabelecidos: ter Artrite
Reumatóide e participar do grupo de apoio psicossocial há mais de um ano. Com isso, no encontro
do grupo realizado em Junho/2007, os dois homens foram convidados a participar da pesquisa e
aceitaram o convite. Nesse momento, foi informado a eles que a pesquisa era sobre os cuidados com
a saúde de homens com Artrite Reumatóide e que a colaboração deles seria por meio de uma
entrevista dividida em dois momentos, que poderiam ser realizados em dias diferentes ou no mesmo
dia, conforme a disponibilidade deles. Foi informado ainda que um dos momentos focalizaria os
cuidados com a saúde e o processo do adoecer e o outro a participação no grupo de apoio
psicossocial. Como os dois vivem na zona rural e só vêm a Maceió nos dias do grupo, ficou
combinado que as entrevistas ocorreriam após a reunião.
No dia 05 de julho de 2007, o colaborador Carlos compareceu à reunião do grupo e solicitou
que fossem realizados dos dois momentos da entrevista no mesmo dia, pois ele não sabia quando
poderia voltar. A solicitação do colaborador foi atendida e, assim que se encerrou o momento do
grupo, a médica reumatologista indicou uma sala onde a entrevista poderia ser realizada.
Inicialmente, o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) foi lido com o colaborador, o
qual concordou com todos os itens do termo e o assinou. Depois foi perguntado se ele consentia que
a entrevista fosse gravada e ele autorizou a gravação. Em seguida, o protocolo de entrevista foi
preenchido com os dados gerais tanto da entrevista quanto do entrevistado. Logo após, conversamos
sobre seus cuidados com a saúde, como também sobre o seu adoecimento. Em seguida, falamos
sobre a sua participação no grupo de apoio psicossocial. Esse processo durou aproximadamente
quarenta e cinco minutos e, durante a entrevista, o colaborador pareceu estar à vontade e não
demonstrou sinais de timidez ou constrangimento.
Depois disso, nesse mesmo dia e local, foi realizada a entrevista sobre a participação no
grupo de apoio psicossocial com Francisco. Combinamos que no mês seguinte realizaríamos a
entrevista sobre os cuidados com a saúde e o processo do adoecer. Com isso, o TCLE foi lido e o
28
colaborador concordou com todos os itens e colocou sua impressão datiloscópica nele. O
colaborador também autorizou que a entrevista fosse gravada e, em seguida, preencheu-se o
protocolo de entrevista. Após isso, iniciamos nossa conversa sobre sua participação no grupo, a qual
durou aproximadamente vinte e cinco minutos. O entrevistado apresentou boa verbalização e
pareceu estar bem à vontade durante toda a entrevista. No dia 02 de agosto de 2007, após a reunião
do grupo, Francisco foi entrevistado sobre seus cuidados com a saúde e adoecimento. A entrevista
foi realizada no mesmo local das anteriores e teve duração aproximada de trinta minutos. Ele
colaborou muito ao responder às perguntas, se estendendo além do que foi perguntado, parecendo
estar interessado em responder e explicar da melhor forma possível tudo aquilo que estava falando.
A entrevista com a médica reumatologista foi realizada no dia 08 de outubro de 2007, na
sala onde ela atende seus pacientes. Seguiram-se os mesmos passos das entrevistas anteriores
quanto à assinatura do TCLE, autorização para que a entrevista fosse gravada e preenchimento do
protocolo de entrevista. Nessa conversa, abordou-se a temática dos cuidados com a saúde em
homens, bem como foram solicitadas suas considerações sobre os cuidados com a saúde dos dois
colaboradores da pesquisa, além da participação deles no grupo de apoio psicossocial.
Em relação à reportagem do Globo Repórter sobre a Saúde do Homem e da Mulher, que foi
exibida em 29 de junho de 2007, no dia seguinte à apresentação, o material textual de todos os
blocos foi acessado pelo site do Globo Repórter.
Indo além dos conteúdos
De acordo com Spink (2000), o conhecimento é uma construção social presa aos contextos
de produção e, por esse motivo, na vertente construcionista, a garantia da visibilidade dos
procedimentos de análise dos dados é condição indispensável para o rigor metodológico. Nesse
sentido, a visibilidade abre os processos de pesquisa ao debate sobre o conhecimento gerado, para
que se possa manter a conversação fluindo (RORTY, 1994, apud SPINK, 2000). Partindo-se desse
pressuposto, explicitaremos todos os passos desenvolvidos na análise qualitativa dos dados que se
realizou após a transcrição minuciosa das entrevistas realizadas.
Para isso, elegemos a Grounded Theory para nortear os passos de análise. Essa metodologia
qualitativa foi desenvolvida originalmente por Barney Glaser e Anselm Strauss e foi ampliada pela
parceria desse último com Juliet Corbin, que publicaram em 1990 a primeira edição do livro Basics
of Qualitative Research (STRAUSS; CORBIN, 1998).
O elemento fundamental dessa metodologia é o desenvolvimento de uma teoria a partir da
organização e análise dos dados obtidos no processo de pesquisa. Desse modo, esses autores
propõem que se comparem os dados para dar visibilidades às semelhanças e diferenças presentes
nestes, além de obter vários pontos de vista em relação ao mesmo fenômeno. O que esses autores
29
chamam de “dados” são todos os materiais de uma pesquisa: entrevistas, observações, vídeos,
jornais, anotações, etc. Com isso, eles alertam que é preciso “deixar que os dados falem” e, para
isso, recorre-se a ferramentas de análise, tais como fazer perguntas aos dados: Quem? Onde? Por
que? Quando? O que? Como? Quanto? etc.
Com isso, Strauss e Corbin (1998) explicitam os passos necessários para esse tipo de
análise, sendo eles: realização de uma microanálise, na qual se faz uma análise sistêmica dos dados;
conceitualização, que é a nomeação de conceitos realizada na microanálise; e criação de categorias
e subcategorias, de acordo com as propriedades e dimensões dos conceitos. Depois que os conceitos
são nomeados a partir da microanálise, os que são similares formam uma categoria, que se organiza
em subcategorias, as quais têm estreitas relações entre si, diferenciando-se apenas em suas
propriedades e dimensões.
Partindo-se desses pressupostos, analisamos as três entrevistas realizadas e o material
midiático da seguinte forma: primeiramente, construiu-se um quadro de análise com três colunas, a
primeira com as informações sobre o interlocutor, a segunda com as falas expressas e a terceira
onde foram colocados os conceitos nomeados a partir da microanálise dos dados; após isso, foi
construído outro quadro apenas com os conceitos nomeados na etapa anterior, os quais foram
divididos em categorias e subcategorias.
A seguir, daremos prosseguimento à análise de acordo com os seguintes passos:
inicialmente, descreveremos cada um dos quadros de análise construídos a partir dos conceitos
destacados na microanálise das entrevistas e do material midiático; em seguida, faremos uma
comparação entre os interlocutores, focalizando as categorias construídas; e, por fim,
promoveremos um diálogo entre as falas dos interlocutores desta pesquisa com aquelas da literatura
desse campo de estudo.
