CADERNOS DO CHDD EDITOR: ALVARO ASSISTENTE DO DA COSTA FRANCO EDITOR: MARIA FUNDAÇÃO ALEXANDRE Presidente DE DO CARMO STROZZI COUTINHO GUSMÃO Embaixadora Thereza Maria Machado Quintella Ministerio das Relações Exteriores Esplanada dos Ministérios, Bloco H, Anexo II, Térreo, Sala 1 70170-900 Brasília, DF Telefones: (61) 411 6033/6034 – Fax: (61) 322 2931, 322 2188 CENTRO Diretor DE HISTÓRIA E DOCUMENTAÇÃO DIPLOMÁTICA Embaixador Alvaro da Costa Franco Palácio Itamaraty Avenida marechal Floriano, 196, Centro 20080-002 Rio de Janeiro, RJ Telefax: (21) 2233 2318/2079 Site: www.funag.gov.br e-mail: [email protected] Direitos de publicações reservados à Fundação Alexandre de Gusmão (Funag) Impresso no Brasil – 2002 Informações sobre os livros editados pela Funag: Site: www.funag.gov.br e-mail: [email protected] Sumário APRESENTAÇÃO ............................................................................... 5 ARTIGOS A NÔNIMOS E PSEUDÔNIMOS O DO BARÃO DO R IO BRANCO .............. 7 BARÃO DO RIO BRANCO AO BRASIL: A LEITURA DA IMPRENSA SANDRA B RANCATO ................................................................. 95 RETORNO DO TESTAMENTOS DE FRANCISCO ADOLPHO DE VARNHAGEN ....................... 111 “I R IO...” – REVENDO AS NOTAS DO CHRISTIE SOBRE O B RASIL EUGÊNIO VARGAS GARCIA ...................................................... 119 HAVE NO THOUGHT OF RETURNING TO SR. REPÚBLICAS DO PACÍFICO. MEMÓRIA DE PONTE RIBEIRO, 1832 LUÍS CARLOS VILLAFAÑE GOMES SANTOS ................................... 135 UM OLHAR BRASILEIRO SOBRE AS DUARTE DA NOTÍCIAS DO CHDD ................................................................... 161 CADERNOS DO CHDD 4 ARTIGOS ANÔNIMOS E P SEUDÔNIMOS DO BARÃO DO RIO BRANCO Apresentação Institucionalizado como órgão da FUNAG por força do Decreto nº 3.963 de 10 de outubro de 2001, que aprovou o estatuto da Fundação, o Centro de História e Documentação e Diplomática – CHDD, tem por objetivos promover e divulgar pesquisas e estudos sobre a história diplomática e das relações internacionais do Brasil. Coerente com sua vocação, o Centro inicia, com este volume, a publicação dos Cadernos do CHDD. Prevista como uma publicação semestral, os “Cadernos” estão votados à difusão de documentos inéditos, ou de difícil acesso, de interesse para a nossa história diplomática, notadamente os constantes do acervo documental do MRE no Palácio Itamaraty, no Rio de Janeiro, bem como de estudos sobre nossa história diplomática. No quadro das comemorações do centenário de posse de Rio Branco no Ministério das Relações Exteriores, o CHDD publica neste volume uma série de artigos da autoria do Barão, publicados sob pseudônimo ou anonimamente, pouco conhecidos do público especializado. O artigo da Professora Sandra Brancato sobre a cobertura pela imprensa da chegada do Barão e as expectativas depositadas em sua gestão enquadra-se no mesmo propósito de assinalar o centenário da posse de Rio Branco. A publicação da “Memória sobre as Repúblicas do Pacífico”, de João Duarte da Ponte Ribeiro, apresentada pelo diplomata Luís Cláudio Villafañe G. Santos abre uma perspectiva interessante sobre as relações do Império com as repúblicas do Pacífico. Esperamos, num dos próximos números, publicar a totalidade da correspondência de Varnhagen quando chefe de missão na área, bem como variada correspondência sobre as tentativas de reunião do Congresso Americano, em que países do Pacífico desempenharam papel importante. Eugênio Vargas Garcia oferece um excelente comentário sobre a reedição de “Notes on Brazilian Questions”, de William D. Christie (Cambridge, MA : Elibron Classic, 2001). Rio de Janeiro, dezembro de 2002. 5 CADERNOS DO CHDD 6 ARTIGOS ANÔNIMOS E P SEUDÔNIMOS DO BARÃO DO RIO BRANCO Artigos Anônimos e Pseudônimos do Barão do Rio Branco Introdução A coincidência do lançamento dos Cadernos do CHDD com as comemorações do centenário da posse do Barão do Rio Branco como Ministro das Relações Exteriores sugere uma natural homenagem ao grande estadista, cuja vida e atividade política são consubstanciais com as nossas melhores tradições e se confundem com um dos mais brilhantes períodos de nossa história diplomática. É sabido que o Barão do Rio Branco, durante os anos de sua gestão à frente do Itamaraty, mantinha estreitos laços de cooperação com os principais jornais do Rio de Janeiro, no propósito de informar e angariar o apoio da opinião pública para sua política exterior. Publicou artigos assinados, notas anônimas e, em alguns casos, artigos nãoassinados ou em que o autor se ocultava atrás de um pseudônimo. Seus objetivos táticos ditavam o grau de identificação com o texto publicado. Os leitores atentos talvez não deixassem de reconhecer o real autor, mas, como Rio Branco tinha também o hábito de fornecer aos diretores ou principais redatores amplas informações sobre assuntos em que o esclarecimento da opinião pública lhe parecia importante, em muitos casos a identidade do autor poderia parecer incerta. Seria de grande interesse revelar o conjunto desta produção jornalística, que não foi contemplada nas Obras do Barão do Rio Branco, editadas pelo MRE por ocasião do centenário de seu nascimento. É, entretanto, tarefa difícil, senão impossível. O que ora nos propomos é, apenas, trazer à luz alguns textos que nos pareceram de maior interesse, publicados sob pseudônimos identificados como seus ou assinalados com suas iniciais na sua coleção de recortes de jornais, guardada no Arquivo Histórico do Itamaraty, no Rio de Janeiro. São conhecidos os pseudônimos “Nemo” e “Kent”. Sob o primeiro, publicou, em 1903, o artigo em que refutava as críticas do líder positivista Miguel Lemos aos estilos protocolares de sua correspondência oficial, em que Rio Branco se afastava das práticas impostas ou inspiradas pelos positivistas no início da república, e, em 1910, sob o título “Confiar 7 CADERNOS DO CHDD desconfiando” a propósito de um pronunciamento de Quintino Bocayuva, então Senador, por ocasião da Revolta da Chibata. “Kent” foi como assinou a série de cinco artigos sobre a questão do Acre, em dezembro de 1903 e janeiro de 1904. Além desses artigos, de fácil identificação, também estamos publicando cinco outros sobre o caso “Panther”, estampados por “A Notícia” entre 10 e 15 de janeiro de 1906. Não estão assinados, mas seus recortes na coleção de jornais do Barão estão assinalados com as iniciais RB, que, como ensina Álvaro Lins, são indicação certa de sua autoria. Excetuados os artigos de Nemo, que tratavam de temas ligados à política interna, os demais têm a marca evidente dos trabalhos de Rio Branco, reveladores de um profundo conhecimento do assunto, minuciosos, de argumentação exaustiva, respondendo a todas as objeções e antecipando os possíveis questionamentos. Sua publicação põe à disposição dos estudiosos textos importantes para o conhecimento das questões tratadas e para a compreensão do método de trabalho Rio Branco. A pesquisa foi realizada por Angela Cunha da Motta Telles, a supervisão da transcrição, em ortografia atualizada, foi feita por Maria do Carmo Strozzi Coutinho. As relações de Rio Branco com a imprensa foram amplamente abordadas por seus biógrafos, mas há uma rica fonte de informação sobre o assunto na correspondência privada de Rio Branco no AHI. Esperamos poder, no curso de 2003, publicar uma seleção dos textos mais significativos dessa correspondência, ilustrativos da forma como Rio Branco procurava informar e influenciar a mídia e, num plano mais amplo, da natureza das relações do poder com a imprensa. O Editor 8 ARTIGOS ANÔNIMOS E P SEUDÔNIMOS DO BARÃO DO RIO BRANCO O SR. MINISTRO DAS RELAÇÕES EXTERIORES* NEMO CAPITAL FEDERAL. – SAÚDE E FRATERNIDADE. – VÓS. – RECOMENDOVOS. – ASSINATURA. – CIDADÃO. – ROCHA TARPÉIA. Entre as publicações ineditoriais no Jornal do Commercio, de 25 de dezembro, encontramos um artigo em que o ilustrado Sr. Miguel Lemos, diretor do Apostolado Positivista no Brasil, censurou incidentemente o novo Ministro das Relações Exteriores por haver restabelecido na correspondência oficial da sua repartição o estilo e certos usos que haviam sido modificados em 1893 por um dos seus predecessores, o então ministro Dr. João Felipe Pereira, positivista praticante. A Tribuna, dias antes, tinha feito também, de passagem, alguns reparos sobre o assunto, em uma das suas seções humorísticas. Examinemos rapidamente essas censuras e outras críticas que têm chegado ao nosso conhecimento. * * * Estranharam, o Sr. Miguel Lemos e a Tribuna, que os atos do Ministério das Relações Exteriores sejam agora datados do Rio de Janeiro e não da Capital Federal. A razão é óbvia. Empregando-se o nome geográfico Rio de Janeiro, todo o mundo sabe que se trata da Capital Federal do Brasil; usando-se da perífrase Capital Federal, não se pode saber ao certo se o documento foi firmado no Rio de Janeiro, ou se em Berna, Berlim, Washington, México, Caracas, Buenos Aires, Ottawa ou Sydney. Em nenhuma outra federação ocorreu ainda a ninguém substituir o nome particular ou distintivo da cidade por um vago circunlóquio, e, felizmente, em nenhum dos Estados da nossa União houve ainda quem se lembrasse de desprezar o nome próprio da cidade, sede do Governo, para escrever: Capital Estadual. Uma fórmula que poderia conciliar tudo, mas que teria o grande inconveniente de ser sobremodo extensa e sair de regra geral, seria * Publicado no Jornal do Commercio. Rio de Janeiro, 11 jan. 1903. Seção: Publicações a Pedido. 9 CADERNOS DO CHDD esta: “Na cidade do Rio de Janeiro, Capital Federal da República dos Estados Unidos do Brasil, aos ... de janeiro de 1903”. O Sr. Miguel Lemos, que tanto se arreceia do chamado sebastianismo, deveria atender a que o emprego de Capital Federal tem franco ressaibo monarquista, pois não é outra coisa mais do que uma transformação do antigo vezo português e brasileiro de dizer Corte, para designar Lisboa e Rio de Janeiro. No tempo do Império, o atual Ministro das Relações Exteriores nunca deu à cidade do Rio de Janeiro o impróprio nome de Corte e agora, procedendo coerentemente, quer apenas que os documentos expedidos pela sua repartição tragam o nome próprio da cidade em que são assinados e que se proceda aqui a semelhante respeito como procedem republicanos insuspeitos em todas as outras capitais federais e capitais de república. Cumpre notar que o artigo do Sr. Miguel Lemos em que aparece a censura é datado do Rio de Janeiro (“Rio de Janeiro, Templo da Humanidade, 22 de Bichat de 114”) e que a Tribuna também apresenta, com muito acerto e diariamente, no alto de sua primeira página, o nome geográfico e privativo da sede do nosso Governo e não o inconveniente e extravagante substitutivo: Capital Federal. O Sr. Miguel Lemos viveu muitos anos em Paris, no belo bairro latino, também de mui gratas recordações para o atual Ministro das Relações Exteriores. Sabe, portanto, belamente que os republicanos daquela terra não datam seus ofícios e cartas de Capitale de la République, mas sim de Paris. No tempo do Império, os viajantes que escreviam sobre o Rio de Janeiro mostravam-se admirados do costume local de dar à cidade o nome de Corte. Agora, os modernos, como Carton de Wiard e outros, estranham também a denominação de Capital Federal. É verdade que há entre nós outras excentricidades do mesmo gênero, que não causam menos espanto aos estrangeiros, como, por exemplo, a de se chamar “apólice” (bond) ao tram-carro – esquecendo o nome do inventor, Mr. Tram – e “cartola” o que para os portugueses – e também para os brasileiros do tempo antigo – é “chapéu alto” ou “chapéu redondo”. No caso, porém, dos nomes de cidade, a coisa pode ter até inconvenientes imprevistos. Não há muito tempo, um jovem patrício nosso, em Paris, querendo dirigir uma carta para o Rio de Janeiro, escreveu assim o endereço: “Monsieur F.. – Capitale Fédérale”. A carta foi aberta pelo 10 ARTIGOS ANÔNIMOS E P SEUDÔNIMOS DO BARÃO DO RIO BRANCO correio francês, para conhecer o nome do remetente, e devolvida a este, depois de fechada, com a nota “adresse insuffisante”. Restituamos à nossa cidade federal o nome que lhe pertence e único por que é conhecida no mundo inteiro. Chamemo-la como ela tem o direito de ser chamada: Rio de Janeiro. A federação e a República não poderão perigar por isso, nem o Templo da Humanidade sofrer dano de espécie alguma. * * * A circular de 7 de julho de 1893, do Sr. Dr. João Felipe Pereira, tornando obrigatória a fórmula positivista – Saúde e Fraternidade – foi revogada por outra de 4 de dezembro último, do atual Ministro das Relações Exteriores. Os motivos da revogação encontram-se no seguinte respeitoso ofício que o Sr. Rio Branco, então ministro em missão extraordinária nos Estados Unidos da América, dirigiu ao seu ilustre superior: “Missão Especial do Brasil nos Estados Unidos da América” Nova York, 20 de setembro 1893. 2ª Seção. N. 21 bis Sr. Ministro, Tenho a honra de acusar o recebimento do Despacho-Circular de 7 de Julho em que V.Ex. recomenda que todos os ofícios sejam fechados com as palavras: “Saúde e Fraternidade”. Entendendo que a circular se aplica aos serviços ordinários e não às Missões Especiais e Temporárias como esta, deixo por enquanto, até a decisão de V.Ex., de recomendar aos secretários que ajuntem essa fórmula final aos ofícios daqui expedidos. Se a ordem é igualmente aplicável a missões especiais, ouso pedir a V.Ex. que, não havendo inconveniente, se digne de me dispensar do emprego de uma fórmula de saudação que na República Francesa, onde teve nascimento, só é empregada hoje pelos discípulos da religião de Augusto Comte, e que só poderei empregar com o protesto, que desde já faço, de que isso 11 CADERNOS DO CHDD não importará da minha parte adesão de espécie alguma à doutrina política e religiosa desse filósofo. Se entre nós a antiga fórmula – Deus guarde a V.Ex. ou V.S. – foi abolida em atenção a idéias filosóficas de alguns brasileiros, creio que as crenças religiosas de outros, sem dúvida muito mais numerosas, merecem também consideração. Isto justificaria a adoção das fórmulas de cortesia e respeito usadas no estilo oficial da República Francesa, da Confederação Suíça e dos Estados Unidos da América, fórmulas estas que satisfazem a todas as consciências. Peço vênia para observar que mesmo no tempo em que a correspondência oficial de todas as outras repartições públicas no Brasil terminava com “Deus guarde a V.Ex. ou V.S.” (que, entretanto, nunca foi obrigatório), o nosso antigo Ministério dos Negócios Estrangeiros, creio que desde pouco depois da independência, usava como fórmula final ou de saudação as que estavam e estão em uso no estilo da chancelaria ou diplomático de todos os povos cultos. Com adoção da antiga fórmula revolucionária, não admitida em nenhuma outra república, os despachos ou documentos do nosso Ministério das Relações Exteriores, comunicados aos governos estrangeiros pelos nossos representantes diplomáticos, ficaram constituindo uma exceção estranhável, e asseguro a V.Ex. que, mesmo nas três repúblicas acima citadas, a impressão daí resultante não nos será favorável, porque isso induzirá a crer que ainda estamos atravessando uma crise revolucionária. Estou convencido de que V.Ex. prefere ao silêncio das reservas mentais a linguagem da franqueza e lealdade e assim não levará a mal as respeitosas observações que faço neste ofício, usando do direito de representação e guardando a decisão de V.Ex., que receberei com o maior acatamento. Tenho a honra de reiterar a V.Ex. os protestos da minha mais respeitosa consideração. (Assinado) Rio Branco A S.Ex. o Sr. Dr. João Felipe Pereira Ministro e Secretário de Estado das Relações Exteriores” Esse ofício não foi respondido e o Sr. Rio Branco continuou a regular-se pelo antigo formulário até que o seu particular amigo 12 ARTIGOS ANÔNIMOS E P SEUDÔNIMOS DO BARÃO DO RIO BRANCO Sr. Dr. Olyntho Magalhães, em 1899, tornou extensivas às missões especiais as regras estabelecidas para a correspondência das Legações e Consulados. A ordem foi imediatamente cumprida pelos dois Ministros que então tínhamos em missão especial no estrangeiro, os Srs. Nabuco e Rio Branco, mas deixou de ser observada em algumas de nossas Legações sem que o Dr. Magalhães, ocupado com assuntos mais urgentes tivesse tido oportunidade para recusar a excelência e os protestos de respeitosa consideração que lhes eram enviados ou para exigir o emprego da fórmula positivista “Saúde e Fraternidade”. Agora, para uniformizar a correspondência oficial do Ministério das Relações Exteriores, foram restabelecidas as práticas anteriores a 1893 por meio das seguintes instruções: “1ª Seção Circular Rio de Janeiro, Ministério das Relações Exteriores, 4 de Dezembro de 1902. Sr.... (Ministro ou Cônsul) Sendo conveniente estabelecer na correspondência desta repartição e dos serviços que dela dependem as fórmulas de cortesia usadas no estilo de chancelaria de todos os povos cultos, e nomeadamente no de todas as outras Repúblicas, declaro revogada a circular de 7 de julho de 1893 e peço a V.S. que de ora em diante remate os ofícios que dirigir a funcionários públicos brasileiros e a particulares dizendo que tem a honra de lhes oferecer ou de lhes reiterar, conforme o caso, os protestos mencionados no apontamento anexo a esta circular. Quando forem dadas ou transmitidas ordens e instruções, não será necessário ordenar ou recomendar sempre a sua execução: bastará, na generalidade dos casos, pedir ao subordinado que as tenha presentes ou que as execute, devendo este entender que o pedido do seu superior hierárquico ou de qualquer autoridade competente é necessariamente uma ordem. No fecho das notas e cartas oficiais às autoridades estrangeiras, as legações e consulados brasileiros deverão continuar a empregar as fórmulas da polidez usadas no estilo oficial do país em que estiverem. 13 CADERNOS DO CHDD Tenho a honra de reiterar a V.S. os protestos da minha estima e consideração. (Assinado) Rio Branco” Como se acaba de ver, o que o Sr. Ministro das Relações Exteriores fez com a circular de 4 de dezembro último foi pôr de novo em vigor, na correspondência da sua repartição, as regras de cortesia oficial abolidas em 1893 e que são, resumidamente e com ligeiras variantes, as mesmas que se encontram em um folheto de cinqüenta páginas em cuja capa e folha de rosto se lê o seguinte: “République Française. Protocole du Ministère des Affaires Etrangères. – 1900” E da página 11 em diante: – “Protocole du Ministre”. Os republicanos da Suíça, dos Estados Unidos da América e da França, sendo mais antigos, devem entender mais de república do que os do Brasil. O nosso Ministério das Relações Exteriores está seguindo agora, em matéria de estilo oficial, os exemplos que nos dão os republicanos dessas e de todas as outras repúblicas. O Sr. Rio Branco, portanto, não suprimiu fórmulas republicanas, nem obedeceu a pensamento algum político. O Salut et Fraternité, usado em França na época da grande revolução, é desde muito fórmula religiosa e não política, de que apenas se servem em França e outros países os pouco numerosos observantes da doutrina religiosa de Augusto Comte. Não nos parece que se possa com razão considerar “pequice política” o emprego de alguns poucos minutos em consertar a reforma de 1893. O que com certeza deve ser considerado “pequice política” e mesmo rematada carolice é o ato dos que então impuseram ao Ministério das Relações Exteriores uma fórmula da Religião da Humanidade. Na República do Equador o ultramontano Garcia Moreno não foi tão longe, pois nunca se lembrou de decretar para fecho dos ofícios e notas o Dominus Vobiscum, que seria a fórmula equivalente e mais aceitável naquele país de carolas. Os avisos e comunicações das outras repartições são documentos do nosso serviço interno, correspondência trocada entre brasileiros e que, assim, se passa toda em família. Não sucede o mesmo aos despachos do Ministério das Relações Exteriores. Não raro são eles 14 ARTIGOS ANÔNIMOS E P SEUDÔNIMOS DO BARÃO DO RIO BRANCO comunicados por tradução aos governos estrangeiros e isso basta para mostrar que em tais documentos nos não devemos afastar dos estilos observados na correspondência diplomática de todos os povos civilizados. O “Salut e Fraternité” e o “Hail and Fraternity”, nas traduções francesa e inglesa do nosso protesto contra a decisão do tribunal arbitral anglo-venezuelano, causaram bastante surpresa aos velhos republicanos de Paris, Berna e Washington e deram motivo a comentários pouco agradáveis sobre o nosso calourismo republicano. No Brasil foi decretada a separação da Igreja e do Estado e não houve lei alguma impondo às repartições e aos funcionários públicos manifestações de adesão à religião da Humanidade. Sabemos que o Sr. Rio Branco admira profundamente os talentos, a ilustração, a constância de propagandistas e a pureza de vida dos dois dignos apóstolos do positivismo no Brasil. Tem por eles e por todas as religiões o maior respeito, mas não pode esquecer que no Brasil o Estado não tem religião. * * * O chamado tratamento de – vós – também se não pode dizer que seja rigorosamente republicano. Nas outras democracias é admitido, ou de rigor em certos casos, o tratamento de Excelência. Nas de língua espanhola, há este e o de Vossa Senhoria: nunca o de vós. Mesmo no Brasil, o de Excelência é de estilo corrente nas discussões das câmaras legislativas. O pronome da segunda pessoa do plural só é, em regra, empregado na língua portuguesa, na espanhola e na italiana quando se fala ou escreve a mais de uma pessoa. À índole dessas três línguas repugna o tratamento de vós, e pode dizer-se que em Portugal ele só era e é empregado nas Cartas Régias e outros documentos expedidos em nome do Rei ou, excepcionalmente, quando se fala à Majestade ou a alguma pessoa de maior eminência. Nos países de língua portuguesa tratamo-nos todos por “senhor”. Como, pois, pretender que o “Vossa Senhoria” ofenda o sentimento de igualdade? É melhor evitar os erros de conjugação tão freqüentes entre nós depois que se introduziu o tratamento de vós. Veja-se, por exemplo, o seguinte curioso trecho de ofício há tempos publicado, escrito por um pretenso positivista que em 1889 mereceu a 15 CADERNOS DO CHDD honra de um retrato, com extensa dedicatória, do ilustre Benjamin Constant: “... já vês, pois, que quem se enganou e errou fostes vós e não este seu criado, que chamei a atenção dos ilustres Ministros...” Em ofícios e telegramas, em vez de vós, têm recebido funcionários brasileiros, às vezes, o pouco cerimonioso tratamento tu. * * * O segundo parágrafo da circular teve por fim, como o primeiro, acabar com a secura e dureza do estilo oficial observado desde 1893 e que de dia em dia se foram agravando. Abolidas todas as fórmulas de polidez (“Tive a honra de receber”; “Reitero a V. os protestos da minha estima e consideração”; “Queira fazer isto”; etc.), a correspondência entre os funcionários do serviço exterior e a Secretaria deixava a impressão de que o Governo estava mal com os seus delegados e de que estes também não sabiam tratar com a devida deferência os seus superiores. As ordens eram dadas com o laconismo e aspereza com que certos sargentos falam aos seus inferiores: “Recomendo-vos que encarregueis o 1º Secretário dessa Legação de escrever um relatório minucioso sobre a viticultura nesse país. Saúde e Fraternidade.” A fórmula final soava como um áspero “Passe bem!” Não era assim que tratavam os seus subordinados os estadistas que deram renome ao nosso antigo Ministério dos Negócios Estrangeiros, dentre os quais bastará citar os Viscondes do Uruguai, de Abaeté, do Rio Branco, de Maranguape, de Sinimbu e de Caravellas, o Marquês de Abrantes, o Conselheiro Saraiva, o Barão de Cotegipe e, depois da República, Quintino Bocayuva e Carlos de Carvalho. Homens como Daniel Webster, Guizot, Gambetta, Metternich, Palmerston, Derby, Salisbury não desciam sua dignidade dizendo aos seus subordinados: “O ofício que me fizestes a honra de dirigir...”, “Peço-vos que comuniqueis isto...”, “Recebei, senhor, os protestos da minha distinta consideração” (fórmula francesa de cortesia nos despachos dirigidos aos simples Chanceleres de Consulados). Na 16 ARTIGOS ANÔNIMOS E P SEUDÔNIMOS DO BARÃO DO RIO BRANCO Inglaterra, o chefe do Foreign Office, seja ele embora um Palmerston, termina deste modo os seus despachos oficiais, mesmo quando se dirige a um Vice-Cônsul: “Tenho a honra de ser, senhor, vosso humilde e obediente servo...” Entre nós, entenderam alguns jovens ministros que não ficava bem à sua autoridade respeitar tais usos de chancelaria, posto que observados escrupulosamente por mestres em república, como são os suíços, os norte-americanos e os franceses. Compreende-se facilmente que na carreira diplomática, e também na consular, o exercício da polidez deva ser de uso constante. Funcionários habituados à dureza de forma, ou à falta de forma, maltratados e inibidos de observar as mais comezinhas regras de cortesia nas relações com os seus superiores, acabariam por ficar uns grandes malcriados, até mesmo no trato com as autoridades estrangeiras. A Circular de 4 de dezembro procurou atender à necessidade de evitar esse inconveniente, restaurando práticas que não são só das monarquias, mas também de todas as demais repúblicas. * * * Outra crítica de que tivemos notícia é relativa à assinatura RioBranco. Essa foi feita por um ex-Ministro em conversa de bond, ouvida pelos vizinhos. O jovem estadista via nesse modo de assinar uma demonstração de sebastianismo. Responde-se mui facilmente à crítica e à suspeita. O nosso Diário Oficial acaba de publicar uma nota do Conselho Federal Suíço dirigida ao Ministério das Relações Exteriores desta República. Termina assim o documento: ...................................................................................... “Queira aceitar, Sr. Ministro, os novos protestos da nossa alta consideração. Em nome do Conselho Federal Suíço O Presidente da Confederação (Assinado) ZEMP 17 CADERNOS DO CHDD O Chanceler da Confederação (Assinado) RINGIER” Vejamos, ao acaso, outro documento, este da França: “O Presidente da República Francesa, por proposta do Ministro dos Negócios Estrangeiros, decreta: ...................................................................................... O Ministro dos Negócios Estrangeiros fica encarregado da execução do presente decreto. Feito em Paris, aos 16 de novembro de 1900 (Assinado) E. LOUBET” Pelo Presidente da República, o Ministro dos Negócios Estrangeiros: (Assinado) DELCASSÉ Poderá o crítico pretender que os velhos republicanos suíços Zemp e Ringier, que o radical francês Delcassé devem ficar suspeitos de fingido republicanismo porque assinam um só nome? E cumpre notar que não são esses os únicos republicanos que assinam em documentos oficiais um só nome. Pode dizer-se que tal é a regra geral na Confederação Suíça e na República Francesa (Constans, Waldeck-Rousseau, além de muitos outros), e se nos não falha a memória, o uso, sem ser tão geral, é freqüente nos Estados Unidos da América. * * * Notemos também de passagem que nas repúblicas que nos podem servir de modelo em matéria de costumes democráticos e estilo oficial (Suíça, Estados Unidos da América e França), ninguém diz ou escreve “cidadão Chefe de Polícia”, “cidadão Ministro”, “cidadão Fulano ou Beltrano”. Nos Estados Unidos diz-se: “Mr. President”, “Mr. F.”; e nunca: “citizen President”; “citizen F”. Na Suíça também, embora todos sejam cidadãos, os funcionários e particulares são tratados por “Sr. F.” e não 18 ARTIGOS ANÔNIMOS E P SEUDÔNIMOS DO BARÃO DO RIO BRANCO por “cidadão F.”. Na República Francesa, só aos anarquistas, desordeiros e políticos desequilibrados se costuma dar em tom de mofa o tratamento de “citoyen” em vez do de “Monsieur”. Diz-se correntemente: “la citoyenne Louise Michel”; mas nenhum homem que se respeite dirá ou escreverá: “le citoyen Waldeck-Rousseau”, “le citoyen Méline”. No Paraguai de Solano Lopez, sim, quando ali reinava o cepouruguaiano e outros instrumentos de tortura, além dos fuzilamentos e degolações, é que se dizia sempre: “el ciudadano coronel F.”, “el ciudadano juiz de paz ”, etc. * * * Depois de dizer que o Sr. Rio Branco é o “aclamado chefe do intitulado partido da pátria”, o Sr. Miguel Lemos termina assim: “... seja como for, o que sinceramente desejamos é que essas reformas iniciais do atual Ministro do Exterior muito contribuam para que o ilustrado brasileiro nos demonstre praticamente na gestão política da sua pasta, que o capitólio das Missões e do Amapá está muito distante da rocha tarpéia do Acre e de outros insondáveis despenhadeiros que demoram em torno da sua eminente posição no Governo da República.” Não sabemos que haja entre nós um “intitulado partido da pátria.” Se existe, terá outro ou outros chefes. Afastado há vinte e oito anos das nossas questões de política interna, o Sr. Rio Branco tem mostrado que não procura nem deseja eminências políticas. Se ultimamente, pela confiança do novo Presidente da República, foi colocado em “posição eminente”, outros galgaram essas alturas muito mais depressa e muito mais facilmente do que ele. É também sabido que só aceitou o posto que ocupa depois de longa resistência, porque, dados os seus hábitos de vida tranqüila e retirada e os encargos de família que tem, a aceitação importava mui grande sacrifício, não só seu, mas também de terceiros que lhe são caros. Acabou, porém, por inclinar-se diante do insistente convite do Presidente eleito, e inclinou-se lembrando-se somente do muito que devia e deve à nossa terra. Pode o Sr. Miguel Lemos estar muito certo de que o novo Ministro das Relações Exteriores não partiu da Europa ignorando a existência dos despenhadeiros a que se refere. Veio para o Brasil mui ciente de 19 CADERNOS DO CHDD que no posto de perigo que lhe foi designado tinha bastante a perder e nada a ganhar. Se, porém, tiver de cair de algum despenhadeiro, estamos convencidos de que há de fazer o possível por cair só sem arrastar em sua queda os interesses do Brasil. Seja como for, as fórmulas agora abolidas do nosso estilo de chancelaria não tiveram a virtude de impedir a horrorosa embrulhada do Acre, em que andamos metidos, nem a constituição dos rochedos com que é ameaçado o novo ministro. ___________________________________________________________________ Artigo também publicado nos seguintes periódicos: – – – – Correio da Manhã. 13 jan. 1903. O Paiz. 12 jan. 1903. Gazeta de Notícia. 12 jan. 1903. A Tribuna. 12 jan. 1903. 20 ARTIGOS ANÔNIMOS E P SEUDÔNIMOS DO BARÃO DO RIO BRANCO A QUESTÃO DO ACRE E O TRATADO COM A BOLÍVIA I* KENT O Commercio de S. Paulo, em editoriais, “Cartas do Rio de Janeiro” e “Notas Fluminenses”, tem tratado por vezes do acordo a que chegaram em Petrópolis os plenipotenciários do Brasil e da Bolívia. “Waterloo!”, “No charco!” e “Fora do charco”, são os títulos de três desses artigos, os dois últimos saídos da pena do infatigável propagandista da restauração Sr. Martim Francisco Ribeiro de Andrada. Examinemos rapidamente este último escrito, pois aos dois primeiros artigos já respondeu brilhantemente Eduardo Salamonde nas colunas d’O Paiz. * * * As questões do Amapá e Missões, diz o Sr. Martim Francisco, “vinham do Império: poderiam ter erros, não tinham sujeiras”. A do Acre, acrescenta, “vinha da República: era-lhe inevitável a indecência.” Muito se ilude o ilustre monarquista. A questão do Acre tem incontestavelmente as suas raízes no Império. Foi no tempo da monarquia que se negociou o tratado de 27 de Março de 1867, atacado por Kakistos, pseudônimo de um dos nossos melhores diplomatas, o Conselheiro José Maria do Amaral. Foi no tempo do Império que o Governo brasileiro começou a dar ao artigo 2º a absurda interpretação de que resultou a linha oblíqua Javari-Beni, defendida depois pelos Ministros da República durante as administrações Prudente de Moraes e Campos Salles. Se isso era “sujeira”, vinha de muito longe, e não aos que a defenderam por sentimento de solidariedade governamental, mas sim aos que a criaram é que deviam ser dirigidas as censuras do Sr. Martim Francisco. Pretende o emérito polemista que o tratado de Petrópolis, em suas linhas gerais, estipula o seguinte: * Publicado no Jornal do Commercio. Rio de Janeiro, 17 dez. 1903. Seção: Publicações a Pedido. 21 CADERNOS DO CHDD a) A cessão do território nacional, embora em quantidade mínima; b) O pagamento, pela segunda vez, e oito ou dez vezes mais caro, de território que alguns homens de mérito pensavam ser brasileiro; c) Proteção eficaz e dispendiosa aos interesses comerciais da Bolívia por meio de estrada de ferro com responsabilidade e compromissos do erário nacional. Comecemos pelo parágrafo c: A construção da estrada de ferro do Madeira ao Mamoré, em território de Mato Grosso, desde Santo Antônio até Guajará-Mirim, é obra que aproveita não só à Bolívia, mas também ao nosso Estado de Mato Grosso. A construção dessa via de comunicação, ao mesmo tempo brasileira e internacional, foi aconselhada e reclamada pelos primeiros estadistas do Império, desde Tavares Bastos até o Marquês de São Vicente, o Visconde do Rio Branco e o Barão de Cotegipe, sem excetuar um Conselheiro de Estado que se chamou Martim Francisco Ribeiro de Andrada. É execução de promessa feita à Bolívia no art. 9º do tratado de 27 de março de 1867, e renovada solenemente no de 15 de março de 18821, negociado nesta cidade do Rio de Janeiro, pelo Conselheiro Felipe Franco de Sá, com a aprovação de Martinho Campos, então Presidente do Conselho. Basta transcrever aqui, para conhecimento dos novéis monarquistas, esquecidos ou pouco conhecedores de atos que fazem honra ao passado regímen, o preâmbulo e o art. 1º do Tratado de 1882, todo ele relativo à estrada de ferro do Madeira ao Mamoré: “S. M. o Imperador do Brasil e S. Ex. o Presidente da República da Bolívia, desejando completar, no interesse comum, a estipulação do art. 9º do Tratado de 27 de Março de 1867, resolveram fazêlo por meio de um tratado especial, e para esse fim nomearam por seus plenipotenciários, a saber:... .................................................................................................. 1 Corrigida pelo próprio Barão do Rio Branco, na Coleção de Recortes de Jornais do Arquivo Histórico do Itamaraty, para 15 de maio de 1882. 22 ARTIGOS ANÔNIMOS E P SEUDÔNIMOS DO BARÃO DO RIO BRANCO ..................................................................................................” “Art. 1º – S. M. o Imperador do Brasil, confirmando a promessa feita pelo art. 9º do Tratado de 27 de Março de 1867, obriga-se a conceder à Bolívia o uso de qualquer estrada de ferro que venha a construir por si, ou por empresa particular, desde a primeira cachoeira na margem direita do rio Mamoré até à de Santo Antônio, no rio Madeira, a fim de que a República possa aproveitar para o transporte de pessoas e mercadorias os meios que oferecer a navegação abaixo da dita cachoeira de Santo Antônio.” Dessa estrada de ferro, que o terceiro Martim Francisco parece condenar, disse o Conselheiro Andrade Figueira, em sessão de 20 de setembro de 1882, na Câmara dos Deputados, quando orava Passos de Miranda, um dos propugnadores do grande empreendimento: “É a mais importante estrada de ferro do Império. É a única estrada de ferro para que votarei garantia de juros”. Eis o que o colaborador do Commercio de S. Paulo supõe ser uma via férrea dispendiosa, destinada a proteger os interesses comerciais da Bolívia, sem atender a que ela vai servir também aos de Mato Grosso, e, salvando as cachoeiras do Madeira e do Mamoré, tornar esse Estado brasileiro independente da comunicação fluvial através das Repúblicas do Paraguai e Argentina. Por tudo isso, dizia o Imperador D. Pedro II, no preâmbulo do tratado de 1882, que a estrada seria feita no interesse comum do Brasil e da Bolívia. Cumpre notar ainda que ela será custeada principalmente pelo comércio da Bolívia; que todos os outros vizinhos, como é natural, se esforçam por atrair para o seu território o comércio de trânsito entre a Bolívia e o estrangeiro; que a República Argentina está prolongando por território boliviano uma via férrea sem pedir por isso favor algum ao Governo desse país; e que quando ficar terminada a seção do novo caminho de ferro compreendida entre o Santo Antônio e a foz do Beni e concluída também a que, com indenização que o Brasil vai pagar à Bolívia, o General Pando projeta iniciar entre La Paz e Yungas, ficará aberta uma via intercontinental pela qual se poderá atravessar de Belém do Pará a Antofagasta, no Chile, ou a Mollendo, no Peru, isto é, do Atlântico ao Pacífico em barcos a vapor ou em caminhos de ferro. * * * 23 CADERNOS DO CHDD Vejamos agora os parágrafos a e b : “Cessão de território nacional” e “pagamento, pela segunda vez, de território considerado brasileiro por homens de mérito.” É impróprio falar em cessão de território nacional quando o que há, pelo tratado, é uma permuta de territórios, permuta que, por ser sumamente desigual, explica a compensação em dinheiro com que o Brasil deve entrar. Com efeito, nessa troca, o Brasil transfere à Bolívia apenas 3.164 quilômetros quadrados, ou 102 léguas das de 20 ao grau – pouco mais do dobro do Distrito Federal – e recebe 191.000 quilômetros quadrados ou 6.190 léguas, isto é, extensão maior do que a de seis2 Estados da União tomados separadamente, maior do que as dos dois Estados de Pernambuco e Alagoas reunidos, e quase igual à que resultaria da soma das áreas dos quatro Estados do Rio de Janeiro, Espírito Santo, Sergipe e Alagoas. Dá o Brasil insignificantes nesgas de território: em Mato Grosso, inteiramente desabitadas e pela maior parte cobertas de água, pois de terra firme apenas se contam ali 78 quilômetros quadrados ou 2½ léguas; no Amazonas, um trecho inculto, só habitado por bolivianos, entre o Albunã e a margem esquerda do Madeira. Recebe uma região imensa, rica de produtos naturais, povoada e explorada por mais de 60.000 brasileiros, incluindo os do Acre, Yaco, Alto Purus e outros afluentes e subafluentes do Amazonas. Por não haver equivalência nas áreas dos territórios permutados é que o Brasil paga a indenização de £ 2.000.000 à Bolívia, aplicável a caminhos de ferro e outros melhoramentos que favoreçam as relações de comércio entre os dois países, e que, provavelmente, em pouco tempo tornarão dispensável qualquer desembolso para pagamento de juros aos acionistas da empresa do Madeira ao Mamoré. O Brasil não “vai pagar à Bolívia, por preço mais avultado, o que já pagou ao Sindicato Norte-Americano”. O pagamento de £ 112.000 ao Sindicato deve ser levado em conta na soma dos sacrifícios que fazemos para resolver definitivamente a chamada questão do Acre, mas não houve nessa operação compra de direitos ou de territórios. O que fez então o Governo brasileiro foi eliminar um elemento 2 Corrigido para “nove Estados” pelo próprio Barão do Rio Branco, na Coleção de Recortes de Jornais do Arquivo Histórico do Itamaraty 24 ARTIGOS ANÔNIMOS E P SEUDÔNIMOS DO BARÃO DO RIO BRANCO perturbador e perigoso, que andava a suscitar-nos dificuldades na Europa e na América do Norte, tirar ao Governo boliviano a esperança de apoio estrangeiro, simplificar a questão entre o Brasil e a Bolívia e facilitar um concerto amigável entre os dois países. * * * O fato de haverem sustentado alguns eminentes compatriotas nossos, a partir de 1900, que o Acre é brasileiro até o paralelo de 10º 20’ Sul, não exclui a conveniência e a legitimidade da transação que se acaba de fazer. Oficialmente, segundo vários protocolos, notas diplomáticas e declarações do Governo brasileiro durante 35 anos, isto é, desde 1867 até 14 de novembro de 1902, o território ao sul da linha oblíqua Javari-Beni era incontestavelmente boliviano. Só a partir de janeiro deste ano o novo Ministro das Relações Exteriores, Sr. Barão do Rio Branco, rompendo com o passado, deu oficialmente à última parte do art. 2º do Tratado de 1867 a inteligência que começaram a dar-lhe em 1900 os distintos publicistas, oradores e engenheiros a que se refere o Sr. Martim Francisco. Ora, sabe S.Ex. muito bem que não raro, em causas cíveis e comerciais, dois litigantes transigem, com o fim de evitar as delongas e as incertezas do processo e não é, portanto, para estranhar que agora demos dinheiro por um território em litígio, com o fim de resolver de pronto a questão a nosso favor. Há mais ainda. No caso presente, não é só o território considerado brasileiro desde 1900 pelo Srs. Ruy Barbosa, Serzedello Corrêa, Frontin e outros que fica reconhecido como brasileiro pela Bolívia, mas também uma extensa zona ao sul do paralelo de 10º 20’, zona que para eles era, com razão, tida por incontestavelmente boliviana em virtude do Tratado de 1867, e na qual se compreende a maior parte do Acre, habitada por brasileiros. Adquirimos, pois, por transação muito legítima, o território só ultimamente declarado em litígio entre a linha oblíqua chamada Cunha Gomes e o paralelo de 10º 20’ e adquirimos por compra, não menos legítima, a zona ao sul desse paralelo. Se nessa combinação não entrássemos também com a transferência de alguns insignificantes pedaços de terra, se pretendêssemos que deve ser amaldiçoado o que cede uma polegada de território nacional, 25 CADERNOS DO CHDD mesmo em troca de região considerável e rica, como seria possível convencer a Bolívia de que nos devia abandonar mais da oitava parte do que considerava seu patrimônio nacional? Suponhamos que a Inglaterra – como em 1890 cedeu a Ilha de Heligoland à Alemanha em troco de certas concessões importantes na África Oriental – nos oferecesse 10 ou 20 léguas quadradas de bons campos nos confins da sua Guiana em troco da Ilha de Trindade, longínqua, estéril e até agora inaproveitável para nós. Seria ou não essa troca um bom negócio para o Brasil? Qualquer homem de simples bom senso responderia pela afirmativa. Os patriotas de nova espécie que pretendem levantar a opinião contra o tratado com a Bolívia, esses repeliriam indignados a troca. * * * Afirmou mais uma vez o Sr. Martim Francisco que o Império nunca cedeu territórios. Já mostramos que no caso presente não se trata de cessão, mas sim de permuta ou, se quiserem, de mútua cessão de territórios, e que a troca – tendo-se em vista a importância das áreas, a qualidade das terras e a circunstância de serem elas ou não habitadas – é sumamente desigual, sendo toda em vantagem do Brasil. Essa permuta é autorizada pelo art. 5º do Tratado de 1867, que diz assim: “Se para o fim de fixar, em um ou outro ponto, limites que sejam mais naturais e convenientes a uma ou outra Nação parecer vantajosa a troca de territórios, poderá esta ter lugar, abrindo-se para isso novas negociações e fazendo-se, não obstante isto, a demarcação como se tal troca não houvesse de efetuar-se. Compreende-se nesta estipulação o caso da troca de territórios para dar-se logradouro a algum povoado ou a algum estabelecimento público que fique prejudicado pela demasiada proximidade da linha divisória.” A Constituição do Império, como já lembrou O Paiz, permitia a troca e a cessão de territórios mediante a aprovação da Assembléia Geral Legislativa. 