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INTERAÇÕES ENTRE AS ATIVIDADES PESQUEIRAS E OS
CETÁCEOS NA REGIÃO ENTRE CONDE/BA E PIAÇABUÇU/AL
Victor Roncaglione Sousa
Discente do Curso de Medicina Veterinária, Faculdade Pio Décimo,
[email protected]
Juliana Plácido Guimarães
Doutora em Ciências, Fundação Mamíferos Aquáticos, Integrante do Núcleo de Estudos dos Efeitos
Antropogênicos nos Recursos Marinhos - NEARM
[email protected]
Jociery Einhardt Vergara-Parente
Doutora em Ciências Veterinárias, Fundação Mamíferos Aquáticos, Líder do Núcleo de Estudos dos
Efeitos Antropogênicos nos Recursos Marinhos - NEARM
[email protected]
Eixo temático 2: Atores, territórios e territorialidades da pesca no Brasil
Resumo
A captura acidental em redes de pesca é considerada a interação antrópica mais
relacionada à mortalidade de cetáceos. No presente estudo foram avaliados os encalhes
ocorridos entre norte da Bahia e Sul de Alagoas no período de março de 2010 a
novembro de 2011 relacionando-os com as interações em artefatos de pesca. Para tanto
foi utilizado o banco de dados da Fundação Mamíferos Aquáticos, e entrevistas semiestruturadas com pescadores locais. Evidenciou-se neste trabalho a captura intencional e
acidental da espécie Sotalia guianensis na área de estudo. Desta forma observa-se uma
necessidade urgente de se aprofundar estudos sobre este aspecto para garantir a
conservação dos cetáceos nesta região.
Palavras-Chave: mamíferos marinhos, odontocetos, artefatos de pesca.
Introdução
A atividade pesqueira caracteriza-se por apresentar, uma evolução progressiva,
de acordo com a necessidade de obtenção de proteína animal de alta qualidade em
função do aumento populacional. Nos últimos anos, a pesca apresentou verdadeiros
saltos tecnológicos, deixando de ser uma atividade extrativista para sobrevivência, para
se transformar em uma técnica que envolve do mais simples artefato aos mais
sofisticados métodos (GAMBA, 1994, p.94).
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No que se refere às atividades pesqueiras, segundo o Programa de Educação
Ambiental com Comunidades Costeiras da Unidade Operacional Sergipe Alagoas da
Petrobras PEAC/UO-SEAL/PETROBRAS denominado Projeto de Monitoramento
Participativo do Desembarque Pesqueiro – PMPDP, existem pelo menos 91
comunidades atuando na pesca na área situada entre os municípios de Conde/BA e
Brejo Grande/SE (PETROBRAS, 2010, p.167).
Nesta área predominam a pesca amadora que visa o turismo, lazer ou desporto, e
o produto da atividade não pode ser comercializado ou indstrializado; pesca de
subsistência que tem como principal objetivo a obtenção de alimento, não tendo
finalidade comercial, sendo praticada com técnicas rudimentares; e a pesca artesanal
que inclui tanto as capturas com o objetivo comercial associado à obtenção de alimento
para as famílias dos praticantes, como para a comercialização do produto e os principais
artefatos utilizados na pesca de subsistências e artesanal são as redes de emalhar,
arrastão de praia, tarrafa, linha de mão e pequenas redes de arrasto manual
(PETROBRAS, 2010, p.167).
A ação antrópica é hoje um dos principais fatores motivadores de discussões no
que diz respeito ao encalhe de mamíferos aquáticos, seja por atividades de pesca,
colisão com embarcações, derramamento de óleo, lixo urbano e industrial, poluição do
meio aquático ou ruídos intensos provocados por algumas embarcações (GERACI;
LOUNSBURY, 1993, p.126).
As interações entre cetáceos (baleias, botos e golfinhos) e atividades pesqueiras
podem ser verificadas em todas as regiões onde ambos estão presentes (DI BENEDITO;
SICILIANO; RAMOS, 2010, p.41).
Estima-se que aproximadamente 100.000
espécimes de cetáceos, especialmente golfinhos de pequeno porte, se prendam
acidentalmente em artefatos pesqueiros em todo mundo, sendo que grande parte dos
enredamentos resulta em morte dos animais (IWC, 1994, p.43). No Brasil, a captura
acidental é considerada dentre as interações antrópicas a mais comumente associada à
mortalidade dos golfinhos (DI BENEDITTO, 2004, p.34).