4 – Resultados e Discussão
DIALOGANDO COM OS INTERLOCUTORES
Apresentação dos Quadros de Análise
Os conceitos destacados na microanálise das entrevistas e do material midiático foram
organizados em categorias e subcategorias, formando quadros de análise. Com isso, apresentaremos
os quadros construídos na seguinte seqüência: primeiramente, os quadros relacionados à categoria
“cuidados com a saúde” do Carlos, do Francisco e da médica reumatologista; em seguida, os
quadros referentes à categoria “tipo de cuidado – grupo de apoio psicossocial” do Carlos, do
Francisco e da médica reumatologista; logo após, apresentaremos o quadro sobre “cuidados com a
saúde dos colaboradores na perspectiva da médica reumatologista”; e, por fim, o quadro relativo à
“mídia e cuidados com a saúde dos homens”.
30
Os quadros de análise referentes aos “cuidados com a saúde” do Carlos e do Francisco estão
organizados da seguinte maneira: na primeira coluna, destacamos os momentos de vida: antes,
durante e depois da doença; na segunda coluna a definição de cuidados com a saúde; na terceira
coluna, os tipos de cuidado; e na quarta coluna, a assistência que eles receberam.
Quadro de Análise 1 - “cuidados com a saúde” - Carlos
MOMENTO DA VIDA
DEFINIÇÃO
(O QUE É?)
TIPOS DE CUIDADO
(COMO?)
Sem a doença
Controle da Alimentação
e da Atividade Física
Segue as instruções
médicas
Na doença
Cuidado com a saúde
todos pelos médicos, só
fazia o que eles
mandavam, fazia tudo
pela ordem médica
Depois da doença
Controle da Alimentação
e da Atividade Física
- Seguia as instruções da
médica reumatologista;
- Não ficava na multidão;
- Ficou em casa;
- Não via a luz do sol;
- Não ficava no sereno;
- Repousava bastante
para passar as dores.
- Segue as instruções da
médica reumatologista;
- Faz tudo em cima do
limite;
- Evita ficar no sol;
- Evita poluição;
- Limitações no Trabalho.
ASSISTÊNCIA
(QUEM?)
- Ele mesmo;
- Mãe;
- Pai.
- Ele mesmo;
- Mãe;
- Pai;
- Médica reumatologista.
- Ele mesmo;
- Mãe;
- Pai;
- Médica reumatologista.
Antes de adoecer, os cuidados com a saúde para Carlos estavam relacionados ao controle da
alimentação e da atividade física. Nesse período, o tipo de cuidado com a saúde praticado por ele
foi seguir as instruções médicas. Com isso, ele mesmo cuidou de sua saúde, além de contar com a
ajuda de seus pais. No momento em que Carlos adoeceu, os cuidados com a saúde dele foram todos
determinados pelos médicos, ele só fazia o que os médicos mandavam, ou seja, “fazia tudo pela
ordem médica”. Desse modo, os tipos de cuidados praticados por ele foram: seguir as instruções da
médica reumatologista, não ficar na multidão, ficar em casa, não se expor à luz do sol e não ficar no
sereno. Além desses cuidados, ele afirma que quando sentia dores repousava bastante e elas (as
dores) iam passando aos poucos. Nessa época, além dele mesmo cuidar de sua própria saúde, teve o
apoio de seus pais e da médica reumatologista.
Após a fase de atividade da doença, os cuidados com a saúde do Carlos foram os controles
da alimentação e da atividade física, semelhante ao período anterior à doença. Dentre os cuidados
ultimamente praticados por ele encontram-se: seguir as instruções da médica reumatologista, não
ultrapassar o seu limite, evitar ficar no sol e em lugares poluídos1, além de respeitar suas limitações
1
Quanto aos cuidados: não se expor à luz do sol, não ficar no sereno e evitar ficar em lugares poluídos; a médica
reumatologista afirma que estes são idéias pré-concebidas de cuidados médicos, ou seja, são cuidados do senso comum
e não indicações médicas.
31
em relação ao trabalho, visto que não pode fazer esforço. Atualmente, ele mesmo cuida de sua
saúde, estando apoiado por seus pais e pela médica reumatologista.
Quadro de Análise 2 - “cuidados com a saúde” - Francisco
MOMENTO DA VIDA
DEFINIÇÃO
(O QUE É?)
Sem a doença
Sobre os cuidados do
médico e ter controle
Na doença
Depois da doença
Sobre os cuidados do
médico e ter controle do
remédio
Sobre os cuidados do
médico e controlar o
remédio e a atividade
física
TIPOS DE CUIDADO
(COMO?)
- Busca precoce pela
assistência médica;
- Consultava-se com o
médico da usina;
- Tomava remédio.
- Foi para os médicos;
- Controle do horário do
remédio;
- Controle do limite do
tempo do remédio;
- Seguiu a regra médica.
- Ir ao médico;
- Controle do horário do
remédio;
- Controle do limite do
tempo do remédio;
- Andar conforme pode;
- Não fazer muito
esforço;
- Não pegar peso;
- Respeitar o limite do
corpo;
- Fazer exame de fezes,
de urina;
- Limitação no trabalho;
- Participação no grupo.
ASSISTÊNCIA
(QUEM?)
- Ele mesmo;
- Esposa.
- Ele mesmo;
- Esposa;
- Sogro;
- Médica reumatologista;
- Assistente Social do
HU.
- Ele mesmo;
- Esposa;
- Filho;
- Médica reumatologista;
- Assistente Social do
HU;
- Direção do HU.
Antes do surgimento da doença, os cuidados com a saúde, para Francisco, foram
identificados com os cuidados orientados pelo médico e caracterizados pelo controle. Nessa época,
ele conta que buscava precocemente a assistência médica, consultando-se, sempre que necessário,
com o médico da usina onde trabalhava, além de tomar o remédio que este indicava. Nesse
momento, ele mesmo cuidava de sua saúde e contava com o apoio de sua esposa. No momento em
que adoeceu, os cuidados permaneceram sendo orientados pelos médicos, somando-se a isso o
controle dos horários dos medicamentos indicados por estes. Nessa fase, Francisco procurou mais
de um médico, tomou o remédio corretamente e seguiu as regras médicas. Ele cuidou de sua saúde e
teve a ajuda de sua esposa, de seu sogro, da médica reumatologista e da assistente social do HU.
Após a doença, Francisco define que seus cuidados com a saúde continuam sendo instruídos
pelos médicos, além de ser caracterizado pelo controle do remédio e da atividade física. Desse
modo, dentre os tipos de cuidados praticados por ele encontram-se: ir ao médico, controlar o horário
e o limite do tempo do remédio, ter cuidado ao andar, não fazer muito esforço, não pegar peso,
respeitar o limite do seu corpo e suas limitações no trabalho, fazer exame de fezes e de urina
periodicamente e participar do grupo de apoio psicossocial.
32
A seguir, apresentaremos o Quadro de Análise 3, referente aos “cuidados com a saúde dos
homens na perspectiva da médica reumatologista”. Ele está organizado em duas colunas: na
primeira, consta a definição de cuidados com a saúde expressa pela médica; e na segunda,
destacamos os tipos de não cuidado com a saúde citados por ela.
Quadro de Análise 3 “cuidados com a saúde dos homens na perspectiva da médica reumatologista”.
