AS REPRESENTAÇÕES SOCIAIS DE SENHORAS SOBRE O PROGRAMA TOPA: UM ESTUDO DE CASO ATRAVÉS DAS NARRATIVAS ORAIS EM CAETITÉ/ BAHIA. Maria Cláudia Meira Santos Barros / UNEB-BA Maria Inês Meira Santos Brito / UESB/UNB - BA Josevânia Teixeira Guedes / Faculdade Pio Décimo-SE Kelly Araújo Valença Oliveira / Universidade Tiradentes-SE Lenalda Dias dos Santos / Faculdade Pio Décimo-SE RESUMO Muito se tem discutido sobre a importância das representações sociais como sistema de referência utilizado por nós, sujeitos históricos, na tentativa de se compreender e interpretar os acontecimentos cotidianos. Na EJA (Educação de Jovens e Adultos), as representações sociais, a simbologia, marcas da cotidianidade são aqui apresentadas como formas facilitadoras para a compreensão que esse grupo faz acerca da realidade social em que estão inseridos. Dessa forma, a pesquisa teve como objetivo analisar o significado da experiência escolar de senhoras devidamente matriculadas no Programa TOPA (Todos pela Alfabetização) no município de Caetité, Bahia no ano de 2009. A metodologia de cunho qualitativo se deu através de entrevista semiestruturada com 13 senhoras na faixa etária entre 50 a 75 anos, matriculadas nessa modalidade de ensino. O critério de escolha dos sujeitos da pesquisa se deu pela disponibilidade dos mesmos. A relevância desse estudo se dá mediante o contexto em que se percebe um intenso processo de envelhecimento populacional na sociedade brasileira, caracterizado por um número considerável de mulheres que chegam a terceira idade e que se declararam como de referência do domicílio, mesmo com a presença de um cônjuge (2,4% para 9,1%). Palavras Chaves: Representação social, Senhoras, EJA, Política Pública ABSTRACT Many themes have been discussed about the importance of social representations as the reference system used by us, historical persons, in an attempt to understand and interpret everyday events. In EJA (Youth and Adult Education), social representations, symbology, brands of everyday life are presented as ways to facilitate the understanding that this group is about social reality in which they live. Thus, the survey aimed to examine the significance of school ladies duly enrolled in the program TOPA (Literacy for All) in the municipality of Caetité, Bahia in 2009. A qualitative methodology was through semi-structured interviews with 13 ladies aged between 50 and 75 years old who were enrolled in this type of education. The theoretical position is guided by authors such as Ahmed-maẓẓot, Moscovici,Minayo Jodelet, Cury and Duarte.The criterion for choosing the research subjects was because of the availability. The relevance of this study is given by the context in which one perceives an intense process of population aging in Brazilian society characterized by a considerable number of women who reach the 3rd age and who declared themselves as the reference of the home, even with the presence of the husband (2.4% to 9.1%). Keywords: Social representation, ladies, EJA, Public Plans. 2 1 INTRODUÇÃO [...] E se a idade for me roubando às forças, a agilidade mental e a resistência física, posso oferecer aos que convivem comigo a força das minhas convicções, a profundidade do meu amor e a solidez espiritual de uma alma cuidadosamente esculpida pelas arestas de uma longa vida. [...] (WEATHERFORD, 2003). O Brasil está passando por profundas transformações demográficas, inclusive por significativas alterações em sua estrutura etária. A queda na taxa de fecundidade é um dos fatores responsáveis por essa alteração na pirâmide etária do país, que vem demonstrando aumento significativo da população de idosos, graças ao aumento da longevidade. O interesse em estudar as representações sociais de senhoras na terceira idade, suas memória, os causos e fatos marcantes, dessa faixa etária sobre as experiências vivenciadas ao longo de uma