Revista TREINAMENTO DESPORTIVO 67 TREINADOR Jiu jitsu: educação ou adestramento? Odair A. Borges Mestrado em Educação Física pela Universidade de São Paulo, Professor da Faculdade de Educação Física da PUCCAMP – SP O Jiu Jitsu, Ju Jitsu ou Ju Jutsu é uma moda lidade de luta relativamente nova entre nós, apesar de ser conhecida e praticada em boa parte do mundo. Sua origem vem de várias formas de lutas orientais com características de ataque e defesa que foram cultivadas e desenvolvidas pelos guerreiros japoneses (o Samurai), seus mais diretos e perfeitos cultores. Sendo eles exímios lutadores, vieram a ser os que mais contribuíram na formação desta luta que tomou o nome de Ju Jutsu (transcrição original da grafia japonesa), por volta do ano 1600 no Japão. Conforme entendemos pela pronúncia em japonês, adotou-se aqui no Brasil a grafia e pronúncia como sendo Jiu Jitsu. Podemos defini-lo literalmente por “Técnica Suave”, uma vez que “JU” significa suave, flexível ou maleável. “JUTSU” quer dizer técnica, habilidade ou estratégia. Entendo o termo Ju Jutsu como meio de, através do domínio técnico, atingir o domínio de si mesmo, buscando uma plenitude harmoniosa entre corpo e espírito, e destes com o mundo. O professor Jigoro Kano (1898), que idealizou o Judô e que antes era praticante de um dos antigos estilos de Jiu Jitsu, afirmou: “Estudei o Ju Jutsu (Jiu Jitsu) não somente porque era um método interessante de luta, mas porque compreendi que poderia vir a ser um meio eficaz para a educação do corpo e do espírito” (JUDÔ MAGAZINE-France, 1998). TREINAMENTO DESPORTIVO Volume 4 – Número 1 – 1999 Artigo Treinador: págs. 67 a 71 Nos primórdios de sua idealização, os vários estilos de Jiu Jitsu eram praticados com o objetivo de defesa pessoal de importância vital para o guerreiro Samurai. Fundamentados em seu código de ética, o “Bushido” (caminho do guerreiro), os conceitos de honra, coragem, disciplina e respeito eram a essência e objetivo, que buscavam para a formação integral do homem. Lamentavelmente, não é esta a mensagem que vem sendo passada por muitos “instrutores” sem formação acadêmica e, às vezes, até sem nenhuma qualificação profissional, que de uma hora para outra se tornaram instrutores de Jiu Jitsu. O grande público têm lido e visto pelos meios de comunicação, brigas, agressões, gangues de lutadores e inclusive alguns “entendidos” comentando verdadeiras barbaridades e idéias exageradas a respeito do Jiu Jitsu, confundindo-o principalmente com o ValeTudo, que nada mais é que o retorno aos combates sangrentos da Roma Antiga, demonstrando a supremacia da nova afirmação da fera sobre o homem. Influenciados e orientados por “professores” afeitos a desafios e à incitação para confrontos contra praticantes de outras modalidades de luta, jovens são adestrados para demonstrações narcisistas em busca de afirmação através da agressão física. Fazendo uma revisão da literatura científica existente, encontramos um artigo sobre violência no esporte, entitulado “The Determinants and Control of Violence in Spot”, cujo conteúdo vem confirmar e enriquecer nossa argumentação. Segundo os autores Terry, 68 Revista TREINAMENTO DESPORTIVO P. e Jackson, J. (1985), a agressão no esporte pode ser analisada como: instinto, frustação ou comportamento social aprendido. Dos três enfoques, os que mais chamam a atenção para o nosso caso específico são a frustação e o comportamento social aprendido. FRUSTRAÇÃO / AGRESSÃO Na hipótese frustração/agressão formulada por Dollard et all (1939), afirma-se que a ocorrência de agressão sempre pressupõe a existência de alguma forma de frustação e, inversamente, a existência de frustração sempre coduz à uma forma de agressão. Bandura e Walters (1963) reforçaram o conceito de agressão imitativa, por meio do qual crianças expostas a um adulto agressivo, o imitam, especialmente quando o modelo adulto é observado buscando ser recompensado ao invés de punido. Lefebvre, Leith e Bredemeier (1980) propõem