DEFINIÇÃO DE CUIDADOS
COM A SAÚDE
Saúde é um equilíbrio
biopsicossocial, é uma conquista,
que envolve:
Prevenção (conhecer os fatores
de risco) e;
Promoção, equidade,
sustentabilidade,
intersetorialidade,
interdisciplinaridade (Psicologia)
e multidisciplinaridade
(Serviço Social)
TIPOS DE NÃO CUIDADO COM A SAÚDE
- Difícil adesão dos homens ao grupo de suporte;
- Chegam ao HU num estadiamento mais avançado;
- Têm uma tolerância / resistência a procurar o médico, a se mostrar
fragilizado;
- Resistem a procurar precocemente um médico;
- Não fazem prevenção;
- Não questionam o médico;
- Não são críticos;
- Atuam de forma passiva em relação aos cuidados com a saúde;
- Deixam o médico interferir na saúde deles;
- Delegam os cuidados com a saúde a terceiros (esposa, sogra, amigos);
- Não são agentes ativos nos cuidados com a saúde.
Para a médica reumatologista, saúde é um equilíbrio biopsicossocial, é uma conquista, a qual
envolve: a prevenção de doenças, conhecendo-se os fatores de risco; a promoção da saúde; a
equidade; a sustentabilidade; a intersetorialidade; a interdisciplinaridade, que é exercida por ela
junto à Psicologia na prática do grupo; e a multidisciplinaridade, que ela desempenha com os outros
profissionais médicos, haja vista as doenças reumáticas serem sistêmicas. Além disso, ela exerce
também a multidisciplinaridade junto ao Serviço Social, na medida em que ela articula com esses
profissionais as possibilidades de participação nas reuniões mensais do grupo de pessoas que
moram longe e encontram dificuldades de ir.
Em relação aos tipos de não cuidado identificados pela médica em sua prática clínica,
encontramos, primeiramente, a difícil adesão dos homens ao grupo de suporte. Segundo a médica,
os
homens
chegam
ao
HU
num
estadiamento
mais
avançado
e
apresentam
uma
tolerância/resistência a procurar precocemente o médico e a se mostrarem fragilizados. De acordo
com a fala da médica, eles não fazem prevenção, não questionam o médico e não são críticos. Desse
modo, ela conta que os homens atuam de forma passiva em relação aos cuidados com a saúde,
deixando que o médico interfira na saúde deles, além de delegar os cuidados com a sua saúde a
terceiros, como à esposa, à sogra ou aos amigos. Ou seja, ela ressalta que eles não são agentes nos
cuidados com a saúde deles.
Os quadros de análise relacionados ao “tipo de cuidado – grupo de apoio psicossocial” do
Carlos e do Francisco foram organizados da seguinte maneira: na primeira coluna, destacamos os
33
sentimentos expressos por eles; na segunda coluna, os benefícios dessa participação; e na terceira
coluna, os tipos de ajuda que o grupo tem possibilitado a eles.
Quadro de Análise 4 - “tipo de cuidado – grupo de apoio psicossocial” - Carlos
SENTIMENTOS
ANTES DO GRUPO:
- Isolamento social;
- Abandono;
- Medo de críticas violentas;
- Solidão;
- Rejeição.
DEPOIS DO GRUPO:
- Amizade pelos participantes do
grupo
BENEFÍCIOS DO GRUPO
- Ajudou Bastante;
- Sentia-se mais legal na aula
(colégio);
- Transformação;
- Liderança no colégio;
- Foi conquistando todo mundo;
- Mudanças no comportamento;
- Mudanças no dia-a-dia, na
convivência com as pessoas;
- Sentiu-se melhor e aproximou-se
das pessoas;
- Ficou mais desenvolvido, menos
nervoso;
- Mudança psicológica;
- Sente-se à vontade para falar com
novos estagiários e pacientes.
TIPOS DE AJUDA
- Reuniões;
- Força do grupo;
- Conversas;
- Entrevistas (participação nas
pesquisas);
- Cada reunião é um assunto e
dinâmica diferentes;
- Presença da professora e
estudantes fazendo uma coligação;
- Aproximação da médica com os
pacientes;
- Conversas com estudantes e
pacientes;
- A história de dificuldade do outro
motiva;
- Tem mais informações;
- Enfrentamento da doença.
Antes de participar do grupo de apoio, Carlos passou por uma fase de isolamento social
porque as pessoas do seu entorno se afastaram dele por causa da doença, pois achavam que era
contagiosa. Com isso, ele se sentiu abandonado, sozinho e rejeitado e não se aproximava das
pessoas porque tinha medo de receber alguma crítica. Após seu início no grupo, ele relata um
sentimento de amizade pelos demais participantes.
Em relação aos benefícios dessa participação, Carlos afirma que o grupo o ajudou bastante,
pois começou a se sentir “mais legal” durante as aulas, transformou-se, tornou-se um dos líderes do
colégio e foi conquistando todo mundo aos poucos. Ele conta que mudou seu comportamento, nas
coisas do dia-a-dia e na convivência com as pessoas. Além de se sentir melhor, o que o levou a se
aproximar das pessoas que tinham se afastado dele durante o período em que estava doente. Diz
também que ficou “mais desenvolvido” e menos nervoso em algumas ocasiões especiais. No mais,
Carlos afirma que teve uma mudança psicológica e que já se sente à vontade para falar com novos
estagiários e pacientes que aparecem no grupo.
No que se refere aos tipos de ajuda que recebeu ao participar do grupo, Carlos menciona que
foi durante as reuniões e por meio da força do grupo, das conversas – tanto com as estudantes
quanto com os outros participantes –, e das entrevistas que concedeu ao participar de algumas
pesquisas. Ele conta que cada reunião é um assunto e uma dinâmica diferente. Ressalta a coligação
entre os participantes, que é realizada pela professora e pelos estudantes, além da aproximação da
médica com os pacientes. Carlos afirma que a história de dificuldade do outro o motiva e que, ao
participar do grupo, obtém mais informações, bem como aprende estratégias de enfrentamento da
doença.
34
Quadro de Análise 5 - “tipo de cuidado – grupo de apoio psicossocial” - Francisco
SENTIMENTOS
NO GRUPO:
- Satisfação;
- Felicidade;
- União;
- Prazer;
- Gosta.
BENEFÍCIOS DO GRUPO
- Sem ter muito o que falar, foi
aprendendo com as pessoas;
- Está melhorando;
- Respeita mais as pessoas;
- Não bate nos filhos, conversa
tranquilamente com eles;
- Em tudo aprendeu mais;
- Aprende com quem sabe e passa
para outro;
- Esquece o que tá sentindo;
- O conforto reforça a medicação
para o corpo;
- Está sendo ótimo;
- Aprende cada dia mais.
TIPOS DE AJUDA
- Grupo de estudo;
- Conversas;
- Reunião;
- Deseja o conforto de um para o
outro;
- Boa vontade;
- Médica tem cuidado com os
pacientes.
Francisco conta que se sente satisfeito e feliz em participar das reuniões mensais do grupo.
Diz que sente uma união entre as pessoas que freqüentam e que para ele é um prazer estar lá, além
de gostar muito. Ele fala que quando chegou ao grupo não tinha muito o que falar, mas foi
aprendendo com os demais. Desde que participa do grupo, afirma que está melhorando, que
aprendeu a respeitar mais as pessoas, a conversar tranquilamente com os filhos, a não bater neles,
enfim, diz que aprendeu mais a respeito de tudo.