vida, seus saberes e gostos, suas ideologias e forma de pensar, tornam-se interessante objeto de investigação científica. Segundo dados do IBGE/2010 (Instituto Brasileira de Geografia e Estatística) a maior longevidade da população leva a um aumento da participação dos idosos (mais de 60 anos de idade) na população, de 9,1% em 1999 para 11,3% em 2009. Embora a grande maioria desses idosos (64,1%) seja a pessoa de referência no domicílio em que vivem e 77,4% deles afirmem ter doenças, 32,5% não tinham nem cadastro no Programa de Saúde da Família nem plano de saúde particular. Ainda conforme dados do IBGE/2010: O percentual de mulheres no mercado de trabalho formal (que têm carteira assinada, incluindo domésticas, militares e funcionárias públicas estatutárias, são empregadoras ou trabalhadoras por conta própria que contribuíam para a previdência social) subiu de 41,5%, em 1999, para 48,8% no ano passado. Entre os homens, houve um incremento de 45,9% para 53,2%. No mesmo período, a participação feminina na categoria empregado com carteira assinada passou de 24,2% para 30,3%. A participação das trabalhadoras não remuneradas, que trabalham na produção para o próprio consumo ou que exercem atividades na construção para o próprio uso, por sua vez, caiu de 18,7% para 11,6%.( IBGE/2010). 3 As pesquisas do PNAD/2009 (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios) mostram que as mulheres mesmo com maior escolaridade, têm rendimento médio inferior ao dos homens. Em 2009, o total de mulheres ocupadas recebia cerca de 70,7% do rendimento médio dos homens ocupados. No mercado formal essa razão chegava a 74,6%, enquanto no mercado informal o diferencial era maior, as mulheres recebiam 63,2% do rendimento médio dos homens. Na pesquisa revelou-se ainda que o trabalho doméstico feminino representa 93% dos casos. Em 2009, 55% das mulheres tinham entre 25 e 44 anos. Um percentual expressivo de trabalhadoras domésticas (72,8%) não possuía carteira de trabalho assinada; a média de anos de estudo era de 6,1, e o rendimento médio ficava na ordem de R$395,20. Apesar do aumento da taxa de atividade das mulheres, essas permanecem como as principais responsáveis pelas atividades domésticas e cuidados com os filhos e demais familiares. No Brasil, a média de horas gastas pelas mulheres a partir dos 16 anos de idade em afazeres domésticos é mais do que o dobro da média de horas dos homens. Em 2009, enquanto as mulheres de 16 anos ou mais de idade ocupadas gastavam em média 22,0 horas em afazeres domésticos, os homens nessas mesmas condições gastavam, em média, 9,5 horas.[...] A questão dos afazeres domésticos vista pela escolaridade mostra que as mulheres ocupadas com 12 anos ou mais de estudo passavam menos tempo se dedicando aos afazeres domésticos (17,0 horas semanais), quando comparadas às mulheres com até 8 anos de estudo (25,3 horas semanais).(IBGE/2010) Neste caso, o interesse sobre as representações sociais das estudantes do Programa TOPA (Todos pela Alfabetização), se dá nesse contexto em que se percebe um intenso processo de envelhecimento populacional na sociedade brasileira, caracterizado por um número considerável de mulheres que chegam a terceira idade e que se declararam como de referência do domicílio, mesmo com a presença de um cônjuge (2,4% para 9,1%). As variações ocorridas em curto espaço de tempo na sociedade brasileira, se dá em um contexto que se moderniza, mantendo, entretanto, uma distribuição de renda bastante desigual, com uma significativa proporção de população vivendo abaixo da linha de pobreza. Outra característica que motivou a realização desta pesquisa foi à quantidade expressiva do número de mulheres idosas em relação ao número 4 de homens. Conforme IBGE/2010, no ano de 2009, havia 94,8 homens no país para cada 100 mulheres. É a chamada razão de sexo, que vem declinando devido à mortalidade masculina mais alta. Entre as regiões metropolitanas, a menor razão de sexo estava em Recife (85 homens para cada cem mulheres) e a maior, em Curitiba (94,6). 