26 ARTIGOS ANÔNIMOS E P SEUDÔNIMOS DO BARÃO DO RIO BRANCO O Império concluiu dois tratados de troca de território: o de 4 de setembro de 1857, com o Uruguai e o de 11 de fevereiro de 1874, com o Peru, o primeiro negociado pelo ilustre estadista Paulino de Souza, Visconde do Uruguai, o segundo quando era Ministro dos Negócios Estrangeiros o não menos ilustre Carneiro de Campos, Visconde de Caravelas. O Império ofereceu ceder à França, em 1856, o território, então despovoado, entre os rios Calçoene e Oiapoque, procurando assim transigir para pôr termo a um velho litígio em que o direito do Brasil era perfeito, incontestável, como ficou demonstrado no processo arbitral de Berna. Durante o Império foram feitas generosas concessões aos nossos vizinhos nos tratados de limites com o Peru (1851), Uruguai (1853), Venezuela (1859), Bolívia (1867) e Paraguai (1872). Durante os sessenta anos do regímen passado, o território nacional não teve aumento algum, pelo contrário, em todos os ajustes citados renunciamos a terras a que, pela aplicação do princípio do uti possidetis, tínhamos direito e sofremos até, pelo tratado de 27 de Agosto de 1828, a desagregação da Província Cisplatina, depois República Oriental do Uruguai, isto é, a perda de 187.000 quilômetros quadrados, extensão territorial – seja dito de passagem – quase equivalente à que pelo Tratado de Petrópolis vamos agora incluir dentro dos limites do Brasil... Não recordamos estes fatos com a intenção de desaprovar ou censurar o que praticou o Império. Desejamos tão somente que o Commercio de S. Paulo e o Sr. Martim Francisco meditem sobre esses antecedentes históricos e expliquem o porque era lícito e louvável, naquele tempo, permutar, ceder território ou mesmo consentir na separação de uma província inteira, com representação no Parlamento Brasileiro, e é condenável agora alargar os domínios da Pátria Brasileira, receber um território imenso, fertilíssimo, onde vivem e trabalham 60.000 compatriotas nossos e conseguir isso sem um tiro, sem uma gota de sangue derramado, somente pela persuasão, dando nós em retorno à outra parte algumas léguas de terra despovoada e de alagadiços, uma soma em dinheiro aplicável a melhoramentos que indiretamente nos serão vantajosos, favores comerciais que nenhum povo culto recusa a outro seu vizinho, e o uso de um caminho de ferro já prometido, sem compensação alguma no tempo do Império, e que, mais do que 27 CADERNOS DO CHDD à Bolívia há de beneficiar os Estados brasileiros de Mato Grosso, Amazonas e Pará. Artigo também publicado nos seguintes periódicos: – – – – Gazeta de Notícias. 18 dez. 1903. Jornal do Brasil. 18 dez. 1903. A Tribuna. 19 dez. 1903. O Paiz. 18 dez. 1903. 28 ARTIGOS ANÔNIMOS E P SEUDÔNIMOS DO BARÃO DO RIO BRANCO A QUESTÃO DO ACRE E O TRATADO COM A BOLÍVIA II* KENT Ontem, examinando certas críticas e censuras do Commercio de S. Paulo, ocupamo-nos com as principais cláusulas do Tratado de Petrópolis, já conhecido do público, em suas linhas gerais, tanto no Brasil como na Bolívia. Hoje desejamos mostrar que não é propriamente o sentimento de patriotismo ofendido, mas sim de paixão partidária, o desejo de perturbar a paz pública, que inspira as hostilidades abertas em setembro contra o Governo atual e mui particularmente contra o Sr. Ministro das Relações Exteriores. O plano assentado e seguido pelo Barão do Rio Branco para resolver a chamada questão do Acre, tão mal parada quando ele assumiu a direção do seu cargo, ficou perfeitamente conhecido de toda a nossa imprensa desde janeiro último, só encontrando, durante meses, manifestações de simpatia e até louvores e aplausos dos mesmos que hoje procuram levantar contra esse compatriota a cólera popular. Tudo corria tranqüilamente quando em setembro aprouve a certos agitadores de profissão explorar contra o Governo algumas das cláusulas do tratado que se negociava. Em outros países, onde em todos os círculos da política e da imprensa se tem melhor compreensão de patriotismo e dos interesses da causa pública, as questões com o estrangeiro são consideradas sempre questões nacionais. Por isso em França, ministros como os Srs. Hanotaux e Delcassé têm podido permanecer em gabinetes sucessivos, de diferentes matizes políticos. Entre nós não se dá o mesmo nos dias de hoje, que infelizmente ainda são de anarquia mental. São precisamente as grandes questões externas que alguns ambiciosos de mando, ao mesmo tempo agitados e agitadores incuráveis, exploram com mais engenho para intrigas de politicagem, no propósito de transviar a opinião e urdir conspirações e golpes de Estado. E há jornalistas, alguns de puro e sincero patriotismo, que se deixam levar pelo canto dessas sereias das discórdias civis! * Publicado no Jornal do Commercio, Rio de Janeiro, 18 dez. 1903. Seção: Publicações a Pedido. 29 CADERNOS DO CHDD Vejamos se as bases do tratado ultimamente concluído e os atos praticados para que pudéssemos chegar a esse resultado eram ou não conhecidos de longa data. Examinemos se antes de iniciada há pouco a guerra dos boatos e intrigas havia indignações e revoltas contra a permuta de territórios, contra a compra do Acre, a eliminação do Sindicato anglo-americano e a ocupação militar de parte da região que só em janeiro último ficou em litígio. * * * Em 26 de janeiro dizia o Jornal do Commercio em um bem lançado artigo da sua Redação: “O Governo atual teve ensejo de propor a compra do território. Apesar dos títulos do Brasil para pleiteá-lo, a questão tinha chegado a tal pé que valia a pena não perder tempo a reduzi-la o mais possível a uma solução prática.” A proposta foi recusada... “Recusada a idéia de venda, o Governo brasileiro buscou outro alvitre: propôs a troca de território e ofereceu grandes compensações no sentido de favorecer por meio de uma estrada de ferro o tráfego comercial pelo Madeira, entendendo-se nesse sentido, se assim fosse necessário, com o Bolivian Syndicate. Não é possível espírito mais conciliador. Se é na distância do Acre e na quase impossibilidade de o governar e explorar que se procura fundar o ato do arrendamento, nada mais natural do que oferecer à Bolívia outro território mais propício à sua influência e ao seu mando, sobretudo com a vantagem de uma saída fácil dos seus produtos pelo Amazonas, que é o mais curto caminho do seu contato com o velho mundo...” Em 28 de janeiro, todos os jornais desta Capital publicaram um telegrama-circular do Sr. Barão do Rio Branco, dirigido às Legações Brasileiras, e nele se lia o seguinte: “Propusemos comprar o território do Acre, atravessado pelo paralelo de dez graus e vinte minutos, para nos entendermos depois com o Bolivian Syndicate. Depois propusemos uma troca 30 ARTIGOS ANÔNIMOS E P SEUDÔNIMOS DO BARÃO DO RIO BRANCO de territórios. O Governo boliviano a nada tem querido atender. O Presidente Pando vai marchar com o fim de submeter os brasileiros do Acre. Em conseqüência disso, o nosso Presidente resolveu concentrar tropas nos Estados do Mato Grosso e Amazonas...” Os trechos que acabamos de transcrever, do Jornal do Commercio e da circular de Rio Branco, não ficaram ignorados do ativo redatorchefe d’A Notícia, pois no seu número de 30 de janeiro último encontramos um editorial que começa assim: “No telegrama-circular que o ilustre Barão do Rio Branco dirigiu às Legações do Brasil, narrando as recentes ocorrências com a Bolívia, vê-se que o Brasil propôs preliminarmente a compra do território do Acre e em seguida uma troca de territórios, a nada acedendo o Governo da Bolívia. Reatadas as negociações, sempre com o espírito conciliatório de que temos dado tantas provas, constou que o Governo brasileiro oferecia-se a construir uma estrada de ferro que facilitasse à Bolívia o seu movimento comercial pelo Madeira...” Em 26 de março, dizia assim A Notícia : “... Não se chegando a um acordo direto, o Brasil e a Bolívia recorrerão à arbitragem. Como se sabe, têm sido três as bases de um acordo direto, bases que naturalmente voltarão a ser objeto das negociações: indenização pecuniária; construção de estrada que facilite à Bolívia uma saída para o Amazonas e para o oceano; permuta de territórios. Tudo quanto se possa dizer a esse respeito é antecipado, parecendo apenas que a Bolívia repele in limine a indenização pecuniária... Quanto à terceira base, a permuta de território, qualquer juízo ou previsão seria impertinente na intercorrência da questão diplomática que vai prosseguir durante o modus vivendi ...” Assim, já em 30 de janeiro A Notícia sabia perfeitamente o que desejava ou pretendia o Sr. Barão do Rio Branco: a compra do Acre ou uma troca de territórios; a construção da via-férrea do Madeira. E A Notícia, desde janeiro até outubro, não disse uma palavra contra a permuta de territórios. Em 4 de abril aconselhava a compra do Acre. E, em 13 de novembro, esquecida do que escrevera em 30 de janeiro e 26 de março, dizia: “O Sr. Barão do Rio Branco, para cuja 31 CADERNOS DO CHDD lealdade não precisamos apelar, repelia in limine e com todo o vigor do seu esclarecido patriotismo qualquer proposta de permuta de territórios”. Avivada assim a memória d’A Notícia, verá ela que o Sr. Barão do Rio Branco não só não repelia propostas de troca de território, que ninguém lhe fazia, mas até foi quem propôs a combinação de troca desigual e compensação em dinheiro. O Governo da Bolívia até fins de julho não queria saber de indenização pecuniária: só admitia a permuta rigorosa de territórios ou, o que achava preferível, o arbitramento para a interpretação do art. 2º do Tratado de 1867. Vem de molde lembrar também que, quando o ilustre redatorchefe d’A Notícia e da Gazeta defendia o Governo passado, não se revoltava contra a idéia de troca de territórios, nem via na Constituição da República empecilho algum para a permuta projetada. A Platéa de S. Paulo deu então resumida conta das negociações em curso entre os Srs. Olyntho de Magalhães e Salinas Vega. Os jornais desta Capital transcreveram as revelações da Platéa de S. Paulo. Não podia, portanto, o ativo redator-chefe d’A Notícia, demais a mais confidente íntimo do Governo de então, ignorar o que era aqui divulgado, em diferentes ocasiões, por várias folhas, entre as quais o Jornal do Commercio, a Imprensa e o Correio da Manhã. * * * Tratava-se naquele tempo de operação modesta. O pequeno trecho do rio Acre (45 milhas) e o território que ele atravessa, entre a linha oblíqua Javari-Beni e o paralelo de 10º 20’, seriam transferidos ao Brasil em troco de território de igual superfície, pertencente ao Estado do Amazonas, e de um porto no Paraguai, devendo o Brasil entregar à Bolívia durante quinze anos a renda do Acre ou aplicá-la à construção do caminho de ferro do Madeira. Dizemos que a operação era modesta porque a maior parte do rio Acre (250 milhas), a mais produtiva e mais povoada de brasileiros, continuaria a pertencer à Bolívia; mas o trecho de território incontestavelmente nacional que passaria à Bolívia não era de uns 3.000 quilômetros quadrados, como agora, mas sim de 50.000 ou mais. A negociação ia por diante quando, pela intervenção de uma esquadrilha que o Governo Federal mandou ao Acre, se fez a pacificação em proveito da Bolívia. Então, como referiu no Jornal do Commercio o 32 ARTIGOS ANÔNIMOS E P SEUDÔNIMOS DO BARÃO DO RIO BRANCO escritor ministerial que se assinava “Um diplomata”, o Sr. Salinas Vega suspendeu a negociação, rejeitando, em nome do seu Governo, as propostas e combinações de permuta de territórios que andavam sendo estudadas. O Correio da Manhã naquele tempo era pela troca de territórios que hoje condena. “Se a Chancelaria brasileira”, dizia na parte editorial dessa folha o ilustre Victorino Pereira (24 de junho de 1902), “se a Chancelaria brasileira esteve prestes a resolver o assunto com a contra-proposta do Sr. Salinas Vega em condições aceitáveis, porque deixou escapar a ocasião favorável e firmou ou manteve o protocolo de outubro de 1900? Se essa proposta existe, e documentada, por que não sustentá-la ou revivê-la? Se disso não há prova, porque deixou o Ministro de se assegurar na posse do documento tão necessário e importante?” A solução que Victorino Pereira e o Correio da Manhã achavam boa e aconselhavam em junho do ano passado, ficou sendo agora uma “vergonha”, uma “infâmia”, somente porque o Brasil adquire território quatro vezes maior do que pedia então o Governo brasileiro e transfere à Bolívia 3.000 quilômetros quadrados em vez de 50.000. O Correio da Manhã também publicou em 28 de janeiro deste ano o telegrama-circular a que acima nos referimos, sem reprovar a idéia de compra, nem a de troca de territórios, antes aplaudindo tudo quanto fazia o Barão do Rio Branco e mostrando-se coerente com o que dizia no tempo de Manoel Victorino. Gil Vidal, em 8 de fevereiro, dava um artigo com o título “Vitória diplomática” e, no dia 9, relembrando as que o Brasil alcançara nos dois arbitramentos de Washington e Berna, dizia: “Vitória igual nos espera na contenda com a Bolívia se porventura não pudermos resolvê-la por concessões recíprocas, e tivermos que entregá-la a arbitramento. Ainda desta vez a estrela do Barão do Branco foi propícia ao Brasil. Parece que os céus tomaram sob o seu patrocínio esse nome a que está ligada a nossa maior obra de caridade e humanidade – a redenção dos cativos...” Entendia, portando, o Correio da Manhã, em 9 de fevereiro, que devíamos procurar resolver a contenda com a Bolívia por meio de 33 CADERNOS DO CHDD concessões recíprocas, compreendendo-se, sem dúvida, nesta expressão a permuta de territórios, já aconselhada em 24 de junho do ano passado no mesmo Correio da Manhã, ou a compra do Acre, proposta pelo atual Governo com o intento de reduzir à expressão mais simples a nossa contribuição em território. * * * No precedente artigo já explicamos que o Brasil não comprou, em fevereiro, direitos ao Bolivian Syndicate, direitos que lhe não reconhecia e que, mesmo quando fossem válidos, não podiam, por disposição clara e terminante do contrato, ser transferidos sem o consentimento do Congresso boliviano. O que o Governo brasileiro então obteve foi a renúncia pura e simples da concessão havida pelo Sindicato, para assim eliminar um elemento perturbador das negociações. Em 11 de novembro, A Notícia, ainda que de passagem, envolveu nas suas censuras essa operação, dizendo que o Governo comprara por cem mil libras “o direito ilíquido de um Sindicato”. É interessante aproximar desse juízo desfavorável o que A Notícia tinha dito anteriormente. Em 26 de fevereiro: “... Referimo-nos ao que nos diz o nosso correspondente especial de Petrópolis, comunicando-nos a grata, importantíssima notícia de já estar terminada a negociação entabulada entre o Governo brasileiro e o Sindicato anglo-americano... Está removido um grande embaraço a que era preciso atender...” Em 13 de março: “... Nos telegramas de hoje fez-se questão, sobretudo, das negociações em virtude das quais o Brasil obteve a desistência do Sindicato. A Bolívia reputa caduca a concessão, por um lado; e por outro lado recusa-nos o direito de ter entabulado essas negociações. De que a ação do Governo nesse sentido foi útil são provas, por exclusão, os protestos, aliás tardios, que ela desperta; quanto ao direito que nos é recusado agora, poder-se-ia dizer que 34 ARTIGOS ANÔNIMOS E P SEUDÔNIMOS DO BARÃO DO RIO BRANCO essa desistência é, pelo menos, um elemento de facilidade para a ocupação militar que o Brasil resolveu fazer...” * * * Relativamente à intervenção militar que, em janeiro e fevereiro, o Governo e a Nação inteira julgaram necessária para proteger os brasileiros do Acre e é hoje condenada pelo Correio da Manhã, reproduziremos os seguintes trechos: – De Gil Vidal, artigo de fundo no Correio da Manhã de 25 de janeiro último: “Já não é permitido confiar na eficácia dos meios diplomáticos para chamar à razão a Bolívia. Esta quer dominar o Acre pela força, levando de vencida a resistência que lhe têm oposto os brasileiros ali residentes. Nós não podemos consentir na imolação dos nossos compatriotas à ganância dos bolivianos, tanto mais quanto o território é pelo menos litigioso... Temos que repelir a força pela força. Na situação a que chegaram as coisas nada mais nos resta fazer senão o apelo às armas. Seria indecoroso recuar...” – Do Sr. Rocha Pombo – que depois se tornou pombinha de paz, amigo da Bolívia e mais boliviano do que o General Pando e os Srs. Guachalla e Pinilla – artigo no Correio da Manhã de 31 de janeiro: “... O General Pando ... à frente de legiões, abala para o Acre, onde não mais pode tolerar que haja brasileiros que protestem, como já protestaram contra a usurpação de um território que é tão nosso, pelo menos como dos bolivianos. Que virá essa expedição fazer ali onde há 20.000 brasileiros que sofrem nos seus direitos e nos seus interesses? A que excessos está exposta toda essa inditosa gente, abandonada naqueles sertões à inclemência e ao furor de inimigos cuja única lei pode-se imaginar qual será lá no desolamento das florestas!... Veja-se agora como são diferentes os tempos! Em 1864, bastou que compatriotas nossos estivessem sendo vítimas de vexações no Estado Oriental, para que um corpo do nosso exército imediatamente transpusesse a fronteira e fosse reclamar pelas 35 CADERNOS DO CHDD armas aquilo que se nos negava pela razão e o direito. E tratava-se então de brasileiros domiciliados em outro país ... Hoje, há irmãos nossos oprimidos, tratados à bala e à faca em terras que habitaram sempre, muito certos de que estavam em sua pátria e sob a proteção das leis da República ... E que fizemos nós até hoje?...” – Do mesmo pacífico Sr. Rocha Pombo, no Correio da Manhã de 4 de fevereiro: “... Se os bolivianos se apoderarem do Acre, além da ação enérgica que nos cumpre exercer ali, uma represália imediata se impõe: a invasão da Bolívia por Mato-Grosso. Entre as nações a lei inelutável é esta, por mais que nos pese e constranja aos nossos sentimentos cristãos: dente por dente...” Deixou apenas de acrescentar: “olho por olho...” * * * Assim, o Correio da Manhã desejou, em janeiro e fevereiro, “ação enérgica” e imediata no Acre, para a defesa dos “nossos irmãos oprimidos”, e a invasão da Bolívia por Mato Grosso. Agora, censura o Governo porque mandou tropas para o Acre com o fim de impedir que fossem esmagados “os nossos irmãos oprimidos”, que continuassem eles a ser “tratados à bala e à faca”, e que pudessem ser exterminados por forças estrangeiras, quando – como declarou, em documento público, o Barão do Rio Branco – se queríamos adquirir aquela região, não era pelo valor da terra em si, mas para que passassem a viver sob a proteção da bandeira e das leis de sua pátria os brasileiros que a povoavam. Se o Correio da Manhã entende que tropas brasileiras não devem ser mandadas, em caso de necessidade, para regiões insalubres, porque aconselhou isso há meses? Pois não é fazer injustiça aos nossos soldados de hoje supor que neles o espírito de sacrifício é menor que nos da Bolívia, e nos nossos veteranos do Paraguai, que souberam afrontar o impaludismo e a cólera-morbus? * * 36 * ARTIGOS ANÔNIMOS E P SEUDÔNIMOS DO BARÃO DO RIO BRANCO Ocupação militar, compra e permuta de territórios, concessões recíprocas, tudo isso foi aconselhado ou aprovado durante meses pelos mesmos que hoje fazem disso outros tantos crimes do Governo e se levantam indignados contra o tratado. Admiráveis conselheiros do povo e mestres de patriotismo...! ___________________________________________________________________ Artigo também publicado nos seguintes periódicos: – O Paiz, de 19 dez. 1903. – Gazeta de Notícias, 19 dez. 1903. – A Nação, 19 de dez. 1903. 37 CADERNOS DO CHDD A QUESTÃO DO ACRE E O TRATADO COM A BOLÍVIA III* KENT Reservamos para hoje outro trecho do Correio da Manhã, trecho duplamente interessante, embora para o nosso propósito apenas o consideremos agora por um só dos seus dois aspectos. Em 28 de junho de 1902 dizia essa folha, pela pena brilhante de Manoel Vitorino Pereira: “Referindo-se à revolução do Acre, afirmam as confidências do Ministro (das Relações Exteriores) a um diplomata, que ela terminou quando menos nos convinha, porque, conquanto o Governo Federal fosse inteiramente alheio a essa revolução, a resolução que por conta própria tomaram os oficiais da flotilha era inteiramente inoportuna, por isso que só em virtude da revolução consentiu o Governo da Bolívia NA PERMUTA DE TERRITÓRIOS, já aceita pelo seu Ministro.” “... Parece incrível que, como dizem as mesmas confissões, os oficiais da flotilha, que só havia sido enviada pelo Governo ao Acre para o fim de proteger o livre trânsito dos vapores mercantes brasileiros, tomassem a si a atribuição de pacificar o Acre, sem que para isso recebessem ordens ou instruções. Dado, porém, que assim fosse, o que aliás o Governo não procurou apurar, responsabilizando os que excederam a sua missão, nada impedia que as negociações continuassem NO TERRENO EM QUE ESTAVAM COLOCADAS, tanto mais quanto os revolucionários entregaram o território ao Governo brasileiro, representado pela sua força armada, e fizeram lavrar dessa entrega uma ata, na qual confiavam aos seus pacificadores a restituição desse pedaço do solo pátrio, que eles haviam civilizado com a sua iniciativa e o seu trabalho, e que haviam defendido com o seu esforço e com o seu sangue...” Fica assim perfeitamente estabelecido, pelas citações feitas no nosso anterior artigo e pelo trecho acima transcrito: * Publicado no Jornal do Commercio. Rio de Janeiro, 21 dez. 1903. Seção: Publicações a Pedido. 38 ARTIGOS ANÔNIMOS E P SEUDÔNIMOS DO BARÃO DO RIO BRANCO 1º – Que em 1902 o Correio da Manhã entendia ser a melhor solução para as dificuldades do Acre uma permuta de territórios entre o Brasil e a Bolívia; 2º – Que em janeiro e fevereiro deste ano o Correio da Manhã soube oficialmente e publicou – como todos os outros jornais desta cidade – que o Sr. Barão do Rio Branco havia proposto à Bolívia a compra dos territórios, em litígio ou não, povoados por brasileiros, e ainda uma combinação de permuta de territórios, indenização pecuniária e execução de velha promessa relativa à projetada via férrea do Madeira ao Mamoré, continuando a dar a esse Ministro, durante meses, apoio e aprovação que, sabemos, muito o penhoraram. Depois de o haver por tal modo animado com os seus favores, entrou repentinamente o Correio da Manhã a qualificar de vergonha e infâmia a compra pelo Brasil de uma região em que só há brasileiros, e de crime de lesa pátria a permuta desigual de territórios, tão desigual (como mostravam as medidas de superfície publicadas em primeira mão no próprio Correio), que dela resulta para o nosso país um enorme acréscimo territorial, transformado, não obstante, nas colunas dessa folha em “cessão de território nacional”. Somente o Sr. Rocha Pombo, desde os primeiros meses do ano, levava a martelar nas colunas do Correio da Manhã pelo arbitramento, como a melhor das soluções, e estafava os seus leitores com estirados artigos no intuito de provar à Sociedade Geográfica de La Paz que o limite estipulado em 27 de março de 1867 é o paralelo 10º 20’ Sul. Esses artigos devem ter pesado muito no espírito do ilustre redatorchefe e proprietário do Correio da Manhã, pois desde novembro entrou a preconizar, como solução da contenda, o arbitramento após um novo reconhecimento da nascente principal do Javari. * * * Quantos anos durariam essas duas campanhas, a da quarta exploração da nascente do Javari e a do processo arbitral até a assinatura do laudo? Pelo menos uns cinco a seis. E quantas complicações e quantos perigos poderão surgir durante tão largo período com os levantes dos povoadores brasileiros dessas regiões, os conflitos entre eles e os bolivianos do Orton e Madre de Diós e as intrusões peruanas? 39 CADERNOS DO CHDD Demais, que certeza poderíamos ter de que sairia vencedora perante qualquer juiz imparcial uma interpretação que o Governo brasileiro só começou a dar em princípios deste ano, cabendo à Bolívia o fácil papel de defender, contra essa recente interpretação, a outra que o mesmo Governo brasileiro havia mantido invariavelmente durante trinta e cinco anos e afirmado em numerosos documentos oficiais? A defesa eficaz de uma causa em arbitramento internacional não é empresa fácil como parece a alguns. É preciso que a causa seja boa e que o advogado saiba defender. Uma coisa é escrever artigos às pressas, em cima da perna, para gente que leva a mandriar e não conhece e nem estuda as questões que lê, e outra muito diferente é produzir argumentos e provas que um juiz examina, esmiuça e aprofunda, por si mesmo e por auxiliares competentes. Se, por exemplo, o Sr. Rocha Pombo repetisse em juízo arbitral que o tratado de 1777 estabelece uma linha de fronteira pela divisória das duas águas entre os rios Verde e Paragahú (Correio da Manhã de 4 de fevereiro de 1903), os jurisconsultos e geógrafos, conselheiros do árbitro, iriam logo examinar aquele tratado e achariam, mediante simples leitura do artigo 10º, que nele não há menção alguma desses dois afluentes da margem esquerda ou ocidental do Guaporé e que ambos, portanto a anticlinal citada, ficavam em terras da Coroa de Espanha, por ser o álveo do Guaporé, a leste, a fronteira determinada no mesmo artigo. E o árbitro tomaria boa nota de que o Sr. Rocha Pombo – o futuro fundador da Universidade de Curitiba – ou tinha querido deitarlhe poeira nos olhos, como não raro faz nos seus leitores cariocas, ou escrevia às vezes sem suficiente preparo. Quandoque bonus dormitat columbus... Admitamos que no arbitramento para a interpretação do art. 2º do tratado de 1867 o Brasil levasse a melhor. Estariam por isso removidas as dificuldades que queríamos resolver? De nenhum modo. Ao sul do paralelo de 10º 20’ – máxima pretensão dos que andavam a quebrar lanças pelos “nossos irmãos oprimidos” e a atacar o Governo transato –, ao sul desse paralelo é que corre a maior parte do rio Acre, com os seus afluentes Xapuri, igarapé Bahia e outros. É precisamente nessa parte incontestavelmente boliviana que se contam em maior número os brasileiros e as propriedades chamadas “barracões”. Dentre esses estabelecimentos, que são outros tantos centros de população nacional, citaremos apenas Volta de Mazagão, Guarani, Paraíso, Capatará, Antunes, S. João do Itú, Itú de Cima, Remanso, S. Luiz, 40 ARTIGOS ANÔNIMOS E P SEUDÔNIMOS DO BARÃO DO RIO BRANCO Boa União, Castilha, Floresta, Providência, Vila Nova, Natal, Perseverança, Santa Luzia, S. Francisco de Iracema, Iracema do Meio, Boa Fé, S. Joaquim de Iracema, Independência, Paumarizinho, Carão, Fonte Nova, Paumari, Extrema do Paumari, Apurimã, Soledade, Irapurinã, Aquidabã, Novo Apurinã, Sapateiro, Equador, S. Francisco, Irapuá, Recreio, Xapuri, Guedes, Bosque, Flor do Ouro, Floresta, Sibéria, Oliveira, Santa Fé, Santa Vitória, Nazareth, Porvir, Belmonte e Bahia, para não alongar esta nomenclatura geográfica essencialmente brasileira. Iríamos ao arbitramento abandonando todos os proprietários brasileiros e seus empregados residentes na zona ao sul do paralelo 10º 20’, sacrificando milhares dos “nossos irmãos oprimidos”, que ali continuariam a ser “tratados à bala e à faca”, como dizia o Correio da Manhã. Durante o processo arbitral ouviríamos o grito de angústia desses nossos compatriotas; logo depois, os seus gritos de revolta e de guerra – contra o jugo estrangeiro. Então, os mestres de patriotismo que agora dizem ser uma inépcia a grande aquisição territorial que o Brasil vai fazer, clamariam contra o recurso ao arbitramento e contra o abandono dos “nossos irmãos oprimidos”. Diriam, dessa vez com razão, que, pelo arbitramento, nada conseguíramos resolver e que todas as dificuldades continuavam de pé. Procurariam agitar a massa popular contra o Governo e contra a Bolívia. Pediriam a “ação imediata e enérgica” no Acre boliviano ao Sul do paralelo de 10° 20’ e a “invasão da Bolívia por Mato Grosso.” O conspícuo Gil Vidal, homem que não comete “inépcias”, nem faz “dislates”, em vez de ficar sossegado, sairia com suas inventivas de ontem e bradaria como em 25 de janeiro último: “Nós não podemos consentir na imolação dos nossos compatriotas à ganância dos bolivianos... Nada mais nos resta fazer senão o apelo às armas...” O Tratado de Petrópolis, se for aprovado, evitará a contingência de novos destemperos e agitações e protestos do Acre. O Tratado põe termo à trapalhada em que andávamos metidos desde 1899 e resolve honrosamente a questão, atendendo às mútuas conveniências do Brasil e da Bolívia. O arbitramento a não resolveria, havendo vários fatores para perturbar a sua marcha regular, ou daria apenas, na mais favorável das hipóteses, uma solução demorada e deficiente. * * * 41 CADERNOS DO CHDD O Acre até pouco tempo era, para os acusadores do Governo transato, a região mais maravilhosamente rica da América do Sul, um território cobiçado pelos americanos do norte e pelas grandes potências comerciais da Europa. Era preciso a todo o custo que o Acre fosse incorporado ao Brasil desde a linha geodésica Javari-Beni até a latitude austral de 11º. O Sr. Lauro Sodré, em 2 de maio do mesmo ano, exclamava no Club Militar, sendo as suas palavras cobertas de palmas entusiásticas: “A questão do Acre não é uma questão amazonense, é uma questão brasileira!” E acrescentava: “O Acre, que há tanto tempo desafia o interesse das nações que vivem da guerra, que é objeto de cogitações das nações conquistadoras, é exclusivamente criação dos brasileiros. Aquele solo fertilíssimo foram cidadãos brasileiros que o trabalharam...” Manoel Vitorino Pereira, no Correio da Manhã de 10 de outubro, escrevia: “Se me não seria lícito negar aos diplomatas e governos bolivianos louvores e elogios pelo empenho que revelam em conservar para sua pátria a posse do fecundo e rico território, não podem eles estranhar que aos Ministros e Presidentes do meu país eu censure a inabilidade e imprevidência com que têm concorrido para a sua perda...” Gil Vidal, melindrado em seu amor pátrio, dizia em 14 de setembro do mesmo ano de 1902 que o Acre estava “inteiramente perdido” para nós e que “só pela guerra o poderíamos reconquistar”. Sem que fosse necessário recorrer às empresas bélicas, que a sagacidade política de Gil Vidal andou prevendo, pode agora, em breves dias, ficar incorporado à União Brasileira, não o Acre mínimo, com que ele e o Sr. Rocha Pombo sonhavam, sim o Acre imensamente maior, operando-se tal anexação mui pacificamente, per amicabilem transactionem, como diria Justiniano, ou por “concessões recíprocas”, como Gil Vidal desejava em 9 de fevereiro último. O Tratado de Petrópolis assegurará esse resultado, que para ficar de todo obtido só depende agora do voto dos dois Congressos Legislativos reunidos em La Paz e no Rio de Janeiro. Mas... mudam os tempos e transformam-se os escritores do Correio da Manhã. Aquelas florestas do Acre, por eles tão apetecidas e choradas quando em poder do estrangeiro, assunto ou pretexto para tantos assomos de patriotismo, hoje que podem ficar sendo definitivamente nossas, já não prestam para nada, segundo os mesmos escritores. “... Poderíamos observar”, escreveu o Sr. Rocha Pombo no 42 ARTIGOS ANÔNIMOS E P SEUDÔNIMOS DO BARÃO DO RIO BRANCO Correio da Manhã de 5 do corrente mês, “Poderíamos observar que, em qualquer caso, não faríamos mais senão comprar muito caro terras inóspitas, quando é certo que possuímos terras de sobra... Basta que o tratado seja repelido por qualquer dos dois Congressos e estaremos aí com o problema cada vez mais insolúvel. Mais insolúvel não seria de espantar tanto: o que faz gelar a alma nacional é o risco de ver sem solução o problema e sem mudar a conjuntura amargante a que fomos levados, tendo de ficar com o Acre como um báratro aberto, a tragar vidas e vidas... sem se saber bem por que nem para que...” O Sr. Rocha Pombo, que queria intervenção militar no Acre para libertar “os nossos irmãos oprimidos”, que aconselhava a tomada dessa “fertilíssima região” à viva força e a invasão da Bolívia por Mato Grosso, agora tem o desembaraço de lamentar que fiquemos com o Acre, de dizer que “fomos levados” ao que chama uma “conjuntura amargurante”, e de acrescentar que não sabe bem “porque nem para que” ficaremos com o Acre. Não sabe porque nem para que ? Pois releia os seus escritos de quase um ano atrás e neles achará a resposta e a explicação. * * * E depois, que polemista de truz! Com que habilidade defende as causas que abraça! Em 5 de dezembro, no trecho acima transcrito, mostra-se aterrado com as conseqüências da rejeição do Tratado por qualquer dos dois Congressos. Em outro tópico do mesmo artigo diz: “Imaginemos, porém, que o nosso Congresso, afinal convencido de que se trata não de cessão, mas de troca de territórios, aprove o Tratado: e se o Congresso boliviano não estiver pelos autos? Esta hipótese é talvez a mais grave de todas...” O Sr. Rocha Pombo acha que o caso é muito grave e não pode “prever as conseqüências do perigo”. Entretanto, no dia 10 – cinco dias depois – deseja a rejeição do tratado pela Bolívia, provoca o caso gravíssimo, prenhe de perigos, e estimula nestes termos o povo boliviano a levantar-se contra o ajustado: “Mas esquecendo por um instante a nossa desgraça: é possível que o povo boliviano – se é que ainda há povo, como acreditamos, 43 CADERNOS DO CHDD no Alto Peru das eras passadas – é possível que o povo boliviano deixe, passivo e inconsciente, que se consuma este negócio escandaloso, este assombro de irrisão, no qual, se o nosso papel é de uma barbaridade atrocíssima e de um descomunal desdém pela pátria, a parte da Bolívia é a ofensa mais pungente ao seu pudor de nação? Estará de todo morto na alma daquele povo o sentimento nacional, e de modo tão desesperador, que nem mais se deva esperar dele um simples movimento de repulsa a um atentado de semelhante natureza?...” Pode dar-se melhor documento da desorientação de um espírito? Que brasileiro é este que se não contenta de pretender dar lição de moral e patriotismo aos negociadores brasileiro e boliviano do Tratado de Petrópolis e chega até a querer ser mais boliviano do que os próprios bolivianos? E ousa falar em “barbaridade atrocíssima” e “descomunal desdém pela pátria brasileira” o homem que assim desdenha os que ontem chamava “nossos irmãos oprimidos” e hoje prefere ver de novo tratados pelo estrangeiro “à bala e à faca”! ___________________________________________________________________ Artigo também publicado nos seguintes periódicos: – Jornal do Brasil. 22 dez. 1903. – O Paiz. 22 dez. 1903. – A Tribuna. 22 dez. 1903. 44 ARTIGOS ANÔNIMOS E P SEUDÔNIMOS DO BARÃO DO RIO BRANCO A QUESTÃO DO ACRE E O TRATADO COM A BOLÍVIA IV* KENT Já vimos que em 1902, pela pena tão competente do nosso sempre lembrado Manoel Vitorino Pereira, o Correio da Manhã insinuou iterativamente a conveniência de resolvermos as complicações do Acre por meio de uma permuta de territórios, permuta pura e simples, acarretando, portanto, a transferência para a Bolívia de uma área de território, incontestavelmente brasileiro, igual àquela sobre que queríamos haver o domínio eminente. Vimos também que nos primeiros meses deste ano o Correio da Manhã acolheu sem nenhum comentário desfavorável, antes com mui manifesta simpatia, a notícia de estar o atual Ministro das Relações Exteriores negociando, ou procurando negociar, não só sobre a indicada base de permuta de territórios, mas também, e principalmente, sobre a de uma indenização pecuniária à Bolívia em razão da falta de equivalência nas áreas a permutar. Vejamos agora, nos seguintes extratos, como o mesmíssimo jornal se pronuncia hoje sobre as bases que aconselhava ou que lhe não repugnavam antes, e até que ponto eleva o diapasão das suas habituais contumélias. 1) O tratado “é a vergonha de dois povos. Não é um ato diplomático e sim uma vergonhosa transação de compra e venda em grosso” (5 de dezembro). 2) “O tratado do Acre será a mancha negra da nossa história” (9 de dezembro). 3) “O que se fez agora não é um tratado, não é um contrato: é antes uma escritura de negócio...”(artigo Rocha Pombo, de 10 de dezembro). 4) “Alcançamos, a peso de ouro, dez vezes mais do que o Império – dizem os próprios bolivianos – alcançara em 1867 do general Melgarejo, cuja memória, aliás, é hoje tão detestada por aqueles mesmos de quem se espera a aprovação do ímpio, sacrílego tratado...” (Ibidem). * Publicado no Jornal do Commercio. Rio de Janeiro, 23 dez. 1903. Seção: Publicações a Pedido. 45 CADERNOS DO CHDD 5) “Para dourar a pílula, damos à impiedade uns ares de acordo legítimo, de lícita conciliação de interesses... como se se tratasse de troca de territórios. Compramos as terras; os vastos latifúndios de que a caudilhagem vizinha se apropriara na zona que nos é vendida...” (Ibidem). 6) “O tratado seria para a Bolívia um opróbrio e para nós, além de opróbrio, seria um desastre talvez incalculável...” (10 de dezembro). 7) “É uma obra descomunalmente abusiva e comprometedora das nossas tradições...” (Ibidem). 8) “É um crime contra nós próprios desagregando o nosso território... Pois nós que nunca cedemos a ninguém (e sob pretexto algum, por mais ponderoso que se imagine) um palmo se quer de terra pátria, vamos agora disfarçar um negócio oprobrioso entregando à Bolívia pedaços de solo sagrado...!” (Ibidem). 9) “Porque enfrentamos com povo fraco e pobre nos erigimos em fortes para liquidar questões a golpes de força e a peso de dinheiro...” (Ibidem). 10) “Dislate de uma Chancelaria desmoralizada...” (artigo de Gil Vidal, scilicet, Leão Velloso, 19 de dezembro). 11) “Obra inepta, requintada pelo desprezo das severidades do melindre nacional” (mesmo Sr. Leão Velloso, artigo citado). 12) Ato de “um governo réprobo” (mesmíssimo Sr. Leão Velloso, em artigo de novembro). Ponhamos de lado os palavrões e doestos contidos nos tópicos que acabamos de transcrever, bem como os impatrióticos incitamentos com que neles se procura resolver a Bolívia a recusar-nos uma verdadeira vastidão de terras feracíssimas, trabalhadas por milhares de brasileiros. Consideremos somente os pontos que nos interessa esclarecer. * * * No trecho 8º, acima, o Sr. Rocha Pombo insiste em que “nunca cedemos a ninguém um palmo sequer de terra pátria”. 