muitos fatores em situações dentro do esporte que contribuem para o comportamento agressivo em função do aumento da frustração. Um, é a consequência da disputa. Leith (1977), por exemplo, achou que os perdedores exibem significativamente mais agressão do que os ganhadores. É razoável assumir que os perdedores experimentam maior frustração que os ganhadores. Notadamente uma relação diferente tem sido relevada, onde os vencedores exibiram comportamento mais violento que os perdedores (Cullen, 1975), sugerindo que a intimidação pode ser empregada como um meio para conseguir sucesso. A AGRESSÃO COMO COMPORTAMENTO SOCIAL APRENDIDO Em adição às influências psicológicas e situacionais, os atletas são submetidos a um processo de socialização poderoso, através do qual aprendem comportamentos apropriados e inapropriados. De acordo com a teoria de aprendizagem social (Bandura, 1963), a base da socialização repousa nos processos de Reforço e Modelo. Reforço É bem estabelecido na literatura que o reforço influencia fortemente o comportamento futuro (Skinner, 1953). O reforço pode ser positivo na forma de aprovação explícita ou implícita e/ou recompensa material ou aversivo na forma de desaprovação crítica ou punição. No esporte, os reforços para atos de violência emanam de uma variedade de fontes que podem ser convenientemente agrupadas em três fontes principais: a) o grupo de referência imediato do atleta, especialmente professores treinadores, companheiros de equipe e família; b) a estrutura do esporte principalmente no que diz respeito às regras e atuação dos árbitros; c) a atitude dos fãs, mídia e sociedade em geral. Referências Importantes Professores e Treinadores, com sua posição estabelecida de controle sobre as equipes, exercem uma forte influência nos atletas, no que diz respeito aos tipos de comportamento agressivo, considerados apropriados no contexto esportivo. Um estudo de Smith (1979) indicou que 52% dos jogadores de hochey entre 18 e 21 anos percebem seus técnicos como grandes aprovadores do comportamento violento e que, quanto mais técnicos aprovam a violência, mais seus jogadores cometerão atos violentos. A influência dos companheiros é talvez maior. As descobertas de Smith (1979ª) que mesmo entre jogadores de 12 a 13 anos, 54% perceberam seus companheiros como grandes incentivadores da violência no hochey. Isto aumenta para 78% entre grupos de jogadores de 18 a 21 anos. A agressividade como um estereótipo masculino desejável é talvez uma causa enraigada significativa do reforço positivo que atletas masculinos recebem para agirem agressivamente. Os pais têm um importante papel quanto a isso, comunicando modelos apropriados de comportamento a sua descendência desde tenra idade. A pesquisa sugere que, especialmente entre os ambientes sócio-econômicos mais baixos, a agressão física é incentivada pelos pais como uma Revista TREINAMENTO DESPORTIVO característica masculina desejável (Dietz, 1978). Na base das entrevistas citadas por Smith (1979ª), alguns pais encaravam aparentemente esportes altamente agressivos como uma preparação apropriada para rigores de uma sociedade altamente agressiva que seus filhos enfrenteriam um dia. Estrutura do Esporte Muitos relatos sobre a violência no esporte (McMurtry, 1974) têm pressionado certos fatores estruturais dentro dos esportes em si que contribuem para a violência. Primeiro eles mencionam a intensa competição e a ênfase resultante na vitória. Eles mencionam também as estruturas regulamentares (regras) que não previnem efetivamente a violência. Muitos livros de regras contêm penalidades que não são suficientemente convincentes para deter os transgressores. À luz da Teoria da Permuta Social (Homans, 1974), este é um fator extremamente aparente. A teoria da permuta social é baseada na suposição de que cada indivíduo tem um calculador interno que pesa as vantagens e desvantagens de qualquer ação. O indivíduo tentará naturalmente maximizar a recompensa minimizando ao