Para ele, no grupo se aprende com quem sabe e, a partir disso, passa-se esse aprendizado
para outro. No momento do grupo, diz que esquece o que está sentindo, pois o conforto que recebe
no grupo reforça a medicação para o corpo. Por fim, Francisco conta que para ele o grupo está
sendo ótimo, visto que aprende cada dia mais.
No momento do grupo, denominado por ele “grupo de estudo” e “reuniões”, Francisco se
sente ajudado pelas conversar, nas quais os participantes desejam um o conforto do outro. Além
disso, ele identifica a “boa vontade” da professora e das estudantes, que também participam do
grupo; assim como os cuidados que a médica tem com as pessoas que atende, ao promover esse
apoio psicossocial e participar do grupo.
Quadro de Análise 6 “benefícios do grupo de apoio psicossocial na perspectiva da médica reumatologista”.
OS BENEFÍCIOS DO GRUPO DE APOIO PSICOSSOCIAL
- Redução e/ou extinção do tratamento medicamentoso quando os homens reconstroem suas histórias de vida;
- Os homens entram em remissão ao participar do grupo;
- Os homens tornam-se mais aderentes ao tratamento;
- Os homens melhoram a adesão terapêutica;
- Os homens não negligenciam as queixas.
No que se refere aos benefícios da participação dos homens no grupo de apoio psicossocial,
a médica aponta para a redução e, em muitos casos, para a extinção do tratamento medicamentoso
quando eles reconstroem suas histórias de vida, em decorrência da freqüência às reuniões mensais.
35
Ela observa que os homens entram em remissão quando participam do grupo, além de se tornarem
mais aderentes ao tratamento e melhorarem a adesão terapêutica. Por fim, a médica afirma que, ao
freqüentar o grupo, os homens não negligenciam suas queixas.
A seguir, apresentaremos o Quadro de Análise 7, referente aos “cuidados com a saúde dos
colaboradores na perspectiva da médica reumatologista”. Ele está organizado da seguinte forma: na
primeira coluna estão os colaboradores Carlos e Francisco; na segunda coluna destacamos os tipos
de cuidado com a saúde, praticados pelos colaboradores, que foram mencionados pela médica; e na
terceira colona identificamos os benefícios da participação no grupo, para os colaboradores,
expressos pela médica.
Quadro de Análise 7 “cuidados com a saúde dos colaboradores na perspectiva da médica reumatologista”.
COLABORADOR
TIPOS DE CUIDADO COM A
SAÚDE
FRANCISCO
Adesão precoce ao grupo de
suporte
CARLOS
- Percorreu vários médicos
- Colaborou muito
- Adesão precoce ao grupo
BENEFÍCIOS DO GRUPO DE
APOIO PSICOSSOCIAL
- Precoce adesão ao tratamento
- Controle da doença
- Nunca mais usou medicamento
de fase aguda
- Ele já é muito bem sucedido
- Ele só usa a droga de fundo
- Entrou em remissão fácil
- Ele fala do problema diretamente
- Aprendeu a sonhar mais alto, se
desenvolveu
- Crescimento
Em relação aos colaboradores da pesquisa, a médica conta que o tipo de cuidado que ela
observou no Francisco foi a precoce adesão ao grupo de suporte. Como conseqüência disso, houve
uma precoce adesão ao tratamento por parte dele, um controle da doença e a retirada da medicação
de fase aguda, ou seja, ele entrou em remissão facilmente. Desse modo, a médica diz que ele já é
muito bem sucedido e só está fazendo uso da droga de fundo.
Os tipos de cuidados praticados por Carlos e observados pela médica foram: a procura por
vários médicos, a colaboração dele no tratamento, como também a adesão precoce ao grupo. Com
isso, ela conta que ele já fala do problema diretamente, aprendeu a sonhar mais alto, se desenvolveu
e cresceu ao participar das reuniões mensais do grupo de suporte.
Mídia e Cuidados com a Saúde
O próximo quadro foi elaborado a partir da microanálise da reportagem do Globo Repórter
sobre a Saúde do Homem e da Mulher, exibida em 29/06/07. Nela, foram destacados os conceitos
relativos aos cuidados com a saúde dos homens do segundo ao sétimo blocos. Dessa forma,
identificamos nesse material midiático as seguintes subcategorias: desnaturalização, não cuidado,
tipos de cuidado, assistência e explicações (para o não cuidado ou da doença).
36
REPORTAGEM DO GLOBO REPÓRTER SOBRE A SAÚDE DO HOMEM E DA MULHER (29.06.07) – MÍDIA E CUIDADOS COM A SAÚDE DOS HOMENS
BLOCOS
DESNATURALIZAÇÃO
NÃO CUIDADO
SEGUNDO BLOCO:
HOMENS TAMBÉM
SOFREM COM
OSTEOPOROSE
É preciso se cuidar e desconfiar
da história de sexo forte e sexo
frágil
- O homem sempre fala que não
tem doença;
- Descoberta tardia da doença.
- Teve que parar de trabalhar;
- Tomar remédios;
- Fazer Fisioterapia;
- Fazer exames preventivos.
TERCEIRO
BLOCO: A SAÚDE
BATE A SUA
PORTA
- Os homens achavam que quem
entende de saúde em casa é a
patroa;
- Medo de médico passa.
- O pescador pra médico é
teimoso;
- Médico só na hora que a coisa
aperta;
- A maioria dos homens rejeita o
consultório médico,
principalmente na hora de fazer os
exames preventivos;
- Não voltou pra fazer o
tratamento, o medo foi maior.
- Procurar o médico;
- Fazer exames mensais.
QUARTO BLOCO:
TESTE DA
FERTILIDADE
MASCULINA
- Em último caso o homem era
diagnosticado;
- O teste faz com que o casal
divida a responsabilidade da
fertilidade e da dificuldade de
engravidar.
Os homens são mais relapsos
quando precisa procurar um
médico
QUINTO BLOCO:
EXAME DE
PRÓSTATA AINDA
É TABU
SEXTO BLOCO:
PÂNICO ATINGE
HOMENS E
MULHERES
SÉTIMO BLOCO:
ALERTA CONTRA
A SÍFILIS
---
---
---
- Exame de próstata ainda é um
tabu;
- Existem homens que preferem
morrer a fazer o exame de
próstata.
Os homens costumam fugir do
tratamento
- As pessoas escondem que têm
doenças sexualmente
transmissíveis;
- Falta de tempo;
- Atendimento demorado nos
postos de saúde.
TIPOS DE CUIDADO
---
- Planejar a vida conjugal;
- Reposição hormonal na
andropausa.
- Participação em palestras;
- Procurar ajuda;
- Fazer terapia de grupo.
---
ASSISTÊNCIA
EXPLICAÇÕES
---
---
- A médica procura o doente;
- Consulta na rua.
---
- Avanço tecnológico, teste realizado em
casa;
- Facilitar o acesso a testes de fertilidade
masculina.
---
- Um grupo de homens aprende a cuidar da
saúde deles e das mulheres;
- Nenhuma dúvida fica sem resposta;
- Promover mudanças;
- Aprender a quebrar tabus;
- Controle hormonal.
PARA O NÃO CUIDADO:
- Ranço de preconceito da cultura latina;
- Machismo arraigado na sociedade;
- Amedrontam-se;
- Preconceitos.
- Só os especialistas podem indicar os
medicamentos e terapias para a cura;
- Mudança de interpretação dos fatos.