2 IMPORTÂNCIA DAS REPRESENTAÇÕES SOCIAIS DE MULHERES SOBRE A EJA Muito se tem discutido sobre a importância das representações sociais como sistema de referência utilizado por nós, sujeitos históricos, na tentativa de se compreender e interpretar os acontecimentos cotidianos. Na EJA (Educação de Jovens e Adultos), as representações sociais, a simbologia, marcas da cotidianidade são aqui apresentadas como formas facilitadoras para a compreensão que esse grupo faz acerca da realidade social em que estão inseridos. Segundo Alves-Mazzoti (1994) as representações sociais, constituem elementos essenciais à análise dos mecanismos que interferem na eficácia do processo educativo, devido as suas relações com a linguagem, com a ideologia, com o imaginário social e, principalmente, por seu papel na orientação de condutas e das práticas sociais. A ideia de Representações Sociais foi primeiramente apresentada como tal por Serge Moscovici, em sua obra ““La Psicanalyse: Son image et son public” 1961, na tentativa de dar conta de uma psicologia que se libertasse do paradigma individualista. [...] representar uma coisa [...] é reconstituí-la, retocá-la, modificar-lhe o texto. A comunicação que se estabelece entre o conceito e a percepção, um penetrando no outro, transformando a substância concreta comum, criam a impressão de realidade. (Moscovici, 1978. p.57). Moscovici retoma o estudos de perspectiva sociológica Durkheim, e fundamenta-se numa oposta à concepção individualista da Psicologia 5 Social, uma vez que na teoria durkheimiana os fatos sociais não podiam ser explicados a partir do indivíduo, e, sim, da sociedade. Segundo Alves-Mazzotti (1994): Nas sociedades modernas, somos diariamente confrontados com uma grande massa de informações. As novas questões e os eventos que surgem no horizonte social freqüentemente exigem por nos afetarem de alguma maneira, que busquemos compreendê-los, aproximando-os daquilo que já conhecemos, usando palavras que fazem parte de nosso repertório. Nas conversações diárias, em casa, no trabalho, com os amigos, somos instados a nos manifestar sobre eles procurando explicações, fazendo julgamentos e tomando posições. Estas interações sociais vão criando “universos consensuais” no âmbito dos quais as novas representações vão sendo produzidas e comunicadas, passando a fazer parte desse universo não mais como simples opiniões, mas como verdadeiras “teorias” do senso comum, construções esquemáticas que visam dar conta da complexidade do objeto, facilitar a comunicação e orientar condutas. Essas “teorias” ajudam a forjar a identidade grupal e o sentimento de pertencimento do indivíduo ao grupo. (MAZZOTTI, 1994, p. 78) Assim, o autor entende a representação social a partir de uma visão individual para uma social e pelo posicionamento e localização da consciência subjetiva nos espaços sociais, onde o fenômeno do cotidiano se produz num determinado contexto social. O indivíduo, ator participante da coletividade, se apropria da produção coletiva acerca de determinados valores sobre os quais a coletividade criou uma ideia comum. Nesse sentido, a Representação Social é um fenômeno psicossocial, um conjunto de conceitos, afirmações e explicações originados no cotidiano, no desenrolar de combinações interindividuais. De acordo a Minayo (2004): Numa oposição frontal ao positivismo, a sociologia compreensiva propõe a subjetividade como fundante do sentido e defende-a como constitutiva do social e inerente ao entendimento objetivo. Essa corrente não se preocupa de quantificar, mas de lograr explicar os meandros das relações sociais consideradas essência e resultado da atividade humana criadora, afetiva e racional, que pode ser apreendida através do cotidiano, da