mesmo tempo os custos. Em outras palavras, o atleta pesará a punição associada com a violação da regra contra os benefícios potenciais a serem ganhos pela quebra das regras. Cometendo agressão e recebendo apenas uma penalidade leve como punição, então é claro que a recompensa supera a punição. Nesta situação, as únicas forças que podem deter o indivíduo e desestimulá-lo a agir violentamente é o repúdio de seu treinador e companheiros ou a influência de fortes convicções pessoais que o indivíduo possa ter. É uma desgraça quando o mal comportamento contribui para a vitória. É ainda maior a infelicidade quando o uso da intimidação física é superior à punição, e a violência acaba se tornando um meio tático para conseguir a vitória. Um outro fator que agrava o problema das regras brandas é a participação ineficiente dos árbi- 69 tros. Se eles falham em penalizar a agressão, então ela é reforçada aumentando a probabilidade de nova ocorrência. Embora ultimamente a responsabilidade pela violência repouse sobre os próprios atletas, os dirigentes esportivos tem um papel muito influente na determinação do comportamento aceitável porque estabelecem as regras e normas e, muitas vezes aprovam os transgressores. Temos visto no Jiu Jitsu Brasileiro uma notável tolerância para a violência, onde os dirigentes e árbitros têm demonstrado inacreditável brandura ao lidar com transgressores violentos. Modelo O modelo envolve a imitação do comportamento, especialmente aquela bem sucedida. Porque no esporte, é normal para jovens atletas imitarem o comportamento de seus heróis. Russel (1978) sugere que o comportamento imitativo inclui a emulação da violência. Conclui que os jogadores de hockey das escolas cujos jogadores favoritos eram violentos, receberam eles próprios mais penalidades de agressão que os jovens jogadores que escolheram modelos menos violentos. Posteriores evidências foram colhidas por Smith (1979) que descobriu que 56% dos jogadores juniores de hockey entrevistados, alegavam que aprenderam técnicas de agressão assistindo o hockey profissional e incorporaram-nas subseqüentemente em seu próprio estilo de jogo. O processo de modelação dota o esporte profissional com uma responsabilidade especial de estabelecer exemplos desejáveis de comportamento como os atletas de alto nível de hoje que tem o poder de influenciar a próxima geração. Assim, como o comportamento dos atletas profissionais é por sua vez influenciada por reforços e pressão a eles dirigidos por treinadores, companheiros, fãs, mídia, promotores de esportes e dirigentes; então, a responsabilidade pela criação de modelos saudáveis deve vir de todas estas fontes. Entretanto, a identificação dos determinantes da agressão resolve apenas parte do problema. A maior tarefa é delinear estratégias para reduzir a violência. 70 Revista TREINAMENTO DESPORTIVO Assumindo-se que o instinto para o comportamento agressivo de um indivíduo é uma constante, e que os valores morais permanecem satisfatoriamente estáveis, então a forma mais efetiva para reduzir sua propensão para a agressão é através da aprendizagem social. Um fator muito importante do modelo é que as consequências da agressão funcionam numa capacidade de aprendizagem social que por seu turno influencia a propensão do indivíduo para futuro comportamento agressivo. Isso sugere que um sistema de reforço de recompensas/punições tangíveis pode reduzir a probabilidade de comportamento agressivo. Em termos práticos, isto envolve punir severamente a agressividade o bastante para deter posterior comportamento agressivo, combinando com substanciais recompensas para o fair play (jogo limpo). Como o modelo indica, um meio alternativo para o controle do comportamento agressivo é modificar a situação, reduzindo dessa forma a quantidade de frustação presente. Isto pode envolver mudanças nas regras fundamentais ou banir certas práticas de alto risco que, embora ilegais por si mesmas, frequentemente agem como o catalizador que provoca