DA DOENÇA: medo descontrolado, tudo
assusta, atinge homens e mulheres; fobia
social aparece mais em homens.
PARA O NÃO CUIDADO:
- O homem foge da fragilidade porque
socialmente ele tem que mostrar o poder da
força.
---
DA DOENÇA: bactéria transmitida durante o
ato sexual, que pode provocar câncer do colo
do útero;
PARA O NÃO CUIDADO:
- É uma questão de cultura; Homem não faz
preventivo; Machismo; Não são educados
para cuidar da saúde; Aprendem
culturalmente que ser homem é ser forte;
Procurar os serviços pode demonstrar
fragilidade; A masculinidade fica
comprometida.
37
No segundo bloco, o qual alerta que os Homens também sofrem com osteoporose,
identificamos um discurso que aponta para a desnaturalização2 de sexo forte e sexo frágil, o qual
alerta para o fato de que, seja homem ou mulher, é preciso se cuidar. Em relação ao não cuidado
com a saúde, foi expresso que o homem sempre fala que não tem doença e, como conseqüência
disso, há uma descoberta tardia da doença. Quando isso acontece, gera limitações, dentre elas: a
necessidade de parar de trabalhar, ter que tomar remédios e, em alguns casos, fazer fisioterapia.
Indica-se que o ideal é fazer exames preventivos rotineiramente.
O terceiro bloco, chamado A saúde bate a sua porta, apresenta discursos relacionados aos
processos de desnaturalização dos cuidados com a saúde em homens, os quais foram caracterizados
pelas falas: os homens achavam que “quem entende de saúde em casa é a patroa” e “medo de
médico passa”. No que se refere aos comportamentos de não cuidado, identificamos nesse bloco
que “o pescador é teimoso para ir ao médico”, por isso “médico só na hora que a coisa aperta”.
Nesse sentido, a maioria dos homens rejeita o consultório médico, principalmente na hora de fazer
os exames preventivos. Às vezes eles não dão continuidade ao tratamento por causa do medo que é
maior. Dentre os tipos de cuidados mencionados nesse bloco, encontram-se a procura por um
médico e a necessidade de se fazer exames mensais. As características da assistência médica
apontadas foram a de que a própria médica é quem procura a pessoa que está doente, além de que,
em algumas ocasiões, os atendimentos são realizados na rua.
No quarto bloco, que fala sobre o Teste da fertilidade masculina, afirma-se que o homem só
é diagnosticado em último caso. Como uma forma de desnaturalizar essa prática, o novo teste de
fertilidade masculina apresentado nesse bloco faz com que o casal divida a responsabilidade da
fertilidade e da dificuldade de engravidar. Em relação ao não cuidado com a saúde, aparece o
discurso de que os homens são mais relapsos quando precisam procurar um médico. No que
concerne à assistência, destacam-se o avanço tecnológico, o qual possibilitou que o teste de
fertilidade masculina seja realizado em casa, facilitando, assim, o acesso a estes.
O quinto bloco alerta para o fato de que Exame de próstata ainda é tabu. Além desse não
cuidado com a saúde apontado no título, ressalta-se que existem homens que preferem morrer a
fazer o exame de próstata. Os tipos de cuidado com a saúde identificados nesse bloco foram: o
planejamento da vida conjugal e a reposição hormonal na andropausa. Em relação aos tipos de
assistência, apresenta-se um grupo de homens que se reúne num posto de saúde para aprender a
cuidar da saúde deles e das mulheres, no qual nenhuma dúvida fica sem resposta. O objetivo desse
grupo é promover mudanças. Desse modo, esses homens aprendem a quebrar tabus. Além disso,
ressalta-se um tipo de assistência que é o controle hormonal realizado pelos médicos. Dentre as
2
De acordo com Spink e Spink (2006), o processo de naturalização ocorre quando se trata algo como normal, dado e
que faz parte do dia-a-dia. Com isso, a desnaturalização é caracterizada pela identificação e contestação do que foi
naturalizado.
38
explicações apontadas para o não cuidado com a saúde, encontram-se o ranço de preconceito da
cultura latina e o machismo arraigado na sociedade. Desse modo, os homens se sentem
amedrontados, além de apresentarem muitos preconceitos.
No sexto bloco, explica-se que o Pânico atinge homens e mulheres. Uma característica do
não cuidado com a saúde é que os homens costumam fugir do tratamento. Em contrapartida, os
tipos de cuidados mencionados nesse bloco foram a participação em palestras, procurar ajuda e
fazer terapia de grupo. No que se refere à assistência, enfatizam que só os especialistas podem
indicar os medicamentos e terapias para a cura, os quais buscam promover uma mudança na
interpretação dos fatos. Em relação às explicações sobre a doença, falam que a Síndrome do Pânico
é caracterizada por um medo descontrolado, na qual tudo assusta. Essa doença atinge tanto os
homens quanto as mulheres, porém nos homens é a fobia social que mais aparece. A explicação que
é dada ao não cuidado é a de que os homens fogem da fragilidade porque socialmente têm que
mostrar o poder da força.
O sétimo bloco faz um Alerta contra a sífilis, visto que as pessoas escondem que têm
doenças sexualmente transmissíveis. Além disso, os homens justificam o seu não cuidado com a
saúde dizendo que não tem tempo para esperar pelos atendimentos demorados nos postos de saúde.
A explicação que é dada sobre a Sífilis é que ela é uma bactéria transmitida durante o ato sexual, a
qual pode provocar câncer do colo do útero. No que se refere às explicações dadas para o não
cuidado com a saúde, insistem na associação com a questão cultural, alegando que os homens não
estão acostumados a fazer exames preventivos. Nesse sentido, o não cuidado ocorre devido ao
machismo, ao fato de que os homens não são educados para cuidar da saúde, como também está
relacionado às exigências culturais de serem fortes. Como conseqüência disso, procurar os serviços
de saúde significaria demonstrar fragilidade, o que resultaria no comprometimento de sua
masculinidade.
Comparando os interlocutores
A principal característica apontada pelos interlocutores em relação aos cuidados com a saúde
refere-se à busca precoce pela assistência médica. Identificamos essa prática tanto na fala de Carlos,
quanto na de Francisco, sendo essa procura incentivada também pela médica reumatologista e pela
mídia (reportagem do Globo Repórter). Contudo, observamos uma postura passiva em relação aos
cuidados com a saúde, identificada nas falas expressas por Carlos, Francisco e pela médica, a qual
enfatiza a não criticidade dos homens no que se refere aos tratamentos instituídos pelos médicos.
Essa postura crítica foi desenvolvida nos colaboradores após os tratamentos e medicações
incorretos, aos quais se submeteram com o advindo da doença e o conseqüente prejuízo desses erros
à saúde deles.
39
Em relação ao conceito de cuidados com a saúde, Carlos e Francisco se aproximam bastante
ao definir os cuidados como um “controle de si”, o qual envolve o controle da alimentação, da
atividade física e do remédio. Além disso, ambos afirmam que respeitam os limites impostos pela
doença, o que se estende para as dificuldades e limitações no trabalho. Esse último aspecto está
também presente no discurso da mídia. A definição de cuidados com a saúde expressa pela médica
difere da definição dos dois colaboradores, mas se assemelha ao discurso da mídia, pois ela
considera a saúde como uma conquista do equilíbrio biopsicossocial, associada às práticas de
prevenção de doenças e promoção de saúde.