46 ARTIGOS ANÔNIMOS E P SEUDÔNIMOS DO BARÃO DO RIO BRANCO Reportamo-nos ao que ficou dito no nosso primeiro artigo. Aí terá visto o mal informado autor do “Compêndio da História da América” que, pela convenção de 27 de agosto de 1828, renunciamos a uma província inteira, com 187.000 quilômetros quadrados, e que nas de 4 de setembro de 1837 e de 11 de fevereiro de 1874 estipulamos permutas de território com o Uruguai e com o Peru. Hoje acrescentaremos outro tratado nosso: o concluído em Montevidéu aos 15 de maio de 1852 por Carneiro Leão (depois Marquês de Paraná) e Florentino Castellanos, e no qual renunciamos, em favor do Uruguai, a meia légua de terra na foz do Cebollaty e outra meia légua de terra na do Tacuari. Não é muito, mas sempre é mais do que o palmo de terra de que fala o Sr. Rocha Pombo. Nos trechos 1º, 3º e 5º supratranscritos, diz-se que o Tratado de Petrópolis “não é um ato diplomático”, “não é um tratado”, “não é um acordo legítimo nem uma lícita conciliação de interesses”, é sim “uma vergonhosa transação de compra e venda em grosso”, uma “escritura de negócio”, “a vergonha de dois povos”. Mui pouco versados em direito internacional e em história política e diplomática são os que escreveram tais coisas. Não necessitamos de recorrer a jurisconsultos estrangeiros para mostrar que é muito regular e legítima, em direito, a aquisição derivativa que o Brasil vai fazer, e muito usual, nas relações internacionais, a transação a que chegaram os dois Governos, do Brasil e da Bolívia. Temos prata de casa. Abramos o tomo 1º dos Princípios de Direito Internacional do Conselheiro Lafayette Rodrigues Pereira (Rio, 1902): “§ 92. – Constituem títulos legítimos de aquisição de território os tratados e convenções que pertencem à classe daqueles pelos quais se transferem direitos e que se podem reduzir aos seguintes: cessão gratuita, compra e venda, permuta, transação, partilha, demarcação de limites. .............................................................................................” “A compra e venda, como modo de cessão de territórios entre as nações, tem sido usada ainda em tempos recentes. .............................................................................................” “§194. – Muitas vezes um Estado, ou sob a pressão das circunstâncias em que se acha, ou por interesses e conveniências 47 CADERNOS DO CHDD de ordem política, administrativa ou econômica, é levado a ceder a outro uma parcela de território, uma certa região, ilhas ou possessões remotas. A cessão importa a transferência ao cessionário, por parte do cedente, de todos os direitos de soberania sobre o território alienado, com o ônus e obrigações que o gravam, salvo as reservas expressas. São cláusulas usuais e peculiares desta espécie de tratados: [...]. ............................................................................................. A cessão de território pode ser gratuita, mas de ordinário ela se realiza a título oneroso, por via de permuta, de compra e venda, de dação in solutum e ainda como compensação de prejuízos e danos sofridos.” Os nossos leitores decidirão entre a recente opinião do Correio da Manhã, de um lado, e do outro, a autoridade de Lafayette Rodrigues Pereira e de uma centena de outros mestres ou expositores do direito internacional que poderiam ser citados. No que diz respeito à alegada imoralidade da compra e venda de territórios entre nações, podemos apelar não só para a autoridade dos homens do direito, mas também para a de um ilustre patrício nosso, o Sr. Miguel Lemos. Pelo Jornal do Commercio de 25 de janeiro disse ele: “... Fomos dos que reprovaram a absurda e arriscada concessão da região acreana feita pelo Governo da Bolívia a um sindicato estrangeiro, e bem assim deploramos que essa República não tivesse aceitado a proposta da compra da mesma região, que o Brasil lhe fez recentemente, segundo dizem...” * * * Passemos aos precedentes de tratados de cessão, permuta, e compra e venda de territórios. Celebrados por potências européias, há muitíssimos. Basta mencionar os que concluíram, em 24 de março de 1860, o Piemonte e a França, e em 12 de fevereiro de 1899 a Espanha e a Alemanha. 48 ARTIGOS ANÔNIMOS E P SEUDÔNIMOS DO BARÃO DO RIO BRANCO Por este último, o Império alemão comprou os arquipélagos das Carolinas, Palaos e Marianas, exceto a ilha de Guam, já cedida aos Estados Unidos, recebendo a Espanha por essas ilhas, cuja superfície é de apenas 2.076 quilômetros quadrados, 16.593.373 marcos ou £ 829.918 e 13 shillings. Se a transferência de territórios pudesse ser cotada pela extensão dos mesmos, o nosso desembolso, a julgar pela operação que fez a Alemanha em 1899, deveria ser agora de mais £ 76.355.000, em vez de £ 2.000.000. O outro tratado é mais interessante. As suas linhas gerais ficaram combinadas e assentadas desde julho de 1859, na célebre conferência de Plombières, entre o grande Cavour e Napoleão III, embora o tratado só fosse assinado oito meses depois. Por ele, e com assentimento das Câmaras piemontesas, o Rei galantuomo cedeu a Sabóia, berço da sua dinastia, e Nizza, pátria de Garibaldi, ao imperador dos franceses. Prevaleceu em Turim a razão de Estado. Cavour entendeu dever abandonar à França esses 15.190 quilômetros quadrados de terra encantadoramente bela para conseguir a anexação ao Piemonte do Reino Lombardo-Veneziano e poder prosseguir na grande obra da unificação da Itália. Na história da América há vários exemplos de tratados de cessão, permuta, e compra e venda de territórios. Já citamos os concluídos pelo Brasil. Vejamos os celebrados pela república dos Estados Unidos, a qual, principalmente por compra, conseguiu adquirir a maior parte do território que hoje possui. 1) Sendo Presidente Thomas Jefferson: Tratado de Paris, de 30 de abril de 1803, com a República Francesa, negociado por James Monroe e Robert Livingston. Nesse instrumento ficou estipulada a venda aos Estados Unidos, pelo Governo de Napoleão Bonaparte, da Luisiana, cuja população branca era toda de origem e língua francesa. Custou essa aquisição territorial ao comprador 16 milhões de dólares, ou 80 milhões de francos, ou £ 3.200.000. A renda federal em 1803 era apenas de 11.604.000 dólares. Portanto, se o sacrifício que agora vamos fazer em dinheiro fosse proporcionado ao que então fizeram os americanos do norte, em vez de 40 mil contos, teríamos que despender 422 mil. 49 CADERNOS DO CHDD 2) Na Presidência de James Monroe : Tratado de 22 de fevereiro de 1819, negociado pelo seu Secretário de Estado John Quincy Adams, depois 6º presidente dos Estados Unidos. Da fixação de fronteiras estipulada nesse tratado resultou a cessão feita à Espanha da parte ocidental da Luisiana, comprada pelos Estados Unidos em 1803, e a aquisição, por esta república, das duas Flóridas, a oriental e a ocidental, comprometendo-se o Governo americano a pagar reclamações no valor de 6.500.000 dólares, ou £ 1.300.000. 3) Na Presidência de John Tyler (“em cujo período nada ocorreu de notável”, segundo o Sr. Rocha Pombo, não sendo, portanto, fato notável para este escritor a anexação do Texas): Tratado de limites com a Grã-Bretanha, no qual foram admitidas “as equivalências e compensações que pareceram justas e razoáveis”, diz o preâmbulo (“such equivalents and compensations as are deemed just and reasonable”). Foram negociadores o célebre Daniel Webster, então secretário de Estado, e Lord Ashburton. Em virtude desse tratado, passou para o Canadá um território de 14.806 quilômetros quadrados, que estava em litígio entre os Estados do Maine e de Massachussetts, no ângulo nordeste dos Estados Unidos, ganhando estes um pequeno trato na fronteira do Estado de Nova York. 4) Na Presidência de James Polk : Tratado com a Grã-Bretanha, concluído em Washington aos 17 de julho de 1846, negociado por James Buchanan, então secretário de Estado, depois 15º presidente. Este tratado dividiu entre os Estados Unidos e a Grã-Bretanha o imenso território do Oregon, que estava em litígio. 5) Na mesma Presidência Polk : Tratado de paz, amizade e limites assinado em Guadalupe-Hidalgo, no dia 2 de fevereiro de 1848. Negociador americano, Nicholas P. Trist. Os exércitos dos Estados Unidos, depois de várias vitórias, ocupavam a Cidade do México e grande parte do país. Esquadras 50 ARTIGOS ANÔNIMOS E P SEUDÔNIMOS DO BARÃO DO RIO BRANCO americanas bloqueavam os portos do México. O Governo americano, jure victoriae, poderia ter anexado à União os vastos territórios da Califórnia e Novo México, que lhe convinham. Preferiu comprá-los, custando-lhe a aquisição o seguinte: Dólares Transferência de Domínio (art. XII) .............................. Libras 15.000.000 3.000.000 1.700.000 340.000 8.250.000 650.000 19.950.000 3.990.000 63.000.000 12.600.000 82.950.000 16.590.000 Pagamento que tomou a si de reclamações estrangeiras contra o México (art. XIII), sem que levemos aqui em conta os juros ..................................... Pagamento que prometeu fazer aos americanos que tinham reclamações contra o México (art. XV) ............ Adicionando as despesas de Guerra ............................. 6) Presidência de Franklin Pierce : Tratado concluído na Cidade do México em 30 de dezembro de 1853, sendo negociador americano James Godsden. Objeto único do tratado: compra pelos Estados Unidos e venda pelo México do Valle de Mesilla e do território ao sul do rio Gila (Arizona Meridional). Preço pago, £ 2.000.000. Notemos de passagem, em primeiro lugar, que a superfície do território então adquirido pelos Estados Unidos era de 117.840 quilômetros quadrados, portanto muito menor do que a dos que vão entrar agora para o nosso patrimônio; e, em segundo, que, salvo o pequeno vale de Mesilla, tudo o mais formava o chamado Deserto de Gila, só percorrido por alguns índios selvagens, e cuja população, 17 anos depois, em 1870, orçava apenas por 9.600 habitantes, ao passo que os territórios que nos vão advir contém uma população de 60.000 brasileiros laboriosos. 51 CADERNOS DO CHDD 7) Na Presidência de Andrew Johnson: Convenção de Washington, de 30 de março de 1867 com a Rússia, sendo negociador americano o secretário de Estado H. Seward. Compra do Alaska e ilhas adjacentes por 7.200.000 dólares ou £ 1.440.000. 8) Na Presidência Mackinley : Tratado de paz com a Espanha, de 10 de dezembro de 1898, negociado em Paris. No art. 3º se encontra a estipulação relativa à cessão das ilhas Filipinas aos Estados Unidos, mediante indenização de 20 milhões de dólares ou 4 milhões de libras esterlinas; no art. 4º a cláusula relativa a favores comerciais concedidos à Espanha; no 7º, a obrigação que assumem os Estados Unidos de julgar e liquidar as reclamações dos seus nacionais contra a Espanha. Sem levar em conta gastos que esta última cláusula acarretou, os Estados Unidos despenderam: Dólares Compra das Filipinas ........... Libras 20.000.000 4.000.000 Despesas de Guerra .............. 195.000.000 39.000.000 215.000.000 43.000.000 Deve-se acrescentar que também a ilha de Porto Rico foi então cedida aos Estados Unidos pela Espanha por imposição do vencedor. * * * Temos, portanto, que os Estados Unidos concluíram: Cinco tratados de compra e venda de territórios com a França, México, Rússia e Espanha (nºs. 1, 5, 6, 7 e 8 supra); Um tratado de que resultou permuta desigual de territórios, completada por uma soma de dinheiro (nº 2, com a Espanha); Outro tratado de limites de que resultou também permuta de territórios (nº 3, com a Grã-Bretanha); 52 ARTIGOS ANÔNIMOS E P SEUDÔNIMOS DO BARÃO DO RIO BRANCO Um tratado de divisão de vastíssimo território em litígio, sobre o qual o Governo americano havia sempre afirmado ter direito incontestável (n°. 4, com a Grã-Bretanha). * * * Depois do exposto e em vista das autoridades e dos exemplos citados, o leitor certamente convirá conosco que os escritores do Correio da Manhã são um tanto imodestos quando, a propósito do tratado de Petrópolis, vituperam os negociadores brasileiros e bolivianos e pensam poder dar lições de direito internacional, de direito diplomático, de patriotismo, de moralidade e honra a homens como os presidentes Rodrigues Alves e General Pando e os plenipotenciários do Brasil e da Bolívia, Srs. Barão do Rio Branco, Assis Brasil, Guachalla e Pinilla. Os dois presidentes e os quatro plenipotenciários têm em seu favor as provas já feitas em sua não curta vida pública, assim como os exemplos de Thomas Jefferson, James Monroe, Bonaparte, John Quincy Adams, Daniel Webster, James Buchanan, Franklin Pierce, Conde de Cavour, H. Seward e muitos outros. ___________________________________________________________________ Artigo também publicado nos seguintes periódicos: – O Paiz. 24 dez. 1903. – Jornal do Brasil. 24 dez. 1903. – A Tribuna. 24 dez. 1903. 53 CADERNOS DO CHDD O TRATADO DE PETRÓPOLIS* KENT Como ainda nestes últimos dias alguns jornalistas têm contestado ao Governo Federal e ao Congresso o direito de negociar e aprovar tratados da natureza do de Petrópolis, parece-nos conveniente reproduzir o notável artigo que, sob o título de Soberania e Acre, publicou na parte editorial do Jornal do Commercio, a 20 de novembro último, o eminente jurisconsulto Dr. J. ISIDORO MARTINS JUNIOR, catedrático na nossa Faculdade de Direito do Recife. Nesse artigo, sustenta ele a mesma doutrina que defendeu no Congresso Jurídico Americano, em 1900, e que ali ficou vencedora por quase unanimidade de votos, entre os quais os dos senadores Gomes de Castro e Coelho de Campos; deputados Luiz Domingues, Henrique Salles, João Vieira, Sá Freire, João Luiz Alves e Paranhos Montenegro; ex-senadores Ubaldino do Amaral, Coelho Rodrigues, Gonçalves Chaves e Amaro Cavalcanti; exdeputados Xavier da Silveira e Pinto da Rocha; professores de direito Carlos Gusmão, Bandeira de Mello, Lima Drummond, Inglês de Souza e Souza Bandeira. Outras ocupações nos impedem neste momento de tomar em consideração as objeções que a esse e outros respeitos têm sido formuladas nos últimos dias. Aos que se espantam de que o Governo de um Estado Federal e o Congresso dos Representantes de uma Nação assim constituída, sem consulta prévia aos Cantões ou aos Estados particulares, formadores da União, disponham de pequenas nesgas de território nacional, bastará afirmar por hoje que o Governo e o Congresso em um Estado Federal têm o poder de ceder não só trechos de território nas fronteiras, mas até um Estado inteiro, em caso extremo, como medida de salvação pública ou no interesse da toda a Nação, como ensinam jurisconsultos dos Estados Unidos da América. Mesmo na Suíça, a competência do Governo Federal e da Assembléia Federal é reconhecida para celebrar tratados de retificação de limites. Assim aconteceu no caso da negociação do tratado com a França relativo à fronteira entre o Mont Dolent e o Lago Leman, caso em que o Conselho Federal recusou a solicitada intervenção do Cantão * Publicado no Jornal do Commercio. Rio de Janeiro, 1º jan. 1904. Seção: Publicações a Pedido. 54 ARTIGOS ANÔNIMOS E P SEUDÔNIMOS DO BARÃO DO RIO BRANCO de Valais, respondendo que as fronteiras com o estrangeiro eram fronteiras da Suíça e não dos Cantões. As duas câmaras chamadas Conselho dos Estados e Conselho Nacional, que formam a Assembléia Federal Suíça, sancionaram tal doutrina, apesar dos protestos dos representantes do Valais. Vai em seguida o magistral estudo do Dr. Martins Junior3. 3 Estudo intitulado “Soberania e Acre”, publicado no Jornal do Commercio de 20 de novembro de 1903. 55 CADERNOS DO CHDD CENSURAS PLATINAS* O nosso ilustre colega do Jornal do Brasil deu-nos em sua edição de anteontem largos extratos de um artigo de La Prensa, de Buenos Aires, assinaladamente desagradável para o Brasil. Temos agora à vista o texto desse artigo, que pedimos pelo telégrafo ao nosso correspondente em Buenos Aires e não nos devemos furtar a emitir as considerações que ele nos sugere. Obsedada por uma sorte de idéia fixa, La Prensa começa esse artigo, intitulado El Brasil en el continente, repetindo observações que já fizera sobre a projetada reorganização naval do Brasil; afirma aos jornais fluminenses que a imprensa de Buenos Aires não se alarma com o armamento naval que o Brasil prepara, apenas aconselha o Governo argentino que imite o bom exemplo que dá o Brasil para a defesa de seus interesses. Desse assunto já tratou O Paiz com muita largueza. Seria, porém, conveniente repetir alguma coisa do que já disse. Até 1893, e desde a sua independência, o Brasil foi sempre a primeira potência naval da América do Sul; mas nem mesmo no tempo em que a esquadra argentina se compunha apenas dos vapores Guardia Nacional e Pavon, a armada brasileira foi uma ameaça ou um perigo para a República Argentina. Mesmo naquele tempo, compreendendo melhor do que certos políticos argentinos os verdadeiros interesses desta parte do continente, procurávamos e queríamos a amizade e a aliança argentina. Pode-se dizer com segurança que sem a nossa vitória naval de Riachuelo (atribuída pela Prensa, em 11 de junho último, ao prático Bernardino) a esquadra e os exércitos de Solano Lopez teriam facilmente chegado até Buenos Aires. Nestes últimos quinze anos, causas sobejamente conhecidas determinaram o enfraquecimento do exército e da marinha de guerra do Brasil. A revolta de uma parte da esquadra em 1903 fez a nossa marinha decair do primeiro para o terceiro plano. Enquanto isso acontecia a Argentina criou rapidamente uma poderosa esquadra. Não lhe pedimos contas por isso e não nos assustamos com tão grande aumento do seu poder naval. Agora, tratamos apenas de reconquistar em parte a posição perdida e devíamos esperar que a imprensa argentina imitasse a calma e a segurança que mostramos quando o seu país se armava. Temos um litoral imenso e um vasto * Publicado no Jornal O Paiz. Rio de Janeiro, 18 jan. 1905. 56 ARTIGOS ANÔNIMOS E P SEUDÔNIMOS DO BARÃO DO RIO BRANCO sistema de comunicações fluviais a defender e a proteger. Não podemos prescindir de esquadra e se a República Argentina entender que a sua não deve ser inferior à nossa, não nos queixaremos ou gritaremos por isso. Na previsão de futuros perigos, é conveniente que as três maiores repúblicas da América do Sul – o Brasil, a Argentina e o Chile – se ponham em bom pé de defesa. Mais importante, porém, é que, pelas obras de paz, dentro de meio século, elas sejam três grandes e poderosas nações, prósperas e ricas. O general Roca, estadista de vistas largas, compreendia isso, quando pôs um paradeiro aos armamentos argentinos, e, rompendo com a política de desconfianças e ódios, procurou unir em um grande pensamento de concórdia a Argentina, o Brasil e o Chile. Em 1903, no desenvolvimento lógico das idéias que defendia, esforçou-se ele para que o Brasil igualasse imediatamente as suas forças navais às da Argentina e do Chile, adquirindo os navios que as duas repúblicas tinham em construção nos estaleiros da Europa. La Prensa vê no nosso projeto de lenta reconstituição naval e na criação da embaixada brasileira em Washington a pretensão de firmar a nossa hegemonia no continente. Atribuiu-nos aquilo que ela deseja para o seu país e que nunca pretendemos. Não andamos procurando influir na vida interna ou na política dos povos vizinhos. O Brasil não exporta revoluções para os outros países do continente, não só porque entende que essa exportação é perigosa porque alimenta na própria casa o espírito revolucionário, mas também porque os continuados pronunciamentos e guerras civis desacreditam esta parte do mundo e fazem falar, na Europa e nos Estados Unidos, das “turbulentas repúblicas da América do Sul.” La Prensa é jornal que andou sempre a assanhar ódios contra o Brasil e contra o Chile, contrariando assim a política de congraçamento a que se consagrou o general Roca. Tomou sempre partido dos adversários do Chile e do Brasil. Por isso, volta a falar na nossa questão finda com a Bolívia, sobre que escreveu tantos despropósitos, e sobre a nossa questão com o Peru de que também tem tratado sem nenhum conhecimento de causa, aceitando tudo quanto lhe impinge qualquer jovem peruano, que, para se dar por erudito, remonta ao tratado de Tordesilhas. A questão com a Bolívia terminou, ficando essa República satisfeita com as grandes e valiosas compensações que lhe demos para salvar os nossos nacionais da dominação estrangeira e para livrá-la dos estéreis 57 CADERNOS DO CHDD sacrifícios que andava a fazer no Acre. A questão com o Peru é natural que acabe também pacífica e honrosamente. O Peru é um país que tem questões com todos os seus vizinhos e que até aqui não as tem podido resolver, tão extraordinárias e exageradas são as suas pretensões. Com o Brasil, assinou um tratado definitivo de limites em 1851, depois de reconhecer a nulidade do tratado preliminar, ou provisório, de 1777, e, expressamente, que era o uti possidetis que devia regular a determinação da fronteira dos dois países. Estipulando então o limite do Javari, admitiu ipso facto que nada possuía a leste desse rio, nas bacias do Juruá e do Purus. Apesar disso, é baseado unicamente no caduco tratado de 1777 que o Peru nos reclama 440.000 quilômetros quadrados de território em que desde longa data estão estabelecidos mais de 100.000 brasileiros e trabalham, há apenas alguns anos, uns 2.000 caucheiros peruanos de passagem. E porque nos não apressamos a ceder às exigências peruanas, La Prensa lança sobre nós os raios de sua condenação! O que, porém, estomagou seriamente La Prensa foi a recente criação de uma embaixada brasileira em Washington. Viu nisso uma ofensa às outras repúblicas da América Latina. Algumas delas, diz, hão talvez fazer sentir o seu desagrado por essa situação de “inferioridade representativa em Washington”. Não se pode imaginar desabafo mais insensato. Entenda-se La Prensa a esse respeito com o Presidente Roosevelt e com os Estados Unidos da América que resolveram estabelecer uma embaixada americana no Rio de Janeiro, como já tinham uma no México. Que queria La Prensa que fizéssemos? Que lhe pedíssemos licença para poder corresponder à fineza da nossa grande irmã do norte, elevando também a categoria do nosso representante em Washington? Julgou-se a República Argentina alguma vez ofendida pelo fato de ter o México um embaixador em Washington? Acredita La Prensa que em Montevidéu, por exemplo, onde a República Argentina tem um enviado extraordinário e ministro plenipotenciário e a Grã-Bretanha um simples ministro residente, esta grande potência fica valendo menos do que a República Argentina? Em Paris, Londres, Berlim, Viena d’Áustria e Roma, onde a República Argentina mantém enviados extraordinários e mesmo em Petersburgo onde apenas tem um encarregado de negócios, há vários embaixadores, sem que daí La Prensa tire motivo de ofensa, e sem que ninguém entenda que a República Argentina seja nação menos soberana ou importante do que as outras. 58 ARTIGOS ANÔNIMOS E P SEUDÔNIMOS DO BARÃO DO RIO BRANCO Para a graduação dos representantes diplomáticos militam apenas razões de ordem política e comercial, ou de ordem orçamentária. Uma nação não fica sendo menos ou mais importante porque se faz representar por ministro residente ou por um embaixador. Quanto à hegemonia ou preeminência na América do Sul, não a queremos disputar com a República Argentina. No Pacífico, ela pertence inquestionavelmente aos nossos amigos do Chile, cuja esquadra nunca se há de reunir a outra para combater o Brasil, como imaginou há dias certo jornal de Buenos Aires. Na parte do Atlântico, teremos sempre prazer em dividir com a República Argentina, se assim se pode dizer, a parte de hegemonia que nos cabe. Mas não é às novas embaixadas que a deveremos. Já em 1894 Elisée Réclus escrevia na sua monumental geografia: “Le premier rang dans l’Amérique Latine appartient incontestablement au Brésil, inférieur seulement à trois grands Etats du monde – la Russie, la Chine, les Etats-Unis, et rivalisant en étendue avec la Puissance du Canadá. Par la superficie il égale presque l’ensemble des territoires hispano-américains du continent méridional et ne leur céde guère par le nombre des habitants; même en tenant compte des populations du Méxique, de l’Amérique Centrale et des Antilles espagnoles et françaises, le Brésil représente un tiers de tous les latinisés du Nouveau Monde...” Não sabemos se a atitude de La Prensa corresponde a alguma corrente de opinião no seu país; mas, seja como for, é preciso reconhecer de modo categórico que essa atitude é positivamente impertinente. Não agimos senão estritamente dentro das nossas faculdades de nação soberana; e qualquer que seja a preeminência que La Prensa reivindique para a República Argentina, forçoso lhe será reconhecer que ela ainda não chegue ao extremo de nos ditar a lei dentro de nossa casa. ___________________________________________________________________ Artigo também publicado no seguinte periódico: – Jornal do Commercio, 19 jan. 1905. 59 CADERNOS DO CHDD BRASIL, BOLÍVIA E PERU* Há confusão e erro manifesto nas linhas com que o Jornal do Brasil procedeu ontem à publicação de uma carta de Manaus. Recorda o mal informado comentador que há meses o mesmo correspondente já havia assinalado um erro no traçado estabelecido pelo tratado de Petrópolis, erro que acarreta grande perda de território em benefício da Bolívia, e acrescenta que a carta confirma aquele erro dado da determinação da linha Cunha Gomes, isto é, na locação da oblíqua traçada da nascente do Javari à confluência do Beni, por comissários brasileiros e bolivianos, em execução do tratado concluído em La Paz aos 27 de março de 1867. Em primeiro lugar o erro precedentemente apontado nada tinha que ver com a linha oblíqua ao Equador, vulgarmente chamada Cunha Gomes, mas sim com a do paralelo de 10 graus e vinte minutos, desde o Abunã até ao Rapirran, muito ao sul daquela oblíqua, e com a que, pelo tratado de Petrópolis, deve acompanhar o Rapirran. Este rio, segundo se diz, é afluente do Abunã e não do Iquiri. Dado que assim seja, o erro em nada prejudicará o Brasil, pois o tratado de Petrópolis também determina que a fronteira siga o curso do Rapirran até a sua nascente. Portanto, se os mapas de que se serviram os negociadores estavam errados, nada mais fácil do que corrigir o engano, evitando que haja prejuízo para um e outro país, prejuízo que, aliás, seria de somenos importância. Bastará que se observe o tratado seguindo, do Abunã para o oeste, como ele determina, o paralelo de 10 graus e 20 minutos e, não podendo essa linha alcançar o Rapirran, que ela termine no ponto em que encontre o meridiano da confluência do mesmo e continue por esse meridiano na direção do sul, e depois pelo álveo do rio, desde a sua confluência até a origem principal. O engano que o correspondente de Manaus diz ter sido agora descoberto pelos comissários do Brasil e do Peru, Srs. Euclydes da Cunha e Buenaño, incumbidos da exploração do Alto Purus, não implica * Texto publicado em O Paiz. Rio de Janeiro, 4 jan. 1906. Atribuído ao Barão do Rio Branco (Ganns, Cláudio. Bibliografia sobre Rio Branco. Rio de Janeiro: Ministério das Relações Exteriores, 1946, p. 18). 60 ARTIGOS ANÔNIMOS E P SEUDÔNIMOS DO BARÃO DO RIO BRANCO de modo algum com a próxima demarcação de limites brasileiro-boliviana ou com o tratado de Petrópolis de 1903, nem tampouco com o acordo provisório de modus vivendi firmado pelo Brasil e pelo Peru em 1904. Afirma o correspondente que os citados comissários do Brasil e do Peru acabam de verificar que a linha oblíqua do tratado de 1867 não corta o Purus em Barcelona, mas sim nove minutos ou nove milhas ao sul, isto é, que os cálculos feitos por Cunha Gomes e Thaumaturgo de Azevedo estavam errados, e termina dizendo, com a sua já provada ignorância destes assuntos, que “o Brasil mais uma vez foi embrulhado, comprando à Bolívia território incontestavelmente amazonense”. Quem, entretanto, refletir dois minutos, lendo a desconcertada carta de Manaus, compreenderá imediatamente que o que compramos à Bolívia pelo tratado de Petrópolis não foi a insignificante e estreita nesga de terra compreendida entre a oblíqua Cunha Gomes e a nova oblíqua que se teria de traçar, nesga de terra cuja largura Norte-Sul, em Barcelona, seria apenas de nove milhas ou três léguas. O que compramos, e assim recuperamos, foi imenso território que cedêramos à Bolívia em 1867 e que se estende da oblíqua JavariBeni às nascentes do Purus e do Juruá, abrangendo uma superfície de 200.000 quilômetros quadrados4. Admitamos que as coordenadas dos dois pontos de interseção no Purus, determinadas pelo Coronel Thaumaturgo de Azevedo e pelo General Pando, quando fizeram a demarcação, estejam erradas. Admitamos que a linha oblíqua Javari-Beni, que, pelo tratado de 1867 formava a fronteira entre o Brasil e a Bolívia, devesse passar mais ao sul. O tratado de Petrópolis não sofreria com isso modificação de espécie alguma. O tratado não fez menção dessa linha oblíqua, nem tinha que fazer, porque os limites que estabeleceu ficam muito ao sul da mesma. A dúvida levantada não interessa, portanto, à nossa demarcação de limites com a Bolívia e não tem também importância alguma do ponto de vista das nossas questões pendentes com o Peru: 1º, porque a pretensão peruana vai muito ao norte da tal linha oblíqua, até o paralelo que corre da nascente do Javari à margem esquerda do Madeira (linha de Santo Ildefonso); 2º, porque os territórios provisoriamente neutralizados pelo Brasil e pelo Peru demoram muito para ao sul da mesma oblíqua. 4 A versão publicada no Jornal do Comércio refere-se a 209.000 km2. 61 CADERNOS DO CHDD A questão só interessa hoje à União e ao Estado do Amazonas, pois se houve erro na demarcação Thaumaturgo-Pando, o Amazonas ganhará uma pequena nesga de terra no território federal do Acre. Todos sabem que a tão discutida linha oblíqua, hoje divisa entre o Estado do Amazonas e o território federal do Acre, tem por pontos extremos a nascente do Javari e a confluência do Beni. Os comissários na demarcação de limites entre o Brasil e o Peru, Teffé (von Hoonholtz) e Black, acharam, em 1874, para a nascente do Javari estas coordenadas (latitude sul, longitude oeste de Greenwich): Latitude 7°, 1’, 17’’, 5; longitude 74°, 8’, 27’’, 7. Cunha Gomes, em 1899, achou: Latitude 7°, 11’, 48’’, 1; longitude 73°, 47’, 44’’, 5. Luiz Cruls, em 1901: Latitude 7°, 6’, 55’’, 3; longitude 73°, 47’, 30’’, 6. Tirada do ponto Teffé-Black, a oblíqua passava mais ao sul do que a resultante do reconhecimento Cruls, adotado oficialmente. Não é exato que o Sr. Euclydes da Cunha tenha vindo ao Rio de Janeiro expor ao Sr. Barão do Rio Branco “a grave descoberta”. Esse distinto engenheiro aqui chegou anteontem por ter a comissão mista brasileiro-peruana de reconhecimento do Alto Purus terminado os seus trabalhos. ___________________________________________________________________ Artigo também publicado nos seguintes periódicos: – Jornal do Comércio, 6 jan. 1906. – Jornal do Brasil, 7 jan. 1906. 62 ARTIGOS ANÔNIMOS E P SEUDÔNIMOS DO BARÃO DO RIO BRANCO O CASO DA PANTHER* Escreve-nos pessoa bem informada: “um brilhante escritor5, restituído desde poucos dias às lides do jornalismo, censurou ontem o Governo por ter feito sair apressadamente para o Sul, no dia 9 de dezembro, uma divisão naval com o intento de intimar o comandante da Panther a entregar o alemão Steinhauf, que este prendera em território brasileiro, e de haver negado depois semelhante intento respondendo, a um pedido de explicação do Governo alemão, que a divisão naval partira para fazer evoluções, anunciadas havia muito tempo. “Que a partida da divisão naval de evoluções já estava anunciada antes de conhecidas aqui as ocorrências de Itajaí, é perfeitamente exato; que essa partida foi apressada em conseqüência de tais fatos, também o é. Um governo previdente, sempre que tem de tratar de assunto em que esteja empenhada a dignidade nacional, deve prepararse para a pior hipótese, embora dificilmente admissível. Deve, porém, proceder sem indelicadeza ou fanfarronada. Se o ilustre escritor, admitindo a possibilidade, embora remota ou pouco provável de uma agressão, se armar de um revólver e for pedir explicações a pessoa com quem mantenha excelentes relações, não há de começar por lhe dizer que está armado para repelir qualquer afronta. Quando a Alemanha ou outros países da Europa reforçam guarnições de fronteira e mobilizam corpos de exército, a imprensa européia limita-se a consignar o fato comentando-o como entende, mas não faz o espalhafato que alguns repórteres e correspondentes de folhas estaduais e estrangeiras, vivendo nesta nossa atmosfera de agitações quase constantes, costumam fazer aqui, mesmo nos casos em que movemos dois canhões e algumas centenas de soldados. A indelicadeza e fanfarronada no caso de 9 de dezembro não foi do governo, foi de certos repórteres e correspondentes nacionais e estrangeiros, residentes nesta cidade, e que tão grande barulho levantaram com a mobilização de alguns navios de guerra, escrevendo * Publicado em A Notícia. Rio de Janeiro, 10 jan. 1906. 5 Na margem, anotação de próprio punho do Barão: “Resposta à Tribuna, ao Salamonde R.B.” 63 CADERNOS DO CHDD e telegrafando que eles iam dar caça à Panther ou bloqueá-la no Rio Grande. Os que querem aproveitar o ensejo para intrigar o Barão do Rio Branco com a nossa marinha, dizem que ele a expôs ao ridículo porque os navios saíram apressadamente e nada puderam fazer contra a Panther. A intriga, ainda desta vez, não há de ter o efeito desejado. Os nossos oficiais de mar e terra sabem que desde a mocidade o Barão do Rio Branco foi um amigo desinteressado da Armada Nacional e do Exército Brasileiro, pregoeiro das suas glórias, defensor dos seus brios perante o estrangeiro, e que não pode de modo algum ser confundido com os falsos amigos que exploram o elemento militar para fins exclusivamente políticos. Se é permitido comparar pequenas mobilizações, como foi esta, com a colossal mobilização não de navios, mas de esquadras, que a Inglaterra fez quando se deu o incidente diplomático de Fashoda, lembraremos esse fato, que assombrou o mundo. E não precisamos lembrar que os oficiais da marinha inglesa se não queixaram de ter essas esquadras voltado para os seus portos militares sem ter trocado tiros com a armada francesa.” Diz o escritor: “A retratação da nossa Chancelaria à primeira referência que sobre esse delicado assunto fez o Sr. von Treutler importa flagrantemente um desastre diplomático. A União, no dia 6, entre dois artigos sobre o Cardeal Brasileiro, já tinha com a mansidão e generosidade de certos clericais, publicado outro em que atribuía ao Barão do Rio Branco vergonhosas e pusilânimes satisfações dadas à Alemanha e ao Sr. von Treutler pela saída dos nossos navios para o Sul. O correspondente da Notícia em Petrópolis já desmentiu ontem essa invenção. O Governo alemão não pediu explicação alguma ao do Brasil. Os inventores de humilhações e covardias brasileiros não percebem que com tais invenções não ferem somente o ministro e o governo, mas espalham também pelo mundo – porque há aqui correspondentes de jornais estrangeiros – notícias que podem ser espalhadas pelos nossos rivais e inimigos com o fim de desacreditar este país. Verdade é que tão leviano procedimento vem de longe. Em 1904, certos noveleiros da rua do Ouvidor espalharam que as nossas tropas tinham sido derrotadas no Alto Purus e no Alto Juruá pelos peruanos, indicando até 64 ARTIGOS ANÔNIMOS E P SEUDÔNIMOS DO BARÃO DO RIO BRANCO os nomes dos oficiais mortos e feridos, e tais mentiras, logo telegrafadas, ficaram passando por verdades em toda a América e Europa. Noutras terras inventam-se vitórias e glórias. Aqui, na quadra que atravessamos, há patriotas, nacionais ou estrangeiros, que inventam derrotas e humilhações para o Brasil. Se, porém, o Governo alemão não pediu explicações, estamos informados de que o Sr. von Treutler as pediu amigavelmente por sua conta própria ao Sr. Barão do Rio Branco, na manhã de 9 de dezembro, em Petrópolis, dizendo que a notícia da partida dos navios produziria má impressão na Alemanha e tornaria impossível as negociações. Pedia, por isso, que fosse sustada a ordem de partida. Informa-me pessoa fidedigna que o Barão do Rio Branco, muito amigavelmente, respondeu que tínhamos o direito de mover para onde quiséssemos, sobretudo em águas brasileiras, os nossos navios; que, como ministro, lhe declarava que os navios saíam para fazer evoluções, como estava antes assentado, mas que como amigo particular – já que o interrogava, esquecido de que os vizinhos da Alemanha nunca lhe pediram explicações quando ela preventivamente reforçava os seus corpos de exército e guarnições de fronteira – lhe diria que a decisão tomada pelo Governo seria mantida; que o Brasil, pela sua inferioridade militar, não estava no caso de intimidar a Alemanha; que ele, barão, era muito sincero amigo da Alemanha e dos alemães, reconhecido às bondades do Imperador e dos membros do seu atual Governo, mas que era brasileiro e tinha o dever de colocar acima de tudo, de todas as considerações pessoais e dos seus interesses particulares, a dignidade e a honra do Brasil. Como particular amigo, a ele, von Treutler, e não ao ministro da Alemanha, diria, que se Steinhauf estivesse a bordo deveria ser restituído ao Brasil, e estava convencido de que o seria à vista do pedido mui cortês e amigavelmente feito pelo Brasil; mas que, se por qualquer motivo, isso fosse recusado, seria dada ordem aos nossos navios para que capturassem a Panther e tirassem de bordo esse preso. A Alemanha poderia mandar cem, duzentos navios contra o Brasil, mas teríamos feito o nosso dever. Eis aí a declaração pusilanimemente ridícula, como escreveu um patriota, que o Barão do Rio Branco, muito polidamente, e em particular, fez na manhã de 9 de dezembro ao Sr. von Treutler. Depois, o reteve para almoçar. 65 CADERNOS DO CHDD Também já foi censurado por isso, por homens que não conhecem as atenções de que foi cercado pelo Ministro dos Negócios Estrangeiros do Japão, o ministro da Rússia, Barão de Roser, mesmo depois de receber os seus passaportes e começadas as hostilidades, sendo então acompanhado até a bordo por aquele ministro. Houve quem lembrasse que o Imperador D. Pedro II não quis receber o ministro inglês Christie depois dos tristes incidentes de dezembro de 1862 e janeiro de 1863. Atenda-se, porém, que D. Pedro II era o Chefe de Estado, e que o Barão do Rio Branco ocupa a posição que então ocupava o Marquês de Abrantes, o qual não deixou de receber, sempre que foi necessário, aquele ministro com quem tinha o dever de negociar e a quem não podia deixar de tratar com toda a correção porque o governo de um país culto não pode proceder como procedem os Botocudos nas suas relações com os enviados das tribos vizinhas. Atenda-se mais que não há comparação possível entre as correrias de alguns oficiais e marinheiros em Itajaí e as ofensas que à nossa dignidade de nação foram feitas por aquele ministro britânico, insolentíssimo nas suas notas. O ministro von Treutler não tem responsabilidade alguma pelos fatos de Itajaí, que não autorizou e de que só teve notícia pelos telegramas dos jornais. Tinha direito a ser tratado com a consideração e estima com que são tratados em qualquer país civilizado os diplomatas estrangeiros, sobretudo os que, como ele, se mostram sempre amigos do país em que residem.” ___________________________________________________________________ Artigo também publicado nos seguintes periódicos: – – – – Gazeta de Notícias, 11 jan. 1906. Jornal do Commercio, 11 jan. 1906. O Paiz, 11 jan. 1906. Jornal do Brasil, 11 jan. 1906. 66 ARTIGOS ANÔNIMOS E P SEUDÔNIMOS DO BARÃO DO RIO BRANCO O CASO DA PANTHER* Temos a seguinte nota: Algumas das considerações, reservas e críticas na Vária do Jornal do Commercio de hoje, sobre o caso da Panther, baseiam-se em erros de fatos, que terão sido desde logo notados por quantos hajam lido atentamente os documentos publicados, a que se refere o próprio e amável censor do Sr. Ministro das Relações Exteriores. Lê-se na Vária. “É curioso que com essa mesma data de 1 de dezembro tenha aparecido um cartão postal de Steinhauf, dirigido do Desterro ao dono do hotel de Itajaí, falando na quantia precisa de que era devedor e pedindo-lhe a remessa da mala para o consulado alemão de Buenos Aires.” O próprio Jornal do Commercio de 14 de dezembro, em telegrama de Florianópolis, publicou a tradução em português do cartão, escrito em alemão, por Steinhauf, e aí se vê que ele não pediu a remessa da mala, mas sim que esta fosse guardada no hotel. O mesmo se vê no “Memorandum” anexo à nota brasileira de 31 de dezembro, publicado no Jornal do Commercio de 10 do corrente. Diz a Vária: “O dono do hotel e Zimmermann disseram em seus depoimentos, confirmados por outras pessoas, que sofreram a mais clamorosa violência da gente de bordo, que os obrigou a abrir as casas, gente essa no meio da qual uma testemunha respeitável, homem maior de 60 anos, de origem alemã, veterano da guerra de 1870, informa ter reconhecido o próprio comandante a quem por mais de uma vez tinha visto em terra.” Não sabemos se todos os veteranos da guerra de 1870 e todos os sexagenários devam ser considerados homens respeitáveis, o que sabemos é que somente o veterano Antônio Maluch (unus testis nullus * Publicado em A Notícia. Rio de Janeiro, 11 jan. 1906. 