vivência, e da explicação do senso comum. (MINAYO, 2004 p.11) Para Jodelet (2001), o conceito de representação social: 6 [...] é uma forma de conhecimento, socialmente elaborada e compartilhada, com um objetivo prático, e que contribui para a construção de uma realidade comum a um conjunto social. Igualmente designado como saber de senso comum ou ainda saber ingênuo, natural, essa forma de conhecimento é diferenciada entre outras do conhecimento científico. Entretanto, é tida como um objeto de estudo tão legítimo quanto este, devido à sua importância na vida social e à elucidação possibilitadora dos processos cognitivos e das interações sociais. (JODELET, 2001 p 22). É importante pensar na representação como uma forma de saber que, conforme Jodelet (2001), liga um sujeito (epistêmico, psicológico, social, coletivo) a um objeto (humano, social, ideal, material). Assim pode-se dizer que a representação social é sempre uma representação de um objeto e de um sujeito. A narrativa da história é, assim, uma mediação de conhecimento de si, em sua existencialidade, que oferece à reflexão de seu autor, oportunidades de tomada de consciência sobre seus diferentes registros de expressão e de representações de si, da sociedade, do contexto de vivência. Como diz Josso (2004): [...] a construção da narrativa da história da formação de cada um apresenta uma primeira fase de distanciamento relativa aos priori do seu pensamento [...] é assim que a tomada de consciência das dimensões formadoras do processo contribui para a compreensão de como uma vivência se pode tornar experiência, em que é que é formadora [...] é aprender a analisar as contribuições das nossas atividades, dos nossos contextos de vida, das nossas relações eletivas e dos acontecimentos aos quais damos forma; [...]é aprender a investir o nosso presente de tal maneira, que nossas vivências possam tornar-se experiências formadoras, que vivificam ou alimentam as nossas buscas[...] ( JOSSO, 2004 p 185). Nessa perspectiva, esta pesquisa é de grande relevância na medida em que através das representações sociais das idosas matriculadas no TOPA apresenta-se a importância da EJA (Educação de Jovens e Adultos) em suas vidas. Os depoimentos a seguir demonstram as representações sociais dessas senhoras sobre as vivências experimentadas e a concepção que nutrem sobre a importância do Programa TOPA em suas vidas: 7 Depoimento 01: [...] Eu sempre quis ir à escola. Mas meu pai não deixava. Dizia que menina mulher era para aprender os serviços de casa. Lavar, passar, cozinhar, fazer uma costurinha! Naquele tempo era assim, os pais é que decidiam os filhos obedeciam.(risos)As vezes agente se juntava, irmãos, primos os vizinhos era tudo uma grande família... E agente aprontava!!! Mas ir à escola meu pai não deixou nenhuma das quatro irmãs! (éramos nove irmãos, 4 mulheres e 5 homens) Os homens também não deram prosseguimento ao estudo não. (Dona Vitória, 68 anos). Depoimento 02: Naquele tempo professora, era assim: Muito difícil vir a cidade. Na roça tinha aulas de caju em caju. A escola era uma festa para as criançadas. Ninguém faltava. Eu penso que não aprendi porque não era um estudo regular. Meus colegas, primos e até meus irmãos que vieram pra cidade, hoje tem tudo sua profissão. Eu fiquei aqui, casei, tive filhos, hoje cuido dos netos, trabalho no engenho, faço rapadura, melaço. Mas de noite venho pra escola, essa hora é sagrada. Quando entrei não desenhava um “O” com o copo, hoje já escrevo um pouco, leio e faço as continhas. No mercado minhas comadres me pede ajuda para ler os preços. Isso também aprendi com a professora. O TOPA foi uma luz na minha vida. Me sinto livre, hoje eu vou onde me mandarem sem medo. ( Das Dores, 70 anos). Depoimento 03: Eu sempre fui muito doente. Meu problema (lábio leporino), fazia com que ficasse com vergonha, ai não queria sair de casa. Quando