As práticas do não cuidado com a saúde por parte dos homens só são encontradas nas falas
da médica e da mídia. Essas duas interlocutoras citam todos os comportamentos característicos
desse não cuidado, dentre eles a procura tardia pela assistência médica e a dependência de outros
(esposa, mãe, amigos). Além disso, a mídia lista uma série de explicações para esse não cuidado
com a saúde por parte dos homens, as quais estão vinculadas a fatores sócio-culturais e da educação
destes, que não são criados para se cuidar, muito menos para se sentirem fragilizados.
Outro discurso interessante ressaltado pela mídia é a desnaturalização dessas explicações,
que classificam os sexos em forte e frágil, além de associarem os cuidados com a saúde a práticas
femininas. Durante toda a reportagem estão presentes contestações desses posicionamentos
tradicionalmente cristalizados e naturalizados.
Por fim, identificamos os tipos de cuidado presentes nas falas dos interlocutores. Sobre isso,
a mídia destaca algumas estratégias interessantes para promover os cuidados com a saúde tanto dos
homens quanto das mulheres, sendo elas: a participação em palestras e em grupos educativos; como
também criação de programas de saúde que se aproximem mais da comunidade, como o Programa
Médico da Família, podendo atender mais efetivamente as necessidades de saúde da população.
Outro tipo de cuidado enfatizado por Carlos, Francisco e pela médica foi a participação no
grupo de apoio psicossocial. Carlos fala que sua participação no grupo lhe proporciona crescimento
e aprendizado para o enfrentamento da doença. Além disso, ele fala sobre a importância da
participação da médica no grupo, pois ele se sente apoiado por ela. Esse último aspecto também é
expresso por Francisco, que, além disso, diz que o grupo lhe proporciona aprendizado e conforto.
Sobre os benefícios do grupo, a médica expressa que há uma diminuição e/ou extinção do
tratamento medicamentoso, as pessoas entram em remissão, ou seja, não apresentam sintomas,
seguem o tratamento e não negligenciam suas queixas. Esses benefícios foram observados por ela
tanto no Carlos quanto no Francisco, que iniciaram a participação precocemente no grupo e
seguiram o tratamento medicamentoso.
40
Diálogo entre os interlocutores e a Literatura desse campo de estudo
O primeiro aspecto a ser abordado nesse diálogo são as limitações impostas pela doença,
ressaltadas por Carlos, por Francisco, pela mídia, como também pela literatura desse campo de
estudo, ao dizer que a Artrite Reumatóide é caracterizada por graus variados de dificuldades na
execução das atividades de vida diária, do trabalho e do lazer (CARVALHO; NOORDHOEK;
SILVA, 2006). O foco maior é dado às limitações para o trabalho, as quais foram expressas pelos
dois homens colaboradores da pesquisa.
Sobre esse último aspecto, a literatura desse campo de estudo traz que a falta de trabalho, ou
sua limitação, encontra-se relacionada à impossibilidade de prover materialmente a família. Além
do fato de que homens com baixa escolaridade preocupam-se mais com o trabalho para o sustento
da casa e da família do que com questões relativas aos cuidados com a saúde. Desse modo,
naturalizam os papéis atribuídos a eles historicamente (SCHRAIBER; GOMES; COUTO, 2005;
GOMES; NASCIMENTO; ARAÚJO, 2007). A preocupação com o sustento da família é um dos
aspectos apontados por Francisco.
Outra característica da Artrite Reumatóide que gostaríamos de apontar é em relação ao
diagnóstico, o qual é obtido pela associação de uma série de sintomas e sinais clínicos, achados
laboratoriais e radiográficos; o que dificulta o diagnóstico precoce e protela o início do tratamento
(LAURINDO et al., 2002). Levando-se em consideração o contexto da Saúde Pública, ressaltamos
as dificuldades que as pessoas que buscam os serviços de saúde encontram para serem atendidas,
diagnosticadas e receberem um tratamento adequado. O que foi identificado nas falas dos dois
homens colaboradores da pesquisa.
Em relação à epidemiologia e incidência da Artrite Reumatóide, encontramos que as
mulheres são afetadas duas a três vezes mais do que os homens e sua incidência tende a aumentar
após a idade de 50 anos. Observa-se também uma relevante diminuição da proporção
mulheres/homens ao longo do tempo (SEDA, 1982; MC CARTY, 1989; LEITÃO, 1999;
LAURINDO et al., 2002; CICONELLI, 2004). Sobre esse aspecto, refletimos que, por essa doença
ter uma maior incidência na população feminina, esse fato provavelmente colabora para a
dificuldade do diagnóstico nos homens. Assim como aponta a mídia em relação à naturalização do
infarto como “doença de homem” e da osteoporose como “doença de mulher”.
Para falar sobre a questão dos cuidados com a saúde, retomamos as discussões sobre as
mudanças ocorridas na sociedade, bem como sobre as características da Modernidade Tardia, sendo
elas: a ruptura com a tradição e a individualização. Em relação a essa última, a literatura desse
campo de estudo aponta que os problemas relacionados ao sistema perderam sua dimensão política
e se transformaram em fracassos pessoais, inclusive no que se refere à saúde. Além disso, os
indivíduos se tornaram agentes de sua subsistência, sendo responsáveis pelo seu planejamento e
41
organização, o que também envolve os cuidados com a saúde, caracterizados pelos cuidados de si
(SPINK, 2000).
Além das mudanças na sociedade, configuram-se também as mudanças nos paradigmas que
orientam as práticas de Saúde Pública. Nesse percurso, a saúde passou da mera ausência de doença,
para a noção de bem-estar físico e mental e ultimamente está relacionada à produção social de
saúde. Também as práticas sanitárias foram mudando ao longo do tempo, passando da curativista,
para o higienismo e em seguida para a vigilância, prevenção de doenças e promoção da saúde
(SANTOS; WESTPHAL, 1999).
Quando a saúde começou a ficar onerosa para o Estado, instituiu-se o modelo preventivo e
de promoção da saúde, caracterizado pela transformação da biopolítica em bioeconomia. Neste
novo modelo, o Estado preocupa-se mais com os custos gerados pelas doenças, os dias perdidos de
trabalho e o aumento das contribuições previdenciárias do que com as conseqüências da falta de
saúde da população (SPINK; MATTA, 2007). Isso nos leva a refletir que esse atual paradigma
beneficia ambas as partes – tanto ao Estado, quanto aos cidadãos – apesar dos diferentes interesses
que estão em jogo.
Nesse atual modelo de saúde, os indivíduos assumem os cuidados com sua saúde, tendo que
procurar a assistência médica e buscar ajuda. Contudo, o que pudemos identificar é que os cuidados
de si não são suficientes para atingir esse objetivo, visto que os serviços de saúde também precisam
cumprir com sua parte e se capacitar para atender melhor e com mais qualidade a população. Esse
aspecto foi observado nas falas expressas tanto por Carlos, quanto por Francisco, ao buscarem mais
de um médico/hospital para se tratarem e, mesmo assim, tiveram dificuldades em receber um
tratamento eficiente.