67 CADERNOS DO CHDD testis, ensina o direito processual dos tempos antigos e modernos) declarou, no 3º inquérito, ter visto o Conde Saurma no Hotel do Commercio, porém às 9 horas da noite mais ou menos e não pelas 2 horas da madrugada, quando se deram as violências atribuídas aos oficiais e marinheiros da Panther. Os outros depoentes só ouviram essa história ao velho Maluch. O proprietário do hotel declarou que não conhecia o comandante, e que era um oficial alto o que dava as ordens quando a gente da Panther foi buscar Steinhauf às 2 da madrugada, mais ou menos. Ora, o Conde Saurma é um homem bastante baixo, como podemos afirmar por tê-lo visto aqui no Rio muitas vezes, e, demais, ninguém poderia admitir que um oficial superior da armada alemã, ou da nossa armada, comandante de um navio de guerra, se empregasse em procurar pessoalmente um desertor, podendo encarregar da diligência subordinados seus. Sobre a entrada no Hotel do Commercio por meio de ameaças, às 2 horas da madrugada, só há o depoimento do proprietário Gabriel Heil, no segundo inquérito feito pelo prefeito de polícia. Os outros depoentes, alguns somente, ouviram isso a Heil, mas nada puderam dizer de ciência própria. No primeiro inquérito, Heil se tinha limitado a dizer que os oficiais exigiram a entrega de Steinhauf, para lhes ir mostrar onde estava o desertor Hasmann, e que às observações feitas por ele, proprietário, responderam “que tivesse paciência, que queriam levá-lo.” No depoimento que posteriormente fez no Consulado da Alemanha, esse mesmo Heil não falou em ameaças: declarou que abriu a porta do hotel pensando que quem batia era um hóspede seu, por quem ainda esperava. A Vária refere-se à ofensa sem precedente de que falou o Sr. Ministro das Relações Exteriores, a qual, segundo o mesmo “não podia ser efetuada sem ciência ou ordem do comandante”. Os documentos publicados mostram que o Sr. Barão do Rio Branco se exprimiu assim no telegrama de 9 de dezembro à Legação do Brasil em Berlim e na nota de 15 do mesmo mês ao ministro da Alemanha, quando só tinha por base do seu juízo os telegramas recebidos de Florianópolis, dando resumos incompletos dos inquéritos, e os telegramas que ao Jornal do Commercio mandava o seu jovem correspondente daquela cidade. Ao redigir aqueles dois documentos o Sr. Barão do Rio Branco estava persuadido de que tinha havido uma diligência militar, 68 ARTIGOS ANÔNIMOS E P SEUDÔNIMOS DO BARÃO DO RIO BRANCO um desembarque de força armada e a prisão de um estrangeiro, Steinhauf, levado para bordo. Depois, recebeu, em 17 e 20 de dezembro, os nossos inquéritos, e neles não achou prova alguma de que tivesse havido desembarque de força armada nem de que Steinhauf tivesse sido levado para bordo. Modificou, portanto, a opinião que formara à vista das primeiras e exageradas notícias. Se tivesse havido um desembarque de força armada para efetuar uma prisão em terra, a ofensa à nossa soberania não teria precedente e o desembarque não poderia efetuar-se “sem ciência ou ordem do comandante”. Mas o que se passou não foi o que precipitadamente lhe andaram dizendo e ao público. O que se passou foi isto: – O comandante encarregou oficiais à paisana e inferiores e marinheiros fardados, que tinham permissão para ir a terra, de procurarem descobrir o paradeiro de um suposto desertor, a fim de que o agente consular tratasse de obter a sua prisão e entrega. Recomendou a esses licenciados a maior prudência e discrição nas indagações que fizessem, para não ofender as suscetibilidades dos naturais da terra. Os licenciados desembarcaram na tarde de 26, e não no silêncio da noite, como se disse. Pelas 4 ou 5 horas da tarde, um sargento da guarnição avistou Hasmann, em companhia de Steinhauf. Chamou Hasmann dizendo-lhe que não fizesse asneiras e voltasse para bordo. Hasmann fugiu, metendo-se no mato e o sargento alcançou Steinhauf e o agrediu, dando-lhe umas bordoadas. É a isso que alguns depoentes, nos nossos inquéritos, chamam “surra”, dada pelos marinheiros alemães e supondo, pelo que ouviram, que o caso se tivesse passado à noite. Durante a noite os oficiais e marinheiros da Panther estiveram duas vezes no Hotel do Commercio; a primeira às 9 horas, a segunda, às 2 da madrugada ou pouco antes, porque não está provado que os informantes tivessem relógio e pudessem precisar bem a hora. Houve a bordo, por ordem do almirantado, um inquérito, com deposições feitas debaixo de juramento. Se os excessos em terra tivessem sido praticados por ordem do comandante, não se compreende que ele tivesse a imprudência de perjurar e trair os seus subordinados, nem tampouco que estes deixassem de afirmar que haviam cumprido ordens. Bem inteirado do que se passava, o Sr. Barão do Rio Branco reduziu as coisas às suas justas proporções e na nota de 31 de dezembro disse o seguinte, que é muito diferente do que havia dito no 69 CADERNOS DO CHDD telegrama do dia 9, em que se apoiou o autor da Vária para o criticar e, sem dúvida involuntariamente, expô-lo à animadversão dos nossos compatriotas. “À vista dos documentos examinados, não podemos manter que houve em Itajaí um desembarque militar, de homens em armas : podemos, porém, afirmar que houve operações de polícia, executadas durante a noite por oficiais, inferiores e marinheiros de um navio de guerra estrangeiro, com menoscabo da soberania nacional.” A questão, portanto, tinha mudado muito de figura. Alguns dos oficiais e inferiores que estavam com licença em terra, desde a tarde de 26, provavelmente beberam cerveja demais na casa de D. Anna Asseburg, onde estiveram, e praticaram excessos ofensivos da soberania territorial, se eles fossem autorizados pelo comandante e pelo Governo alemão. O comandante declarou que não autorizara tais coisas e apenas os encarregara de fazer, com a maior prudência, indagações sobre o paradeiro do suposto desertor, a fim de ser reclamada a sua prisão e entrega. Como poderia o Sr. Ministro das Relações Exteriores pedir a demissão do comandante, inocente dos excessos praticados? A geração brasileira de 1865, a que sabia pelejar no Uruguai e no Paraguai, em defesa da honra nacional, contentou-se com a satisfação que a Inglaterra nos deu naquele ano pela ofensa feita à nossa dignidade, à nossa soberania territorial em janeiro de 1863. Depois de dois anos de negociações em Londres, dirigidas pelo mediador português Conde de Lavradio, desde 29 de junho de 1863 até 26 de julho de 1865 – dois anos durante os quais foi discutida a fórmula da satisfação, sendo rejeitadas a primeira e segunda que propúnhamos –, recebeu o Brasil, com geral contentamento, a que lhe deu a Inglaterra: “Sua Majestade a Rainha exprime o pesar com que tem considerado as circunstâncias que acompanharam a suspensão das relações amigáveis entre os dois países e nega toda a intenção de ofender a dignidade do Império do Brasil.” A geração briosa e patriótica daquele tempo achou que isso era uma satisfação aceitável, apesar de se ter o Governo britânico recusado a censurar o Ministro Christie que nos dirigiu notas insolentíssimas e o Almirante Warren que, por ordem do mesmo, apresou diante da barra 70 ARTIGOS ANÔNIMOS E P SEUDÔNIMOS DO BARÃO DO RIO BRANCO do Rio de Janeiro navios mercantes nossos e os guardou em nossas águas territoriais, na enseada de Palmas. Agora obtivemos da Alemanha, por fato de muito menor importância, uma satisfação completa, satisfação como o Governo Imperial nunca deu igual a governo algum, segundo declaração textual do Barão de Richthofen ao nosso ministro em Berlim, no mesmo dia 7 do corrente, em que, à noite, caiu fulminado de apoplexia, e há aqui quem se mostre descontente e diga que o Barão do Rio Branco não soube defender a dignidade nacional. Quanto à entrega de Steinhauf, ela foi reclamada com toda a decisão enquanto a Panther esteve nas nossas águas. O comandante afirmou ao seu Governo que o reclamado não estava e nunca tinha estado a bordo. Por isso não nos foi entregue. “Si le commandant déclare que les personnes réclamées ne sont pas à son bord, cette declaration devra suffire” diz PradierFodéré.” Da afirmação do comandante ao almirantado alemão e ao Imperador da Alemanha não é lícito duvidar. Não se pode com justiça aproximar essa afirmação solene das notícias que lhe mandou, por ouvir dizer, sobre a chegada de Steinhauf em uma pequena embarcação de vela, no dia 30 de novembro, e sobre a sua partida para Buenos Aires, no dia 1º de dezembro. Podemos assegurar que o Governo alemão está muito empenhado na descoberta de Steinhauf e que nesse sentido foram passadas instruções aos seus consulados em Santa Catarina, Rio Grande do Sul, Uruguai e Argentina. ___________________________________________________________________ Publicado também nos seguintes periódicos: – Jornal do Commercio, 12 jan. 1906. – O Paiz, 12 jan. 1906. – Gazeta de Notícias, 12 jan. 1906. 71 CADERNOS DO CHDD A SATISFAÇÃO DIPLOMÁTICA* Temos a seguinte nota: Todos sabem que Le Temps, de Paris, é, como quase todos os jornais franceses, uma folha sistematicamente anti-germânica. Vejamos como ela se pronuncia, em seu número de 21 de dezembro, sobre o projeto de satisfação ao Brasil, publicado na Norddeutsche Allgemeine Zeitung e oferecido ao Governo brasileiro no dia 18 daquele mês: “O INCIDENTE GERMANO-BRASILEIRO – A oficiosa Gazeta da Alemanha do Norte anuncia que o Governo alemão encarregou o seu ministro no Rio de Janeiro, Barão de Treutler, de dar a seguinte resposta às reclamações do Governo brasileiro sobre o incidente de Itajaí: 1º – Steinhauf não está, nem nunca esteve a bordo da canhoneira Panther; 2º – O comandante da Panther tinha encarregado os oficiais e praças licenciados em terra de se informarem do lugar em que se achava um marinheiro suspeito de deserção. Como do inquérito que fizemos resulta que os marinheiros alemães ultrapassaram os limites das instruções que haviam recebido, o Governo Imperial exprime ao Governo brasileiro o seu pesar (ses regrets) pelo que se passou.” ‘O incidente, portanto, pode ser tido por encerrado.’ ‘L’incident peut donc être considéré comme clos.’ Conclui Le Temps. E esse jornal tinha publicado, como a imprensa européia em geral, quase todas as mentiras e exagerações que correspondentes levianos ou mal intencionados andaram pondo em circulação aqui. Aquela simples declaração, tão diferente da que nos foi feita em 2 de janeiro, Le Temps achava satisfação aceitável e bastante para pôr termo ao incidente. * Publicado em A Notícia. Rio de Janeiro, 12 jan. 1906. 72 ARTIGOS ANÔNIMOS E P SEUDÔNIMOS DO BARÃO DO RIO BRANCO Entretanto, no dia 22, sob o mesmo título – O incidente germanobrasileiro –, dizia Le Temps: “Segundo o correspondente do New York Herald no Rio de Janeiro, o Barão do Rio Branco, Ministro dos Negócios Estrangeiros, teria achado insuficientes as explicações do ministro da Alemanha sobre o incidente da canhoneira alemã Panther. O Ministro da Alemanha apresentará ao Governo brasileiro uma nova proposta fundada no desejo que tem o Governo de Berlim de manter as suas boas relações com o Brasil. Acrescenta o Herald que se um acordo direto não for possível, os dois governos nomearão uma comissão mista para fazer um inquérito.” O Brasil recebeu, não a expressão de pesar que Le Temps julgava suficiente para encerrar o incidente, mas: 1º – A declaração formal e por escrito, feita por ordem do Governo Imperial, em 17 de dezembro, enquanto a Panther estava em águas brasileiras, de que Steinhauf não podia ser entregue ao Capitão do Porto do Rio Grande porque não estava e nunca havia estado a bordo da canhoneira, o que importa no reconhecimento da obrigação de o restituir se estivesse a bordo; 2º – A declaração muito amigável e completa de 2 de janeiro, declaração cujos termos foram assentados em Berlim entre o Secretário de Estado, Barão de Richthofen e o Chanceler do Império, príncipe de Bülow, submetidos ao Imperador e aprovados por ele, e em que é dito: a) Que o comandante Saurma dera a oficiais e inferiores licenciados da Panther a simples incumbência de procurarem discretamente em terra um marinheiro retardatário, suspeito de deserção, conformando-se com o uso universalmente seguido nas marinhas de guerra de todos os países; b) Que estava longe da intenção de todos os envolvidos no caso, o ofender com tal procedimento a soberania territorial do Brasil; 73 CADERNOS DO CHDD c) Que o Governo Imperial tem em grande apreço a perfeita manutenção das boas relações com o Brasil; d) Que por todos os modos deseja fortalecer os laços de amizade existentes; e) Que tendo os inquéritos alemães provado que as pessoas licenciadas ultrapassaram os limites do encargo recebido, o Governo Imperial assegura que os responsáveis serão submetidos à justiça militar; f ) Que o Governo Imperial exprime o seu vivo pesar (ses vifs regrets, e não simplesmente ses regrets, como seria bastante para o Temps) ao Governo brasileiro pelo que se passou. De 10 de dezembro de 1905, data da nossa reclamação em Berlim, a 17 do mesmo mês em que ficou resolvido satisfatoriamente, segundo os mestres de direito internacional, a questão relativa à entrega de Steinhauf, contam-se sete dias. Daquela primeira data a 18 de dezembro, em que o Governo Imperial resolveu dar-nos inteira satisfação pelos fatos ocorridos em terra, decorreram oito dias; em 2 de janeiro, dia em que a satisfação foi formalmente dada, completaram-se vinte e três dias. E houve quem aqui achasse que o Sr. Barão do Rio Branco não devia ter assinalado a presteza que houve, nem ter admitido que houvesse retidão nas decisões tomadas, tão pronta e cordialmente! Tivemos a devida e mui cordial satisfação ao cabo de 23 dias apenas. Quando tivemos de dar satisfação ao Paraguai, em 1901, pela ofensa à sua soberania territorial, feita pelo comandante da canhoneira Carioca, que apresou uma lancha com bandeira paraguaia e retirou as peças essenciais da máquina de um vapor em águas daquela República, apesar dos protestos da autoridade local, levamos 50 dias para responder à justa e bem fundada reclamação do ministro paraguaio, porque naturalmente precisávamos basear a nossa decisão nos nossos próprios inquéritos e indagações. Muito antes do incidente de Itajaí, deu-se outro bastante grave em Missoune, na fronteira franco-alemã do Cameroun e do Congo. Um sargento e vários milicianos franceses foram, não presos, mas, mortos, sem prévia intimação, por um destacamento de tropas coloniais alemãs sob o comando de um capitão. 74 ARTIGOS ANÔNIMOS E P SEUDÔNIMOS DO BARÃO DO RIO BRANCO Esse incidente ainda não está resolvido e a imprensa dos dois países tem tido o bom senso ordinário de não andar procurando agitar as massas, porque compreende que não é assim que se encaminham questões de dignidade nacional e porque sabe que é necessário tempo para proceder, de uma e outra parte, a inquéritos que esclareçam bem os fatos e restabeleçam as responsabilidades. Em 1887, ocorreu outro incidente desagradável em Vexaincourt, com a Alemanha, sendo morto um caçador francês e ferido gravemente outro. O Sr. Flourens, Ministro dos Negócios Estrangeiros, telegrafou logo ao Sr. Raindre, encarregado da Embaixada de França em Berlim, incumbindo-o, não de exigir energicamente, como fariam ministros rastaquouères, mas de “convidar (inviter) o Governo alemão a verificar os fatos, e, quando a sua exatidão fosse reconhecida, a dar à França, conforme os princípios de direito, as reparações devidas pela violação do território e os prejuízos causados aos seus nacionais”. O Secretário de Estado, Conde Herbert de Bismarck, respondeu que, se verificasse a exatidão dos fatos apontados, o Governo Imperial não poderia deixar de lamentar profundamente o incidente e de dar todas as reparações que razoavelmente fossem pedidas. Terminado o inquérito alemão, o Governo Imperial manifestou (como agora no Brasil) o seu vivo pesar (ses vifs regrets) pelo ocorrido e pagou uma indenização à viúva da vítima. A nobre nação francesa achou que o incidente ficara honrosamente encerrado com essa expressão de pesar, sem ter recebido protestos de cordial amizade, como os que, pronta e espontaneamente, nos foram feitos de Berlim, nem a promessa de que o soldado que matou e feriu franceses em território francês fosse submetido à justiça militar, e sem ter pedido que fosse ele castigado. Aqui, certos patriotas de esquina, e até alguns estrangeiros, quereriam que o Sr. Barão do Rio Branco pedisse o castigo do Comandante da Panther, inocente dos excessos praticados em terra por alguns oficiais e marinheiros, que ultrapassaram as suas instruções, e só culpado do pecado venial de haver mandado fazer o que todos os comandantes de navios de guerra mandam fazer em casos tais, e pode ser feito com a única condição de que a autoridade local não fique sabendo oficialmente do que se fez. Já um comunicado, na Notícia de ontem, recordou que a satisfação recebida por nós da 75 CADERNOS DO CHDD Inglaterra, em 1865, depois das notas insolentíssimas do seu Ministro Christie e do apresamento de navios mercantes brasileiros pelo Almirante Warren diante da barra do Rio de Janeiro, só foi concedida ao cabo de dois anos de negociações em Londres, e, versando sobre fatos de muito maior gravidade, praticados por um enviado extraordinário e por um almirante, foi muito menos completa e cordial do que a que nos deu a Alemanha pelas tropelias desautorizadas de quatro tenentes à paisana e doze sargentos e cabos da Panther. Dizem certos críticos, sempre fáceis em achar incompleto e ruim o que os outros fazem com meditação e trabalho, e excelente o que eles muitas vezes produzem precipitadamente, sem inteiro conhecimento dos fatos ou dos atos que pretendem julgar de cadeira –, dizem eles que a submissão dos culpados à justiça militar é reparação ilusória, porque necessariamente serão inocentados. Não sabemos, nem precisamos saber se isto se dará. O que sabemos é que as nações mais briosas contentam-se com a promessa de julgamento dos culpados pela justiça militar. O comandante Collins, do Wachussetts, que no porto da Bahia capturou, em 1863, o corsário Georgia, foi absolvido em conselho de guerra e o Brasil daquele tempo se não queixou disto. O comandante Estanislau Przewodowski, da nossa flotilha do Uruguai, que em 1873, por sua conta própria, bombardeou a povoação argentina de Alvear, e o comandante Mariano de Azevedo da Carioca, que em 1901 apresou, no porto paraguaio de Olympo, uma lancha, levando-a para Corumbá, foram ambos absolvidos pela nossa justiça militar e a Argentina e o Paraguai nos não pediram contas por isso, porque o governo de um país não pode impor decisões a juízes, militares ou não. A satisfação dada pelo governo e pela nação que ele representa, é o que regula, e não a decisão dos juízes locais. E a satisfação deve ser graduada conforme a gravidade da ofensa. Diz Bonfils, no seu Direito Internacional Público: “Um representante oficial do Estado, no estrangeiro, como um agente diplomático ou um oficial da marinha, falta ao respeito devido a um Estado estrangeiro, viola os seus direitos, causa um dano. O Estado assume, sem que possa haver dúvida, a 76 ARTIGOS ANÔNIMOS E P SEUDÔNIMOS DO BARÃO DO RIO BRANCO responsabilidade dos atos de tais agentes. A reparação variará segundo a gravidade dos fatos e a extensão do prejuízo causado. Uma simples desaprovação bastará algumas vezes. Outras vezes, uma indenização pecuniária, desculpas diplomáticas (des excuses diplomatiques), acompanhadas ou não da demissão do agente, serão necessárias...” O Governo brasileiro não podia esperar ou pedir, sobre o caso de Itajaí, bem esclarecido como ficou por fim, e despido das exagerações dos primeiros dias, mais do que franca, leal e nobremente, com a maior cordialidade, lhe foi concedido pelo Governo alemão. O incidente terminou muito melhor do que supunha o Temps de Paris. O COMANDANTE DA PANTHER Têm dito alguns compatriotas que o Conde Saurma, comandante da Panther não se importou com a polícia de Itajaí e resolveu ofender a soberania brasileira, mandando que os seus oficiais e marinheiros fossem praticar atos de polícia em terra. O seguinte telegrama, por ele dirigido ao nosso compatriota Carlos Renaux, superintendente municipal em Brusque, mostra que estava convencido de que o Agente Consular Alemão, Max Putler, tinha solicitado e obtido o apoio da polícia local: “De Itajaí, 399, – 14 palavras, 26 de novembro 1905, 2h p. m. Ao Sr. Renaux – Brusque. Rogo-lhe apoiar a prisão do marinheiro Hasemann. A polícia está informada. – Conde Saunna. Eis o texto original alemão do telegrama, que acabamos de traduzir. Bitte unterstulzung des festnahme des Matrosen Hasemann. Polizei benachrichtig. – Graf Saurma.” 77 CADERNOS DO CHDD Como seria possível pedir a demissão desse comandante e responsabilizá-lo pelo encervejamento de quatro tenentes e doze sargentos e cabos nas hospedarias de Itajaí? ___________________________________________________________________ Artigo também publicado nos seguintes periódicos: – Jornal do Commercio, 13 jan. 1906. – O Paiz, 13 jan. 1906. – Gazeta de Notícias, 13 jan. 1906. 78 ARTIGOS ANÔNIMOS E P SEUDÔNIMOS DO BARÃO DO RIO BRANCO A SOLUÇÃO DIPLOMÁTICA NO CASO DA PANTHER* Temos a seguinte nota: A primeira opinião, aqui formada, sobre os acontecimentos de Itajaí, baseou-se nas notícias bastante exageradas, cheias de confusões e enganos, telegrafadas depois de leituras rápidas e desatentas, por um jovem correspondente de Florianópolis, cujo critério deve ser mais ou menos igual ao do correspondente argentino que há dias nos quis impingir a notícia de que um ex-diplomata russo – anônimo, já se sabe – vira no Estado-Maior alemão certo mapa do Brasil meridional, onde estavam marcados os distritos conquistáveis pela Alemanha, como se nas salas do Estado-Maior em Berlim tivessem entrada diplomatas, repórteres ou quaisquer pessoas estranhas ao serviço, e documentos reservados andassem ali rolando pelas mesas!... Na Europa, também, foram as notícias do jovem correspondente as que produziram a primeira impressão. Diz o Journal des Débats de 16 de dezembro: “Brasil – O Jornal do Commercio publica o resumo do inquérito oficial sobre o incidente de Santa Catarina. Os depoimentos das testemunhas, tanto alemãs como brasileiras, confirmam os fatos já conhecidos. Um alemão naturalizado brasileiro, antigo combatente de 1870, refere que reconheceu o comandante da canhoneira Panther entre os oficiais que acompanhavam os marinheiros quando estes se apoderaram de Fritz Steinhauf...” Esse veterano de 1870, em cujo testemunho, único e isolado, se apoiou a Vária de 11 do corrente, é Antonio Maluch, que pelo nome não se perca – respeitável sexagenário –, segundo o amável crítico, mas maníaco, como declara o depoente Leocádio Baptista de Medeiros, mais competente para o qualificar, porque o conhece pessoalmente. Já mostramos que a acusação feita ao comandante, com o menos que frágil fundamento de um testemunho nulo em direito, não podia autorizar o Sr. Ministro das Relações Exteriores a pedir ao Governo alemão que punisse administrativamente o Conde Saurma, o qual * Publicado em A Notícia. Rio de Janeiro, 13 jan. 1906. 79 CADERNOS DO CHDD solenemente declarara em relatório oficial não ter autorizado os atos de força praticados em terra pelos oficiais e inferiores licenciados. Também já ficou provado que o comandante deu prova de respeito à soberania territorial pedindo ao Agente Consular que obtivesse o apoio da polícia brasileira para a apreensão do retardatário Hasmann, ainda não declarado desertor. Às 2 horas da tarde de 26, o Conde Saurma telegrafava de Itajaí ao nosso compatriota Carlos Renaux, em Brusque, dizendo: “A polícia está prevenida”. O requerimento à polícia devia ter sido feito pelo Agente Consular; se este não o fez, a culpa não foi do comandante. Ficou igualmente demonstrado que o veterano maníaco disse ter visto o comandante no Hotel do Commercio às 9 horas da noite, e não às 2 horas da madrugada, quando dali foi retirado Steinhauf, por uns seis inferiores que obedeciam a um oficial, cujos sinais característicos, dados pelo proprietário Heil, não correspondem de modo algum aos do Conde Saurma. O Journal de Débats foi induzido em erro, quando do Rio lhe telegrafaram que todos os depoimentos, nos inquéritos de Itajaí, confirmavam os fatos aqui publicados e espalhados pelo mundo. O autor da Vária do dia 11 também foi induzido em erro, acreditando em tudo quanto lhe telegrafaram de Florianópolis e sem estudo dos inquéritos, que só na tarde desse dia foram aqui publicados. O Jornal, porém, muito antes do dia 11, teve notícias mais exatas, que lhe foram dadas por um velho amigo da casa, amigo que a freqüenta desde 1851, que para ela tem trabalhado muito e que, apesar disso, mereceu menos confiança nestas circunstâncias que reclamavam a maior ponderação, do que novos colaboradores, nem sempre capazes de avaliar bem os perigos a que pode expor um país a falta de calma quando se examinam assuntos em que anda envolvida a dignidade nacional. Temos considerado, nos dois precedentes artigos, quanto aos7 pontos em que tocou a Vária. Não podemos deixar de acentuar hoje que não foi o ministro da Alemanha, Sr. von Treutler, quem fez as declarações que ela resumiu, quem disse que os envolvidos no caso não tinham a intenção de ofender a soberania brasileira, que os responsáveis pelos excessos em terra seriam entregues à justiça militar 7 Anotação manuscrita à tinta pelo barão do Rio Branco, substituindo o trecho impresso “quanto aos” por “quase todos os”. 80 ARTIGOS ANÔNIMOS E P SEUDÔNIMOS DO BARÃO DO RIO BRANCO (les responsables seront traduits devant la justice militaire, tal foi a fórmula afinal proposta e aceita em Berlim); não foi o ministro quem nos disse que o seu Governo tem em grande apreço a perfeita manutenção das boas relações com o Brasil, quem afirmou que o Governo Imperial deseja por todos os modos fortalecer os laços de amizade existentes entre os dois países e quem nos exprimiu, em nome do seu Governo, profundo pesar pelo que se tinha passado. Não foi o ministro, Sr. von Treutler, quem nos disse tudo isso: foi o Governo Imperial, isto é, foi o próprio Imperador da Alemanha quem mandou dizer tudo isso ao Brasil e ao seu Governo em uma declaração escrita em Berlim e que aquele ministro não fez senão transcrever e transmitir-nos em nota, como de estilo. O Sr. Barão do Rio Branco não pediu mais ao Governo alemão porque em sua consciência de brasileiro entendia que não podia pedir mais, ele que estudou os documentos e sabe guardar a calma precisa em todas as ocasiões, por mais difíceis e desagradáveis que sejam. O Governo preveniu-se sem estrépito para tudo, para as mais graves hipóteses. O pessoal da Legação Brasileira em Berlim, desde o dia 12 de dezembro, ficou pronto para deixar a Alemanha dentro de 24 horas se fosse necessário. Aqui, desde o dia 8, foram tomadas reservadamente as disposições preventivas necessárias para que Steinhauf fosse tirado de bordo da Panther se lá estivesse e se a sua entrega fosse recusada. Mas, diante da atitude cordialmente amigável do Governo alemão, que desde o primeiro momento afirmou os seus sentimentos de nunca desmentida amizade ao Brasil e, que, sendo forte e poderoso, mostrava uma vez mais que não regateia satisfações aos menos fortes, não havia lugar para as estraladas que desejavam os nacionais e os estrangeiros que neste país querem semear ódios contra nações amigas, e os que se deixam levar pelas impressões desses agitadores. O Jornal do Commercio, quando o seu ilustre diretor e proprietário aqui estava, em 9 de fevereiro de 1895, disse o seguinte do atual Ministro das Relações Exteriores, pela pena de um brilhante brasileiro que também o conhece desde os tempos de estudante: “O Barão do Rio Branco, pode-se dizer, era até ontem muito mais conhecido em nosso país pelo reflexo do nome paterno do que pelo que ele mesmo já tinha feito... desde muito moço o que 81 CADERNOS DO CHDD lhe interessava era a história do nosso país, as suas coisas militares antigas, o seu prestígio exterior, as glórias da nossa bandeira... Estão aí os traços característicos do segundo Rio Branco: genuíno patriotismo, culto amoroso do pai, organização conservadora, entusiasmo militar, afastamento da política interna, paixão da glória do país... Há talvez nesse homem, talhado para os primeiros lugares e de uma coragem pessoal indiscutível o defeito da timidez, desde que se trata de um interesse seu...” E foi desse homem sempre zeloso defensor da dignidade da terra em que nasceu, do seu “prestígio no exterior” que um escritor amigo falou com reservas e insinuações bem significativas, em dias como os que acabamos de atravessar, em que a opinião pública andava transviada por notícias falsas ou exageradas! Felizmente, a borrasca que outros preparavam e para a qual os telegramas de Florianópolis e a Vária forneceram elementos, está passada. O país conhece hoje em toda a sua luz o incidente de Itajaí. ___________________________________________________________________ Publicado nos seguintes periódicos: – O Paiz, 14 jan. 1906. – Gazeta de Notícia, 14 jan. 1906. – Jornal do Commercio, 14 jan. 1906. 82 ARTIGOS ANÔNIMOS E P SEUDÔNIMOS DO BARÃO DO RIO BRANCO A SOLUÇÃO DIPLOMÁTICA DO CASO DA PANTHER* Temos a seguinte nota: Foi-nos mostrada uma interessante “Carta do Rio”, no Estado de S. Paulo, de 13 do corrente, escrita pelo seu ativo e talentoso correspondente “Fígaro”, também combatente na imprensa da nossa boa capital. Por essa carta ficamos conhecendo qual o procedimento que alguns censores fluminenses desejariam tivesse tido, no caso da Panther, o Sr. Ministro das Relações Exteriores. Diz textualmente “Fígaro”: “Saímos disto envergonhados, não pela pequenez da satisfação que a Alemanha nos deu, mas pela confissão de que nós fomos mentirosos. Nós! As autoridades de Santa Catarina, é claro.... Nada disso se daria se houvéssemos procedido de outra forma. Perdoe-me a lição o mestre diplomata Sr. Paranhos do Rio Branco. Se o sapateiro sobe além dos sapatos é porque Homero também cochila às vezes... Se S. Ex. dissesse ao Sr. Treutler que o Governo do Brasil, dada a ofensa que foi grave, não podia entrar em estudo do caso e queria singelamente satisfações, visto que não podia discutir, pôr em dúvida e desmentir as informações das suas autoridades; se S. Ex. tivesse mandado sair de Berlim o Sr. Costa Motta e entregar ao Sr. Treutler os passaportes; se, numa palavra, o Brasil tivesse cortado relações com a Alemanha, tudo estaria a estas horas linda e brilhantemente resolvido, as explicações viriam plenas e satisfatórias e a gente estaria confiando na palavra das autoridades de Santa Catarina. Assim, quem mentiu foi o Brasil.” “Fígaro”, como Homero, estava de certo caindo de sono – jam dormitante lucerna –, quando escreveu e mandou para a velha acadêmica Paulicéia aquela extraordinária lição de direito diplomático... * Publicado em A Notícia. Rio de Janeiro, 16 jan. 1906. 83 CADERNOS DO CHDD Ou melhor, estava gracejando. Onde e quando se viu um governo pedir satisfação a outro, declarar que a reclama antes do estudo do caso, e que somente as informações das suas autoridades – que ele próprio não quer examinar – devem ser tidas em consideração? Não percebe “Fígaro” que a outra parte também ficaria com o direito de exigir que somente os seus documentos e informações devessem ser tidos em conta? Onde e quando se viu um governo formular reclamações, dizendo que as formula sem base segura e rompendo relações diplomáticas antes que o outro possa examinar o caso e dizer se quer ou não atender à reclamação? Não, mil vezes não! Essa linha de proceder que alguns raros diplomatas da rua do Ouvidor desejariam ver adotada pelo Sr. Rio Branco, estamos certos que ele a não seguiria nem mesmo se tão ferozes patriotas lh’a quisessem impor sob a ameaça de imediato fuzilamento. O Brasil tem a indeclinável obrigação de proceder sempre de acordo com as suas honrosas tradições, com as práticas das demais nações cultas e os princípios do direito das gentes. Já citamos o procedimento da França em 1887, num caso muito mais grave do que este nosso de Itajaí: o Ministro dos Negócios Estrangeiros da República Francesa telegrafou à embaixada em Berlim, incumbindo-a de “convidar o Governo alemão a verificar os fatos, e quando a sua exatidão fosse reconhecida...” (pelos inquéritos e indagações das autoridades alemãs) “a dar, conforme os princípios do Direito, as reparações devidas à França, pela violação do seu território” (...d’inviter le Gouvernement Allemand à controler les faits et lorsque leur exactitude aurait été reconnue, à donner, conformément aux principes du droit les réparations dues à la France pour la violation du territoire et les torts causé à ses nationaux). Invertamos as posições. Suponhamos que um governo estrangeiro nos apresentasse uma reclamação do mesmo gênero, baseada em resumos telegráficos e nos dissesse: “Não preciso examinar e estudar os documentos a que se referem os telegramas das vossas autoridades. Tudo quanto está nesses resumos é necessariamente exato e não merecem crédito algum as informações do comandante e oficiais do vosso navio de guerra. Queremos satisfação imediata e a demissão 84 ARTIGOS ANÔNIMOS E P SEUDÔNIMOS DO BARÃO DO RIO BRANCO do comandante brasileiro. Se o Brasil não estiver pelo que exigimos, romperemos imediatamente relações diplomáticas.” Perguntamos a “Fígaro”, que sempre conhecemos tão razoável, se ele se animaria a aconselhar o Governo brasileiro a demitir o seu comandante e dar satisfações a tão desaforado governo estrangeiro? Decerto que não. O que o Governo do Brasil teria de fazer nesse caso seria, não esperar que o atrevido rompesse relações, mas cortar imediatamente relações com esse governo de insensatos, capaz de nos dirigir tão grande afronta. “Em todo caso”, diz Lafayette Pereira e dizem todos os mestres do Direito Internacional, “o Estado que recebe a ofensa não pode exigir do ofensor um gênero de satisfação que seja para este uma desonra ou humilhação, porque nisso iria ofensa à sua dignidade e honra, tão respeitáveis como as do Estado ofendido.” E ensina mais: “A satisfação consiste em explicações, escusas, amende honorable, protestos, declarações solenes em atos públicos de deferência, saudação da bandeira nacional, visitas oficiais, na repreensão e punição dos funcionários ou autores da ofensa. Tudo isso depende da natureza da ofensa e dos usos.” Diz “Fígaro” que, como se passaram as coisas, confessamos que “as autoridades de Santa Catarina foram mentirosas”, e acrescenta: “quem mentiu foi o Brasil.” O Brasil é representado perante o estrangeiro pelo Governo Federal e não por um Juiz de Direito de Comarca ou pelos governos particulares dos diferentes Estados da União. Está claro que ninguém poderia atribuir “mentiras” ou mesmo erros propositais ao Juiz de Direito de Itajaí e ao Governo do Estado de Santa Catarina. É fora de dúvida, porém, que pela leitura rápida dos inquéritos o juiz, referindo-se a eles, mandou ao Governador e este transmitiu ao Ministério das Relações Exteriores algumas informações que não têm base nos depoimentos. É certo também que o Governador, ao receber os inquéritos que imediatamente expediu pelo primeiro vapor, fiou-se nos extratos que lhe fez algum auxiliar menos cuidadoso. 85 CADERNOS DO CHDD Os telegramas expedidos de Santa Catarina ao Ministério das Relações Exteriores, entre coisas exatas, extraídas dos inquéritos, diziam as seguintes, que a leitura atenta desses papéis deixa de confirmar: a) Primeiro, que uma força armada desembarcou da Panther, às 2 horas da madrugada de 27 de novembro; depois, que não fora só um destacamento, mas dois destacamentos que desembarcaram; b) Que os oficiais e marinheiros bateram em várias casas e cercaram, “entre elas as de Gabriel Heil e Jacob Zimmermann”; c) Que prenderam durante a noite e levaram para bordo o desertor Hasmann; d) Que ficara averiguado no terceiro inquérito que o próprio comandante estava entre os oficiais e marinheiros que desembarcaram. Mesmo sem levar em conta os inquéritos alemães, vê-se pela leitura dos nossos: 86 a) Que já na tarde de 26 os oficiais e marinheiros alemães estavam em terra, procurando o retardatário Hasmann, o qual não podia ainda ser chamado desertor, e que nos inquéritos brasileiros não há um só depoente que fale em desembarque de força à noite e diga que esses homens estavam armados; b) Que os oficiais e marinheiros só bateram em duas casas: a de Gabriel Heil (Hotel do Commercio) e a de Jacob Zimmermann, e que só cercaram esta última; c) Que nenhum depoente declara ter sido Hasmann preso à noite e levado para bordo, cumprindo notar que o Comissário de Polícia, em ofício, diz ter sabido que esse indivíduo voltou voluntariamente para bordo no dia 27, pouco antes da partida da Panther; d) Que, no terceiro inquérito, só um velho maníaco, Antonio Maluch, disse ter visto o comandante da canhoneira no Hotel do Commercio mas às 9 horas da noite de 26, e não depois da meia noite, quando oficiais e marinheiros da Panther voltaram a esse hotel, para fazer sair Steinhauf, e foram depois à casa de Jacob Zimmermann; e, mais, que os sinais ARTIGOS ANÔNIMOS E P SEUDÔNIMOS DO BARÃO DO RIO BRANCO do oficial que dirigia os que foram ao Hotel do Commercio, constantes do mesmo terceiro inquérito, bastam para mostrar que não era ele o comandante da canhoneira; e) Que nenhum depoente disse ter visto Fritz Steinhauf ser levado para bordo; f) Que, no primeiro inquérito, o 4º depoente, Arthur Bargmann, declarou que “Kormann dissera que na segunda-feira (27 de novembro, quando os oficiais e inferiores que estiveram em terra já haviam voltado para bordo) vira Steinhauf nas proximidades da casa dos atiradores”; e que, depondo depois o citado Alois Kormann, o promotor público não achou necessário fazer-lhe pergunta alguma; g) Que, no segundo inquérito, a 6º testemunha, Guilherme Groschang, declarou ter encontrado no caminho de Itajaí para Tijucas um indivíduo cujos sinais pareciam concordar com os de Steinhauf e que lhe dissera estar em viagem para Florianópolis; que o deixara dormindo em uma venda no lugar denominado Tapera; e que, ao regressar, ele, Groschang, de Tijucas, no dia 28, para tomar uma barcaça em Porto Belo, aí lhe contou Carlos Abrahão que na noite anterior tinha dormido em sua casa um alemão “que lhe dissera ter havido barulho em Itajaí”, e que, “como estava cansado de carregar malas nas costas, tinha deixado a sua no hotel de Gabriel Heil”; acrescentou Groschang que os sinais dados por Abrahão eram os do alemão que deixara dormindo em Tapera. Outras informações de origem brasileira, recebidas de Itajaí pelo Ministério das Relações Exteriores, vieram confirmar o exagero e a inexatidão das primeiras notícias. Assim, Hasmann, que estas diziam ter sido preso e levado para bordo durante a noite, foi visto chegar de carro a Itajaí com o brasileiro nato João Gaersner e seguir com este para a canhoneira Panther, quando ela já suspendia o ferro. Gaersner recebeu mesmo a gratificação de 20$ que o comandante prometera a quem conseguisse que Hasmann voltasse para bordo, seguro de que apenas sofreria a pena de oito dias de prisão simples. Também teve o Ministério das Relações Exteriores, no telegrama que o Conde Saurma passou às 2 horas da tarde de 26 de novembro ao nosso compatriota Carlos Renaux, superintendente municipal em 87 CADERNOS DO CHDD Brusque (“A polícia está prevenida”) prova brasileira incontestável de que o comandante acatava a soberania territorial. Com todos esses elementos, tirados dos inquéritos e de outras fontes brasileiras, oficiais e particulares, o Sr. Barão do Rio Branco não podia manter tudo quanto havia firmado na reclaração inicial de 9 de dezembro. Confiando nas primeiras informações oficiais que recebera de Santa Catarina e que lhe foram dadas como suma dos nossos inquéritos, ele telegrafou ao ministro do Brasil no dia 9: “Diante da ofensa sem precedente feita a nossa soberania, estou certo de que o Governo Imperial se não demorará em dar-nos, espontaneamente, as demonstrações de amizade que dele esperamos e que devem ser acompanhadas da ordem para a entrega de Steinhof” (assim era ortografado o nome nos telegramas do Governo de Santa Catarina) “e da reprovação solene desse atentado. Trata-se de uma diligência militar em país estrangeiro e que não podia ser efetuada sem ciência ou ordem do comandante...” Efetivamente, se tivesse havido um desembarque de destacamentos armados, às 2 horas da madrugada ou mesmo de dia, e a prisão de um homem em Itajaí por essa força estrangeira – sendo ele levado ou não para bordo –, a ofensa à soberania nacional seria sem precedente na história do Brasil, e o desembarque não teria podido operar-se sem ordem e ciência do comandante. Mas, foi muito diferente o que se deu e o Sr. Ministro das Relações Exteriores não só expediu telegrama à Legação Brasileira em Berlim dando-se pressa em corrigir as inexatidões da primeira exposição, mas apresentou outra, rigorosamente exata, e a anexou à sua Nota de 31 de dezembro em que se exprimiu assim: “À vista dos documentos examinados, não podemos manter que houve um desembarque militar de homens em armas; podemos, porém, afirmar que houve operações de polícia, executadas durante a noite, por oficiais, inferiores e marinheiros de um navio de guerra estrangeiro, com menoscabo da soberania nacional...” Esses atos de polícia não foram praticados por ordem do comandante da Panther, como ele declarou solenemente ao chefe do Estado-Maior da Armada Imperial e ficou demonstrado em inquérito feito a bordo, debaixo de juramento. Não era possível, portanto, que 88 ARTIGOS ANÔNIMOS E P SEUDÔNIMOS DO BARÃO DO RIO BRANCO o Brasil pedisse a punição administrativa desse comandante pelo que não fez, e pelo que não mandou fazer. Os oficiais e inferiores que estavam licenciados em terra e praticaram excessos no Hotel do Commercio e na casa Zimmermann vão ser submetidos à justiça militar. Desaprovados eles pelo comandante e pelo Governo da Alemanha, desapareceu qualquer ofensa a nossa soberania. Quanto a Steinhauf, a declaração feita ao chefe do Estado-Maior da Armada, pelo comandante da Panther, de que não estava e nunca havia estado a bordo, era suficiente, segundo os juristas internacionais, para que não pudéssemos insistir na reclamação da sua entrega. Se um governo estrangeiro ousasse pôr em dúvida afirmação semelhante feita por um comandante de navio de guerra brasileiro ao chefe de Estado-Maior da nossa Armada, consideraríamos com toda a razão que haveria nisso injúria à honra da Marinha e da nação brasileira. “Fígaro” mostra-se muito incomodado por não ter aparecido até agora o famoso Fritz Steinhauf (ortografia do nome nos inquéritos e no cartão postal de 1 de dezembro). Sabe, porém, se a polícia de Santa Catarina e de outros lugares o tem seriamente procurado? Em Itajaí, o comissário de polícia só tinha às suas ordens dois soldados, para a guarda da polícia. Em 26 de novembro havia apenas oito ou dez dias que ali chegara Steinhauf. Pouca gente o conhecia. Não há dele retrato algum. Sabe-se, apenas, pelo segundo inquérito, que não tinha dinheiro para pagar o hotel e retirar a sua mala, e nem mesmo “para comprar uma caixa de fósforos”. Quem pode saber se Steinhauf tem motivos para se ocultar e mudar de nome? O comandante ouviu dizer que ele esteve em Florianópolis, que ali chegara em navio de vela, que depois partira para Buenos Aires. Também o Governador do Estado ouviu dizer isso e mandou a notícia ao Ministério das Relações Exteriores. O nome de Steinhauf não foi encontrado entre os dos passageiros dos navios entrados e saídos. Nem podia ser encontrado. Ele não tinha dinheiro para comprar uma passagem. Poderia, porém, ter chegado a Florianópolis em alguma falua, como a barcaça que no dia 28 de novembro partiu de Porto Belo conduzindo Groschang para Itajaí. Não consta que as faluas e pequenas embarcações figurem nas listas de entradas e saídas de navios. E não é exato, como parece pensar “Fígaro”, que um pescador, ou amigo de pescador, que saia deste porto para Ponta Negra ou Sepetiba pague imposto de passagem 89 CADERNOS DO CHDD em qualquer repartição, nem que as tenhamos em cada praia ou enseada do Estado de Santa Catarina. Que Steinhauf tenha seguido como criado, foguista, varredor ou o que quer que seja “trabalhando a bordo pela passagem”, para Buenos Aires, Rio Grande ou qualquer outro porto; que esteja na Ilha de Santa Catarina ou na terra firme, pouco nos importa. O de que não podemos duvidar, diante da declaração do Governo da Alemanha, é que ele nos não foi entregue, porque não estava e nunca esteve a bordo da Panther. ___________________________________________________________________ Artigo também publicado nos seguintes periódicos: – Jornal do Commercio, 17 jan. 1906. – O Paiz, 17 jan. 1906. 