Marina (Presidente do Movimento de Mulheres) chegou aqui, eu fui trabalhar com ela. Ela foi me ensinando, me ajudando de tal forma que conseguir uma cirurgia. Hoje tá melhor mais era muito esquisito. Com um ano no MMC ela me disse que nós iríamos participar de um Encontro das Mulheres em Salvador. Ela e o pessoal foi antes para um encontro em Jacobina e eu iria com três dias encontrar a comitiva baiana em Feira de Santana. Eu fui daqui até Feira perguntando: Que cidade é essa? Que cidade é essa? Uma aflição, um medo...Quando eu cheguei em Feira era madrugadinha, me sentei e fiquei esperando. O pessoal percebeu, e veio me perguntar o que eu tanto esperava, pra onde eu ia! Eu então contei o caso e eles escreveram com um hidrocor vermelho meu nome no papel. Eu passei o resto do dia com aquela placa colada em meu peito, para que o pessoal que vinha de outras cidades me reconhecesse e levasse para o Encontro em Salvador. ( silêncio). Foi daí que jurei a mim mesma que não ia mais me esconder do mundo. To estudando, aprendendo muita coisa. O MMC ( Movimento das Mulheres de Caetité) me ajudou muito. Quando Marina foi eleita vereadora, o pessoal me indicou para a presidência do Movimento, eles acreditaram em mim, e eu tenho trabalhado, estudado e aprendido muito com o Movimento. Temos que lutar pelos nossos direitos! Juntos somos mais fortes. Com a leitura e a escrita então penso que até a fala melhora.( Carolina, 56 anos). 8 DEPOIMENTO 04: Eu não gostava da escola. Quando veio a escola lá pra roça eu já tava com uns 11 anos. Só fazia a matricula com um responsável e minha mãe estava em São Paulo. Quando ela chegou às aulas já tinham começado a mais de mês. Ela foi até a escola para me matricular. O professor disse que não tinha vaga. Minha mãe insistiu muito! Ele mostrou a sala de aula cheia e disse que não havia carteira. Minha mãe então disse que se esse fosse o problema que estava resolvido. O professor sem saída resolveu me aceitar. Minha mãe ( risos) chegou em casa pegou martelo e pregos, uma cadeira antiga...martelou,pregou uma madeira e me mostrou orgulhosa aquela que seria minha carteira escolar. (risos) No outro dia, la vai eu levando a cadeira pra escola. Um solão, uma poeira, e pra completar os garotos da escola me reliando “caderuda”, “caderuda”!!! Eu não posso me esquecer. Cheguei igual a um peru na escola...Vermalha do sol,vermelha de raiva. Não me lembro de ter aprendido nada, nem naquele ano nem nos demais anos do primário. E mais, tinha que levar e trazer a cadeira todos os dias, da escola pra casa e de casa pra escola. É que na primeira noite os moleques passaram de tudo na cadeira, e o professor impôs essa condição. Aqui no TOPA é diferente, a professora é muito legal, é amiga, os colegas ajuda, incentiva, né? Eu to adorando! Se Deus quiser saúde não há de me faltar e eu venho até o final. ( Verônica, 62 anos). Depoimento 05: Quando criança minha mãe me tirou da escola porque a professora disse que eu tinha problema de cabeça, que não ia aprender nada. Era perda de tempo. Mãe me deixou cuidando da casa e de meus irmãos mais novos. Às vezes eu também capinava [...] Casei, tive filhos e passei minha vida sem interessar com leitura e escrita. Agora que estou na Igreja, quero ler a Bíblia [...] Quando soube desse Programa TOPA, o pastor avisou, eu e minha colega resolvemos vim. Eu to aprendendo!Acho que não tenho dificuldade mão, o que a pró ensina em estou aprendendo.To satisfeita,não faltei nenhum dia e nem quero faltar! Vou realizar meu sonho, ler os versículos na hora do culto. Depoimento 06: O Topa chegou aqui na comunidade na hora certa. Tinha muita gente que precisava desses conhecimentos para compreender melhor que a Associação só vai pra frente com a participação de todos. Aqui agente vê isso. Todo mundo trabalha junto. As reuniões estão cheias, todo mundo quer falar. Eu penso que quem deixou