Em contrapartida, novos modelos de atenção à saúde estão surgindo, sendo alguns deles
discutidos por todos os interlocutores, inclusive pela literatura desse campo de estudo. Carlos,
Francisco e a médica apontam para os benefícios da participação em um grupo de apoio
psicossocial. A mídia apresenta as experiências de grupo, a participação em palestras, um programa
em que os profissionais de saúde se aproximam mais das pessoas da comunidade, fazendo visitas
domiciliares; além dos avanços tecnológicos que facilitam o acesso a produtos e serviços, como é o
caso do teste de fertilidade masculina. Por fim, a literatura desse campo de estudo propõe a
Estratégia Saúde da Família e as atividades desenvolvidas por alguns centros de saúde, dentre elas:
grupos educativos e de discussões, oficinas, discussões na sala de espera, como também atividades
“extra-unidades”, desenvolvidas na comunidade (SANTOS; WESTPHAL, 1999; FIGUEIREDO,
2005).
No que se refere mais especificamente aos homens, as discussões da literatura desse campo
de estudo nos levam a refletir que eles estão inseridos num mundo que lhes faz uma exigência
42
contraditória: eles têm que ser fortes e provedores da família e, em contrapartida, devem cuidar de
si, buscando ajuda quando necessário. E, embora essa ação seja um tipo de cuidado, ao mesmo
tempo poderia ser entendida como uma demonstração de fraqueza.
Sobre essa contradição, muitos autores discutem o modelo tradicional de masculinidade –
masculinidade hegemônica –, que tem sido ultimamente repensado e modernizado devido às
conseqüências danosas que ele tem gerado à saúde dos homens. Por esse motivo, tem havido
mudanças na identidade masculina entendida como uma construção sócio-cultural, visando-se um
exercício saudável da masculinidade, ou seja, desenvolveram-se novas formas de ser homem: as
masculinidades
múltiplas.
Nesse sentido, busca-se desconstruir
aspectos
negativos
da
masculinidade e reconstruir ou enfatizar seus aspectos positivos (BADINTER, 1993; MEDRADO
et al., 2000; KORIN, 2001; BRAZ, 2005; GIFFIN, 2005; AQUINO, 2005; LAURENTI; JORGE;
GOTLIEB, 2005; VILLELA, 2005; SCHRAIBER; GOMES; COUTO, 2005; KNAUTH;
MACHADO, 2005; FIGUEIREDO, 2005; PASCHOALICK; LACERDA; CENTA, 2006). Essas
discussões sobre a masculinidade tradicional e seus malefícios para a saúde do homem também
estão expressas na fala da médica e da mídia.
Outro aspecto interessante apontado pela literatura desse campo de estudo (SCHRAIBER;
GOMES; COUTO, 2005) e ressaltado pela médica e pela mídia é o de que os homens casados
dependem de suas esposas em relação aos cuidados com a saúde. Francisco conta que tem o apoio
da esposa, porém não demonstra ser dependente dela, pelo contrário, enfatiza sua satisfação de
resolver seus “compromissos de saúde” sozinho: indo ao médico, marcando uma consulta, fazendo
exames etc.
Um dos autores presentes na literatura desse campo de estudo que se opõe a todos os outros
no que se refere aos cuidados com a saúde dos homens é Carrara (2005), ao considerar que,
atualmente, homens de diferentes camadas sociais estão tendo um tipo de atitude/cuidado com seus
corpos que antes era considerado mais apropriado às mulheres. Com isso, ele diz que a população
masculina está mais atenta ao próprio corpo, além de estar consumindo mais os serviços
profissionais e produtos. Essa postura pode ser observada tanto em Carlos como em Francisco, que
mesmo antes do surgimento da doença afirmam que cuidavam da saúde.
Em relação às dificuldades dos serviços de saúde, apontadas pela literatura desse campo de
estudo, destaca-se o horário de funcionamento dos postos de saúde e ambulatórios, os quais só
funcionam até as dezessete horas. Com isso, restam aos homens os serviços de emergência e
urgência, por funcionarem vinte e quatro horas (BRAZ, 2005; FIGUEIREDO, 2005; GOMES;
NASCIMENTO; ARAÚJO, 2007). Essa questão também é levantada pela mídia como uma das
desculpas dadas pelos homens para o não cuidado: eles não têm tempo para freqüentar os serviços
de saúde.
43
Além disso, chama-nos a atenção o fato da inexistência, nas políticas públicas de assistência
à saúde no Brasil, de programas e unidades voltados à saúde do homem; como também que os
atuais modelos de serviços de saúde, segundo a literatura desse campo de estudo, não estão
preparados para atender as necessidades dos homens (LAURENTI; JORGE; GOTLIEB, 2005;
NASCIMENTO, 2005; FIGUEIREDO, 2005; PASCHOALICK; LACERDA; CENTA, 2006;
GOMES; NASCIMENTO; ARAÚJO, 2007).
No que se refere às estratégias de melhoria da assistência de saúde discutidas na literatura
desse campo de estudo, aponta-se para a necessidade de se propor novas formas de atuação
compatíveis com os princípios do Sistema Único de Saúde. Para isso, essa assistência terá que ser
reorientada, investindo-se mais nos serviços básicos de saúde, além de ter que capacitar os
profissionais que atuam nesses serviços. Nesse sentido, precisa-se adequar os serviços às
necessidades dos homens e das mulheres, sem, contudo, gerar uma segmentação de espaços e de
especialidades. Sugere-se, desse modo, uma abordagem centrada no caráter relacional entre os
gêneros para promover os cuidados com a saúde (KORIN, 2001; BRAZ, 2005; AQUINO, 2005;
KNAUTH; MACHADO, 2005; SPINK; MATTA, 2007). Ou seja, faz-se necessário levar em
consideração a complexa teia de relações que envolvem as três dimensões do cuidado, relacionadas
entre si, sendo elas: os homens, os serviços e os vínculos que são estabelecidos entre eles
(FIGUEIREDO, 2005).
Por fim, ressaltamos que muitos são os autores que enfatizam a falta de pesquisas em relação
à saúde do homem. Contudo, esse tema está sendo alvo dos interesses atuais de alguns estudiosos,
principalmente no que se refere à identificação das conseqüências do comportamento masculino
tradicional, como também à investigação do empenho masculino voltado ao estilo de vida saudável
e à promoção de saúde. A fim de ampliar essa discussão é importante dar voz aos próprios homens
para melhor compreender as questões envolvidas no seu acesso aos serviços de saúde. Além disso,
leva-se em consideração que o desenvolvimento de pesquisas sobre a saúde do homem contribui
não só para a saúde deste, como também para a saúde de seus pares (BRAZ, 2005; GIFFIN, 2005;
AQUINO,
2005;
KNAUTH;
MACHADO,
2005;
GOMES;
NASCIMENTO,
2006;
PASCHOALICK; LACERDA; CENTA, 2006; GOMES; NASCIMENTO; ARAÚJO, 2007).
5 – Conclusão
A partir dos pressupostos construcionistas e do referencial teórico e metodológico das
Práticas Discursivas e Produção de Sentidos, pudemos compreender os sentidos dos cuidados com a
saúde de homens com Artrite Reumatóide, os tipos de cuidado praticados por estes, como também a
influência da rede social de apoio para o enfrentamento da doença e a manutenção do tratamento.