Dentro desse contexto, esse estudo tem como objetivo realizar um levantamento
das atividades pesqueiras e dos encalhes de cetáceos ocorridos entre os municípios de
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Conde/BA e Piaçabuçu/AL no período de março de 2010 a novembro de 2011, a fim de
verificar a existência de relação entre estes.
Material e Métodos
Área de Estudo
O presente estudo foi desenvolvido na área das praias situadas entre o município
de Conde, na Bahia e Pontal do Peba, em Alagoas. Esta área possui aproximadamente
275 km de extensão (Figura 1), sendo nesta faixa territorial desenvolvido o Programa
Regional de Monitoramento de Encalhes e Anormalidades na Área de Abrangência da
Bacia Sergipe-Alagoas - PRMEA, criado pela Petrobras, em atendimento às exigências
instituídas pelo IBAMA estabelecidas pela Coordenação Geral de Petróleo e Gás
(CGPEG) para o licenciamento ambiental de atividades de exploração e produção de
petróleo e gás e executado pela Fundação Mamíferos Aquáticos (FMA).
Figura 1 - Área de atuação do Programa Regional de Monitoramento de Encalhes e
Anormalidades na Área de Abrangência da Bacia Sergipe-Alagoas - PRMEA.
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A área de estudo compreende dez municípios, sendo dois no extremo norte da
Bahia: Conde e Jandaíra, sete ao longo do litoral Sergipano: Estância, Itaporanga
d’Ajuda, Aracaju, Barra dos Coqueiros, Pirambu, Pacatuba e Brejo Grande e um no
extremo Sul do litoral de Alagoas: Piaçabuçu. Destes, quatro municípios foram
escolhidos de forma aleatória e por disponibilidade de deslocamento, sendo eles:
Aracaju, Pirambu, Barra dos Coqueiros e Piaçabuçu, com os dois primeiros
considerados os principais portos de pesca da área de estudo.
A zona costeira do estado de Sergipe possui uma linha de costa com 163 km de
extensão estando compreendida entre os rios São Francisco, ao norte e Piauí/Real, ao
sul e apresenta diversidades de aspectos físicos, biológicos e socioeconômicos
(CARVALLHO; FONTES, 2006, p.13). Nessa área, a plataforma continental interna
apresenta grandes variações de largura devido à presença dos canyons do São Francisco,
Sapucaia, Japaratuba, Vaza Barris e Real (COUTINHO, 1995), que são formados
principalmente pelo rebaixamento do nível do mar e pela presença de correntes fluviais
de reconhecida competência e capacidade (VAN BERCKEL, 1976, p.10).
Metodologia
Para se obter uma relação entre os cetáceos encalhados na área de estudo e as
atividades pesqueiras, utilizou-se dois instrumentos:
Entrevistas com Pescadores:
Foram utilizadas entrevistas semi-estruturadas no período de setembro a
dezembro de 2011 sendo os entrevistados selecionados por serem pescadores ativos e
possuir disponibilidade para participar da pesquisa de forma voluntária. Durante as
entrevistas foram abordados os seguintes aspectos: perfil do entrevistado (nome e
idade), modalidades de pesca, espécies-alvo, capturas de espécies não-alvo (em especial
os cetáceos), sazonalidades dos recursos e medidas da malha das redes
Banco de Dados de Encalhes: utilizaram-se os dados entre março de 2010 a
novembro de 2011 do Programa Regional de Monitoramento de Encalhes e
Anormalidades na Área de Abrangência da Bacia Sergipe-Alagoas - PRMEA, conforme
citado anteriormente, este é executado pela FMA por meio de monitoramentos diários
das praias, realizados a pé, de moto ou de triciclo por monitores devidamente
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capacitados, informações de encalhes oriundas por demanda também foram
consideradas, isto é, aquelas em que a comunidade local informa o registro. Todas as
informações sobre os animais encalhados tais como: número de registro, local da
ocorrência, espécie, classe etária, sexo, status (vivo ou morto), condição de conservação
da carcaça, presença de marcas, cicatrizes e ferimentos, foram obtidas a partir do
levantamento do banco de dados da FMA, que segue o Protocolo de Conduta para
Encalhes de Mamíferos Aquáticos (IBAMA, 2005, p.17).