90 ARTIGOS ANÔNIMOS E P SEUDÔNIMOS DO BARÃO DO RIO BRANCO CONFIAR DESCONFIANDO* NEMO Sobre a presente rebelião da nossa maruja de guerra disse o Patriarca da República, General Quintino Bocayuva, do alto da sua curul, no Senado, com o tom solene, que lhe é habitual, e autoridade do seu caráter e da sua experiência, que, naquela manifestação anárquica, não existe nenhum pensamento político, e que nenhum homem de responsabilidade pode tê-la inspirado ou favorecido. S. Ex. deve ter para isso razões, que não conhecemos; mas devemos respeitar. Desde, porém, que as ignoramos, S. Ex. nos deverá perdoar a liberdade inócua de fazer uma resenha dos fatos antecedentes e concomitantes daquela inqualificável manifestação, senão de hostilidade política, ao menos de indisciplina militar. Entre os motivos, com que se pretende explicá-la, figura, sobre todos, a existência do castigo corporal na armada que, segundo a Imprensa, tinha sido atenuado pelo ex-Ministro da Marinha, e que ela pretende ter-se agravado, nestes escassos sete dias de governo do seu sucessor. Daí se deixa entrever que o movimento da maruja foi uma manifestação de saudade, pelo que saiu, e de desespero contra o que entrou. Também ignoramos se algum fato justifica a pretendida agravação, em tão curto período, posto que nos não pareça verossímil. Mas, com o devido respeito ao ausente, não cremos que ele mereça tantas saudades dos revoltosos, porque atenuou um castigo, há muito abolido, de modo positivo, por um decreto, largamente divulgado e aplaudido, e que o Governo Provisório tentou, mais tarde, restabelecer, por outro ato, que nunca foi publicado no Diário Oficial, que nunca chegou a ser decreto e, que, portanto, nunca pôde revogar a lei que aboliu aquela pena. A referência vaga do nº XIII do quadro do artº 5º do decreto nº 509, de 21 de junho de 1890, ao suposto decreto nº 328, de 12 de abril do mesmo ano (que brilha pela ausência * Publicado no Correio da Noite. Rio de Janeiro, 24 nov. 1910. 91 CADERNOS DO CHDD nas coleções da nossa legislação) também não poderia revalidar o que nunca valeu. Por conseqüência, para que o ex-Ministro da Marinha merecesse a saudade da maruja, revoltada pelo castigo corporal, era preciso que ele tivesse cumprido a lei, proibindo a sua aplicação, porque, mais ou menos chibatadas, tudo é chibatada, e a questão não era nem é da quantidade; mas da qualidade da pena. Foi isto, se bem nos lembramos, o que disse mais de uma vez o deputado José Carlos de Carvalho, que sempre cortejou, em tudo, a classe a que pertenceu, nas suas longas e repetidas objurgatórias contra o Almirante Alexandrino de Alencar. E tanta consciência tem disso o operoso deputado, que, na sua recente e oficiosa intervenção, perante os revoltosos, teve o cuidado de não lhes oferecer chibatadas, em doses, mesmo inferiores, ao máximo da posologia alexandrina. Essa história, pois, de saudades póstumas, se não é, parece um conto do vigário. Mas concedamos que não o fosse; bastará ela para explicar a explosão daquela saudade feroz, no próprio dia em que partiu o ex– ministro, com a comissão, tão pingue como satírica, a ele confiada por um sucessor de quem fora inimigo até a véspera daquela nomeação? Não parece. Se saudades houve, como causa de feroz explosão, é preciso procurá-las em outros corações. Mas onde estariam eles? Volvamos os olhos ao passado, que é o pai do presente e avô do futuro. Enquanto o Marechal Hermes esteve na Europa, depois de eleito presidente da República, alguns dos seus amigos dedicados, para aliviá-lo dos cuidados do Governo, formaram aqui o seu ministério, um ministério conservador das caras velhas, que deviam dar ao novo período presidencial o caráter de mera continuação do anterior; uma coisa assim como la suite au prochain numéro dos folhetins dos jornais. Uma das três, ou quatro, figuras obrigadas dos ministros passados, era o da Marinha, sobretudo depois que o malogro da empreitada 92 ARTIGOS ANÔNIMOS E P SEUDÔNIMOS DO BARÃO DO RIO BRANCO Sá Peixoto fez dificultar sua volta ao Senado, como embaixador do Amazonas. Sucedeu, porém, que o marechal, ignorando o cuidado dos seus amigos, que lhe preparavam aqui um governo do Padre João sem cuidados, e lembrando-se talvez do conselho do Evangelho sobre o perigo “de meter vinho novo em odre velho”, também pensou lá na organização do seu ministério, convidou para ele algumas pessoas da sua confiança e trouxe da Europa a sua lista, com um só dos anteriores. Este era naturalmente o Chanceler do exterior que é, como um Pombal, através de dois D. José, e sem perspectiva de alguma Maria 2ª. Isto, porém, parece que não satisfez nem ao próprio Pombal e, muito menos, poderia satisfazer aos substituídos e aos seus padrinhos. Daí as dificuldades da gestação do ministério atual, e a guerra surda, que começou, desde o primeiro dia, contra o seu organizador; apesar da complacência, quase evangélica, do Marechal Hermes. Seus amigos, os mais dedicados ostensivamente, ressentiram-se da pouca eficácia do seu zelo, porque são insaciáveis; mas, fazendo boa cara ao mau jogo, têm procurado por todos os meios e modos vencê-lo, à força de manifestações as mais variadas, desde os banquetes até os presentes, uns alusivos, outros simbólicos, e aos discursos perenes de elogios, e ocos de significação literal; de modo que a saúde do marechal está correndo riscos de indigestão, de surdez e de contusões, por excesso de abraços. Para atenuar esses riscos, alguns há que lhe procuram minorar o trabalho, dividindo com ele até o de deliberar em conselho de ministros, sobre os assuntos mais reservados. Alguns desses amigos têm outros, que tais, procurando agir e falar por eles, até sitiá-los dentro do próprio lar. O deputado José Carlos é um dedicado incondicional a alguns amigos do primeiro grau, e como é de natural obsequioso e ativo, quando soube das exigências dos revoltosos, lembrou-se da defesa, que antecipadamente lhes tinha feito, e supôs-se, por isso, o mais insuspeito e o mais autorizado intermediário, para tratar com eles. Os fatos parecem ter confirmado, ao menos por enquanto, a sua presunção e não seremos nós que lhe levaremos a mal o seu oferecimento espontâneo; pois o seu caráter é naturalmente impulsivo, 93 CADERNOS DO CHDD até na dedicação. Só nos falta ver agora os resultados práticos e a sua duração, para lhe darmos os nossos parabéns sem por isso acreditar que tenham faltado aos revoltosos sugestores hábeis, e malévolos. Conscientemente ou não, aquele deputado foi um desses sugestores, com os seus discursos, que lhe serviram de passaporte à intervenção entre os revoltosos e o Governo, a qual não foi a primeira, nem será talvez a última. Pedisse o Governo o estado de sítio, fizesse um inquérito sério, longe da reportagem, que tudo estraga, com sua fome de furos, e sem ciência dos sobreministros, que podem mais do que os infraministros, e talvez se encontrasse o rastilho de uma conspiração muito mais vasta, perigosa e antipatriótica do que a dos marinheiros revoltados. É mesmo possível que nela se encontrassem muitos hermistas insuspeitos, e nem um civilista suspeitado. Os marinheiros não se meteriam nisso sem recursos pecuniários, que não tinham, nem poderiam ter, sem lhes serem fornecidos de fora. Como, pois, atreve-se a afirmar que não há política na revolta, o nosso patriarca, que já viu conspiradores no seio do próprio Senado? Como se explica também esse furo do Diabo a quatro, que anunciou de véspera a segunda edição do bombardeio de Manaus? Deus livre S. Ex. e mais o Chefe do Governo dos seus inimigos e, sobretudo, dos seus amigos zelosos, a começar daquele que distribuía as cadeiras no Congresso, como cadeaux d’anniversaire, e que agora se distribui, comme pour boire sie des garçons sages. Voltamos hoje àquela triste situação, em que o Marechal Floriano era obrigado a “confiar desconfiando sempre”. 94 O RETORNO DO BARÃO DO RIO BRANCO AO BRASIL: A LEITURA DA IMPRENSA O retorno do Barão do Rio Branco ao Brasil: a leitura da imprensa SANDRA M. L. BRANCATO* Este trabalho tem por objetivo não propriamente examinar as matérias dos jornais citados, mas sim reunir o que neles foi publicado sobre o retorno do Barão do Rio Branco ao Brasil, em 1902, quando veio assumir o Ministério de Relações Exteriores. Apresenta também uma contextualização do momento histórico brasileiro relacionado com o conteúdo das notícias selecionadas. Para realizar o trabalho foram utilizados somente os recortes de jornais que se encontram no Arquivo de Rio Branco que está sob a guarda do Arquivo Histórico do Itamaraty, no Rio de Janeiro. Utilizou-se esse critério numa tentativa de apresentar, ao pesquisador interessado, apenas as matérias que o Barão ou seus assessores tiveram o cuidado de arquivar. Para melhor organizá-las, foram criados alguns campos que reúnem os principais enfoques abordados por jornais, que podem ser identificados no decorrer do texto. Resta ainda esclarecer que não estão incluídos os do Rio de Janeiro, então capital do país, entre os jornais pesquisados, pois o que se pretendeu foi apresentar a repercussão do retorno do Barão fora do principal centro dos acontecimentos. A carreira do Barão anterior ao Ministério Quando, em 2 de dezembro de 1902, o Barão do Rio Branco chegou ao Brasil para assumir a pasta de Ministro das Relações Exteriores, sua situação era bem diversa daquela que tinha em 1876 ao sair do país para exercer o cargo de cônsul brasileiro em Liverpool. Para conquistar esse primeiro cargo diplomático foi preciso muito empenho e até mesmo driblar a resistência do Imperador D. Pedro II que não aprovava a indicação feita pelo Gabinete. A nomeação de Rio Branco só sairia em 27 de maio de 1876, quando, por ocasião da viagem de D. Pedro II à Europa, a princesa Isabel estava na regência do Império. Álvaro Lins, que escreveu uma das mais completas e * Professora titular do Programa de Pós-Graduação em História, Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul – PUC-RS. As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva da autora. 95 CADERNOS DO CHDD documentadas biografias do Barão1 , relata que mesmo a Princesa Regente tinha algumas ressalvas quanto à nomeação2 de Rio Branco e que não teria sido fácil conseguir efetivá-la. É sabido que no início de sua carreira política Rio Branco não ostentava grande projeção pessoal. Estava muito atrelado ao pai, José da Silva Paranhos, Visconde do Rio Branco, situação essa que ele mesmo reconhecia. Foi assim, quando entrou para a Câmara dos Deputados (1869), quando exerceu a função de secretário de seu pai na Missão ao Rio da Prata (1870-1871) e, especialmente quando, como jornalista e deputado, apoiou o Visconde, chefe do Gabinete do Império (1871/1875). Nessa gestão foi aprovada a lei do Ventre Livre (1871) que daria grande notoriedade ao Visconde, embora também o filho tivesse defendido a mesma causa. A atividade intelectual do Barão, antes da partida para Liverpool, também não lhe deu grande destaque. Em mais de uma oportunidade, ele próprio admitiria que sua produção da juventude mereceria reparos. Mais tarde sim, na Europa, em contato com intelectuais, com grandes livrarias e bibliotecas, pôde aprimorar seus conhecimentos e elaborar um conjunto invejável de obras, especialmente de cunho geográfico e histórico. Foi ainda durante o período em que esteve na Europa que surgiram as grandes oportunidades que revelariam aos contemporâneos do Barão seus méritos como estrategista e como político. Em março de 1893 foi convidado pelo governo brasileiro para defender os direitos do Brasil sobre a região de Palmas que era reclamada pela Argentina. A questão já se arrastava desde 1890, pois a divisão do território litigioso entre as duas partes interessadas não fora aceita pela maioria dos parlamentares brasileiros.3 1 Rio Branco (O Barão do Rio Branco): História pessoal e História política, São Paulo: Editora Alfa Omega, 1996. Embora sejam muitos os estudos realizados sobre Rio Branco, tomaremos como referência básica para a parte introdutória do presente trabalho a obra de Lins, utilizando, especialmente, alguns documentos citados pelo autor, decisivos para encaminhar as questões abordadas pelos jornais. 2 Em depoimento recolhido por Lins, consta que Cotegipe ao levar a indicação do nome de Rio Branco à princesa Isabel dissera: “Hoje, ou sai a nomeação de Paranhos, ou sai a demissão do Gabinete. O rapaz tem valor, tem merecimentos para o cargo, e que não os tivesse: é filho do Visconde do Rio Branco, e recusá-lo chega a ser um desaforo que não admitimos.” (Cf., op. cit., p. 94) 3 A tutela do Visconde sobre seu filho era tão notória, que os periódicos satíricos da época registravam com freqüência essa situação. Um deles, de nome Tupi, publicou uma caricatura do Visconde “chocando dois ovos dos quais saíram, com cabeça de gente e corpos de pinto, Taunay e Paranhos Júnior,” o primeiro também impulsionado em sua carreira política pelo chefe do Gabinete. (Cf. Lins, 1996, p. 75) 96 O RETORNO DO BARÃO DO RIO BRANCO AO BRASIL: A LEITURA DA IMPRENSA Criado o impasse, o caso foi encaminhado para arbitramento do Presidente Grover Cleveland, dos EUA. Como delegado brasileiro junto à Missão Especial em Washington, coube ao Barão redigir a Exposição que apresentava os direitos brasileiros sobre o território litigioso. Graças a um minucioso e erudito trabalho, acompanhado de uma impressionante coleção de documentos e mapas, a sentença do Presidente norte-americano foi favorável ao Brasil. Começava, a partir de então, o Barão a ganhar brilho próprio. A repercussão no Brasil da vitória obtida foi imensa, sendo divulgada fartamente pela imprensa que não poupou elogios ao Barão, contribuindo assim para criar um clima de euforia nacional. O crédito estava dado; ao deixar Washington e voltar para Paris, em 1895, já recebia duas novas missões: examinar os limites do Brasil com a Guiana Francesa e discutir com o governo britânico a posse da ilha de Trindade. Em ambas, a competência de Rio Branco foi amplamente reconhecida. Para a primeira redigiu Memórias que solidificariam seu prestígio como profundo conhecedor de geografia e direito internacional. Baseado nessas Memórias, o Presidente do Conselho Federal Suíço, Walter Hause, garantiu ao Brasil, em 1900, o limite com a Guiana Francesa no rio Oiapoque; para a segunda questão, redigiu uma série de cartas ao ministro brasileiro em Londres, João Artur de Souza Correia, encarregado de discutir com os ingleses a posse de Trindade. Em 1896, finalmente, os ingleses desistiram de Trindade. Ainda em relação à Inglaterra, Rio Branco escreveu uma Memória sobre a Questão de Limites entre os Estados Unidos do Brasil e a Guiana Britânica que serviu de base para argumentação usada por Joaquim Nabuco na discussão mantida para decidir os limites entre o Brasil e a Guiana. A notoriedade adquirida pelo Barão não ficou circunscrita ao meio oficial.4 É ainda Lins que esclarece: 4 Quintino Bocaiúva, Ministro das Relações Exteriores do Brasil, reunido na capital uruguaia, assinou em 1890 com seu colega argentino Estanislao Zeballos o Tratado de Montevidéu que propunha a citada divisão de territórios. Vale referir que, segundo Zeballos, o Tratado foi precedido de algumas circunstâncias que teriam condicionado Bocaiúva a aceitá-lo, apesar de trazer prejuízos territoriais para o Brasil. Em 1914, Zeballos, na ocasião Deputado, fez a seguinte declaração em plenário: “apenas proclamada la República brasileña, teniendo yo el honor de ser ministro de las Relaciones Exteriores del gobierno del doctor Juárez Celman, en 1889, me trasladé a su despacho y al darle la noticia de la caída del Imperio, le dije: ‘¡Al fin hemos concluido la cuestión de Misiones! Vamos a ser los primeros en reconocer la nueva República del Brasil en un decreto grandilocuente, escrito en estilo frondoso y que ha de causar placer en Río de Janeiro. Invitaremos luego a 97 CADERNOS DO CHDD A imaginação popular começava a criar um culto em torno dessa figura que, distante da pátria, conquistara, sem sangue, dois territórios. A própria circunstância da sua ausência aumentava-lhe o prestígio do nome, acrescentando-lhe um caráter de mistério. De longe, sem ser vista, a figura do triunfador crescia como entidade mística no sentimento popular.5 Todas essas circunstâncias explicam que o nome do Barão – já uma referência nacional – fosse lembrado em 1902 para assumir o Ministério de Relações Exteriores no governo de Rodrigues Alves. O que chama a atenção é o contraste do comportamento de Rio Branco ante essa indicação, com aquele que tivera nos momentos que precederam a sua nomeação para cônsul em Liverpool. Para alcançar esse cargo menor precisou mobilizar amigos que o apoiassem a demover as fortes resistências que havia em aceitá-lo; já quando foi lembrado para o Ministério, com uma aprovação praticamente unânime, fez uma cerrada campanha para não ter de assumir o cargo. Desta vez os amigos influentes seriam procurados para ajudá-lo a afastar-se do poder. Em carta a Rodrigues Alves, depois de alegar razões de saúde, falta de vocação política e problemas de ordem financeira, foi muito claro: não desejava estar à testa do Ministério. Chegou a sugerir Joaquim Nabuco como a pessoa mais indicada para ocupar o cargo. Rodrigues Alves, contudo, estava irredutível. Em 29 de agosto de 1902 enviou ao Barão praticamente um ultimato através de um telegrama: “Valiosas ponderações cartas não me convenceram. Nome V. Excia. será muito bem recebido não podendo negar país sacrifício pedido”. As resistências foram, por fim, vencidas. Já no dia seguinte, o Barão respondia, também por telegrama, a Rodrigues Alves: “Farei sacrifício que V. Excia. julga necessário, contente de o fazer, pelo muito que devo à nossa terra e a V. Excia.” 6 Bocayuva a que venga al Río de la Plata a recibir nuestros agasajos y le propondremos que dividamos fraternalmente el territorio de Misiones.’ Bocayuva vino, y el territorio disputado fue dividido por mitad.” (Cf. FERRARI, Gustavo. Apogeo y crisis del liberalismo (1886-1890), Buenos Aires: Editorial Astrea, 1978, pp. 150-151). 5 Os prêmios concedidos ao Barão são evidências do reconhecimento oficial pelos serviços que prestara à nação. É significativo registrar que pelo decreto no. 754, de 32/12/1900, o Poder Legislativo e o Poder Executivo concediam a Rio Branco a dotação anual de 24:000$000, transmissível a seus filhos, e mais o prêmio de 300:000$000 pela sua atuação em Washington e Berna (Cf. LINS, 1996:235). 6 Op. cit. p. 234. 98 O RETORNO DO BARÃO DO RIO BRANCO AO BRASIL: A LEITURA DA IMPRENSA O ambiente que cercaria o seu retorno ao Brasil já era, então, altamente previsível e não surpreende que a nomeação para o Ministério repercutisse muito além do Rio de Janeiro, principal centro político do país, como atesta o amplo espaço que ocuparam as notícias sobre ele na imprensa dos diferentes estados brasileiros. O retorno do Barão Como a maioria dos jornais que circulavam no país tinha um caráter predominantemente noticioso, foi comum a todos incluir em suas edições matérias que anunciavam a chegada do Barão ao Rio de Janeiro com grande destaque. Até os detalhes mais prosaicos, como a decoração das ruas e praças por onde circularia o Barão depois de desembarcar do navio Atlantique, foram descritos à exaustão. O Jornal de Notícias (São Paulo), em 4/12/1902, foi um dos que mais se ocupou em divulgar tais detalhes: As praças Rio Branco, do Estácio, Quinze de Novembro e S. Francisco de Paula amanheceram garridamente empavesadas com bandeiras, festões e galhardetes, além de inúmeros vasos contendo delicados arbustos. De todas as praças a que apresentava mais belo aspecto foi a de S. Francisco de Paula, onde a comissão encarregada da festa da recepção mandou construir um belo e artístico arco triunfal de estilo dórico e de 16 metros de altura. Essa peça artística, cuja base suportava de cada lado 4 colunas sobre que assentava a arqueação, foi construída na embocadura da rua do Ouvidor. Nessa face do majestoso arco, lia-se sobre a platibanda: ‘Salve! Barão do Rio Branco!’ Sobre o grupo das colunas, à direita, lia-se: ‘As Missões – 5 de fevereiro de 1895’: à esquerda: ‘Amapá – 1 de dezembro de 1900’. Na face que dá para o edifício da Escola Politécnica, lia-se também sobre a platibanda: ‘A quem tão bem serviu à Pátria – A Pátria agradecida’; sobre o grupo das colunas, à esquerda: “1 de dezembro de 1902’ ; à direita: ‘20 de abril de 1845’. Esta é a data do nascimento do barão do Rio Branco.7 A República (2/12/1902), de Curitiba, além do que já publicara o Jornal de Notícias, consegue acrescentar: “o antigo largo da Glória – hoje Rio Branco – achava-se artisticamente enfeitado; a estátua do Visconde estava coberta de flores naturais e à noite cercada de focos elétricos.” 7 Confira a resistência do Barão em assumir o Ministério, as tratativas feitas para convencê-lo a ocupar o cargo e, finalmente, a aceitação do posto em Lins, op cit., pp. 243-247. 99 CADERNOS DO CHDD Outros jornais, como o Diário de Pernambuco (3/12/1902), Jornal de Piracicaba (3/12/1902) e A Federação de Porto Alegre (3/12/1902), restringiram-se a repetir as mesmas informações anteriores. Curiosa foi a notícia publicada pelo Correio do Povo (2/12/1902), de Porto Alegre, que além de especificar que houve iluminação nas ruas da cidade, nos edifícios e nos navios surtos no porto, passava a seus leitores o detalhe destoante da festa: “infelizmente, sobreveio ligeira chuva, que prejudicou os festejos.” Outro aspecto da chegada do Barão que a imprensa preocupouse em informar foi que não só havia grande número de autoridades para recebê-lo, como também de populares. Na versão de todos essa presença massiva era a prova mais contundente do expressivo apoio que o novo Ministro recebia. No Diário de Pernambuco (3/12/1902), de Recife, e de duas pequenas cidades interioranas de Minas Gerais, São José do Paraíso e Ouro Fino, encontra-se praticamente a síntese do que foi publicado nos jornais que enfatizavam a presença popular na festa.8 No primeiro: A recepção no mar foi brilhantíssima. Grande número de lanchas e escaleres conduziam milhares de pessoas até a bordo do paquete, desejosas de saudar o notável brasileiro. Em outras embarcações iam bandas de música militares. Ao saltar em terra o barão do Rio Branco, redobraram as aclamações e estrugiram vivas demorados e entusiásticos. É impossível descrever o delírio que se apoderou do povo. Na Folha do Sul (2/12/1902), de São José do Paraíso: O Brasil inteiro se agitou para recebê-lo. Desde os altos representantes dos poderes constitucionais da República, até o mais obscuro filho desta terra que saiba querê-la, e saiba venerá-la, todos sentem-se (sic) no dever patriótico de ir dar uma saudação festiva, um abraço de agradecimento, um viva de entusiasmo... Na Gazeta de Ouro Fino (7/12/1902): S. Exc. teve no Rio, por ocasião de sua chegada, a prova positiva de quanto o seu nome, já de si venerando, é venerado por todos os seus 8 A grafia dos jornais citados foi atualizada, com exceção dos títulos dos mesmos. 100 O RETORNO DO BARÃO DO RIO BRANCO AO BRASIL: A LEITURA DA IMPRENSA compatriotas, sem distinção de cor política, pois as manifestações de apreço e homenagens que ali lhe foram prestadas assumiram o caráter de uma verdadeira consagração popular, porque era a alma brasileira toda inteira que saudava num delírio o filho ilustre desta terra. Para ter uma idéia sobre a presença de autoridades na festa, tanto do meio político, como de representantes de diversas entidades, basta acompanhar o trajeto percorrido por Rio Branco no Rio de Janeiro descrito pelos jornais para identificá-las: do cais Pharoux até o Clube Naval foi acompanhado por diplomatas, senadores, militares e acadêmicos; ao sair do Clube Naval dirigiu-se à Associação Comercial, onde foi recebido pela diretoria, ouvindo, ainda, uma saudação que o comércio do Rio de Janeiro lhe dirigia; seguiu depois para a Escola Politécnica, onde presidiu uma sessão da Federação dos Estudantes em sua homenagem; a próxima parada foi no Arsenal de Marinha, onde o aguardavam vários oficiais.9 Associada à descrição da festa e das homenagens a Rio Branco aparecem praticamente em todos os jornais referências a estreita ligação do Barão com seu pai. Nessas referências um tema bastante recorrente foi a Lei do Ventre Livre, que o Visconde conseguira aprovar em 1871 com o apoio do filho, vencendo à época fortes resistências. A Folha do Sul (São José do Paraíso), em 2/12/1902, lembrava que os méritos do pai abolicionista não obscureciam os do filho: O pedestal da estátua que mostra o Visconde do Rio Branco como o símbolo do amor da liberdade, foi argamassado com as lágrimas de gratidão de uma raça inteira oprimida e que ele libertou. O nome que o Visconde do Rio Branco deixou na história de nossa pátria foi tão grande que parecia que não podia ser excedido; e, no entanto, o sucessor desse nome, que tinha sobre seus ombros o peso enorme das glórias de seu pai, ergue-se tanto e tanto que, se não as excedeu, realçou-as e enalteceu-as porque os seus triunfos, as suas vitórias, são filhos daquele que herdou do velho estadista brasileiro o grande amor desta terra, o santo fervor do engrandecimento de nossa pátria. A Tribuna de Santos (3/12/1902), não foi menos enfática. A manifestação popular que recebera Rio Branco fora: 9 Veja também: Jornal de Piracicaba, 3/12/1902; Gazeta de Uberaba, 3/12/1902; O Rebate (São Paulo), Comarca de Batataes (São Paulo), 7/12/1902; Lavoura e Commercio (Uberaba), 7/12/ 1902; A República (Curitiba), 2/12/1902; Correio do Povo (Porto Alegre), 2/12/1902; Echo do Sul (Porto Alegre), 2/12/1902; A Federação (Porto Alegre), 2/12/1902. 101 CADERNOS DO CHDD Sincera, fremente, como quem vitoria ainda no filho o grande batalhador da redenção dos cativos [...] que santificou na mulher escrava o culto da maternidade, tem o seu ponto característico e culminante neste fato, que todos os jornais relatam. O Diário da Manhã (Ribeirão Preto), em 5/12/1902, já no título da matéria sobre Rio Branco – “Ave Salvator” – começava a enaltecer o Barão, recordando logo após o pai abolicionista: ... sua personalidade representa uma grata esperança, pois também constitui a tradicional memória do seu ilustre progenitor, o visconde de Rio Branco, cujos serviços prestados ao país são de um valor inestimável e se acham vinculados nos corações agradecidos de uma raça, até então oprimida no mais aviltante cativeiro. Para o Correio Mercantil (Porto Alegre, 3/12/1902), a carreira política e de jornalista de Rio Branco ficara marcada pela sua atenção aos problemas sociais “como o da libertação dos nascituros quando colaborou com o visconde do Rio Branco, seu pai, na lei de 28 de setembro.” Contudo, os periódicos não deixaram de assinalar que o Barão ganhara brilho próprio a partir da atuação nas questões diplomáticas em que defendera os interesses brasileiros nas discussões de limites com os países vizinhos. O tom laudatório foi então, mais uma vez, a tônica do discurso dos jornais. Na Gazeta de Ouro Fino (7/12/1902): ... o sr. Barão do Rio Branco pisa de novo o solo da Pátria como um conquistador feliz e amado, mas um conquistador que teve por únicas armas o seu saber e o seu patriotismo e que do fundo de seu gabinete fez mais por sua terra natal do que o poderiam fazer milhares de soldados aguerridos e valentes incendidos pelo amor pátrio. No Diário de Santos, em 30/11/1902, antevendo a festa que ocorreria no dia seguinte: O filho tornou-se digno do pai, e até parece que se lhe avantajou de certo modo, no raro esforço que desenvolveu em prol das causas que o Brasil confiou à sua competência, no desusado brilho com que se bateu a favor da integridade de seu berço, na assombrosa dedicação de que deu sobejas provas nesses pleitos feridos à barra dos tribunais arbitrais criados para elevar o nível dos povos cultos e evitar o flagelo das guerras. 102 O RETORNO DO BARÃO DO RIO BRANCO AO BRASIL: A LEITURA DA IMPRENSA No Diário da Manhã (Ribeirão Preto, 30/11/1902), também na expectativa da festa: Deve estar no domínio de todos o modo por que a Pátria recebeu os laudos arbitrais de Cleveland e de W. Hauser e a culminância a que atingiu o nome do Barão do Rio Branco, quer no Brasil, quer no mundo civilizado, a par da mais alta gratidão dos seus compatriotas e das maiores honras que a Pátria jubilosa procurou dispensar ao notável concidadão. No atual momento Rio Branco se nos apresenta como um general vitorioso em mil torneios que vem receber da Pátria agradecida o galardão e as justas homenagens a que fez jus, não um general triunfante nas lutas sangrentas e mortíferas das batalhas, e sim um general avigorado nos certames pacíficos da solidão dos gabinetes de estudos, em prol de um direito sacrossanto tão sabidamente disputado em benefício da extensão territorial do Brasil. No Correio Mercantil (Porto Alegre, 3/12/1902): A sua superior individualidade firmou-se, destacando-se gloriosamente, nas recentes vitórias diplomáticas das Missões e do Amapá pleiteando junto dos árbitros o nosso direito à posse desses territórios contra as pretensões argentina e francesa, revelando em ambas essas questões um profundo conhecimento do direito das gentes, da história dos tratados, da geografia física e política, de todos os ramos da ciência, enfim, necessários a ilustrar o debate internacional, logrando um triunfo extraordinário para o seu nome, para a Pátria e para as aspirações liberais de concórdia e paz que animam o espírito contemporâneo. Na Folha do Sul (São José do Paraíso, 2/12/1902): ... surgiu o Barão do Rio Branco, filho de um servidor da monarquia, que veio dar à República, com o laudo de Cleveland, a decisão vitoriosa do secular litígio das Missões! [...] Foi ele, o batalhador intemerato, buscar no coração da Europa, o laudo da Confederação Helvética, que faria o Brasil triunfar numa contenda com a França, a grande França. [...] Grande pátria a nossa, que tem filhos como o Barão do Rio Branco! [...] Bem haja o povo brasileiro, que alcatifa de flores as ruas por onde vai passar o vencedor do Amapá. Na Tribuna de Santos, 3/12/1902: Coincidência auspiciosa, S. Ex. chegou exatamente no dia em que, dois anos antes, era lido em Berna o laudo arbitral do Conselho Federal Suíço favorável ao Brasil na questão de limites com a Guiana Francesa, 103 CADERNOS DO CHDD ficando assim o território do Amapá pertencente de uma vez para sempre à nossa pátria. No Jornal de Notícias, (São Paulo, 4/12/1902): ... Rio Branco defendeu os sagrados direitos da sua Pátria, manteve inatacável o prestígio de seu berço, arrancando, das garras aguçadas dos abutres gananciosos, grandes partes, já quase dilaceradas, do corpo de seu Brasil amado; volta [...] ao seio de sua mãe Pátria que o cobre de bênçãos como o mais digno de seus filhos, estreitando-o num amplexo da mais reconhecida gratidão. O brasileiro ilustre que se reporta hoje às águas da Guanabara, traz sobre sua fronte a auréola majestosa composta dos louros triunfantes da conquista pela reivindicação dos direitos sacrossantos de seu torrão. No República (Florianópolis, 3/12/1902): ... o governo da República foi buscá-lo para defender os interesses brasileiros no Tribunal Arbitral de Washington. Depois foi o erudito e valente defensor dos direitos do Brasil na questão de limites do Oiapoque. Os assinalados serviços prestados à Pátria nestas duas gloriosas missões exaltaram ainda mais o seu nome que já era um patrimônio nacional. Finalmente, no Monitor Sul-Mineiro (Campanha, 7/12/1902): ... o seu amor e a sua dedicação pelo Brasil foi evidenciada e comprovada (sic) por inúmeras vezes e especialmente nas duas importantes questões do Amapá e das Missões, em que brilhante e patrioticamente firmou e garantiu os nossos direitos, nas questões de arbitragem então calorosamente discutidas e disputadas pela República Francesa e pela Confederação Argentina. É interessante, ainda, assinalar que, além da festa, o retorno do Barão e sua posse no Ministério terminaram abrindo uma brecha para que os jornais tecessem uma série de críticas ao governo de Campos Sales que terminava seu mandato e ao próprio rumo que tomara a república brasileira. Efetivamente, em fins de 1902, a crise política, econômica e financeira do país alcançava um ponto crítico. Campos Sales já assumira, em 1898, com as finanças nacionais abaladas. A Revolta da Armada e 104 O RETORNO DO BARÃO DO RIO BRANCO AO BRASIL: A LEITURA DA IMPRENSA a Revolução Federalista, somadas à luta pelo poder em diferentes estados, haviam contribuído para uma inflação galopante agravada, a partir de 1896, pela crise do café. O recurso ao funding loan (1898) para atender aos compromissos externos e apoiar o plano de estabilização financeira interna frustrou as expectativas de algumas oligarquias regionais, o que levou a um clima de grande enfrentamento político. As eleições para a Câmara e o terço do Senado no final de 1900, com a aplicação da “política dos governadores”, agravou o já conturbado ambiente político, quando através das alterações feitas no Regimento da Comissão de Verificação de Poderes o governo procurou aparar as arestas com as oligarquias dominantes, garantindo seu apoio. Ao final do governo de Campos Sales, nem a crise política, nem a crise econômica estavam satisfatoriamente resolvidas. A inflação fora contida, mas a classe média e os trabalhadores enfrentavam a alta do custo de vida, além da crise industrial e comercial de 1900. As dissidências oligárquicas nos estados engrossavam as fileiras de oposição ao governo que se tornava cada vez mais impopular. Ante esse quadro de crise generalizada, o tão festejado retorno do Barão ao Brasil transformava-se, para alguns jornais, em um meio para atingir o governo. O Pharol, de Juiz de Fora, em 4/12/1902, especialmente, foi bastante contundente em seus comentários. Chegava a conjeturar que o Barão talvez até se arrependesse por ter voltado ao país: Acostumado a discutir os mais transcendentes assuntos, afeito a vencer questões como as do Amapá e Missões, o novo Ministro vai passar pela sensaboria de se ver envolvido nas questiúnculas de politicagem, aborrecido pelos peditórios de empenho, descendo, pois, [...] até ao deplorável terra à terra em que se debatem, em prélios liliputianos, os governichos que a fraude das urnas não cessa de nos dar... As acusações do jornal continuavam visando o círculo político: “o engrossamento de um lado, o interesse de corrilhismo de outro; no centro, a presidência do país a manter as poderosas oligarquias nos Estados”. Por fim, concluía O Pharol : “O Barão do Rio Branco, se é o espírito superior de que tem dado mostras, há de se sentir, convencido de si para si, que passou por tremenda decepção, e que o seu Brasil não é a terra de outros tempos.” 105 CADERNOS DO CHDD Não ficava atrás, na virulência dos ataques ao governo, o Diário de Pernambuco (Recife 2/12/1902), também usando o retorno do Barão como motivação: O novo governo do país recebeu um inventário pesado de erros e desastres de toda a espécie, em todos os terrenos. Na ordem administrativa, o atual chefe do Estado encontrou a mais completa desorganização pelo império absoluto e exclusivo do favoritismo pessoal e de relações estranhas à esfera especial do governo. No terreno financeiro, o desbarato ainda era maior. [...] Foram tantas as anomalias desse monstro, que o quatriênio infecundo do sr. Campos Sales desenvolveu e criou, que não há linguagem que as possa devidamente caracterizar e exprimir. Muito pior de que a ditadura financeira, foi semelhante período a ditadura do impudor e da má fé. Em face de um quadro de tantos desacertos, exultava o Diário de Pernambuco : A grandiosa e imponente recepção, que foi atribuída ao Barão do Rio Branco por todas as classes sociais, é a mais evidente prova do quanto é apreciado o seu valor e quanto são necessárias na atualidade a sua atividade e o seu empenho na louvável consecução da integridade da Pátria para a defesa de seu território. Outros jornais, embora não priorizassem em seu discurso as críticas ao governo, também não deixaram de aproveitar o momento que se apresentava. O Diário do Povo (Porto Alegre, 3/12/1902) foi um deles: ... no regressar de Rio Branco ao país, há uma predominante, de valor altamente moral: volve ao seio da mãe Pátria não com o caráter solapado, corroído pela lava do servilismo que impera no nosso mundo político-social; não com a alma extenuada, gasta pelo choque das bastardas e vis paixões, no arrastamento do mercenarismo da época; não com o coração corrompido pelos embates das torpes ambições do partidarismo, que entre nós tudo estraga e perverte. Na mesma linha argumentava A Época (São Paulo, 23/04/1903): Praza aos céus [...] que S. Exc. justamente acolhido como o Salvador da Pátria, num momento histórico e de excepcional dificuldade, se conserve por muitos anos à cabeceira do seu doente, carinhoso e desvelado, não se deixando jamais dominar pela influência nefasta de nossa pequenina politicagem... 