Para isso, dialogamos nessa pesquisa com dois homens com diagnóstico de Artrite Reumatóide,
44
nomeados Carlos e Francisco, com a médica reumatologista que os acompanha clinicamente, com a
reportagem do Globo Repórter sobre a Saúde do Homem e da Mulher, exibida em 29 de junho de
2007, e com a literatura desse campo de estudo.
Após a análise das falas expressas pelos interlocutores, bem como do diálogo estabelecido
entre eles, identificamos um movimento de ruptura nas formas de compreender os cuidados com a
saúde dos homens, caracterizadas pela passagem do modelo hegemônico de masculinidade para a
noção de masculinidades múltiplas, as quais rompem com as exigências sociais impostas a estes,
que são responsáveis pelo afastamento dos homens dos serviços de saúde. Ou seja, observamos uma
ressignificação dos sentidos de ser homem e dos cuidados praticados por este.
Esse processo é evidenciado tanto pelo discurso da mídia como pelo da literatura desse
campo da saúde, em que há uma tentativa de desnaturalização da concepção de que os cuidados
com a saúde estão associados a práticas femininas. Desse modo, a mídia dá visibilidade a esses
contrastes e demonstra outras possibilidades para se cuidar da saúde; além de provocar um debate
sobre essas questões nas relações cotidianas.
Além disso, esse estudo objetivou dar visibilidade às estratégias de enfrentamento da
doença que foram identificadas nas falas dos homens com Artrite Reumatóide e da médica
reumatologista, sendo elas: uma boa relação entre o médico e a pessoa atendida e a rede social de
apoio. Nessa perspectiva, a boa relação estabelecida entre a médica reumatologista e os dois
homens colaboradores dessa pesquisa, além da participação destes no grupo de apoio psicossocial,
foram fatores cruciais para o excelente processo de recuperação da saúde deles.
No que se refere aos cuidados com a saúde praticados por Carlos e Francisco, pudemos
refletir que os cuidados de si não são suficientes para a recuperação da saúde, haja vista eles terem
procurado vários médicos e hospitais que não diagnosticaram a doença e acabaram indicando
tratamentos incorretos. Desse modo, ressaltamos a necessidade da qualidade na assistência à saúde,
a qual precisa se instrumentalizar para lidar melhor com a demanda de saúde da população. Com
isso, propomos um modelo de cuidado compartilhado, que leve em consideração todas as partes
dessa teia de relações: a população, os serviços de saúde e os vínculos formados entre estes. Nessa
perspectiva, os homens poderão desenvolver uma autonomia em relação aos cuidados com a sua
saúde e, para isso, terão o suporte dos serviços.
Nesse sentido, faz-se urgente a criação de programas e estratégias de assistência integral à
saúde do homem, os quais precisam estar de acordo com as características locais, históricas e
culturais de cada contexto, como também as condições disponíveis e a equipe profissional que se
tem para a realização dessas propostas.
A esse respeito, o novo ministro de estado da saúde, José Gomes Temporão, que foi
empossado no dia 19 de março de 2007, apresentou no seu discurso de posse um conjunto de
45
propostas, que inclui a Política Nacional de Saúde do Homem. Dentre suas prioridades, o ministro
destacou o fortalecimento dos serviços de atenção básica de saúde, a instituição da Política
Nacional de Atenção à Saúde do Homem – para combater câncer de próstata, alcoolismo, tabagismo
e obesidade –, como também o fortalecimento da política de humanização, objetivando melhorar a
qualidade do atendimento prestado pelo SUS (SIMÕES, 2007).
Nesse cenário de busca pela melhoria das condições de saúde dos homens, destacamos uma
das possíveis estratégias de prevenção de doenças e promoção de saúde que podem ser utilizados
nos centros de assistência: o trabalho com grupo. Essa atividade é uma das propostas da atual
política pública de saúde, que promove a troca de experiências e o apoio mútuo entre seus
participantes, além de ser um espaço de troca e de diálogo, no qual a informação circula e
possibilita produzir novos sentidos para o enfrentamento de situações da doença e da vida. Essa
estratégia pode ser utilizada em qualquer nível de atenção à saúde, como também pode envolver
profissionais das mais variadas áreas, a depender os objetivos e da demanda de cada grupo.
Gostaríamos de ressaltar também algumas considerações sobre o processo do
desenvolvimento da pesquisa. Nossa perspectiva é a de que a pesquisa caracteriza-se como uma
prática social, na qual estão presentes processos dialógicos e de co-construção de sentidos na
relação entre pesquisador e colaboradores. Partindo desse princípio, nos deparamos com uma fala
de Carlos que fundamenta a prática de intervenção que acontecem nos momentos de entrevista.
Sobre isso, ele diz que “essas entrevistas ajudam bastante a nós, principalmente pra mim, porque na
entrevista aí vai começando a resgatar idéias, explicações que você já tinha até esquecido”. Esse é
um bom argumento para refutar as noções de neutralidade e objetividade do entrevistador presentes
nos modelos positivistas de pesquisa.
Por fim, esse trabalho, além de contribuir para o debate sobre os cuidados com a saúde dos
homens, que ainda é muito recente, visa gerar novas pesquisas e propostas de atuação no campo da
saúde, levando-se em consideração as diversas dimensões que fazem parte desse contexto. Assim,
promovemos a produção de novos sentidos sobre esse tema, por meio dos processos de
(des)(re)(co)construção – desconstrução, reconstrução e co-construção – dos discursos que circulam
no cotidiano.
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49
7 – Resumo (máximo 500 palavras)
Tivemos como objetivo compreender os sentidos produzidos em relação aos cuidados com a saúde
de homens com Artrite Reumatóide (AR) e considerar a influência da rede social de apoio e sua
importância para o enfrentamento da doença e a manutenção do tratamento. Essa pesquisa
qualitativa foi embasada no construcionismo social e no referencial teórico-metodológico das
Práticas Discursivas e Produção de Sentidos. Nossos interlocutores foram: dois homens com AR,
participantes de um grupo de apoio de um Hospital Universitário; a médica reumatologista; e uma
reportagem do Globo Repórter sobre a Saúde do Homem e da Mulher. Realizamos três entrevistas
episódicas e analisamos os discursos midiáticos. Pressupomos que haveria uma negligência dos
cuidados com a saúde por parte dos homens colaboradores da pesquisa, porém compreendemos que
os cuidados consistiram em seguir as orientações médicas e no controle de si, como também que a
participação no grupo de apoio favoreceu a manutenção do tratamento. O maior problema apontado
pelos colaboradores foi a dificuldade para os médicos e hospitais diagnosticarem a doença e
indicarem o tratamento correto. No discurso midiático, identificamos processos de desnaturalização
da masculinidade hegemônica, a partir de argumentos contra-hegemônicos, que apresentaram
alternativas de ação. Ressaltamos a importância da qualidade na assistência à saúde, que tem
priorizado a quantidade em detrimento da qualidade, e propomos um modelo de cuidado
compartilhado, que considere todas as partes que estão envolvidas nessa relação: a população, os
serviços de saúde e os vínculos estabelecidos entre estes. Refletimos que a relação médico-paciente
influencia os cuidados com a saúde dos homens, bem como a participação numa rede social de
apoio, tornando-se estratégias importantes para nortearem as políticas públicas de saúde.
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DIÁLOGOS E PRODUÇÃO DE SENTIDOS SOBRE OS CUIDADOS