Resultados e Discussão
No presente estudo observou-se que em Aracaju/SE e Pirambu/SE se realiza a
pesca estuarina e marítima, utilizando canoas e embarcações do tipo camaroeira e que
grande parte dos pescadores utiliza redes de espera conhecidas como “redes de caceia”,
sendo essas colocadas tanto no fundo como na superfície da água (caceia afundada e
caceia boiada, respectivamente) e redes de arrasto. Essas mesmas características da
pesca foram observadas pelo Projeto de Monitoramento Participativo do Desembarque
Pesqueiro – PMPDP, acima descrito, na área situada entre os municípios de Conde/BA
e Brejo Grande/SE (PETROBRAS, 2010, p.167).
Todos os pescadores entrevistados na área deste estudo afirmaram ter contato
frequente com mamíferos, aves e tartarugas marinhas, porém a maioria dos
entrevistados demonstraram receio em abordar assuntos relacionados aos cetáceos,
principalmente os botos. Segundo os pescadores locais, a captura de cetáceos em redes
de pesca é rara, e quando ocorre é acidental, no entanto quando questionados qual seria
o destino dado aos animais caso ocorresse um evento de captura acidental, a resposta
mais freqüente foi que descartariam o animal, tanto vivo quanto morto, para não serem
prejudicados por instituições de fiscalização como, por exemplo, o IBAMA (Instituto
Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis).
Segundo Zerbini et al. (1999, p.34) a captura acidental em atividades de pesca é
considerada atualmente o fator mais comumente associado à mortalidade de Sotalia
guianensis. Por meio dos dados dos encalhes de cetáceos obtidos pelo banco de dados
da FMA, pode-se observar que no período de março de 2010 a novembro de 2012, um
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total de 43 animais encalharam na área de estudo, porém somente 11 espécimes
apresentavam marcas sugestivas de interação com artefatos de pesca, sendo que 82%
desses animais eram da espécie Sotalia guianensis (boto-cinza) (Figura 2), o mesmo
encontrado por Hubner et al. (2007, p.1) em trabalho sobre interações negativas entre
Sotalia guianensis e atividades pesqueiras no litoral de Sergipe, sendo que dos 36
encalhes de boto-cinza registrados entre os anos de 2000 a 2007, 21 espécimes
apresentaram marcas sugestivas de enredamento.
Figura 2– Registros de marcas de redes de pesca encontradas em animais encalhados entre
março de 2010 e novembro de 2011 desde o litoral de Conde/BA a Piaçabuçu/AL. A- Observa-se marcas
retilíneas caudal a nadadeira peitoral esquerda. B e C - Nota-se marcas em forma de “X” espalhadas pelo
corpo do animal. D- Evidenciam-se marcas de rede no pedúnculo caudal do animal.
O número pequeno de animais com marcas sugestivas de interação com artefatos
de pesca em nosso trabalho (25,6%) pode ser devido ao avançado estado de
decomposição em que a maioria dos animais se encontrava, inviabilizando um exame
externo detalhado, bem como a determinação do sexo, comprimento e identificação da
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espécie de alguns exemplares, fato este também reportado por Medeiros (2006, p.24),
Santos et. al (2003, p.234) e Silva e Siqueira (2003, p.90).
Para este estudo foi verificado que o principal artefato de pesca relacionado com
o emalhe de boto-ciza é a rede de espera, popularmente conhecida como “caceia
boiada”, devido ao posicionamento destas redes na água (superfície) e por ser utilizada
tanto na pesca marítima em regiões próximas à costa, como na pesca estuarina, sendo
esses os locais utilizados pela espécie, fato este semelhante ao reportado por Di
Benedito e Rosas (2008, p. 215) para a costa do Rio de Janeiro e Paraná.
Embora a causa da morte mais freqüente do boto-cinza esteja relacionado com
capturas acidentais em redes de pesca, alguns autores relatam a existência de capturas
intencionais destes animais para a utilização do tecido adiposo como isca na pesca de
tubarão (SICILIANO,1994, p.656), o mesmo relatado pelos pescadores neste trabalho.
Por meio dos métodos utilizados neste trabalho foi possível relacionar os
aspectos da interação pesqueira e os encalhes de cetáceos, ficando evidente a captura
intencional e acidental dos golfinhos, em especial boto-cinza pelos pescadores da área
de estudo. Por esse motivo observa-se uma necessidade urgente de pesquisas sob este
aspecto para que se possa garantir a conservação dos cetáceos nesta região.
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