106 O RETORNO DO BARÃO DO RIO BRANCO AO BRASIL: A LEITURA DA IMPRENSA Por curiosos, vale ainda transcrever os comentários de A Tribuna (Santos, 3/12/1902), que comparou as aclamações a Rio Branco com o que recebia o governo que findara: Manifestações desta ordem [a Rio Branco] são o contraste intenso, formidável das manifestações feitas a Campos Sales e outros. Ninguém compra a estima do povo e bem poucos são os que a merecem. A população do Rio de Janeiro o mostrou assim como se aplaude e como se vaia... Com certeza o jornal fazia referência à desastrosa despedida que recebera Campos Sales, no Rio de Janeiro, ao deixar a presidência em 15/11/1902: na estação onde tomou o trem para São Paulo, recebeu acintosa vaia do povo que ali se acumulava, vaia essa repetida ao longo dos subúrbios por onde passava o trem. As expectativas na gestão de Rio Branco O entusiasmo que foi a tônica na recepção ao Barão, não só por sua ascendência famosa, mas já de há algum tempo pelo seu próprio desempenho, sinalizava, praticamente, em uma única direção: a gestão de Rio Branco, na expectativa de quase todos, só acumularia acertos. Uma questão – a do Acre – já lhe estava destinada e o esperado era que a partir daí iniciaria para o Brasil a reconquista de uma projeção internacional que, segundo a maioria dos jornais, o país vinha perdendo. Tal referência foi fartamente aproveitada para formular mais uma série de críticas ao governo de Campos Sales. O Patriota (Poços de Caldas, 31/12/1902), foi um dos periódicos que optou, sem subterfúgios, por essa linha: Em boa hora aceitou o benemérito diplomata o espinhoso encargo de dirigir o departamento do exterior, onde a questão do Acre – presente de gregos do governo passado – tratada com descaso e imprevidência ou com inépcia e descaso, solicitou desde muito a atenção esclarecida de um ministro patriota que colocasse acima das comodidades de secretário da oligarquia dominante o legítimo orgulho de prestar serviços ao Brasil, de defender a sua integridade e os seus brios... E completava o jornal com mais críticas e renovadas esperanças: ... apesar dos maus governos que não têm sabido ser previdentes; apesar do afastamento do povo; apesar do profundo desgosto que se 107 CADERNOS DO CHDD apodera de nós ante a oligarquia erigida em governo, rotulada de República, confiamos no futuro dos Estados Unidos do Brasil. Dois outros jornais, Monitor Sul Mineiro (Campanha, 7/12/1902) e Diário da Manhã (Ribeirão Preto, 30/11/1902), foram tão coincidentes nas críticas feitas à situação política brasileira e na expectativa de que o Barão poderia começar a mudar esse quadro com um bom desempenho na questão do Acre, que chegaram a produzir textos quase idênticos. O primeiro, depois de afirmar que a pasta que assumira o Barão era “excepcionalmente dificultosa”, justificava: “Nela encontrará o emérito brasileiro a melindrosa e intricada questão do Acre, cujos governos anteriores insensatamente dela se descuidaram.” E na versão do Diário da Manhã: Neste momento, em que o espírito de dúvidas e incertezas perturbam a alma nacional em conseqüência da litigiosa questão do Acre, tão mal encaminhada pelos governos transatos, todas as vistas dos patriotas brasileiros e de todos aqueles que habitam o nosso abençoado torrão, se convergem confiantemente para o notável estadista que vai ocupar a pasta das Relações Exteriores. Ainda para ambos jornais citados, o êxito no Acre estaria assegurado: para o Monitor Sul Mineiro, pelo “grande talento e a esclarecida ilustração do benemérito Barão do Rio Branco, aliada ao seu imenso patriotismo” e, para o Diário da Manhã, pelas suas “luzes e patriotismo” que garantiriam ao Brasil “a extensa zona territorial do Acre, tão heroicamente disputada pelos nossos irmãos do norte.” A Época (São Paulo, 23/4/1903), por sua vez, não hesitava em afirmar que o Barão vinha fazendo pela questão do Acre, “mais do que todos os seus antecessores na sua pasta desde o ano da nossa independência”. Em comentários mais concisos, mas nem por isso menos entusiasmados ante a esperada vitória no Acre, mais três jornais se manifestaram. O Diário do Povo (Porto Alegre) , em 2/12/1902: “... a Pátria necessita da competência, da consumada orientação de tão prestigioso e preclaro filho, maxime, quando se trata de tão graves assuntos, como esses que se vinculam à sua integridade territorial.” A República (Curitiba), em 2/12/1902: “...Rio Branco, que é um vencedor até hoje, vem para de novo vencer na questão do Acre.” 108 O RETORNO DO BARÃO DO RIO BRANCO AO BRASIL: A LEITURA DA IMPRENSA A Gazeta de Uberaba, em 3/12/1902: “A ele está confiada uma última e talvez a mais espinhosa das missões – a salvação do Acre.” A questão do Acre ficaria resolvida com a assinatura do Tratado de Petrópolis entre o Brasil e a Bolívia, no ano seguinte à posse do Barão que, desta forma, não frustrava a expectativa que nele depositara a Nação, desde a primeira hora, como o Diário de Pernambuco fez questão de especificar, em 2/12/1902: O caso do Acre preocupa seriamente pela sua gravidade todos os espíritos. Para ele convergem no momento as atenções dos escritores e as vistas do país. Questão que interessa profundamente os créditos do Brasil no estrangeiro e a sua integridade no interior, deve e pode ter a solução mais cabal e mais digna. Vencida a questão do Acre, consolidava-se a posição do Barão à frente do Ministério de Relações Exteriores conforme já previam alguns jornais, como O Pharol, de Juiz de Fora, em 4/12/1902: “...aí está o Acre – temeroso problema, cuja solução poderá, qual ela seja, destruir, num momento, ou toda a popularidade do diplomata ou aumentá-la...” Entre as expectativas que suscitou o retorno do Barão, resta indicar aquelas que manifestavam grande confiança na sua gestão sem relacioná-la a nenhuma questão específica. Também nesse caso ficava mais uma vez registrado o descrédito no governo de Campos Sales e a esperança de que Rio Branco fosse um verdadeiro “salvator” como preconizava o Diário da Manhã (Ribeirão Preto, 5/12/1902). Já para o Diário de Santos (30/12/1902), o Barão vinha para redimir “um povo que assiste, desiludido, ao funeral das suas melhores esperanças”, enquanto que, para O Diário da Manhã (Ribeirão Preto, 5/12/1902), o mesmo vinha para provar que o “lânguido torpor asfixiante que envolve o país não é senão uma manifestação latente de reivindicações futuras, em prol do lugar que o Brasil deve ocupar na política internacional”. A Época (São Paulo, 23/4/1902), entendia que não caberia qualquer temor de que o Barão, “desviado das alturas da sua missão diplomática”, chamado à política ativa do país, “se deixasse pouco a pouco influenciar, mesmo a contragosto, pelos elementos nefastos do novo meio em que ia agir.” O Correio Mercantil (Porto Alegre, 3/12/1902), assegurava, ainda, que o Barão retornava ao país para “zelar pelo bom nome da nacionalidade tão prejudicada com a orientação do governo hoje decaído”, ao que completava o Diário do Povo (Porto Alegre, 2/12/1902): 109 CADERNOS DO CHDD A república não podia prescindir da alta competência e da investidura científica do notável servidor, e por isso o foi buscar lá no estrangeiro para vir colaborar na solução dos graves problemas de internacionalidade que a nação preocupadamente enfrenta. * * * Nos 10 anos em que o Barão permaneceu à frente do Ministério de Relações Exteriores, é praticamente consenso, não frustraria as expectativas nele depositadas, o que bem justificava a festa e as homenagens que recebera em dezembro de 1902. Não se concretizou o temor que O Pharol (Juiz de Fora) chegara a levantar em 4/12/1902: “Praza a Deus que ele não regresse à Europa [...] tão obscuramente como quando, vai para muitos anos, para lá partiu...” 110 ARTIGOS ANÔNIMOS E P SEUDÔNIMOS DO BARÃO DO RIO BRANCO Testamentos de Francisco Adolfo de Varnhagen Encontra-se nos arquivos do Itamaraty, na documentação recolhida do Vice-Consulado do Brasil em Viena, o termo de abertura, no dia seguinte ao de seu falecimento a 29 de junho de 1878, do testamento de Varnhagen, feito em Lisboa, a 12 de maio de 1868. Ao publicá-lo, desejamos oferecer este documento aos estudiosos do grande historiador, de quem – não é descabido lembrar – o Palácio Itamaraty, no Rio de Janeiro, abriga, no Arquivo Histórico, os arquivos particulares, e, na Biblioteca, a coleção de livros, adquirida aos herdeiros por iniciativa do Barão do Rio Branco, quando Ministro das Relações Exteriores. Pareceu interessante publicar, simultaneamente, rascunho de testamento, datado do Rio de Janeiro, 22 de fevereiro de 1861, que não sabemos se foi formalizado, mas que o autor declara substituído por ato semelhante, feito em Caracas, “em setembro do mesmo ano”. Não há indicação do ano, que poderia ser 1861, 62 ou 63. Acha-se este entre seus papéis particulares, no AHI. O maior interesse deste documento está, talvez, na avaliação de suas obras, quando alude ao serviço que teria prestado “às letras e ao Brasil”. As correções do texto indicam suas hesitações quanto ao valor de alguns de seus trabalhos e a importância atribuída ao “Memorial Orgânico”, cuja inclusão não é objeto de dúvidas. O Editor 111 CADERNOS DO CHDD PROJETO DE TESTAMENTO DE FRANCISCO ADOLPHO DE VARNHAGEN FEITO EM 22/2/1861 (AHI – Parte III (34) – Arquivos Particulares – Fundo Francisco Adolpho de Varnhagen, Visconde de Porto Seguro. Lata: 351. V. [Nota autógrafa na parte superior do documento: “Substituido pelo de Caracas de setembro deste anno em poder do S.r C........”] Em nome de Deus: Amen. Eu abaixo assignado, achando-me de perfeita saude e em meu inteiro juizo, resolvi fazer o meu testamento pela forma seguinte: Sou catholico, apostolico romano, filho legitimo do Coronel Frederico Luiz Guilherme de Varnhagen e de D. Maria Flavia de Sá Magalhães, ambos fallecidos. Nasci em 17 de Fevereiro de 1816 e fui baptisado na igreja de S. João do Ipanema aos 19 de Março desse mesmo anno. Nomeio por meus testamenteiros em 1.º logar o S.r Bras da Costa Rubim, empregado do Thesouro Publico; em 2.º o S.r Coronel Henrique de Beaurepaire Rohan; em 3.º o S.r guarda-roupa Antonio Pinto Netto dos Reys; em 4.º o S.r Manuel Caetano da Cruz, da Secretaria de Negocios Estrangeiros; em 5.º o S.r Eduardo de Faria, genro do Exmo Visconde de Campos; e desejo que dois destes senhores, conjunctamente, se encarreguem de dar cumprimento a estas minhas disposições, como espero de sua piedade e da sincera amisade que sempre me manifestaram. Declaro que sou solteiro, e que se assim e sem filhos fallecer, constituo por meus principaes herdeiros, por partes iguaes, cada um dos meus sobrinhos, filhos (de um e outro sexo) de minhas duas irmãs D. Gabriella Francisca de Varnhagen e D. Margarida Frederica de Varnhagen, nascidas na Provincia de S. Paulo e casadas em Portugal , ficando porém ambas durante sua vida com o usofructo do juro do capital que corresponder a seus filhos respectivos, e que a seu pedido, deverá ser investido pelos meus testamenteiros de modo que ellas possam receber os mesmos juros com mais facilidade, com tanto que não fiquem habilitadas a entrar pelo capital. Se porém eu me casar, e Nota do Editor: foram matidos os parênteses do texto original. Os trechos entre colchetes estão suprimidos na versão original. 112 TESTAMENTOS DE FRANCISCO ADOLFO DE VARNHAGEN não deixar filhos, minha mulher será a primeira usufructuaria do dito juro, em quanto viver e se conservar viuva e não poderá alhear ou vender ou empenhar nada, e por sua morte tudo passará aos d.os meus sobrinhos. {Peço que meu corpo seja sepultado em cemiterio publico no logar onde eu fallecer fazendo-se um tumulo pela forma que parecer conveniente a meus testamenteiros, com a condição de se dever gastar nelle menos da decima parte do legado que corresponda a meus principaes herdeiros, na forma do parrapho(sic) anterior.} Declaro que tenho depositados no Banco de S. Fernando em Hespanha os titulos da Serie A n.os 11 043, 12 288, 15 552, 19 105; – da Serie B os n.os 116 e 6 509; da Serie C os n.os 2 982, 11 444 e 12 933; da Serie D os n.os 1 853, 1 854, 7 712, 14 915, 14 916, e 16 473, no valor (nominal) de quatrocentos mil reales de vellon, cujo resguardo, n.º 3 096, com a clausula de intransmissiveis ficou a cargo dos banqueiros A. Regueiro e J. R. Gonzalez de Madrid. It. Tambem tenho em Madrid dez mil reales postos em meu nome na sociedade de seguros Porvenir de Famílias. Outro sim {tenho} ficaráõ em deposito no Banco do Brasil vencendo juros que se iráõ successivamente capitalisando as quantias que constará(sic) da escripturação do mesmo Banco e da caderneta respectiva que confiarei á casa de Collaço Magalhães & Comp.ª ou á que lhe succeder. {Esta quantia penso augmentar com novos depositos, e se lhe acumularáo os juros capitalisando cada seis mezes pelo menos.} No banqueiro Souto tenho actualmente {a quantia} apenas cinco contos e 600$000 reis, vencendo juros competentes, {cujos interesses se devem ir gradualmente capitalisando, devendo-se abater as quantias sobre que eu passar recibos ou lettras posteriormente a esta data.} Alguns objectos que estão em liquidação, taes como a prata que deixei no Paraguay, ficam ao cuidado da casa de Collaço de Mag.es & Comp.ª. Légo toda a minha livraria á Bibliotheca da Academia de Historia em Madrid, onde parte della se acha ja depositada; e isto não só pela gratidão que lhe devo, como pela certeza de que nesse clima se conservaráõ melhor algumas das preciosidades {bibliographicas} que contem. 113 CADERNOS DO CHDD Offereço ao meu collega D.r Joaquim Caetano da Silva os dez mil francos que lhe emprestei, estando na Europa; devendo-se rasgar {pelo que se devolver destruir ou devolver-se-lhe} o recibo desta quantia, ou de qualquer outra delle, que venha a achar-se entre meus papeis {e que nem sei onde páram}. Este offerecimento ficará porém sem effeito si, de parte do dito meu collega, se apresentar reclamação por qualquer {pequena quantia ou} pagamento, que por mim haja satisfeito. Deixo á disposição do meu cunhado Frederico Augusto de Moraes, {juiz dos órfãos em Lisboa,} as chapas das gravuras de aço da minha Historia do Brasil que se acham em Paris, em poder do gravador A. Lemaitre; e mais dois contos de reis (fracos) para elle fazer reimprimir aquelles dos meus escriptos, (emmendados como os deixo) e correspondencias que elle creia menos insignificantes {, y(sic)cartas etc.}se eu ainda não houver publicado a 2.ª edição da m.ª Historia do Brasil transmitto-lhe os direitos p.ª o fazer na conformi.de do contracto q. a este respeito tenho com a casa de Laemmert do Rio de Janr.º. Disponho tambem que se offereçam tres contos de reis (fracos) de premio a quem (dois annos depois de ser publicada esta minha disposição) apresentar o melhor trabalho ajuizando os meus fracos escriptos {em correspondencias}, e o {pequeno} serviço que a minha consciencia me diz que prestei {ás lettras e} ao Brazil, principalmente pelo {meio das Reflexões Criticas e da edição de Pero Lopes; dos Epicos Brasileiros e do Florilegio, e principalmente do} Memorial Organico, {da Historia Geral, da primeira Epistola de Colon (Valencia 1858)} e da Visão Segunda de Itajurú e Parabolas annexas; e constituo juizes para decidir dessa melhoria, á pluralidade de votos, alem dos dois meus testamenteiros conjunctos, o dito meu cunhado e os Snrs. {bibliographos} Innocencio Francisco de Souza, e Jorge Cesar de Figanière, {meus amigos.}bem conhecidos como escriptores bibliographos. Em casa do mencionado S.r Eduardo de Faria ficam, em deposito, uma colleção de {uns cem} quadros {, incluindo quarenta} (uns cem) e duas espingardas que offereço aos meus dois testamenteiros. {Aos meus amigos peço que encommendem minha alma ao Senhor.} Quanto ao meu corpo prefiro que {o} não {removam de onde elle descanse, quando isso seja possivel} seja elle removido do logar onde elle ja esteja enterrado quando se abrir este test.º. Somente, 114 TESTAMENTOS DE FRANCISCO ADOLFO DE VARNHAGEN se tiver tido sepultado no mar ou em terra estranha, peço aos meus testamenteiros que sobre um dos penedos ilhados ou pequenas ilhas de pedra da bahia do Rio de Janeiro mandem levantar uma cruz de granito de duas braças de altura com uma inscripção aberta em uma das faces do penedo, em que se declare que {esse é o cenotaphio que leguei a patria, em vez do {pelo representa e por meio do qual em vez de o fazer onde}} meu corpo {que} ficou no sitio em que {onde}aprouve a D.s chamar deste mundo a minha alma: mas {....} que por essa cruz da redempção {peço aos meus} do genero humano peço aos meus amigos e aos que o forem dos {bons cidadaos} meus pequenos trabalhos que me encommendem a Deus. E desta forma dou por encerrado este meu testamento que escrevo de minha letra, declarando nullo o anterior que fiz em 1853; e rogo ás justiças do Imperio que lhe façam dar execução na forma das leis. Escripto nesta cid.e do Rio de Janr.º hoje 22 de Fev.º de 1861 – F. A. V. [Do verso do documento consta a seguinte nota: “Em poder de Dovey Benjamin – alem do q. conste das Contas Correntes deixo 288$ R.s v.m em titulos a saber: Serie D – 1805, 1806, 32.288 = 144$ Serie C – 2011, 15.854, 18.812, 23.175 = 96$ Serie A = 12 titulos (8, 664, 8665, 8666 17.917, 17.312, 19.994, 21.790, 21. 791, 21.792, 92.244, = 48$ 100.342, 142.922) 228$ No 1.º de Julho de 1865 devo mandar ao Porvenir de Fam.as certidão de vida.”] 115 CADERNOS DO CHDD TERMO DE ABERTURA DE TESTAMENTO (AHI – Parte V (40) – Arquivos das Repartições Consulares Brasileiras – Consulado do Brasil em Viena – Livro de Registro. Volume 8 1874-1899.) Protocolos – 1874 –1899. Vice-Consulado do Brazil. Página: 16. Documento: 49. Vice Consulado do Imperio do Brazil em Vienna. Aos trinta dias do mez de Junho do anno do Nascimento de Nosso Senhor Jesus Cristo de mil oito centos e setenta e oito compareci na Legação Imperial do Brazil nesta Monarchia e a Ilustrissima e Excellentissima Senhora Carmen Ovalle de Varnhagen, Viscondessa de Porto-Seguro, declarou que me apresentava para ser aberto o testamento com que a vinte nove de Junho de mil oito centos e setenta oito nesta cidade, a Riemergasse N.º 8, havia fallecido seu marido Francisco Adolfo de Varnhagen brasileiro, filho legitimo de Frederico Luiz Guilherme de Varnhagen e de Dona Maria Flavia de Sá Magalhães. E assim requerido perante as testemunhas Joao Amadeo Marcorig e João Cycio, que certificáram a morte do testador, e a competencia do apresentante do testamento para proceder a esse acto, examinei minuciosamente aquelle documento, e reconheci que elle estava intacto, cosido com linhas verde amarellas; fechado em cinco differentes lugares com lacre encarnado, sem emenda, rasura, ou outro qualquer vicio da escripta, e era do teor seguinte: Exteriormente – Testamento solemne do Ex.mo Francisco Adolfo de Varnhagen, feito nesta cidade de Lisboa, e por mim approvado aos 13 de Maio de mil oito centos e sessenta e oito. – Consulado Geral do Imperio de Brazil nesta Côrte era ut supra – assignado. Manoel de Araujo Porto-Alegre, Consul Geral do Brazil. Interiormente: – Em nome de Deus omnipotente amen: eu Francisco Adolpho de Varnhagen, achando-me de boa saude e em meu perfeito juizo, resolvi fazer o meu testamento pela forma seguinte: Sou Catholico apostolico romano, filho legitimo de Friderico Luiz Guilherme de Varnhagen e de D. Maria Flavia de Sá Magalhães, baptisado em 19 de março de 1816 na freguezia de S. João de Ipanema. Desejo que o meu corpo fique sepultado no logar em que succeder o meu fallecimento; mas 116 TESTAMENTOS DE FRANCISCO ADOLFO DE VARNHAGEN disponho que, antes de decorridos dois annos depois de meu fallecimento, no alto do morro de Arasoyava, proximo do logar em que nasci, se levante uma cruz tosca, quer de granito, quer de marmore preto (pedra de cal) das immediações, tão grande quanto seja possivel, com uma pequena inscripção na base em que se declare que fiz della voto ao Senhor, por me haver concedido nascer no Continente de Colombo, e na paragem em que meu Pai levantou um estabelecimento monumental. Constituo por minha testamenteira e por tutora e curadora de meus filhos a minha mulher D. Carmen Ovalle de Varnhagen, de cuja virtude e abnegação espero que não tornará a casar-se para, como viuva, melhor se votar á criação e educação de nossos filhos. A seu cuidado fica tambem a protecção que possa dispensar á minha irmã Margarida e a meu sobrinho e sobrinha, se vierem a ficar desamparados, o que Deus não permitta. Declaro que não deixo dividas e que, pelos papeis que ficam na minha carteira constará quanto possuimos: 1.º no Rio de Janeiro em poder dos Snrs. Netto dos Reys e Comp.ª; 2.do no Chile em poder de Minha Sogra, como Cabeça do Casal, dos bens de meu Sogro, e no Banco Nacional em Valparaiso; 3.º no Perú no Banco em Lima, alem das duas acçoes do Dique do Calláo; 4.to em Londres em poder dos Snrs. Ant Gibbs e Filhos, Forey Benjamin e Comp. alem dos bonos chilenos N.os 186,187 e 1204 a 1225 na Casa de Morgan e Comp.; 5.º em Madrid em poder do banqueiro D. Jose Remigio Gonzales, encarregado de cobrar os coupons dos titulos que estão em deposito intransmissivel no Banco de S. Fernando. Devo declarar tambem que em Abril deste anno me matriculei no Montepio dos Servidores do Estado no Rio de Janeiro, pagando a quantia de quatro contos de reis, cujo recibo provisorio deixei na Casa dos Snrs. Netto dos Reys e Companhia. Lisboa aos doze de maio de mil oito centos e sesenta e oito – assignado Francisco Adolpho de Varnhagen. – Saibam quantos este presente instrumento de approvação de testamento virem, que no anno do Nascimento de Nosso Senhor Jesus Christo de mil oito centos e sessenta e oito, nesta Chancellaria do Consulado Geral em Lisboa, compareceo o Ex.mo Francisco Adolfo de Varnhagen, Ministro Residente do Brazil em Vienna d’Austria, de passagem nesta côrte, reconhecido por mim pelo proprio, com saúde e em seu perfeito juizo e entendimento, o que mostrava pelo bom acerto de suas palavras, e por elle, na presença de cinco testemunhas, que presentes estavam, me forão entregues das suas ás minhas mãos uma folha de papel escrita de todos os lados pelo seo proprio punho, á qual addicionei esta, disendo era o seo testamento autographo, 117 CADERNOS DO CHDD e que por estar em tudo á sua vontade, o havia por bom, firme e valioso, e que pedia ás Justiças, a quem o conhecimento deste pertencer, lh’o cumpram, e a mim Consul Geral lh’o approvasse; e pelo o achar, sem vicio e apenas com a emenda na décima sexta linha. – disponho – pelo mesmo testador rubricada, lh’o approvei, numerei, e rubriquei com a minha rubrica que diz – Porto-Alegre. Em fé de que me pedio este instrumento que leo, e assignou com as testemunhas presentes a todo este acto, maiores e pessoas reconhecidas por mim, que o mandei escrever pelo Chanceller deste Consulado Geral, e o assignei em publico e razo – (assignado) Francisco Adolpho de Varnhagen – visconde de Condeixa – Jozé Maria de Albuquerque Cunha Th[...]redo – Luiz do Souto Rodrigues – Marcelino Antonio de Senna e Azevedo – Francisco José Faria Rego, Chanceller – Manuel de Araujo Porto Alegre, Consul Geral. – (As Armas Imperiaes ao lado das assignaturas) Em fé do que lavrei o presente termo, que fica registrado no archivo deste Vice Consulado a fol 16.17.18 do livro competente; e o assignei com a apresentante do testamento, e as testemunhas acima mencionadas, no mesmo dia, mez, e anno acima referidos. V.esse Porto Seguro. João Amadeo Marcorig Testemunhas Johann Cycio. 118 “I HAVE NO THOUGHT OF RETURNING TO RIO…” REVENDO AS NOTAS DO SR. CHRISTIE SOBRE O BRASIL “I have no thought of returning to Rio…” Revendo as notas do Sr. Christie sobre o Brasil EUGÊNIO VARGAS GARCIA* Em 1863, depois de haver deixado o Brasil sob os protestos indignados da população, o controvertido Ministro plenipotenciário britânico no Rio de Janeiro, William Dougal Christie, dedicou-se a escrever artigos e comentários sobre as relações anglo-brasileiras, posteriormente reunidos em livro publicado pela Macmillan & Co. de Londres sob o título Notes on Brazilian questions. O livro, hoje muito difícil de ser encontrado, foi recentemente relançado nos Estados Unidos pela Elibron Classics em reedição fac-similar do texto integral de 1865.1 Esse relançamento, muito bem-vindo, é uma boa oportunidade para revisitar alguns dos temas que permearam o debate sobre a chamada Questão Christie, a desinteligência bilateral que resultou no único caso de rompimento diplomático na história do relacionamento entre o Brasil e a Grã-Bretanha. VISÃO GERAL DA OBRA A experiência de Christie como chefe de Legação no Rio havia terminado de forma abrupta e traumática. O ex-Ministro havia sido escarnecido de todas as maneiras no seu último posto e, mesmo na Grã-Bretanha, sua atuação havia suscitado críticas nos setores mais diversos, das indústrias têxteis de Manchester e Liverpool a membros da oposição ao governo de Lord Palmerston, então Primeiro-Ministro britânico. Christie precisava não só justificar suas ações para a posteridade, mas também convencer seus contemporâneos, por força de argumentos próprios ou citações de terceiros, de que a perspectiva * Diplomata e Doutor em História das Relações Internacionais pela Universidade de Brasília. As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do autor. 1 William D. Christie, Notes on Brazilian questions (Cambridge, MA: Elibron Classics, 2001). Somando-se a Introdução, os textos dos capítulos e o Apêndice, o livro totaliza 307 páginas. O idioma original foi mantido nas citações deste artigo para que o leitor possa melhor apreciar a exata linguagem usada na época. 119 CADERNOS DO CHDD por ele defendida era a correta e que, ademais, ele não estava só em seu julgamento. A longa Introdução de Notes on Brazilian questions foi redigida na forma de uma carta aberta a Palmerston, na qual Christie, pretendendo associar seu livro ao nome do Primeiro-Ministro, tentou se defender das acusações de hostilidade para com o Brasil: I have been accused of hostility to Brazil, but I have your lordship [Palmerston] for a partner in the honours of this accusation. It is well known to your lordship, and many others, that I entered on my mission in Brazil with opinions favourable to its government, formed, before I knew the country, under the same influences which have so favourably impressed the general English public. The hostility of which I am accused is the conviction which I came to slowly and reluctantly, from a long and various experience, that the British public was misled and deceived, – that the Brazilian government would not do justice except through fear, – that all reasonable demands were met by excuses and delays, and in Lord Russell’s words, “evasions, subterfuges, and unfounded assertions”. This is my firm conviction, slowly and unwillingly arrived at.2 O livro em si é um documento histórico, além de conter excertos de correspondência diplomática e de outras fontes primárias (debates parlamentares, artigos de imprensa, etc.). A maior parte de Notes on Brazilian questions compõe-se de cartas que Christie fez publicar apenas com a assinatura “C.” no jornal Daily News, entre 2 de julho e 5 de outubro de 1864. Christie pretendia “contar a verdade” sobre o Brasil a fim de rebater o que ele achava serem calúnias e distorções espalhadas por “agentes brasileiros” na Grã-Bretanha. Esse “agentes”, segundo ele, recebiam subvenções da Legação brasileira e veiculavam propaganda para ludibriar o público britânico, em geral indiferente ou mal-informado sobre assuntos da América do Sul. Christie se referia particularmente (embora sem mencionar o nome) a W. H. Clark, correspondente do Jornal do Comércio em Londres, que também publicava regularmente matérias no Daily News, assinadas por “Um Amigo dos Dois Países”.3 As cartas de Christie pretendiam ser um 2 Notes on Brazilian questions, Introdução, p. LXVII. Ao longo do livro, Christie fará recurso freqüente ao argumento de autoridade, citando o Primeiro-Ministro e outros nomes de peso em várias oportunidades na esperança de reforçar sua própria posição junto ao público britânico. 3 Ibid. Introdução, p. XXII et seq. 120 “I HAVE NO THOUGHT OF RETURNING TO RIO…” REVENDO AS NOTAS DO SR. CHRISTIE SOBRE O BRASIL contraponto aos artigos de Clark e ambos protagonizaram ferrenha polêmica nas páginas daquele jornal. Os oito primeiros capítulos do livro tratam da escravidão no Brasil (I a VIII), com reflexões sobre a situação dos africanos livres e temas correlatos. Três capítulos analisam as relações comerciais (IX a XI), dois capítulos abordam as reclamações britânicas contra o Brasil (XII e XIII) e ainda outro, um tanto deslocado dos demais, trata brevemente das relações do Brasil com “Buenos Aires e Montevidéu” (XIV). No último capítulo, sob o título “As represálias no Brasil” (XV), Christie defende sua atitude em dez. 1862-jan. 1863, criticando em particular um artigo de Robert Cecil publicado no Quarterly Review. O Apêndice traz quase 50 páginas de extratos de correspondência trocada entre o Foreign Office e postos britânicos no exterior sobre o tráfico de escravos. A seleção de despachos, segundo Christie, serviria para ilustrar como o tema havia sido tratado por sucessivos Ministros britânicos, em especial as “grandes dificuldades” que eles teriam tido nas tratativas com o governo brasileiro. Os exemplos de tom e linguagem não seriam “menos severos” do que aqueles encontrados na correspondência recente (assinada por Christie). Um despacho de Palmerston, por exemplo, escrito pouco depois da aprovação da Lei Eusébio de Queiroz de extinção do tráfico negreiro em 1850, enaltece os resultados obtidos com as pressões da Grã-Bretanha sobre o Brasil: [...] I must confess that nothing which has passed conveys to my mind any other impression than that the Brazilian government felt that Brazil is powerless to resist the pressure of Great Britain; that they saw clearly that this pressure must, if continued, fully accomplish its purpose of putting down slave-trade, and that they were endeavouring, by every device they could think of, to obtain the greatest amount of diminution of that pressure, with the smallest amount of real concession on the part of Brazil. [...] The plain fact is, that nothing can be effected with the Brazilian government on this matter, except by compulsion. Arguments and reason have long been used in vain. If a mere sense of duty and a regard for the engagements of treaties could have swayed the conduct of the Brazilian government, the Brazilian slave-trade would many years ago have entirely ceased. But it is manifest that the slave-traders have been able to exert over the Brazilian government, either by corruption or by intimidation, an influence which has overridden all sense of right and wrong, and all regard for legal and international obligations. That influence can be overcome only by some counteracting pressure, and it seems clear that the proceedings 121 CADERNOS DO CHDD lately adopted by the Admiral [Reynolds] in concert with yourself [Hudson], have produced precisely the sort of pressure which is calculated to counterbalance and overcome the influence of the slave-traders.4 A correspondência selecionada por Christie traça um retrato amplamente desfavorável ao Brasil. Entre os assuntos abordados podem ser citados os seguintes: efeitos econômicos e morais da escravidão, “conivência” das autoridades brasileiras com o tráfico de escravos, tratamento desumano dispensado aos africanos livres, acusações de corrupção de funcionários alfandegários, “violação contínua” pelo Brasil de compromissos assumidos em tratados com a Grã-Bretanha, desconfiança britânica em relação às promessas do governo brasileiro, defesa da continuidade da Lei Aberdeen e importância da “ajuda” de cruzadores britânicos na supressão do comércio ilegal de escravos. ORIGENS DA QUESTÃO CHRISTIE As razões mais imediatas da Questão Christie são bem conhecidas. Primeiro, o naufrágio em 1861 da barca mercante Prince of Wales em local ermo da costa do Rio Grande do Sul, cuja carga havia sido pilhada e os tripulantes encontrados mortos, vítimas de afogamento ou, segundo o laudo das autoridades brasileiras (contestado pelo Cônsul Vereker), “asfixia por submersão”. As perdas sofridas e suspeitas de assassinato (nunca comprovadas) motivaram um pedido britânico de indenização pecuniária pela “dilapidação dos salvados e dos corpos”, que o governo brasileiro depois pagaria, sob protesto, encaminhando ao Foreign Office um cheque nominal ao Banco da Inglaterra no valor de 3.200 libras. Segundo, o desentendimento em junho de 1862 com a polícia do Rio de Janeiro e a subseqüente prisão por curto período de tempo de três oficiais da fragata H.M.S. Forte, entre eles o capelão do navio, todos à paisana e sob efeito de álcool. Christie exigiu a punição das autoridades e dos policiais envolvidos, bem como uma retratação pelo ocorrido, sob a alegação de que teria havido ofensa à Marinha britânica. O caso seria posteriormente levado ao arbitramento do Rei dos Belgas, Leopoldo I, que apresentou laudo favorável ao Brasil.5 4 Palmerston a Hudson, Londres, 15 out. 1850. Ibid. p. 193-195. A correspondência apresentada ao Parlamento britânico sobre os dois incidentes foi publicada em 1863 com uma introdução escrita por Christie: The Brazil correspondence in the cases of the ‘Prince of Wales’ and officers of the ‘Forte’ (London: William Ridgway, 1863). 5 122 “I HAVE NO THOUGHT OF RETURNING TO RIO…” REVENDO AS NOTAS DO SR. CHRISTIE SOBRE O BRASIL Claro está que os dois incidentes, tomados isoladamente, não seriam capazes de produzir a incrível celeuma criada em torno do assunto, culminando no rompimento de relações diplomáticas, em 25 de maio de 1863, depois que Londres havia recusado a dar satisfações pela violação da soberania territorial brasileira durante as represálias levadas a cabo por navios de guerra britânicos em águas jurisdicionais do Império. O jornal The Morning Herald, por exemplo, usando de certa ironia, acusou o governo britânico de ir à guerra contra o Brasil por conta de “três marinheiros bêbados e a abertura de algumas caixas lançadas ao litoral por um naufrágio”.6 É lícito supor que não teria havido uma Questão Christie se não fosse o longo histórico de atritos e frustrações nas relações entre os dois países. O problema da escravidão era central nesse contexto. Christie defendia a liberdade tanto dos escravos trazidos ilegalmente ao Brasil desde 1831 quanto dos emancipados, africanos livres que por vários motivos ainda viviam em regime de maus-tratos e servidão. O caso mais comum era o dos escravos encontrados a bordo de navios negreiros e posteriormente declarados “livres” pelo tribunal da comissão mista no Rio de Janeiro, criada por Convenção de 1826. Já nas primeiras páginas de Notes on Brazilian questions, ansioso por mostrar que um deputado brasileiro também via a “questão servil” sob o mesmo ângulo visto de Londres, Christie inseriu uma nota de destaque à edição de Cartas do Solitário, de autoria de Tavares Bastos, político e escritor alagoano sensível ao destino dos africanos livres, estimados naquela época em torno de 10 mil no Brasil. Para Christie, o Brasil agia na questão dos emancipados usando as mesmas táticas protelatórias empregadas anteriormente no caso do tráfico negreiro. Além disso, na sua opinião, o direito britânico de ingerência teria sido assegurado por tratado com o Brasil: The course of the Brazilian Government about the emancipados has been like that which it pursued about the slave-trade. Left to itself, it did nothing; it treated for a long time with neglect representations of the English Government; it did not answer notes. When obliged to reply, it protested that its dignity did not allow it to act while pressed by a foreign Government; it resented interference, and claimed to be left free to execute its own laws, forgetting that treaty-stipulations gave a right to England to interfere. At last, after force had been used, and the English Government 6 Ibid. p. XVII. 123 CADERNOS DO CHDD was known to be serious, and there seemed no help for it, it has done what it ought to have done long before; and it is now contended that this has been done spontaneously, and that all past reproaches are unjust.7 Christie, contrariando os desejos brasileiros, opunha-se também à revogação da famosa Lei Aberdeen, aprovada pelo Parlamento britânico em 1845, a qual dava poderes extraordinários à Marinha britânica para reprimir como pirataria o tráfico ilegal de escravos direcionados ao Brasil.8 Mesmo com a diminuição quase absoluta do tráfico na década de 1850, ele entendia que a Lei Aberdeen era essencial como garantia para prevenir eventual retorno daquela prática. Segundo seus cálculos, haveria 3 milhões de escravos no Brasil em uma população total de 7,5 milhões de habitantes. Christie acreditava basicamente na idéia de que “onde prevalece a escravidão, o comércio de escravos é provável”.9 Baseando-se em sua própria análise dos antecedentes da questão do tráfico, Christie concluiu que o governo brasileiro não era confiável e poderia estar agindo de “má-fé” com relação à Grã-Bretanha nos incidentes do Prince of Wales e dos oficiais do Forte. Christie seguia, mais uma vez, o exemplo de Palmerston, que em 1845 afirmara de modo contundente: I am sorry to say that it is impossible to state in exaggerated terms the just accusation against Brazil of bad faith as to the Conventions agreed to by it respecting the slave-trade. All our inducements, all our arguments, all our persuasions, were utterly fruitless, and whenever the subject of the slave-trade has been discussed here, the notoriously bad faith of the Brazilian Government has been on all hands admitted and deplored.10 Ao reviver velhos problemas das relações bilaterais, Christie pretendia dar solução às questões pendentes adotando uma postura severa de cobrança com sentido de grave urgência. Entretanto, seu estilo agressivo e direto talvez não fosse exatamente o que o Foreign Office esperava naquele momento de seu representante no Rio de Janeiro. Em despacho de fevereiro de 1861, o Secretário do Exterior, Conde John Russell, autorizou Christie (a pedido deste último) a solicitar 7 Notes on Brazilian questions, Introdução, p. XXXV. A Lei Aberdeen só seria revogada em 1869. Cf. Leslie Bethell, The abolition of the Brazilian slave trade: Britain, Brazil and the slave trade question, 1807-1869 (Cambridge: Cambridge University Press, 1970), p. 387. 9 Notes on Brazilian questions, Introdução, p. XLV-XLVI. 10 Sessão de 24 jul. 1845 na Câmara dos Comuns. Ibid. p. 57-58. 8 124 “I HAVE NO THOUGHT OF RETURNING TO RIO…” REVENDO AS NOTAS DO SR. CHRISTIE SOBRE O BRASIL ao governo brasileiro uma lista detalhada dos africanos livres e do paradeiro de cada um deles. Russell recomendou, não obstante, que se evitasse “tanto quanto possível” qualquer discussão que pudesse contribuir para o “sentimento de irritação” que há tanto tempo existia no Brasil contra a Grã-Bretanha em matéria de tráfico de escravos.11 Outra área antiga de dificuldades envolvia as relações comerciais bilaterais. A principal queixa britânica residia na ausência de um acordo de comércio entre o Brasil e a Grã-Bretanha, visto que o Tratado de 1827 havia expirado em 1844, a despeito dos esforços da missão de Sir Henry Ellis para renová-lo. Ainda como reflexo da experiência negativa da época da Independência, o Brasil mantinha uma posição de princípio desfavorável à celebração de tratados com as grandes potências. No caso específico da Grã-Bretanha, o governo brasileiro condicionava a abertura de negociações para a assinatura de novo tratado comercial à revogação da Lei Aberdeen. O Brasil pleiteava também a concessão, em caráter de reciprocidade, de melhores condições de acesso das exportações brasileiras ao mercado britânico (sobretudo açúcar e café), mas tal demanda era sistematicamente rejeitada por Londres.12 Paralelamente à questão do acordo comercial estava a defesa constante pela Grã-Bretanha de práticas eficientes de gestão econômica e administrativa (que hoje seriam chamadas de “boa governança”), incluindo o respeito aos contratos, o combate à corrupção, o tratamento “justo e liberal” aos estrangeiros e a adesão brasileira aos princípios do livre comércio. Na ótica de Christie, a expansão do intercâmbio bilateral viria naturalmente como conseqüência da adoção pelo Brasil de políticas de cunho liberal que, teoricamente, redundariam no próprio benefício do país. Nas suas palavras: [We] must remember, too, that Brazil stands, even at this moment, towards England, in the face of the world, in the unhappy position of violator of existing treaty obligations, and that she evaded and violated the stipulations of the former Treaty of Commerce. It is Brazil that must change her policy. If she will observe the faith of treaties and comity of nations, she will have no trouble from England; and the expansion of commerce must come from 11 Ibid. p. 11. O governo britânico, entre outros motivos, não queria expor o comércio de suas colônias (em especial das Índias Ocidentais Britânicas) à concorrência dos produtos brasileiros. Alan K. Manchester, British preeminence in Brazil: its rise and decline. New York: Octagon Books, 1972. p. 293-295. 