esse pessoal assim foi à professora! Pode-se afirmar que as Representações Sociais são, portanto, saberes do senso comum construídos nas relações entre indivíduos em seu cotidiano quando analisam, opinam, conversam e pensam sobre os mais 9 diferentes temas e elaboram representações que se constituem em ideologias que passam a influenciar suas relações e comportamentos sociais. No caso das senhoras objeto de estudo, percebe-se em seus depoimentos o quanto viveram na marginalidade da sociedade e os benefícios que a sala de aula da EJA (Educação de Jovens e Adultos), no caso específico a sala de aula do TOPA, tem contribuído para a promoção da auto-estima e do senso de cidadania respaldado nos depoimentos, principalmente daquelas envolvidas em movimentos sociais. 2.1 O PERFIL DOS EDUCANDOS DA EJA As vertiginosas e acirradas mudanças pelas quais passamos no mundo atual, representadas pela globalização da informação e a necessidade de novos conhecimentos têm levado a pesquisas sobre as representações sociais, no campo da educação escolar, sobretudo da EJA. Segundo Cury, (2000) a história da Educação de Jovens e Adultos (EJA) no Brasil e na América Latina é marcada pela relação de domínio e humilhação historicamente estabelecida entre a elite e as classes populares. Uma concepção que nasce da relação entre conquistador e conquistado/índio/escravo e perdura em muitos documentos oficiais que parecem tratar a EJA como um favor e não como o pagamento de uma dívida social e a institucionalização de um direito. A situação se agrava quando se trata dos direitos da mulher à educação. A função de reprodutora da espécie favoreceu a sua subordinação ao homem. Assim, ao longo da história, a mulher foi sendo considerada mais frágil e incapaz para assumir a direção e chefia do grupo familiar. Como nos diz Duarte (2003) somente aos homens ensinava-se a ler e a contar, cabendo às mulheres os trabalhos manuais, pois o androcentrismo da família patriarcal se encarregava de excluí-las dos menores privilégios, reservando aos homens os benefícios que a cultura pudesse trazer. 10 A pesquisa teve como objetivo analisar o significado da experiência escolar de senhoras idosas devidamente matriculadas no Programa TOPA (Todos pela Alfabetização) no município de Caetité, Bahia dentre os anos de 2008 e 2009. A opção pelo objeto de pesquisa se deve ao interesse em compreender a subjetividade deste grupo de mulheres, senhoras em sua maioria analfabeta, pobre residentes em periferias ou em áreas rurais do município, que vivenciaram um contexto social onde seus direitos mais elementares, como o de ir à escola, ser alfabetizada, ou simplesmente ser reconhecida como ser inteligente foi-lhe negado. (DUARTE, 2003). O perfil dos sujeitos frequentadores da EJA, sua biografia, identidade, representação social, disposição a aprendizagens, a cultura são bastante distintas dos demais frequentadores de outros segmentos educacionais. Os educandos da EJA, em específico das classes do TOPA em Caetité, trazem conhecimentos, percepções construídas a partir das experiências de vida. Trabalhadores do campo ou da cidade ou mesmo os que tentam se inserir no mercado de trabalho busca na escola aprendizagens e conhecimentos que os possibilitem desenvolver novas habilidades, sobretudo ler, escrever e contar. A conquista desses conhecimentos os remete necessariamente a uma melhoria da auto-estima, colocando-os mesmo que de maneira subjetiva, em uma melhor posição diante das questões sociais que por hora se apresentam na comunidade em que vivem. O educador comprometido com as causas da EJA, não foge aos princípios da educação popular, que ver a prática docente como prática política de caráter emancipador de homens e mulheres, agentes sociais históricos, tal como preconizou Paulo Freire. [...] o homem é um ser de relações que estando no mundo é capaz de ir além, de projetar-se, de discernir, de conhecer [...] e de perceber a dimensão temporal da existência como ser histórico e criador de cultura. (FREIRE, 1959 p 8) 11 O trabalho educativo com práticas sociais voltadas para o trabalho, a cultura, o confronto dos problemas coletivos, remete a cidadania participativa que se fundamenta nas experiências freiriana de educação popular com a alfabetização de adultos. 