a resposta violenta. Alternativamente, os níveis de frustação poderiam ser reduzidos desenfatizando a vitória em competições que não condizem com a realidade dos esportes federados e reconhecidos internacionalmente. É reconhecido, entretanto que o aspecto competitivo está tão profundamente arraigado no Jiu Jitsu Brasileiro que este remédio pode não ser o desejável. A causa primária da violência, consequentemente pode não ser nenhum dos fatores acima apontados, mas sim a natureza de nossa sociedade. Para usar um paralelo histórico, assim como do declínio do império Romano foi acompanhado por banhos de sangue “esportivos” no Coliseu, também pode ser que a corrente ascendente de violência reflita a decadência de nossa própria civilização. Entretanto, este assunto está fora do objetivo deste artigo, e é mencionado apenas para alimentar pensamentos. CONCLUSÃO Este artigo tentou identificar fatores que contribuem para a agressividade e a violência no esporte. Pode-se concluir que fatores psicológicos, morais e situacionais têm um papel significativo na violência esportiva. Pode-se também concluir que as forças da socialização, particularmente o reforço, são as mais prontamente manipuladas. A fim de manter um controle da agressão, a estrutura de reforço de um esporte deveria ser tal que as violações das regras resultassem em punições que teriam valor coibitivo maior do que quaisquer vantagens. Tem-se argumentado que a responsabilidade de prover reforços apropriados baseia-se em muitas fontes independentes, mas inter-relacionadas. Aquelas que circumdam imediatamente os atletas, são particularmente influentes e portanto têm uma responsabilidade especial. O treinador e os companheiros formam o núcleo do ambiente esportivo de um atleta e exercem sobre ele forte influência para mantê-lo aos padrões normais. Um dos principais fatores para conter a violência dentro do Jiu Jitsu Brasileiro é a preocupação que deve ter o verdadeiro Professor/Educador em orientar e educar; atendendo adequadamente as necessidades biológicas, psicológicas, sociais e culturais de seus alunos. Nunca se pode deixar de lado a tradição, os aspectos culturais e filosóficos do Ju Jutsu (Jiu Jitsu) e do Judô, que tem como principal objetivo contribuir para formação do ser humano em benefício da sociedade. Um passo de fundamental importância já foi dado para que se discipline a orientação técnica/pedagógica dos esportes e das lutas em geral, através da Lei Federal no. 9696 de 01/09/1998 que diz em seu artigo 1º “O exercício das atividades de Educação Física é prerrogativa dos possuidores de diploma em Curso de Educação Física oficialmente autorizado e reconhecido”. Esta lei a muito requestada por nós, professores de Educação Física, vem contribuir grandemente para que tenhamos profissionais competentes e Revista TREINAMENTO DESPORTIVO quantificados, com fundamentação prática, teórica e científica. Enfim, a responsabilidade final de erradicação da violência no Brazilian Jiu Jitsu deve permanecer na consciência de cada professor e atleta. 71 O “Ju” do Ju Jutsu e o “Ju” do Judô são ideogramas idênticos, simbolizam a manifestação de racionalidade e não um mero feito de força física, idealizados que foram, para modificar e educar a agressividade primitiva do ser humano, canalizando-a para seu próprio enriquecimento físico, psíquico e social. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BANDURA, A.; & WALTERS, R. H. Social learning and personality development. New York: Holt, Reinhart & Winston, 1963. CONGRESSO NACIONAL. Regulamentação da Profissão de Educação Física, 1998. CULLEN, J. B. & CULLEN, F.T. The structural and contextual conditions of group norm violation: some implications from the game of ice hockey. International Review of Sports Sociology, 10(2), 69-78, 1975. DIETZ, M. L. The violent subculture: the genesis of violence. In M. A. Beyer Gammon (Ed.), Violence in Canada (pp. 13.39). 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