12 125 CADERNOS DO CHDD a change in the policy of Brazil, which it is her own interest to make, and which can be made without Treaty or Convention. Moderate import duties, no export duties or very low ones, Customhouse regulations as little vexing as possible, honest Custom-house administration, fair and liberal treatment of foreigners, pure justice, a treatment of immigrants which will encourage immigration, – these are the cardinal points of a policy which will expand Brazilian commerce, which involves issues for Brazil much larger than a treaty with England, and which need not wait for the repeal of the “Aberdeen Act”.13 Havia, ainda, a questão das reclamações pendentes entre os dois países. Os pleitos britânicos alcançavam até 300 mil libras. O Apêndice de Notes on Brazilian questions apresenta uma lista das reclamações contra o Brasil, extraída da edição de 21 de julho de 1864 do jornal Brazil and River Plate Mail. A lista contém alguns pleitos curiosos e outros bastante antigos, como aqueles referentes a prejuízos de comerciantes britânicos durante revoltas regionais no Brasil, algumas delas remontando a 1824 (Pernambuco), 1835 (Pará) e 1837 (Bahia). Boa parte das reclamações se refere a perdas totais ou parciais de navios e cargas por diversas razões e tarifas cobradas em excesso pela alfândega brasileira. Por insistência britânica, uma comissão mista havia sido criada em 2 de junho de 1858 para tratar exclusivamente do tema, mas seus resultados foram muito reduzidos. Depois de breve período de funcionamento, a comissão teve seus trabalhos suspensos em 1860 devido a divergências sobre sua esfera de competência. O Brasil havia apresentado inúmeros pleitos relativos a capturas por navios britânicos de embarcações brasileiras acusadas de traficarem escravos. O governo britânico, no entanto, não queria reabrir casos considerados “resolvidos” em definitivo pelos tribunais mistos de Serra Leoa e do Rio de Janeiro.14 Em resumo, as relações anglo-brasileiras pareciam estar sofrendo de uma dissintonia crônica no campo político, que Alan Manchester qualificou de “fricção cumulativa”.15 Mesmo que no plano econômico o Brasil e a Grã-Bretanha estivessem ligados por laços crescentes de comércio e investimentos, por trás das cortesias diplomáticas de praxe 13 14 15 Notes on Brazilian questions, p. 131-132. Ibid. p. 140 et seq. Manchester, British preeminence in Brazil, p. 273-274. 126 “I HAVE NO THOUGHT OF RETURNING TO RIO…” REVENDO AS NOTAS DO SR. CHRISTIE SOBRE O BRASIL persistia um estranhamento surdo, alimentado por ressentimentos históricos e incompreensões de parte a parte. Além de todos esses fatores, as origens da Questão Christie podem ser analisadas também do ponto de vista mais geral das peculiaridades do imperialismo britânico no século XIX e da ameaça de coerção sempre presente em relações marcadas pelas disparidades de poder. A GrãBretanha vitoriana nutria uma auto-imagem benevolente, confiante em seu papel de nação líder do mundo, baluarte do livre comércio e da civilização, dedicada a sua missão imperial de educar os povos atrasados e ensinar-lhes o caminho do progresso e do adiantamento moral. Muitos acreditavam sinceramente no caráter salutar de intervenções destinadas ao “melhoramento” daqueles que estavam sendo precisamente o objeto dessas medidas corretivas. Existia, porém, uma distância considerável entre as causas nobres que os britânicos diziam perseguir e a percepção que os demais povos tinham das ações realizadas contra eles em nome daqueles mesmos ideais. Como bem assinalou um estudioso nigeriano, o que se convencionou chamar de “palmerstonianismo” representava aos olhos dos outros países uma política de expansão dos interesses britânicos no exterior “pela força sempre que necessário”, justificada internamente por apelos a “imperativos morais”.16 Com efeito, Lord Palmerston notabilizou-se por sua defesa intransigente dos interesses britânicos e pelo recurso freqüente e sem remorsos dos instrumentos de poder à sua disposição para fazer valer esses interesses em qualquer circunstância. O caso Dom Pacífico foi um típico exemplo. Em 1850, à frente do Foreign Office, Palmerston enviou navios da Marinha Real para bloquear o porto de Atenas e exigir indenização do governo grego por danos à propriedade sofridos por um cidadão britânico, nascido em Gibraltar, que havia pedido a proteção do governo de Sua Majestade. Palmerston aproveitou a ocasião para fazer uma ampla justificação de sua política na Câmara dos Comuns, comparando os direitos de um súdito britânico em qualquer lugar do mundo com a presumida proteção que um indivíduo na Roma Antiga teria se exclamasse: Civis Romanus sum (“Sou um cidadão romano”).17 16 Martin Lynn, British policy, trade, and informal empire in the mid-nineteenth century. In: Andrew Porter (ed.), The Oxford history of the British Empire, vol. III, The nineteenth century. Oxford: Oxford University Press, 1999. p. 106. 17 Muriel E. Chamberlain, ‘Pax Britannica’? British foreign policy, 1789-1914. London: Longman, 1988. p. 98. 127 CADERNOS DO CHDD Chauvinista e belicoso, o nome de Palmerston ficou associado à diplomacia das canhoneiras. A tática de intimidar os mais fracos provou dar bons resultados para seus partidários também na política interna, explorando os sentimentos populares na Grã-Bretanha. Em geral, a população tendia a apoiar gestos de afirmação do poderio britânico no estrangeiro, no melhor estilo jingoísta. Com o tempo, consolidou-se uma regra usual de procedimento segundo a qual violências cometidas por elementos nativos contra nacionais britânicos deveriam ser respondidas com demonstrações inequívocas de força. Assim, em abordagem muito comum no trato com povos da periferia, não eram poucos os que no governo britânico advogavam expedições punitivas com o objetivo de “dar uma lição” a quem desafiasse de frente os interesses da metrópole imperial. Havia sido assim na brutal reação britânica à Revolta dos Cipaios na Índia (1857) e na destruição do Palácio de Verão na China (1860), para citar apenas dois casos notórios ocorridos alguns anos antes da Questão Christie.18 WILLIAM D. CHRISTIE: VILÃO IMPERIALISTA? Christie pertencia à escola palmerstoniana e ele não escondia seu modo de pensar, conforme testemunham seus escritos e incontáveis passagens de Notes on Brazilian questions. Um pequeno exemplo entre tantos pode servir de ilustração. Exasperado com a obstinada recusa brasileira em conceder por tratado determinados privilégios consulares à Grã-Bretanha, Christie em dado momento expressou de uma vez só seu repúdio aos princípios da reciprocidade e da igualdade entre os Estados, duas regras primárias das relações internacionais: Why should Brazil make difficulties when other South American states make none? Literal reciprocity after all is not essential equality. There is “no perfect equality” in the circumstances and conditions of the two nations. England derives no advantage from the residence of Brazilians equivalent to the gain of Brazil from English merchants, engineers, and artisans who go thither. There are no complaints of corruptions and abuses of our Court of Probate, as there is an [sic] universal outcry in Brazil against the abuses of Brazilian Courts of Orphans. It is the strong interest of Brazil to encourage foreigners. She ought not to insist, as a matter of pride, on a formal literal reciprocity when Brazilian subjects have no grievance in England to be rid of, and British subjects have great cause of complaint in Brazil.19 18 19 Ibid. p. 111-112. Notes on Brazilian questions, p. 121. 128 “I HAVE NO THOUGHT OF RETURNING TO RIO…” REVENDO AS NOTAS DO SR. CHRISTIE SOBRE O BRASIL Caberia diante dos fatos um veredicto da História de condenação sumária das atitudes de Christie no Brasil? Difícil dizê-lo e este artigo tampouco é o lugar apropriado para tanto. Não obstante, alguns pontos podem ser brevemente levantados para reflexão. Na questão mais controversa das represálias, deve-se reconhecer desde logo que Christie não agiu inteiramente sozinho nem excedeu suas instruções, como alguns chegaram a imaginar. O comando das operações navais coube ao Almirante Warren, chefe da esquadra britânica no porto do Rio de Janeiro, com quem Christie discutiu o modo de ação mais adequado. As fatídicas represálias haviam sido devidamente autorizadas pelo Secretário do Exterior, que indicou ainda a forma preferida pelo Foreign Office para cumpri-las: retenção de propriedade privada como garantia até que o governo brasileiro acedesse às exigências britânicas. Por sua relevância histórica, seria oportuno reproduzir aqui o texto completo desse importante documento: Conde Russell a Christie, Londres, 8 de novembro de 1862. Sir, In my despatch of the 4th instant I have informed you that if the Brazilian Government refuse the demands of Her Majesty’s Government in the case of the Forte and Prince of Wales, those demands will be enforced by reprisals, in case no proposal is made by Brazil for arbitration. These reprisals might be in the shape of the seizure of some ship, or of some portion of the public property belonging to Brazil, to be held as a security until the Brazilian Government did justice in the respective cases, and then restored to them uninjured. But as such a course might lead to collision between the two Governments, it may be preferable that the property seized should be private property. On this point, you will, however, consult with Admiral Warren, to whose discretion Her Majesty’s Government will leave it to decide as to the steps to be taken, should it unfortunately be necessary to have recourse to reprisals. I am, etc. (signed) Russell.20 Russell concebia o uso das represálias como “último recurso”, cabendo a Christie avaliar se a situação demandaria que se chegasse a tal extremo. O Ministro britânico tinha assim certa margem de manobra, mas se quisesse seguir o caminho da confrontação o sinal 20 The Brazil correspondence…, op. cit., p. 200. 129 CADERNOS DO CHDD verde já lhe havia sido dado. Neste momento, falou mais alto o desejo de Christie de aproveitar o ensejo para enfim “dar uma lição” no Brasil, como ele próprio antecipara em comunicação a Russell em 8 de dezembro de 1862: I have already had some conversation with Admiral Warren on the best course to be pursued, should it be necessary to proceed to reprisals. Your Lordship may feel assured that full deference will be paid to your suggestion that private rather than public property should be seized. I observe your Lordship’s desire to avoid proceeding to reprisals, if it is possible. Your Lordship may depend on my doing all that is in my power, consistently with what I believe to be due to our dignity and general interests, to avoid a recourse to the violent measures which your instructions authorize; but your Lordship will not have failed to perceive from my late despatches, including several which will have reached you since the last instructions before me were penned, that the general proceedings of the Brazilian Government are most unsatisfactory, and show a great indisposition to do justice, and I anticipate much benefit for British interests in Brazil from the lesson which may now be administered, and may teach them that Her Majesty’s Government, though patient and forbearing, will not in the end allow themselves to be trifled with.21 (grifos do autor) As represálias ocorreram do modo como Russell havia sugerido. Dois navios de guerra britânicos, o Stromboli e o Curlew, zarparam em silêncio no dia 31 de dezembro de 1862 para interceptar navios brasileiros a uma distância segura do litoral. O Almirante Warren postou-se na entrada do porto carioca com sua fragata Forte, auxiliado por mais dois navios, Satellite e Dotterel. Produziu-se um virtual bloqueio da Baía de Guanabara. A operação durou seis dias e resultou no apresamento de cinco navios mercantes brasileiros, carregados de café e outros produtos. No entender de Christie, as represálias eram “um modo entendido e reconhecido pelas nações de obter justiça quando é esta de outro modo recusada” e tal não constituiria, por conseguinte, um “ato de guerra”.22 Contudo, a repercussão negativa havia sido tão intensa que a permanência de Christie no Rio se tornara insustentável. A população o hostilizava e o Imperador se recusava a recebê-lo. A multidão furiosa 21 Christie a Conde Russell, Rio de Janeiro: 8 dez. 1862. Ibid. p. 217. Nota da Legação de S. M. Britânica ao Governo Imperial, Rio de Janeiro, 30 dez. 1862. Relatório do Ministério das Relações Exteriores, 1862 (publicado em 1863), Anexo I. 22 130 “I HAVE NO THOUGHT OF RETURNING TO RIO…” REVENDO AS NOTAS DO SR. CHRISTIE SOBRE O BRASIL ameaçava atacar lojas e estabelecimentos britânicos. Forças policiais tiveram de ser mobilizadas para proteger a Legação e o Consulado da Grã-Bretanha. O próprio Christie relataria a atmosfera de ódio que se criou contra ele: In the meantime the newspapers had been generally busy in trying to fix the odium of our proceedings on me personally, and in representing that Her Majesty’s Government would disavow them; and the official journal had also held this language. There was a general excitement against me. I was threatened with assassination.23 É conhecido o fato de que Christie foi ridicularizado pela imprensa brasileira e sua imagem identificada pelo povo nas ruas com a face perversa do imperialismo britânico. Deve-se lembrar que, já afastado do Brasil, Christie fora também muito criticado na Grã-Bretanha, o que obrigou tanto Palmerston quanto Russell a saírem em defesa do exMinistro plenipotenciário em debates no Parlamento em Westminster. Palmerston sustentou em várias ocasiões que Christie havia agido “com grande julgamento”, demonstrando moderação no desempenho de sua missão. Eis um trecho transcrito por Christie de um dos pronunciamentos do Primeiro-Ministro na Câmara dos Comuns: It is a well-known practice in countries which are in that peculiar state of progress in which Brazil happens at the present moment to find itself, that, when their injustice or misconduct obliges a foreign government to use compulsion in order to obtain the redress which has been denied to friendly representations, they endeavour to take their revenge by pouring forth every sort of calumny on the agent who has been the instrument of the government using these means.24 Outra linha de ataque a Christie partiu dos comerciantes e empresários britânicos no Rio e no Brasil, os quais teriam sido “unânimes” em desaprovar o curso seguido pelo governo britânico, como afirmara Richard Cobden em março de 1863. 25 Christie acusou esses comerciantes de se alinharem ao Brasil e de esnobarem a “proteção” 23 Christie a Conde Russell, Rio, 8 jan. 1863. The Brazil correspondence…, p. 232. Notes on Brazilian questions, Introdução, p. LXVIII. Na mesma linha, Russell declarou na Câmara dos Lordes que Christie havia atuado em “inteira conformidade” com as instruções recebidas. Ibid. p. 176. 25 Ibid. Introdução, p. LIV. 24 131 CADERNOS DO CHDD oferecida pela Marinha britânica, em clara exortação do ex-Ministro às virtudes do emprego de uma diplomacia armada, baseada na coerção e no medo: English merchants in Brazil need the strong arm of their government to protect them. None know better than the traders of Manchester and Liverpool, or at any rate than their agents and correspondents in Brazil, that fear is the only effectual security for justice, and that the British navy is the right arm of British merchants.26 Christie procurou mostrar que as represálias teriam tido um efeito “positivo” sobre o Brasil. O aumento no número de emancipados efetivamente libertados pelo governo brasileiro em 1864 foi interpretado por ele como resultado direto das represálias. O Ministro dos Negócios Estrangeiros brasileiro, Marquês de Abrantes, estaria agora respondendo “prontamente” às notas da Legação britânica...27 A leitura de Notes on Brazilian questions induz a acreditar que a Grã-Bretanha não teria tido outra alternativa a não ser punir o Brasil em função da recusa do governo do Rio de Janeiro em atender com presteza às “justas” reclamações britânicas. Na visão do ex-Ministro, o Brasil dependia economicamente da Grã-Bretanha em vários aspectos, tais como importações de manufaturados, investimentos diretos, construção de ferrovias, empréstimos da City, capital, tecnologia e assistência técnica britânica em projetos de modernização no país. Por isso, o governo brasileiro “devia” comportar-se bem, fazendo o que lhe cabia fazer a fim de mostrar o respeito devido para com o governo de Sua Majestade. Parece difícil imaginar, todavia, como a escalada do conflito poderia resultar em benefício para as relações econômicas bilaterais. Ao contrário, o sentimento antibritânico podia produzir efeitos indesejáveis, prejudicando os negócios de comerciantes britânicos com interesses no Brasil. Havia fundado receio entre eles de que um importante cliente poderia estar sendo alienado sem motivo convincente. Do ponto de vista brasileiro, as demandas de Christie, apresentadas como exigências de “justiça”, representavam intromissão nos assuntos internos de um país mais fraco ou implicavam muitas vezes concessão 26 27 Ibid. Introdução, p. LIII. Ibid. p. 22. 132 “I HAVE NO THOUGHT OF RETURNING TO RIO…” REVENDO AS NOTAS DO SR. CHRISTIE SOBRE O BRASIL unilateral de privilégios por parte do Brasil. No entanto, a posição brasileira em relação à presença da Grã-Bretanha no país era ambígua. O Marquês de Abrantes assinalou que uma nação, “embora comparativamente fraca em relação a outra”, não podia ser indiferente a “atos que se traduzem em humilhação de sua soberania e de sua dignidade”. Ao mesmo tempo, porém, Abrantes destacava as “importantíssimas relações que ligam a Grã-Bretanha ao Brasil”, reconhecidamente de grande relevância para a economia brasileira.28 Nesse contexto, atacar pessoalmente e demonizar a figura de Christie, ao invés de colocar a questão em termos de choque frontal e generalizado entre os dois países, era uma forma de extravasar sentimentos nacionalistas de revolta e indignação enquanto se mantinha preservada a esfera econômica do relacionamento bilateral, claramente posta à margem da refrega. Acusado de ser irascível, rude e insolente, Christie se transformou no bode expiatório perfeito.29 Uma vez separadas as dimensões política e econômica, abriu-se o caminho que levaria o Ministro brasileiro em Londres, Francisco Inácio de Carvalho Moreira, a comunicar ao Foreign Office o rompimento de relações diplomáticas. O governo britânico decerto não esperava que a questão tivesse esse desfecho, o que apenas atesta o limitado grau de influência política que a Grã-Bretanha pensava então exercer sobre o Brasil, em contraste com a magnitude de seus interesses econômicos no país.30 O reatamento, como se sabe, ocorreu em 23 de setembro de 1865, em meio (literalmente) à Guerra do Paraguai, quando Edward Thornton apresentou a D. Pedro II, em Uruguaiana, a declaração solene do governo britânico de que não teria havido a intenção de “ofender a dignidade do Império do Brasil” em 1863. Durante a fase de rompimento, os vínculos econômicos entre os dois países não sofreram interrupção e o Brasil chegou a obter dois empréstimos em Londres por intermédio do banqueiro Rothschild. Dizia-se também que 28 Nota do Governo Imperial à Legação de S. M. Britânica, Rio, 29 dez. 1862. Relatório do MRE, 1862, Anexo I. 29 Ross Forman chamou a atenção para esse fenômeno ao assinalar que, no Brasil, Christie havia sido um “peão” usado para externar “de modo controlado” queixas maiores contra a Grã-Bretanha. R. G. Forman, Harbouring discontent: British imperialism through Brazilian eyes in the Christie Affair. In: Martin Hewitt (ed.), An age of equipoise? Reassessing mid-Victorian Britain. Aldershot: Ashgate, 2000. p. 234. 30 A crise diplomática de 1863 foi interpretada por Manchester como um sinal claro de que a tradicional preeminência britânica no Brasil estava politicamente em declínio. Manchester, British preeminence in Brazil, p. 283. 133 CADERNOS DO CHDD os comerciantes britânicos sequer se preocupavam em fazer campanha pela volta imediata dos contatos diplomáticos, pois eles estariam convencidos da “hostilidade inveterada” de Palmerston e do Foreign Office em relação ao Brasil.31 A impaciência do governo britânico com a demora brasileira em dar encaminhamento satisfatório a suas reivindicações não era um fato novo. Seria assim talvez muito forte afirmar que a Grã-Bretanha vinha procurando pretextos para criar um incidente com o Brasil. De qualquer modo, se de fato havia um ambiente propício a uma demonstração de força, premeditada ou não nos círculos oficiais em Londres, parece inegável que o temperamento, o perfil linha-dura e as atitudes pouco diplomáticas de Christie terão ajudado a compor o quadro. Embora Christie tenha tentado vender a idéia de que a “lição” aplicada ao Brasil dera resultados, para muitos ele teria apenas prestado um desserviço às relações bilaterais. Ele se tornou o grande vilão da estória e, ao que tudo indica, Notes on Brazilian questions não foi suficiente para convencer do contrário seus detratores. Longe das terras brasileiras, restava-lhe por assim dizer o recolhimento altivo dos ex-combatentes: I have no thought of returning to Rio. Holding a diplomatic pension, I still eat the bread of the public.32 * * 31 32 Notes on Brazilian questions, p. 108. Ibid. Introdução, p. LXVI. 134 * U M O LHAR B RASILEIRO SOBRE AS R EPÚBLICAS DO P ACÍFICO . M EMÓRIA DE D UARTE DA P ONTE R IBEIRO – 1832 Um olhar brasileiro sobre as Repúblicas do Pacífico. Memória de Duarte da Ponte Ribeiro – 1832 LUÍS CLÁUDIO VILLAFAÑE G. SANTOS* Em abril de 1832, ao término dos quase três anos de sua primeira missão em Lima, Duarte da Ponte Ribeiro escreveria um longo relatório ao Secretário das Relações Exteriores, Carneiro de Campos, sobre a situação política, militar, econômica e social não só da república do Peru, mas também do Chile, da Bolívia e do Equador. O conjunto destes países, acrescido da Colômbia, era tratado pela diplomacia brasileira como um subsistema à parte, distinto daquele constituído pelos países do Prata, foco do interesse prioritário brasileiro. Ainda que com atenção incomparavelmente menor à dedicada ao Prata e às relações com as potências européias e os Estados Unidos, as “Repúblicas do Pacífico” não podiam ser ignoradas e, em alguns momentos, foram objeto de políticas específicas por parte da Secretaria dos Negócios Estrangeiros do Império. A primeira manifestação de uma política brasileira para a porção ocidental do continente sul-americano foi, precisamente, a designação, em 1829, de Duarte da Ponte Ribeiro e de Luiz de Souza Dias como representantes do Império no Peru e na Grã-Colômbia, respectivamente. A presença de Souza Dias em Bogotá explica a não inclusão da Colômbia no relatório de Ponte Ribeiro sobre as Repúblicas do Pacífico. O envio dos dois diplomatas brasileiros respondia a iniciativas anteriores dos Governos peruano e colombiano. A imagem do Império brasileiro nas repúblicas vizinhas era, nos anos que se seguiram às guerras de independência, bastante negativa. O Brasil era visto equivocadamente como uma possível ponta-de-lança da Santa Aliança em um eventual esforço de reconquista. Seu regime monárquico, ademais, era visto como um corpo estranho em uma América que * Diplomata, com pós-graduação em Ciência Política na New York University. Doutor e Mestre em História do Brasil pela Universidade de Brasília. Autor de “O Império e as Repúblicas do Pacífico: as Relações do Brasil com Chile, Bolívia, Peru, Equador e Colômbia – 1822/1889”. As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do autor. 135 CADERNOS DO CHDD buscava se fazer republicana, como contraponto às monarquias européias. A Guerra da Cisplatina e o incidente de Chiquitos serviam para reforçar essa idéia de uma monarquia hostil às repúblicas. A noção do Brasil como um inimigo comum às repúblicas vizinhas servia ao discurso dos revolucionários hispano-americanos ao preservar a idéia de um inimigo externo, para cujo enfrentamento seria indispensável a unidade ou pelo menos a confederação das repúblicas. No entanto, os projetos de unidade logo mostraram-se irrealistas e, a partir daí, foi facilitada a busca de uma aproximação com o Brasil. Terminada a guerra de libertação, Bolívar permaneceria em Lima até 1826 e faria, em 1825, seu fiel aliado Sucre presidente do Alto-Peru (Bolívia), que governaria até 1828. Ao mesmo tempo, Bolívar mantevese até 1830 na presidência da Grã-Colômbia — englobando os atuais territórios do Panamá, Colômbia, Venezuela e Equador. Bolívar imaginava reunir todas estas regiões em uma “Federação Andina”, projeto que acabou por se mostrar inviável. Em junho de 1826, o Governo bolivariano de Lima indicou José Domingo Cáceres como seu Encarregado de Negócios na corte imperial. Cáceres tinha como principal objetivo “investigar a cumplicidade do Imperador em conspirações reacionárias contra as repúblicas”1. Cáceres, ademais, deveria iniciar a discussão da questão de limites com o Brasil. O Governo imperial, alegando não possuir ainda os elementos necessários para tanto, não quis discutir a fronteira comum. Bolívar, já em Bogotá, insistiu na aproximação com o Rio de Janeiro e enviou, em 1827, Leandro Palacios como seu representante junto ao Império. Este também tinha instruções para iniciar as negociações de limites, o que foi negado pela mesma razão apresentada a Cáceres. Em janeiro de 1828, no entanto, um golpe levou ao poder no Peru um Governo hostil à idéia de confederação com a Grã-Colômbia e foi criado um clima de tensão entre os dois países, que passariam a disputar o território da antiga Audiência de Quito (atual Equador). A mudança na posição peruana foi acompanhada, na Bolívia, pela deposição do presidente Sucre. Cortejando as Províncias Unidas, que ainda estavam em Guerra com o Brasil pela posse da Província Cisplatina, o Peru e a Bolívia assinariam o “Tratado de Piquiza” em 6 de junho de 1828, pelo qual as duas repúblicas comprometeram-se a não estabelecer relações com o Império do Brasil até que terminasse a guerra contra o 1 Seckinger: 1984. p. 128. 136 U M O LHAR B RASILEIRO SOBRE AS R EPÚBLICAS DO P ACÍFICO . M EMÓRIA DE D UARTE DA P ONTE R IBEIRO – 1832 Governo de Buenos Aires. Em conseqüência, o representante peruano, Cáceres, foi retirado do Rio de Janeiro. A Guerra da Cisplatina terminaria em agosto de 1828, com a independência uruguaia, e em resposta às missões de Cáceres e Palacios o Governo brasileiro decidiu enviar representantes a Lima e Bogotá. As instruções de Ponte Ribeiro incluiam também o Chile, o que foi revogado em despacho posterior 2. Como foi ressaltado por Soares de Souza: Era a missão de Ponte Ribeiro ao Peru, principalmente, em retribuição à de Cáceres, que o Imperador D. Pedro I muito apreciara, como consta das instruções. Ia o diplomata brasileiro autorizado a negociar um tratado de comércio e navegação, ‘fundado — escrevia o Marquês de Aracati — em princípios liberais, ou, para melhor dizer, de Política Americana’. Mas, sobre os limites, prevalecia ainda a idéia de se mendigarem elementos e, enquanto os não obtivessem, devia o representante brasileiro de se ater às razões de 1827 [quando da proposta de Cáceres], dadas por [Marquês de] Queluz, assegurando todavia ‘que o governo imperial está cuidando em tomar todos os esclarecimentos, para entrar na negociação de um tratado’.3 Ponte Ribeiro, nomeado em 10 de fevereiro de 1829 Cônsul-Geral e interinamente Encarregado de Negócios na República do Peru, chegaria a Lima em 27 de agosto do mesmo ano. Em 29 de novembro de 1831 foi decidido o fechamento da Legação brasileira em Lima sob a alegação de economia de recursos. A instrução sobre seu retorno ao Rio de Janeiro, no entanto, só chegou a Lima em 2 de abril de 1832. O objetivo principal de sua missão, a assinatura de um tratado de comércio e navegação, logo seria abandonado em vista da inexistência de fluxos comerciais entre os dois países e da identidade de produtos. Ponte Ribeiro, ademais, logo se mostrou pouco otimista sobre o interesse peruano em tal tratado, pois o Peru “não tem mais tratados de comércio que uma declaração feita em favor da Colômbia em 1826 quando aqui estava Bolívar”.4 2 Despacho de 14/5/1829. In: “Depachos de Aracati a Ponte Ribeiro”, Arquivo Particular de Duarte da Ponte Ribeiro – Arquivo Histórico do Itamaraty/RJ (268/3). As instruções de Duarte da Ponte Ribeiro, datadas de 9/03/1829, estão no volume intitulado “Relatórios e Documentos sobre Navegação Fluvial”. 3 Soares de Souza: 1952. p. 13. 4 Legação Imperial do Brasil em Lima, Ofício nº 7, de 24 de abril de 1830. Arquivo Histórico do Itamaraty/RJ (212/2/4). 137 CADERNOS DO CHDD As relações entre o Peru e a Grã-Colômbia haviam se deteriorado ao ponto de os dois países travarem uma guerra, de agosto de 1828 a junho de 1829. Sobre este conflito, que resultou na independência do Equador, o diplomata brasileiro informou ao Governo imperial que “a razão porque os peruanos têm diligenciado apossar-se de Guaiaquil, é por ser o único porto aonde há madeiras de construção, e também o mais seguro do Mar Pacífico. É pela mesma razão que Bolívar pretende que seja província de Colômbia, porque dessa maneira dominará estes mares”.5 O Império manteria sua neutralidade neste conflito e, na prática, as relações com seus vizinhos da costa ocidental do continente permaneceriam pouco densas até o Segundo Reinado, quando o próprio Duarte da Ponte Ribeiro seria encarregado pelo Ministro Paulino Soares de Souza da Missão Especial nas Repúblicas do Pacífico e Venezuela. Antes disso, o mesmo Duarte da Ponte Ribeiro voltaria ao Peru em 1836 como Encarregado de Negócios perante a Confederação Peruano-Boliviana, presidida pelo General Santa Cruz. Em 1841, assinaria dois tratados com o Governo peruano: um de “Paz, Amizade, Comércio e Navegação” e um convênio de “Limites e Extradição”. Ainda que estes tratados de 1841 não tenham sido ratificados pelo Governo imperial, suas linhas gerais constituem-se em importantes antecedentes de políticas que seriam seguidas como doutrinas a partir da década de 1850: a utilização do princípio do uti possidetis nas discussões de fronteiras e autorização da navegação dos rios interiores a partir de tratados bilaterais. Em 1842, após breve passagem pela Secretaria de Estado no Rio de Janeiro, Ponte Ribeiro seria designado Ministro Residente em Buenos Aires. Acabaria exonerado deste posto em 1844 e, em 1851, enviado como Plenipontenciário em Missão Especial às Repúblicas do Pacífico e Venezuela. Esta missão acabaria sendo desdobrada em 1852, sendo nomeado Miguel Maria Lisboa para a parte relativa ao Equador, à Colômbia e à Venezuela. Nesta ocasião, Ponte Ribeiro assinaria com o Peru uma “Convenção Especial de Comércio, Navegação Fluvial, Extradição e Limites”, que retomava as teses dos tratados firmados em 1841 e que, desta vez, seria ratificada pelos dois Governos. De volta ao Rio de Janeiro, Ponte Ribeiro receberia o título de Barão da Ponte Ribeiro e seria aposentado em 1857. 5 Legação Imperial do Brasil em Lima, Ofício s/n de 14 de setembro de 1829. Arquivo Histórico do Itamaraty/RJ (212/2/4). 138 U M O LHAR B RASILEIRO SOBRE AS R EPÚBLICAS DO P ACÍFICO . M EMÓRIA DE D UARTE DA P ONTE R IBEIRO – 1832 Nascido em 1794, em Portugal, e chegado ao Brasil com a transmigração da corte portuguesa, Duarte da Ponte Ribeiro foi, sem dúvida, um dos mais influentes diplomatas do Império, profissão que abraçou tardiamente (sua primeira missão foi em 1826, quando foi indicado Cônsul-Geral na Espanha) em virtude de um acidente com arma de fogo que lhe feriu a mão, afastando-o de sua carreira de cirurgião. O Barão da Ponte Ribeiro, o “Fronteiro-Mor do Império”, seria responsável ainda pela organização da Mapoteca do Itamaraty, fonte para os elaborados estudos que realizou sobre as fronteiras brasileiras. Seus comentários sobre a situação das Repúblicas do Pacífico são, portanto, o resultado da inteligência, reflexão e estudos do maior e mais qualificado especialista da diplomacia imperial nestes países. Seu olhar reflete as idéias e as percepções do Império brasileiro. Tratase do testemunho de uma época e fonte privilegiada para pesquisas e interpretações sobre a diplomacia brasileira no século XIX e também sobre a própria história das Repúblicas do Pacífico. * * * 139 CADERNOS DO CHDD MEMÓRIA SOBRE AS REPÚBLICAS DO PACÍFICO – 1832 (AHI – Parte III (34) – Arquivos Particulares – Fundo Duarte da Ponte Ribeiro. Lata 269, março 3 pasta 1) “[...] Persuadido de que acabada a minha Missão devo levar ao conhecimento de V. Ex. as observações e notícias que adquiri sobre o número de habitantes, sua qualidade, costumes, indústria, comércio, agricultura, finanças, força armada, política, etc., não só da República do Peru, aonde residi por espaço de três anos, mas ainda daquelas por onde transitei ou estive em contato, vou cumprir este dever apresentando o incluso Relatório [...]” PERU A República peruana tem aproximadamente 1.400 mil habitantes; sendo 300 mil brancos, 100 mil de cor, e 1.000 mil indígenas, mais ou menos civilizados. Está dividida em 58 Províncias, e estas concentradas em 7 Departamentos; dos quais três, Lima, Trujillo, e Arequipa, abraçam o terreno compreendido entre os Andes e o Mar Pacífico; e os outros quatro, Cusco, Pumo, Ayacucho, e Junin, o que está além destas montanhas. O Departamento de Lima tem 180 mil habitantes, 100 mil brancos, 50 mil de cor e 30 mil indígenas; Trujillo 220 mil; 70 mil brancos, 40 mil de cor, e 110 mil indígenas; Arequipa 150 mil; 70 mil brancos, 5 mil de cor, e 75 mil indígenas; Cusco 260 mil; 20 mil brancos, 240 mil indígenas; Puno 195 mil; 5 mil brancos, 190 mil indígenas; Ayacucho 190 mil; 10 mil brancos, 180 mil indígenas; Junin 200 mil; 25 mil brancos, 5 mil de cor e 170 mil indígenas. Em cada um dos três primeiros e em Cusco, há uma Corte Superior de Justiça: as causas judiciais de Puno são julgadas em Arequipa; as de Ayacucho em Cusco; e as de Junin em Lima. Aqui há uma Corte Suprema ou de Apelações. Há também uma Universidade para formatura em Direito, Matemática e Medicina: quatro colégios preparam os candidatos; em dois se ensina bastante regular as duas primeiras ciências; a terceira tem colégio separado, e não merece elogios; o Militar promete pouco, e é o único com que o Governo faz despesa. Em todos os Departamentos, menos Puno, há colégios científicos, porém sem crédito, e todos os jovens vêm estudar a Lima. Nas cidades principais há escolas bem dirigidas; mas nas outras estão descuidadas, e são quase desconhecidas nas povoações interiores. 140 U M O LHAR B RASILEIRO SOBRE AS R EPÚBLICAS DO P ACÍFICO . M EMÓRIA DE D UARTE DA P ONTE R IBEIRO – 1832 A natureza, a linguagem, e os costumes, parecem dividir o Peru em duas Nações distintas e sempre rivais; uma que ocupa a costa, outra que habita além dos Andes; a primeira despreza a segunda, esta odeia aquela: ali se fala castelhano melhor que em parte nenhuma da América; há bastante civilização, demasiado luxo, e extremados vícios; só nas capitais do interior se usa aquele idioma. Os indígenas não sabem mais do que o quéchua, são menos civilizados, pouco viciosos e não gastam luxo. Os primeiros se ocupam muito de religião, mais por hábito e conveniência do que virtude; os segundos, com dificuldade cumprem com a Igreja, e a maior parte só vêm a ela na ocasião dos enterros; ato mais solene para eles, e em que gastam quanto têm. Até o terreno tem diferente aspecto: ainda que geralmente montanhoso, tem verdura e arvoredo a leste dos Andes; enquanto que a parte de oeste oferece a triste perspectiva de áridos e decrépitos rochedos, terminados em terras de areia em toda a extensão da costa desde 3 até 22 graus de latitude sul. Tem pouco vales; e desses, unicamente apresentam vegetação os que são atravessados por rios; o resto é absolutamente despido dela. Aqui não chove nunca, e apenas cai orvalho quando é inverno. Durante o verão chove na cordilheira, e a água que se escapa deste lado vem fertilizar os vales por onde passa: é tão aproveitada que a maior parte dos rios não chega ao mar. É neste trabalho de canais para regar, que mais faz admirar o engenho dos antigos peruanos. Desde muitas léguas, e pela encosta de morros, abriram acéquias para conduzir água a todo terreno suscetível de cultura. Estes canais são os mesmos que ainda hoje servem; e existem para testemunhar o saber daquele povo em mecânica e agricultura; assim como também o grande número que então havia. Os montes de pedras miúdas ajuntadas por eles para limpar a terra, e a situação das suas povoações em lugar estéril, segundo indicam as minas, provam ainda quão populosa foi aquela Nação. Agora não se cultiva a décima parte do terreno que os índios aproveitavam. Os atuais mal se parecem com seus antepassados: como são poucos e habitam as terras mais férteis, escolhem o melhor lugar, e nesse mesmo apenas semeiam o que dá menos trabalho, e quanto basta para as suas precisões. Geralmente se contentam com batatas e milho, que lhes proporciona comida e bebida, com o último fazem também chicha ou guarapo. Com estes dois gêneros, e algumas folhas de coca para mascar, está completa a felicidade do índio. Enquanto ao vestiário, usam grosseiras estopas que eles mesmo fazem. Daqui procede a nulidade do comércio estrangeiro para o interior, e estar limitado ao 141 CADERNOS DO CHDD consumo dos habitantes da costa, que contém o maior número dos brancos, quase a totalidade da gente de cor, e ao todo 400 mil, pouco mais ou menos. Só nesta parte da República há grandes propriedades; que são engenhos de açúcar, arrozais, e vinhas. A cultura dos dois primeiros gêneros está em abandono por falta de braços: não é possível acostumar um índio a este trabalho; além disso a costa lhe inspira terror pânico, e raras vezes baixam a ela porque de dez morrem sete, de bexigas e disenteria. Os negros diminuem diariamente: os decretos de San Martín, e de Bolívar, chamando-os às armas; declarando livres os que pertenciam a espanhóis; mandando arbitrar preço e prazo aos que quisessem mudar de senhor; despovoaram as fazendas, e inundaram o país de malfeitores, que aumentaram no fim da guerra da Independência quando acabaram as guerrilhas e reformaram o exército. De 37 ladrões e assassinos fuzilados em Lima no espaço de 34 meses, 29 eram negros e mulatos; confessando alguns até 10 mortes. Não obstante esta decadência, o Peru exporta ainda açúcar, arroz, e aguardente de vinho; todos estes gêneros de excelente qualidade. Manda a Chile os dois primeiros, recebendo em troca trigo, cevada, e madeira; e todos três a Guaiaquil, cambiando-os por madeira, cacau, chapéus de palha, soda, e tabaco. Tem muito salitre, porém o de fácil exploração é de tão má qualidade que depois de refinado na Europa fica reduzido à quarta parte do seu volume; operação que não pode ser feita aqui por falta de lenha: abunda também o sal mineral, que vende a seus vizinhos. Produz algodão; mas é de inferior qualidade, e nenhuma extração: na vizinhança do rio Huallaza cresce o café, que pode rivalizar com o de Moka; porém não se faz uso dele no país, e a condução aos portos de mar é tão dispendiosa que torna a exportação impossível. De todos os produtos agrícolas nenhum é tão lucrativo ao proprietário como a aguardente feita de uva. A indústria corre a par da agricultura: da preciosa filigrana, e tapeçaria que outrora se trabalhava em Cusco, e Puno, apenas hoje se fazem ali amostras imperfeitas. Com abundante e famosa lã, só há no primeiro uma fábrica de baeta e pano grosso: e possuindo excelente pelo de vicunha, somente no segundo fazem dele maus chapéus. A fábrica da pólvora em Lima, é a única que merece este nome. A abundância de ricos metais, não contribui pouco para a falta de agricultura e indústria: nenhuma empresa promete tanto como as minas; e quem tem algum capital disponível lhe dá este destino com 142 U M O LHAR B RASILEIRO SOBRE AS R EPÚBLICAS DO P ACÍFICO . M EMÓRIA DE D UARTE DA P ONTE R IBEIRO – 1832 preferência a outro. A extraordinária e rápida fortuna de alguns mineiros, fascina o empreendedor, e não lhe deixa ver a miséria em que vive a maior parte: consumindo o primeiro capital sem resultado efetivo, forçoso é contrair dívidas para continuar os trabalhos; e se sobrevêm o grande, e muito comum, inconveniente de inundar-se a mina, a ruína é certa. Nesse estado estão quase todas as do Cerro de Pasco. Pode dizer-se que esta ramificação dos Andes é um monte de prata; porém as minas se inundam facilmente, porque chove ali muito, e tem encima um vão. Para remediar este mal, mandou o Governo espanhol principiar uma grande vala horizontal que devia penetrar a base do Cerro para a filtração se fazer por ali. Muito tempo e dinheiro se gastou nesta obra, que a revolução veio interromper; e o Governo patriota não podendo continuá-la, também por falta de outros recursos, vendeu estas minas a diversos. Para esgotá-las se organizaram em Londres duas diferentes sociedades de ingleses e peruanos: uma e outra remeteu máquinas calculadas sobre teoria e inadaptáveis à configuração irregular das minas; que a cada passo mudam de direção, tanto horizontal como perpendicular, porque o mineiro segue sempre a beta ou veio do metal. É por estas escabrosas e escusas tortuosidades, que o índio conduz à superfície o material escavado. Depois de muitas desordens, e desenganos, convencionaram os diretores das duas companhias e outros proprietários, em formar uma sociedade por ações, para abrir no meio do cerro um poço de 160 palmos de profundidade e 20 de diâmetro, para receber a água das minas, e esgotá-la dalí com máquina de vapor. Se a filtração destas não fosse bastante e precisassem rasgos de comunicação, este trabalho seria à custa de cada proprietário. A sociedade tem a receber por esta empresa, a décima parte do metal que se extrair. A obra principiou em 1827; e tendo o terreno apresentado mil dificuldades, só agora pôde concluir-se. Quase não há filtração; as minas estão no mesmo estado que antes; são necessários os rasgos de comunicação; e estes além de dispendiosos, hão de levar muito tempo. Entretanto continuará sem utilização este foco da riqueza peruana. Cusco, e Puno, têm também minas de prata, porém menos produtivas: por toda a parte há de ouro; mas só no Departamento de Arequipa se trabalham com vantagem. Nem todos os índios são próprios para trabalhar as minas, particularmente as de prata; a cujo duro exercício só resistem os acostumados a ele desde pequenos. Ainda que tenham minas de cobre, não se ocupam delas. 