3 METODOLOGIA A pesquisa foi baseada no método empírico indutivo, exploratório para se chegar aos resultados desejados: Indução é um processo mental por intermédio do qual, partindo de dados particulares, suficientemente constatados, infere-se uma verdade geral ou universal, não contida nas partes examinadas. Portanto, o objetivo dos argumentos é levar a conclusões cujo conteúdo é muito mais amplo do que o das premissas nas quais se basearam. (LAKATOS E MARCONI, 2004, p. 53) Trata-se de um método que atende aos requisitos esperados para o estudo, visto que dados singulares detectados, embasam o estabelecimento de uma proposição maior: o estudo em questão. O trabalho proposto tem associação da pesquisa qualitativa com a pesquisa quantitativa, visto que fora necessário para análise desse estudo a dialogicidade entre as duas modalidades que permitiram uma fidelidade maior acerca do objeto de estudo investigado. Dessa forma, foi feito um levantamento bibliográfico do assunto, pesquisa de levantamento, coleta de dados e busca de informações complementares absorvidas em reuniões realizadas no EJA, como também, o levantamento de dados na internet que deram subsídios para a elaboração e molde da pesquisa e entrevista semi-estruturada. 12 3.1 População e Amostragem A pesquisa foi feita com 13 (treze) senhoras estudantes do EJA da cidade de Caetité – BA, com faixa etária entre 50 a 75 anos. A aplicação da entrevista semi-estruturada foi feita a fim de coletar dados qualitativos e quantitativos em torno do objeto de estudo. Das 13 senhoras entrevistadas somente cinco delas mostraram-se conscientes em relação ao papel do Estado em promover a EJA. Essas mulheres se destacaram das demais por serem 2 deles do Movimento de Mulheres de Caetité, ( MMSCG), duas do Sindicato dos Trabalhadores Rurais (STRC) e uma funcionaria pública que trabalha como gari na Prefeitura local. De acordo Marx (1975) as mudanças na sociedade ocorrem a partir da ebulição dos movimentos sociais: contra o capital e o Estado. Os Movimentos Sociais são importantes para a garantia dos direitos humanos. A organização em movimentos populares propicia ao cidadão a oportunidade de dialogo, de organização em busca dos direitos, mudanças, reivindicações, e isso leva a cidadania. A cidadania é algo que não se aprende com os livros, mas com a convivência, na vida social e pública. É na cotidianidade do dia-a-dia que exercitamos a nossa cidadania, através das relações que estabelecemos com os outros, com o público e o próprio meio em que vivemos. Dessa forma destacamos a fala de Cury (2005) que ressalta que a educação escolar é um principio fundante para a cidadania, e que tal princípio, é indispensável para políticas que visam a participação de todos nos espaços sociais e políticos e, mesmo, para reinserção no mundo profissional dos estudantes e de seus agentes com o indispensável empenho profissional, projeto pedagógico, atualização de saberes e responsabilidade social e profissional. 