143 CADERNOS DO CHDD O Peru, e particularmente Lima, ademais de efeitos fabris, recebe três gêneros coloniais que o Brasil possui em abundância. 1o Tabaco, que só de Havana entram anualmente 6 mil quintais; mais do nosso em rolo não se venderiam uma arrouba; 2o Cacau, que usam como alimento; porém o de Guaiaquil é muito mais barato, passa por melhor, e vem em troco de gêneros que o Brasil não recebe; 3o Café, o consumo deste não excede a cem sacas por ano. Resulta que um Tratado de Comércio fundado sobre reciprocidade de admissão de produtos próprios, parece desnecessário. Contudo ele seria muito útil aos súditos brasileiros, se acaso convém se estabeleçam aqui. No Peru obrigam os estrangeiros a pegar em armas; não podem vender por retalho se não estão naturalizados; fazem-lhe pagar 12 pesos de seis em seis meses por uma patente de domicílio; já estiveram a ponto de ser confinados aos portos de mar; e ultimamente havia na Câmara dos Deputados uma indicação para que, à maneira do que se pratica em Chile, sejam obrigados a consignar-se a um natural do país para os seus carregamentos serem admitidos a despacho na alfândega. Julgo que não seria difícil conseguir um tratado pelo qual o cidadão brasileiro não fosse obrigado a pegar em armas, nem fazer serviço algum; não pagar contribuições diretas, seja qual for o pretexto, e possa estabelecer-se em toda a República, comerciando em grosso ou por miúdo, e levando ante as alfândegas a gestão de seus negócios. O único Tratado de Comércio que o Peru tem celebrado, é o que fez ultimamente com Bolívia, e cuja aprovação está duvidosa. Antes só existia entre estas duas repúblicas uma convenção informe, feita em presença de Bolívar, para que continuassem entre si as relações comerciais que estavam em prática, enquanto não celebrassem tratados solenes. Há declaração do Congresso feita quando Bolívar era Presidente Vitalício, considera os colombianos como nacionais; e gozam ainda hoje as mesmas regalias comerciais. O tratado que devia seguir ao preliminar de Paz ajustado entre estas duas Nações em 1829, não teve lugar. Chile tem em diferentes épocas cruzado com esta Plenipotenciários para fazer tratados de comércio; e jamais concluíram um. O Governo dos Estados Unidos se havia contentado com uma intimação de que se julgaria sempre com direito às prerrogativas que gozar a Nação mais favorecida; porém agora cuidavam de fazer um tratado de comércio. Para o mesmo fim acaba o Governo francês de pedir informações ao seu Encarregado de Negócios. A Inglaterra não reconheceu ainda legalmente a Nação peruana. O Cônsul que mandou aqui retirou-se logo, deixando o Consulado entregue a dois indivíduos 144 U M O LHAR B RASILEIRO SOBRE AS R EPÚBLICAS DO P ACÍFICO . M EMÓRIA DE D UARTE DA P ONTE R IBEIRO – 1832 com o nome de Pró-Consules, porque não tinham título algum: este Governo os reconheceu como autorizados, e se correspondeu com eles até o acontecimento do Bergantim Hidalgo, em maio de 1830, que declarou desconhecê-los; e cessou o Consulado. O comércio marítimo se faz no Peru por sete portos, se pode darse este nome a ancoradouros sobre a costa abrigados do vento sul, que sopra aqui constantemente. Estes são: 1o Callao, que é o melhor; 2o Arva, por onde se fazia antes todo o comércio exterior com Bolívia; 3o Islay, que serve para o de Arequipa, Puno e Cusco; 4o Paita, centro comercial do Departamento da Libertad; 5o Pisco, só freqüentado por barcos costeiros que conduzem aguardente ao Callao; 6o Huacho, habilitado somente para exportar sal mineral, e arroz; 7o Huauchaco, a duas léguas de Trujillo, que por muito mau, está hoje abandonado. É deplorável o atual estado de finanças desta República; e promete um futuro ainda mais triste: a despesa pouco pode diminuir; e não há esperança de aumentar a receita. Aqui todos os indivíduos pagam uma contribuição direta: aos indígenas, originários possuidores de terras, é imposta a pessoal de 9 pesos anuais, mas estão livres de dízimos; os índios arrendatários pagam estes e a metade daquela. Todos os demais contribuem com 5 pesos, se não pagam maior quantia por patente para exercer comércio, artes , indústria; ou 4 por cento sobre o produto de prédios rústicos e urbanos, e capital em giro. O total de contribuições diretas sobe a 1.200.000 pesos. As indiretas não chegam a 2.000.000. A alfândega produz 1.200.000 compreendendo os direitos de saída da moeda, que paga 5 por cento; o resto provêm de outras administrações. Soma receita, aproximadamente, 3.200.000 pesos. A despesa anda por 4.700.000 pesos; gastando o Poder Legislativo 320.000; o Judiciário 330.000; e o Executivo 4.050.000, sendo 1.110.000 com a lista Civil, e 2.940.000 com a Militar. A dívida externa monta a 30 milhões de pesos: o empréstimo de Inglaterra e juros, importa em 12; Chile reclama mais de 11, por dinheiro e gastos de expedições e esquadras mandadas ao Peru para libertá-lo, Colômbia exige 6, por indenização das despesas feitas com o Exército que veio completar-lhe a Independência. A dívida interna está calculada em 12 milhões: os bilhetes em giro e créditos reconhecidos, excedem a 5; deve-se aos empregados civis a terça parte do seu soldo desde 1826, que se mandou suspender enquanto durassem as urgências do Estado; há imensidade de reclamações pendentes; e só as do Consulado, e Cabildo sobem a mais de dois milhões. Em tempos dos espanhóis, estas duas 145 CADERNOS DO CHDD administrações recebiam de particulares capitais a juro para empreender obras públicas, e tinham rendas destinadas para esse pagamento: o primeiro cuidava do necessário ao comércio como cais, pontes, caminhos, e alfândegas, e percebia um tanto por cento sobre os direitos de importação: o segundo tinha a seu cargo os estabelecimentos de caridade, polícia, abastecimento, e recreação do público, e cobrava impostos, de víveres, bebidas, e casas públicas. Todas estas rendas estão presentemente incorporadas às demais do Estado. Os Representantes da Nação hesitaram por muitos tempo reconhecer esta dívida, e só o fizeram ultimamente, e de maneira que por largos anos não terá efeito. Entretanto pedem esmola os órfãos e famílias que ali tinham toda a sua fortuna. O exército do Peru consta de seis mil homens, de todas as armas. Tem pouca cavalaria, e quase nenhuma artilharia: o terreno é impróprio para as evoluções daquela; esta carece de oficiais científicos. Antes havia em Lima um bom parque, e escola prática de artilheiros, dirigida por espanhóis; a guerra aniquilou este estabelecimento, e não tem havido depois quem possa restabelecê-lo. Não há em todo o Peru mais fortalezas do que os castelos do Callao; e esses mesmos têm muito poucos artilheiros. A recente lei do Congresso para o exército ser reduzido a três mil homens, de certo não terá efeito: tem contra o Chefe do Executivo, e uma oficialidade extraordinamente numerosa. Só Generais conta 34; é incrível a quantidade de Coronéis que há no Estado-Maior, os que têm título de Comandantes de Corpos de Milícias, e os que são Ajudantes de Campo. O Presidente pode dar este posto; e o número aumenta porque é o único que goza de consideração. Há uma infinidade de Majores e Tenentes-Coronéis: cada General tem um às suas ordens; servem de Governadores subalternos de todas as Províncias e Distritos; e até nas Câmaras Legislativas fazem as funções de porteiros, com título de Ajudantes. Consta a Marinha de uma corveta, um brigue, uma escuna; a primeira em mau estado e os outros em bom uso: todos foram navios mercantes. Há dois oficiais Generais, alguns Capitães-de-Mar-e-Guerra, outros muitos oficiais, e quase nenhum marinheiro nacional. Nesta República não há sistema de política; cada Administração segue diferente marcha, segundo o seu capricho e interesses pessoais: o exemplo da instabilidade dos primeiros funcionários, e sua expatriação logo que cessam, é causa destes se empenharem pouco em fomentar os interesses, crédito, e responsabilidade da nação. Só em dois pontos 146 U M O LHAR B RASILEIRO SOBRE AS R EPÚBLICAS DO P ACÍFICO . M EMÓRIA DE D UARTE DA P ONTE R IBEIRO – 1832 de política vão todos de acordo, e são: aborrecer os estrangeiros, e desejar reunir a si outra vez as Províncias do Alto Peru, e Guaiaquil. Conspiraram contra San Martín e seu exército, logo que se julgaram livres dos espanhóis; fizeram outro tanto com o de Bolívar, depois que lhes deu a Independência. Desde então puseram em prática as suas idéias ambiciosas, invadindo Bolívia, declarando guerra a Colômbia, e pretendendo ultimamente fazê-la àquela República. O Congresso peruano anulou a Constituição de 1826, que dava a Presidência vitalícia a Bolívar, e declarou na de 1828, que só pode ser Presidente um natural do Peru: Lamar, que então ocupava a Presidência, era de Guaiaquil; e não tanto para conservar-se nela, como para secundar as vistas dos Representantes da Nação, empreendeu a guerra para adquirir aquela Província. São bem conhecidas as desastrosas conseqüências desta campanha. Mas nem estas, nem os posteriores sucessos de Colômbia lhes têm feito renunciar a semelhante pretensão. Ela é fundada na necessidade que tem de receber dali toda a madeira para casas e navios; e na convicção de que dará a Lei nesta Costa quem possuir este porto, o único de construção e seguro, que há em toda ela. Havendo pertencido a este Vice-Reinado as Províncias hoje bolivianas, é no conceito dos peruanos, um direito reuni-las novamente; e considerar a separação como um roubo. Lamar, e Santa Cruz pensavam assim: ambos estavam Presidentes; uma só presidência devia resultar da união das duas Repúblicas, um e outro tinham prestígio; o segundo é mais ambicioso que o primeiro. Santa Cruz não tendo meios diretos para destruir o seu rival, buscou os dois chefes que por sua colocação podiam efetuá-lo: Gamarra, Prefeito de Cusco, era chamado por Lamar para seu imediato no exército; La Fuente comandava uma divisão em Arequipa, e tinha ordem de marchar com ela a unir-se-lhe, passando por Lima. Avistou-se com os dois, e concertaram o plano que a todos prometia vantagens, e devia fixar em Cusco a capital das duas Repúblicas. La Fuente tinha que apoderarse do Governo logo que chegasse a Lima com a sua divisão; Gamarra depois de surpreender e desterrar Lamar ficava comandando o exército; tocava a Santa Cruz intrigar para que os Departamentos dirigissem ao mesmo tempo uma representação ao Governo mostrando a necessidade de reformar a carta; e pedindo a convocação da Grande Convenção Nacional, marcada para esse fim. Desta dependia o desenlace do plano de Santa Cruz. Tudo se operou como tinham ajustado: a revolução feita em Lima por La Fuente diminuía o exército e o privava de recursos; os revezes que este acabava de sofrer lhe 147 CADERNOS DO CHDD faziam desejar a Paz. Lamar se empenhava em continuar a Guerra. Gamarra o prendeu e embarcou para Centro-América; pôs-se a frente do exército; entendeu-se com Bolívar; e conseguiu as Preliminares de Paz. Quando La Fuente tomou posse do Governo estava próxima a Sessão periódica do Congresso, e já se achava em Lima a maior parte dos Deputados: era dever deste nomear no dia de sua instalação, Presidente e Vice-Presidentes Provisórios, porque faltavam os Constitucionais; e Gamarra, naturalmente desconfiado ou tendo motivos para crer que La Fuente trabalhava para ser confirmado na Presidência, apareceu aqui repentinamente, três dias antes da reunião do Congresso. Ainda duravam os regojizos pela Paz obtida por ele; o seu manejo no exército era ignorado, e revolta atribuída aos procedimentos de La Fuente: resultou ser eleito Presidente Provisório, e La Fuente VicePresidente. Aquele foi então entender a este que deviam separar-se de Santa Cruz, cuidar de prendê-lo, e a seu tempo levar a efeito o mesmo plano, em benefício de ambos. Haviam chegado as representações dos Departamentos inspiradas por Santa Cruz; e o primeiro ato do Governo legal foi mandar vir presos os Prefeitos e demais autoridades que as ativaram. Aquele, vendo-se traído pelos dois, os ameaçou privadamente com a separação dos três Departamentos Cusco, Puno, e Arequipa. Eles mandaram um Enviado Extraordinário junto ao Governo de Bolívia a pedir satisfação da influência que teve naquelas representações subversivas; protestar contra a continuação, e apoio aos descontentes; e observar os passos do Presidente. O Governo boliviano respondeu ao Enviado, que a sua queixa era destituída de fundamento: este apresentou grosseiramente as cartas particulares de Santa Cruz como prova. Foi mandado sair sob pretexto de promover a discórdia entre os dois Governos. O do Peru mandou marchar tropas para aqueles Departamentos; e apesar desta precaução, a revolução estalou em Cusco; e se faria nos outros, se não fosse sufocada ali tão prontamente. Gamarra marchou a tomar o comando do exército, que já se achava na fronteira, e com a intenção de não voltar sem destruir o seu rival e mesmo conquistar Bolívia. La Fuente ficou ocupando a presidência, rodeado de um ministério e chefes criaturas de Gamarra; e ademais desses, sua mulher para dirigi-los. Esta mulher varonil, sendo contrariada por La Fuente em uma pretensão bizarra, declarou-se sua inimiga; e tendo desconfianças de que ele estava de acordo com Santa Cruz, e conspirava contra seu marido, deu parte a este, o qual bem depressa enviou um Coronel com instruções para se fazer a revolução que teve lugar contra La Fuente no dia 18 de abril de 1831. 148 U M O LHAR B RASILEIRO SOBRE AS R EPÚBLICAS DO P ACÍFICO . M EMÓRIA DE D UARTE DA P ONTE R IBEIRO – 1832 Este General está em Chile, e tem animado as duas conspirações descobertas no 1o de janeiro, e 18 de março. O atentado cometido contra ele, lhe ganhou um partido que não tinha; e ninguém duvida que dentro pouco ocupará o lugar de Gamarra. Este conhece a sua situação precária, e de antemão se prepara para em último caso se escapar a Cusco, levantar o grito de Federação, e pôr-se à frente daquele Estado. Com estas vistas tem feito ali um depósito de armamentos e munições. Conta com seus patrícios cusquenhos; mas é entre eles que Santa Cruz tem maior partido. A política do Peru com respeito ao Brasil, consiste em conservar boa harmonia, a fim de não encontrar dificuldades na navegação que desejam se faça pelo Amazonas, para exportar por ele os frutos das suas Províncias interiores. Desde que me foram comunicadas as boas disposições do nosso Governo para que se encete aquela navegação com o Pará, as dei a conhecer a este Governo; notícia que lhe causou surpresa como inesperada, e por isso tanto maior contentamento. O mesmo fiz com as pessoas interessadas, sempre que me falaram deste assunto; mas tenho observado que só existem bons desejos, e nada mais. O projeto de estabelecer fortins nos confluentes dos rios Chinchamayo, Apurimac, e Benio, para conter e domesticar os índios selvagens, fundar colônias, e navegar o Ucayali, depende de tantas circunstâncias que não terá lugar por muito tempo. Não há dinheiro para fazer os fortins e conservar neles uma guarnição capaz de oporse aos índios bravos, que abundam nestas paragens; falta gente para ir estabelecer-se ali; e a aversão dos peruanos a todos os estrangeiros não é própria a convidar colonos, ainda quando não estivesse tão distante da Europa. A navegação do Huallaga se faz sem dificuldades desde perto de Huanuco até entrar no Amazonas; mas deste lado só esta Província merece consideração; porque as de Jaen e Mainas, são quase nominais. Tive ocasião de saber que a proposta de um Tratado de Limites feita a nossa Corte pelo encarregado de Negócios desta República, Cáceres, não foi mais que para cobrir o verdadeiro objeto de sua missão. Este Governo conhece as dificuldades de um tal Tratado, e sempre que houve conversação sobre este assunto, não me foi difícil convencer que devia deixar-se para mais tarde. A razão porque nunca propus um Tratado de Comércio e Navegação, como indicam minhas Instruções, está desenvolvida neste 149 CADERNOS DO CHDD Relatório, e antecedente correspondência; isto é, que o julguei desnecessário por falta de transações mercantis. BOLÍVIA Os habitantes dessa República não excedem a 800.000; conservam, em geral, a casta indígena, como as de Cusco e Puno; a espanhola estava ali pouco cruzada, e não havia escravatura. É notável a antipatia deste povo com os brancos; por vezes se tem amotinado contra eles e feito mortandade, sem mais distinção que a cor: o último levantamento foi na Paz em 1811, de que poucos escaparam. Não obstante estes atos de ferocidade, esta Nação, como a peruana, se distingue das demais suas irmãs, por um certo grau de civilização e docilidade. São robustos, pouco viciosos, e só os das grandes cidades gastam luxo. Tem uma Universidade em Chuquisaca, em que só é regular o estudo de Direito; as demais ciências e belas artes, não guardam proporção. O Presidente Sucre havia lançado as bases a vários estabelecimentos de educação e científicos, para por os bolivianos ao nível das luzes do século. Santa Cruz tem continuado alguns, mas parece ocupar-se mais de fazer-lhes gozar bens práticos do que belas teorias. A agricultura está bem cuidada para suprir as necessidades domésticas. Cada Departamento tem diferentes produções, segundo a natureza do terreno e clima: os da Paz, Potosi, e Oruro, são menos abundantes, e excessivamente frios; Cochabamba e Santa Cruz de la Sierra, produtivos e quentes; Chuquisaca, o mais temperado e rico de frutos. Produz tabaco e coca que vendem aos seus vizinhos peruanos; café de que usam pouco, e não exportam; cana de açúcar, que atualmente empregam em fazer aguardente para consumo, em lugar da de uva que antes recebiam do Peru. Há grande parte da população que se ocupa nas minas de prata, ouro, estanho, e cobre. A carestia de azougue tem contrariado o trabalho das primeiras em estes últimos anos; e ainda assim se cunhou ali mais do que no Peru: das de cobre se está tirando grande vantagem, por ficarem perto de Cobija. A indústria, ainda que pouco adiantada, é mais familiar ao Alto Peru do que ao Baixo: ali se tece mais algodão, e lã para seu uso. A distância dos portos de mar é causa desta diferença; os efeitos fabris estrangeiros chegam com dificuldade e mais caros. 150 U M O LHAR B RASILEIRO SOBRE AS R EPÚBLICAS DO P ACÍFICO . M EMÓRIA DE D UARTE DA P ONTE R IBEIRO – 1832 O comércio estrangeiro se faz presentemente por Cobija, e mui pouco por Arica. Antes recebiam parte pelo Rio da Prata, que apesar da grande distância, rivalizava com as entradas pelo mar Pacífico. Córdoba, Tucuman, e Salta, forneciam grande número de mulas a todo o antigo Peru; e ao mesmo tempo que iam para vender-se, conduziam gêneros de comércio, vindos de Buenos Aires até Córdoba em carretas. Depois que a guerra civil assolou aquelas Províncias não vieram mais mulas nem efeitos; e a falta daquelas tem sido sensível a um e outro Peru, cujos caminhos são impraticáveis por outros animais de carga; e estes se reproduzem pouco no país. Bolívia está de tal forma situada que não pode receber de fora objetos cujo peso e tamanho exceda a carga de uma mula. Por Cobija tem subir desde o porto um caracol de três léguas, que mais é escada que caminho; depois há 40 léguas por em cima da Cordilheira. A passagem desta não é menos difícil indo por Arica, ou Arequipa, mas sim mais difícil, indo por Arica, ou Arequipa, mas sim mais breve. Pelo lado de Buenos Aires há os mesmos inconvenientes, e maior distância. É por esta razão que Bolívia não pode ter máquinas e outros objetos estrangeiros, que não possam dividir-se em peças. Para conduzir um piano a Chuquisaca, vieram vários índios e gastaram quase dois meses para carregá-lo. A contribuição denominada de indígena, é a única direta que há na Bolívia: a ela estão sujeitos os originários possuidores de terras, a quem os espanhóis a impuseram com o pretexto de evitar questões de dízimos, mas para obrigá-los a trabalhar. De tal maneira que se habituaram a ela, que quando o Governo a pretendeu abolir, se resistiram tenazmente julgando que pagariam mais em dízimos, e lhe imporiam outras. Cada indivíduo de 16 a 50 anos paga 9 ½ pesos anualmente; e a contribuição direta anda por 700.000 pesos. Os direitos de alfândega; o imposto de 8 ½ por cento sobre a prata extraída das minas; os dízimos; o produto da Casa da Moeda; e outras alcavalas, monta a 100.000. Total das rendas do Estado 1.700.000 pesos. Elas fazem face à despesa ordinária. Não reconhece dívida externa. Contudo o Governo do Peru se diz credor de 400.000 pesos por gastos feitos com o exército que invadiu Bolívia em 1828, a pretexto de liberá-la da opressão do Chefe e tropa colombiana. A dívida interna é hoje de três milhões, em vales, e créditos de giro. Procede de indenizações de perdas durante a revolução, soldos atrasados, prêmio a militares, e gratificação ao Exército Libertador. 151 CADERNOS DO CHDD O exército boliviano não chega a três mil homens e segundo o tratado com o Peru, deverá ser reduzido a dois mil. Não há ali a desproporcional oficialidade que se observa em outras repúblicas; e os que cercam Santa Cruz tem crédito de bons militares. Não tem marinha; nem mesmo um escaler em Cobija. Desde a criação da república boliviana o seu Governo tem seguido sempre a mesma política com respeito ao Peru, mas com diversos fins: Bolívar tratou de debilitar esta república para tranqüilidade de Colômbia, e poder exercer melhor sua influência sobre estes Governos: o General Sucre pretendeu que ela diminuísse mais as forças e recursos, cedendo o porto e a Província de Arica. Esta pretensão envolvia a necessidade de um porto para Bolívia ter verdadeira existência política, e procurava equilibrar as duas repúblicas. A política de Santa Cruz variou ao princípio; mas sendo contrariado em seus planos, voltou a ela: habilitou a todo o custo o porto de Cobija para diminuir os recursos do erário peruano, que recebia mais de 400.000 pesos sobre o consumo anual de Bolívia; indispôs os habitantes do Departamento de Arequipa contra o Governo, por falta de comércio que se fazia ali; e fez-lhes desejar a união com Bolívia. É por vias indiretas que ele pretende levar a efeito o projeto de unir o Alto e o Baixo Peru. Sabe que um e outro povo, tem dele vantajosa opinião de bem governar, e desinteressado; e para fortificá-la, e desvanecer quanto se diz de sua ambição, não perde ocasião de mostrar que nada anseia mais que a tranqüilidade fraterna. A mediação pedida a Chile, não teve outro fim: e as ameaças de Querogas, lhe deram mais uma oportunidade para fazer crer que só se ocupa do bem geral, propondo uma aliança ofensiva e defensiva com Peru, Chile, e Equador. Ele está persuadido que não há de efetuar-se semelhante aliança, mas consegue aumentar o seu partido. Desde que Quito se separou do centro de Colômbia, Santa Cruz tem estado sempre de acordo com o Presidente Flores, para diminuir a preponderância do Peru sobre as duas respectivas repúblicas. Quando a guerra pareceu inevitável, mandou àquele um emissário secreto a tratar com este a compra da fragata “Colômbia” para com ela destruir a esquadra peruana. Em princípio de 1831 já Flores havia cedido; e cuidavam dos meios para a saída de Guaiaquil, quando chegou ali a notícia da sublevação da corveta Libertad. Os preparativos foram suspensos; em seguida veio ordem de Santa Cruz para não se efetuar a saída, como desnecessária. O encarregado desta missão foi um alemão, Barão de Hein, Coronel ao serviço de Bolívia. 152 U M O LHAR B RASILEIRO SOBRE AS R EPÚBLICAS DO P ACÍFICO . M EMÓRIA DE D UARTE DA P ONTE R IBEIRO – 1832 Quando em 1826 se achava Bolívar no Alto Peru meditando invadir o Brasil, chamou um tal Souto Mayor, engenheiro espanhol que pertenceu à última comissão nomeada pelos Governos de Espanha e Portugal para demarcação de limites, e lhe pediu informes sobre aqueles trabalhos, e um plano para a marcha do exército. Então se apresentou um italiano que acabava de chegar do Rio de Janeiro vindo por S. Paulo e Mato Grosso, e se ofereceu para ensinar o caminho. Ele, e o engenheiro foram postos à disposição do General Miller, que devia comandar a vanguarda, e fizeram um itinerário que hoje se conserva no Arquivo Militar de Bolívia. Em 1830 passou de Salta a Santa Cruz de la Sierra, um dinamarquês fazendo observações e levantando mapas: chegando ali tomou amizade com o engenheiro Souto Mayor, soube da sua antiga comissão, e viu os mapas que ele ainda conservava. Com estes correu depois toda a fronteira e levantou outros, que de regresso apresentou ao Governo acompanhados de observações, em que mostra que os brasileiros têm construído dois fortins na margem esquerda do Madeira que não lhes pertence; e se tem adiantado em outros muitos pontos do território de Bolívia. O Vice-Presidente Velasco, foi de parecer que se mandasse imediatamente demolir aqueles fortins; porém Santa Cruz não deu inteiro crédito ao dinamarquês, e ordenou que se perguntasse por isto ao Governador de Mato Grosso. Aquele não foi recompensado como esperava, e voltou descontente para Santa Cruz de la Sierra. Em Bolívia, como no Peru, desejam que se navegue o Amazonas: além das comunicações que este lhe oferece pelo Ucayali, contam também com as do Madeira. CHILE A república chilena tem quase um milhão de habitantes; dos quais 200.000 pouco mais ou menos, são índios convertidos que vivem entre o Maule e o Biobio, e alguns em Valdívia, Chiloé, e Cordilheira. Nenhuma das novas repúblicas têm povoação tão homogênea, robusta, e laboriosa. A sua situação lhe dá ainda vantagens sobre elas: ocupa um cordão de terra que não tem mais de 40 léguas de fundo desde o mar até a Cordilheira, com muitos rios e portos que facilitam as comunicações. O clima é excelente, e o terreno variado e fértil em toda a qualidade de frutas, particularmente cereais e vinhas. O sul, Chiloé e Valdívia, abunda em madeiras de construção; o centro produz 153 CADERNOS DO CHDD os frutos; e ao norte tem ricas minas de ouro, e cobre. As deste último metal são trabalhadas em Coquimbo, e Copiapo, e delas saí anualmente quinze mil quintais de cobre para a China e Europa, no valor de 18 pesos cada um. A exportação de trigo e cevada não baixa cem mil fanegas, a preço de um e um a meio peso cada uma; e vai quase tudo para Lima. Estes dois artigos, e couros, são os mais consideráveis da exportação de Chile, mas tem outros muitos, como são madeira, carnes charqueadas, frutas secas. Atualmente estão construindo moinhos na Província da Concepção, com o fim de fornecer ao Peru e Guaiaquil a farinha que ainda compram aos norte-americanos: também contam vendê-la ao Brasil. Em todo Mar Pacífico, só a república chilena gasta gêneros do Brasil. Recebe atualmente duzentas e quarenta mil arroubas de açúcar, e vinte e quatro mil de mate, e o consumo aumenta todos os anos. Os direitos que paga um e outro gênero andam por quatrocentos reis cada arrouba de 25 libras. O mate se vende regularmente a dois mil reis a mesma arrouba, e a de açúcar a mil e seiscentos; tudo na alfândega. O açúcar do Brasil se vende com preferência ao do Peru, por ser mais barato e vir em sacos acomodados para a condução ao interior, entretanto que o do Peru vem em pães envoltos em palha, de irregular tamanho, e por isso difícil a arranjar em cargas e sujeito a perdas. Todo comércio estrangeiro se faz em Valparaíso, e dali são os efeitos conduzidos por terra, ou em barcos costeiros, a todas as partes da república; este porto tem mau ancoradouro, e é perigoso durante os meses de inverno, desde maio a agosto, que sobrevêm temporais do norte e levam os navios à costa: porém é preferido por ser mais próximo à capital, Talcahuano e Coquimbo, são muito melhores, mas não são freqüentados se não pelos navios que vão receber cobre ao primeiro, e raras vezes trigo ao segundo. As embarcações que vêm ao Pacífico, além de não perder viagem tocando Vaparaíso, têm a vantagem de saber notícias de toda a Costa, por ser o centro do comércio dela; e ainda a probabilidade de vender seus carregamentos a navios especuladores que dali navegam para o México, e CentroAmérica. A esta concorrência deve aquele porto o aumento de povoação, e uma bonita cidade de 6.000 habitantes que tinha em 1820, conta hoje 20.000. Por Lei, são os estrangeiros obrigados a consignar-se a um chileno para serem admitidos a Despacho os seus carregamentos; e para 154 U M O LHAR B RASILEIRO SOBRE AS R EPÚBLICAS DO P ACÍFICO . M EMÓRIA DE D UARTE DA P ONTE R IBEIRO – 1832 remediar este inconveniente ajuntam com um negociante do país para despachar em seu nome, mediante uma soma por ano. Em Chile não há a contribuição chamada de Indígenas, mas tem a de alcavala, imposta em lugar do dízimo, que aboliram: esta obriga todos os chilenos a pagar a décima parte de suas rendas seja qual for a origem. Os direitos de alcavala, alfândega, estanco, Casa da Moeda, e correio, são as rendas do Estado; e produzem anualmente perto de 2.000.000 de pesos. O líquido produto do estanco é destinado ao pagamento dos interesses e amortização do empréstimo de Inglaterra. Não tem mais dívida exterior que esta, e passa de 5.000.000 pesos. A dívida interior é pequena, e não está liquidada. Portales fez a maior parte da despesa do exército de Prieto durante a última guerra; e para seu pagamento recebe da alfândega uma consignação mensal. As inúmeras demissões, e reformas militares e outros empregados, pertencentes ao partido vencido, diminuíram extraordinariamente as despesas do erário. A tropa de linha são 1.200 homens de todas as armas; e está quase toda na Província de Concepção: a de milícias, que recebe paga e guarnece a capital e Valparaíso, excede a 2.000 homens. A marinha consta de um brigue, e uma escuna; ambos excelentes e bem armados. Tem mais navios mercantes que nenhuma das repúblicas suas vizinhas: são empregados no comércio com o Peru, Guaiaquil e Centro-América; e quase toda a equipagem é chilena. O Chile está atualmente dirigido por Portales chefe do partido Estanqueiro. Para dar melhor a conhecer este partido e sua influência em diversas épocas, é necessário descrevê-lo desde sua origem. Os monopolistas do tempo dos espanhóis quiseram restabelecer o mesmo sistema no princípio da república, de baixo do título de estanco: conhecendo em O’Higgins um caráter despótico, julgaram que era o homem que lhes convinha para apoiá-los; e se uniram a ele; mas quando manifestaram sua pretensão não só foram desatendidos, mas ainda afastados dos negócios públicos. Com dinheiro, sua arma sempre favorita, sublevaram a tropa contra aquele Presidente, que foi obrigado a sair do país; deixando o lugar a outros que consentiram o estanco. Quando os grandes proprietários quiseram defendê-lo por ser de sua classe e abrigar as mesmas idéias aristocráticas, já era tarde; muitos declararam-se inimigos dos seus perseguidores. Desde então foram chamados Pelucões por imitarem os Wigs de Inglaterra; e os seus 155 CADERNOS DO CHDD contrários se designaram com o nome de Estanqueiros. Estes deram a Lei desde 1824 até 1828, quando se levantou um terceiro partido a que denominaram, Pipiolo, por entrar nele a baixa classe; o qual ganhou preponderância nas eleições, e nomeou de entre os seus, o Presidente da República, e os Deputados. Aquele suspendeu logo o estanco: o Congresso mandou vender os bens do Clero; e iniciou uma Lei para dividir as terras ao povo. Estanqueiros, Pelucões, e Clero, correram a dar-se as mãos para sustentar os seus interesses e destruir o novo partido, como inimigo comum. Os primeiros, para lisonjear aos segundos e empenhá-los mais, lembraram chamar a O’Higgins para governar: julgaram de boa fé esta proposição, e nesse sentido trabalharam até o fim da guerra. Depois de vencer e expatriar os Constitucionais, persuadiram os Estanqueiros a Prieto, cabeça do partido Pelucão, que devia ser ele o Presidente, e não O’Higgins. Prieto tomou esta resolução como prova de amizade, e uma recompensa dos serviços que tinha feito; e não conheceu que buscavam nele um homem débil, de curtas luzes, e fácil a ser dirigido por eles. Portales, principal dos Estanqueiros, caixa do clube que impulsionou a revolução, diretor de Prieto durante a guerra, Ministro de Estado na época das eleições, fez recair a presidência em Prieto, e nele a nomeação de Vice-Presidente. Em seguida convieram em dar baixa a uma parte do exército; e para precaver a sedição do resto, confinaram-no na Província da Concepção às ordens de Bulnes, sobrinho do mesmo Prieto: criar corpos de milícias com soldados pagos, para guarnecer a capital e Valparaíso; e que nestes corpos fossem empregados os indivíduos sem ocupação, para entretê-los, e evitar que se arranjem noutro partido. Estes corpos foram organizados alistando-se os soldados à porfia; os Estanqueiros entraram de oficiais, e Portales é o Comandante Geral. Para diminuir a prevenção que há contra o estanco, foi restabelecido como administração do Estado, e não em contrato como antes; mas todos os principais empregados são os mesmos Estanqueiros, inclusive o Ministro da Fazenda. Sem entender-se privadamente com os monopolistas, ninguém vende os objetos proibidos; por isso todos os desta classe são consignados às casas daqueles, e nenhum recebe mais que a de Portales. Este, para estar mais ao alcance de fazer ele mesmo o monopólio, veio para Valparaíso, pretextando enfermidade; mas dali dirige o Governo. Além da ganância que resulta da venda ostensiva 156 U M O LHAR B RASILEIRO SOBRE AS R EPÚBLICAS DO P ACÍFICO . M EMÓRIA DE D UARTE DA P ONTE R IBEIRO – 1832 feita a administração, há outros interesses na repartição aos estancos. Porém a maior especulação destes monopolistas foi mandar comprar em Inglaterra a maior parte dos vales do empréstimo, antes de saberse o restabelecimento de fundos para pagamento dele. Com uma pequena soma são hoje acredores do Governo por principal e interesses; e estão seguros de receber estes. Trezentas a quatrocentas famílias possuem todas as terras: estas são dividas em pequenas porções, trabalhadas por gente pobre. Um proprietário faz construir uma casa de pouco custo; convida um casal a viver nela, marca-lhe terreno, fornece instrumentos de lavoura, e sementes. O arrendatário se constitui devedor de metade da colheita que resultar de seu trabalho: o senhorio é obrigado a comprar a outra metade pelo preço corrente sempre que o inquilino não encontre quem lhe dê mais. Se a este vem a faltar sementes, gado ou instrumentos de lavoura; aquele deve fornecer-lhe tudo, para ser descontado das colheitas seguintes. Tudo quanto lhe deu no princípio não tem pagamento. Também o arrendatário fica obrigado a concorrer com seu gado, e família à debulha geral do proprietário, abertura de caminhos e canais, e polícia do distrito. Desta maneira se liga ao senhorio por utilidade, e mesmo por afeição, porque em geral, são bem tratados; torna-se seu feudatário, e está pronto a obedecer-lhe ao primeiro sinal dado. Daqui nasce a preponderância que em todo o tempo tem tido os grandes proprietários ou Pelucões; os quais exercem em Chile uma verdadeira oligarquia; sistema de Governo para que este povo parece mais disposto. EQUADOR A nova República do Equador, é, de todas as desta costa, a mais pequena, e falta de recursos. A sua povoação é escassamente de 500.000 habitantes, sendo a terça parte índios convertidos ou de pouca civilização. O Departamento de Guaiaquil tem alguns escravos e gente de cor; e é também o que tem mais brancos. Todo o comércio estrangeiro com o Equador, se faz em Guaiaquil; e é também por onde se exportam os produtos do país. É considerável o número de chapéus de palha que saem daí para o Peru, Chile, Rio da Prata, e Brasil: em nenhuma outra parte se fazem, e são de muito valor. Tem excelente soda, bom cacau, e inferior tabaco, que fornecem ao Peru e Chile; e vende ao primeiro grande quantidade de madeiras. 157 CADERNOS DO CHDD Antes exportava também cacau para Espanha, mas hoje é raríssima uma semelhante especulação. Os direitos da alfândega são a maior renda do Estado: muitos ramos dela estão arrematados por contrato; e até para a introdução de farinha, se faz um ultimamente. Não tem dívida exterior: a interna é quase nula, e talvez limitada aos soldos atrasados. Este Estado separando-se do Centro, encontrou-se com um exército e armada que não pode sustentar: o receio, e distensões que seguiram depois, tornaram necessária a conservação daquela força, e mesmo de aumentá-la. Além da fragata “Colômbia” de 60 canhões, tem um brigue, e uma escuna; e todos estão desarmados. Até o presente não tem aparecido partidos contra o Presidente Flores: à exceção do Dr. Olmedo, Presidente do Congresso, nenhum indivíduo reúne opinião pública para formar um partido. Não obstante, o espírito de provincialismo não esquece que ele nasceu em Caracas, e que a Constituição dos seus vizinhos exclue da Presidência os que não houverem nascido na República. Consta-me que o Governo se queixa de que os brasileiros têm feito estabelecimentos do outro lado do Amazonas, pouco abaixo do Loreto, em terreno pertencente aquele Estado. Lima, 7 de abril de 1832. Duarte da Ponte Ribeiro 158 U M O LHAR B RASILEIRO SOBRE AS R EPÚBLICAS DO P ACÍFICO . M EMÓRIA DE D UARTE DA P ONTE R IBEIRO – 1832 BIBLIOGRAFIA Guimarães, Argeu. Diccionário Bio-Bibliográphico Brasileiro de Diplomacia, Política Externa e Direito Internacional. Rio de Janeiro: Edição do autor, 1938. p. 394-397. Santos, Luís Cláudio Villafañe G. O Império e as Repúblicas do Pacífico: as Relações do Brasil com Chile, Bolívia, Peru, Equador e Colômbia – 1822/1889. Curitiba : Editora da UFPR, 2002. Seckinger, Ron. The Brazilian Monarchy and the South American Republics 1822-1831: Diplomacy and State Building. Lousiana: Lousiana State University Press, 1984. Soares de Souza, José Antônio. Um Diplomata do Império (Barão da Ponte Ribeiro). São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1952, Brasiliana v. 273. Especialmente p. 24 a 34. 159 Notícias do CHDD Pesquisas em curso – Correspondência oficial, expedida e recebida, da missão diplomática de Francisco Adolpho de Varnhagen no Peru e Chile. Está concluída a transcrição relativa aos anos de 1863 a 1865, devendo os documentos relativos a 1866 e 1867 ser tratados no curso de 2003. – Correspondência trocada entre a Secretaria de Estado dos Negócios Estrangeiros e as missões diplomáticas no exterior sobre as tentativas de formação de uma liga entre os países americanos e convocação do Congresso Americano, previsto no Tratado do Panamá de 1826. – Diplomacia e imagem no II Reinado. Está concluída a pesquisa na “Revista Ilustrada” e na “Semana Ilustrada”; restam outros periódicos da época. – Correspondência oficial do Embaixador Luís Martins de Souza Dantas de Paris e Vichy (1939-1942). A pesquisa está concluída e os documentos sendo transcritos. – Documentos de interesse para a história do Brasil nos Arquivos de Goa. – Apoio à pesquisa no Arquivo Histórico do Itamaraty, Rio de Janeiro, de documentos diplomáticos e consulares relativos a marinheiros e escravos fugidos, no quadro de pesquisa do Prof. Dr. Flávio dos Santos Gomes, da UFRJ, “Entre fronteiras transatlânticas: marinheiros, tráfico e movimentos sociais no Brasil escravista, 1790-1870”. Publicações – “Revista Americana – Uma iniciativa pioneira de cooperação intelectual (1909-1919)”, fruto de uma pesquisa realizada pelo CHDD foi publicada pelo Senado Federal, em sua coleção Brasil 500 Anos. CADERNOS DO CHDD – “O Barão do Rio Branco visto por seus contemporâneos”, FUNAG, 2002. – Encontra-se pronto para ser editado o Catálogo da Coleção Varnhagen na Biblioteca do Itamaraty, Rio de Janeiro, fruto da cooperação entre a FUNAG/CHDD e o Pnud. A Edusp se propõe editá-lo. 162 ARTIGOS ANÔNIMOS E P SEUDÔNIMOS DO BARÃO DO RIO BRANCO 163 Coordenação editorial: Revisão: Editoração eletrônica: Formato: Mancha gráfica: Tipologias: Alvaro da Costa Franco Maria do Carmo Strozzi Coutinho Samuel Tabosa de Castro 17 x 25 cm 12 x 19,8 cm Tahoma corpos 11, 10 e 8 (texto) Humanist 77BT corpos 18, 16, 14 , 13 e 8 (títulos, subtítulos e cabeçalho) Tiragem: Impressão e acabamento: 1.000 exemplares Gráfica MRE