13 4 ANÁLISE DOS RESULTADOS Com as transformações constantes em que a sociedade passa, cresce o interesse do jovem e do adulto em fazer parte deste processo participando de alguma maneira. Daí a necessidade do indivíduo buscar o seu crescimento, de não deixar ser esquecido e desvalorizado, o que o leva a retornar a escola por estas e outras razões. E é de grande relevância este acontecimento, porque todos que fazem parte desta sociedade, todos são cidadãos e como tal, devem exercer sua cidadania, sua contribuição em prol do crescimento a que se faz parte. O presente estudo da educação de jovens e adultos revelou que, esta modalidade sofre variadas formas de discriminação e isso remete a uma reflexão de que, os indivíduos que buscam na EJA um reconhecimento pessoal e social, acreditam que a escola, juntamente com todo o corpo que faz parte dela, os beneficiem de maneira que atendam aos seus anseios e desejos de estar e fazer parte do mundo, beneficie de forma a elevar sua auto estima, de atuar na sociedade participando na tomada de decisões importantes do nosso país e além de tudo desenvolver a sua cidadania. É relevante que se tome conhecimento, de que é imprescindível a valorização de se pesquisar e conhecer as histórias de vidas, entender que nela existem diversas especificidades, em que as lições que a vida os propiciaram não foram vãs e que haja por parte dos órgãos responsáveis pela educação, adequação ao educando da EJA embasada na LDB. Lei de Diretrizes e Base da educação, juntamente com os Parâmetros Curriculares Nacionais, oferecer um ensino qualitativo com oportunidades, afinal esta clientela é multicultural e precisa de um suporte que garanta suas especificidades e conscientização de forma crítica o seu papel diante da sociedade. 14 CONSIDERAÇÕES FINAIS Os estudos realizados sobre a importância das representações sociais como sistema de referência lograram como resultado principal ampliar a compreensão e obter uma nítida interpretação dos acontecimentos cotidianos relacionados ao funcionamento da EJA (Educação de Jovens e Adultos) e suas representações sociais, simbologia e marcas. Foi, inclusive, possível analisar o significado da experiência escolar de senhoras devidamente matriculadas no Programa TOPA (Todos pela Alfabetização) no município de Caetité, Bahia no ano de 2008 a 2009. A metodologia qualitativa aplicada a esta atividade aqui descrita e que se concretizou através de entrevista semi-estruturada com 13 senhoras na faixa etária entre 50 a 75anos, matriculadas nessa modalidade de ensino permitiu conhecer a realidade do contexto do Programa TOPA. Uma experiência de muita representatividade foi esta de envolver-se com os sujeitos sociais do município baiano de Caetité, ouvindo-lhes a ricas narrativas de suas experiências de vida. Essa proximidade da amostra nos levou ao conhecimento de que as variadas formas de discriminação não impediram que sujeitos sociais insistissem em buscar na EJA um reconhecimento pessoal e social, além de comprovada tomada de posicionamento crítico e reflexivo. Esses indivíduos acreditaram na possibilidade de a escola realizar uma significativa transformação em suas vidas, apesar do peso da idade. E, dessa maneira, sentiram-se incluídos, dignos, cidadãos e atendidos em seus anseios de estar e fazer parte do mundo. Prevaleceu a recuperação da auto-estima. Podemos acrescentar que o envolvimento emocional nestas atividades serviu também para uma conscientização de todos quanto aos aspectos de benefícios psicológicos paras o pesquisador e para os pesquisados, pois a percepção de quanto estas pessoas se engajaram e manifestaram alegria, satisfação e depoimentos que atestam o crescimento emocional de cada um. 15 REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA Alves-Mazzotti, Alda Judith. Representações sociais: aspectos teóricos e aplicações à Educação Em Aberto, Brasília MEC-INEP, ano 14, nº 61, jan/mar. 1994, p. 60 a 78. CURY, Carlos R.J. Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação de Jovens e Adultos. Distrito Federal: Ministério da Educação. 2000. DUARTE, Constância Lima. A ficção didática de Nísia Floresta. In: LOPES, Eliane Marta Teixeira; FARIA Filho, Luciano Mendes de e VEIGA, Cynthia Greive. 500 anos de educação no Brasil. Belo Horizonte, Autêntica, 2003, p. 291-324. FREIRE, Paulo. 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