JOÃO AUGUSTO REQUE CIVILIZAÇÃO E BARBÁRIE NO TERRITÓRIO PARANAENSE : (1820-1875) Monografia de final de curso apresentada ao Departamento de História, Setor de Ciências Humanas, Letras e Artes da Universidade Federal do Paraná. Orientador(a) : Prof.(a) Ana Maria Burmerter 2000 SUMÁRIO LISTA DE ILUSTRAÇÕES........................................................................ iii 1. INTRODUÇÃO........................................................................................... 01 2. A NECESSIDADE DE CIVILIZAR-SE..................................................... 05 3. A EXPERIÊNCIA UTÓPICA PARANAENSE.......................................... 23 4. O OUTRO: O PROBLEMA DA INTEGRAÇÃO DO ÍNDIO AO MUNDO CIVILIZADO.............................................................................. 39 5. CONCLUSÃO............................................................................................. 52 6. FONTES...................................................................................................... 54 7. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS......................................................... 56 ii LISTA DE ILUSTRAÇÕES 1. OS LIMITES ENTRE A CIVILIZAÇÃO E BARBÁRIE NO PARANÁ (1840-1860).................................................................................................. 04 2. ESBOÇO HIDROGRÁFICO DE UMA PARTE DA PROV. DO PARANÁ..................................................................................................... 15 3. NIVELAMENTO GERAL DOS RIOS IVAÍ, PARANAPANEMA E TIBAGI........................................................................................................ 16 4. DESCENDO O RIO TIBAGI...................................................................... 19 5. ACAMPAMENTO AVANÇADO NAS FLORESTAS DO IVAIZINHO. 27 6. CENA DO IVAIZINHO: ÍNDIO PESCANDO COM ARCO E FLEXA .. 38 7. BOTUCUDO SELVAGEM DO BRASIL................................................... 46 iii 1 1. INTRODUÇÃO A tarefa do homem, nas palavras do Gênesis (I, 28) era “encher a terra e submetê-la”: derrubar matas, lavrar o solo, eliminar predadores, matar insetos nocivos, arrancar fetos, drenar pântanos. A agricultura estava para a terra como o cozimento para a carne crua. Convertia a natureza em cultura. Terra não cultivada significava homens incultos. (Thomas, 1988, p. 17). Em meados do século XIX, o Paraná surge como uma jovem Província no cenário nacional como um campo aberto de possibilidades, uma nova Canaã. Nesta época a Revolução Industrial esta em marcha e com ela a expansão capitalista européia. O Brasil luta por construir sua identidade e reconhecimento como Estado-Nação. A partir de então começase a busca da identificação ou reconhecimento do interior paranaense que na sua grande maior parte constituía-se ainda em um território inóspito e “selvagem” que deveria ser incorporado no processo civilizatório ocidental. Tendo como inspiração a obra de Francisco Moraes Paz, Na Poética da História – A Realização da Utopia Nacional Oitocentista este estudo visa analisar a construção das reflexões sobre a marcha para o interior paranaense, que no fundo demonstra a eterna luta travada pelo Homem em ter o controle absoluto sobre a Natureza, isto é, da Civilização X Barbárie. Para tanto, este trabalho foi dividido em três capítulos. Em “A Necessidade de Civilizar-se” tais reflexões serão demonstradas através dos discursos dos Presidentes de Província e de intelectuais locais que buscavam lançar as bases para civilizar e fazer prosperar o território paranaense, comprometidos em aplicar esforços em busca da modernidade vislumbrada no espelho do desenvolvimento europeu. Os enfoques e preocupações destes homens coincidem e acabam apontando os mesmos caminhos: ocupar, dominar, civilizar e abrir espaço para a imigração européia, tais são as palavras de ordem. Assim, as florestas cheias de perigos, consideradas incultas e 2 improdutivas, tornariam-se terras fertilíssimas, cheias de riquezas dadivosas. O Paraná aparece como uma verdadeira Terra Prometida. O caráter científico das descobertas, ou mais propriamente da posse, é refletido nas expedições realizadas pelos sertanistas Francisco Lopes e Jonh Henri Elliot, durante a década de 1840 e posteriormente com os engenheiros alemães José e Francisco Keller em 1865, que desbravaram os vales do Ivaí, Paraná, Paranapanema e Tibagi. Surgem ali os “postos avançados” da civilização: colônias, povoações e aldeamentos, locais onde são travados embates cujas cenas são dígnas de Far West americano com luta contra os indígenas, envolvendo caboclos, sertanistas e fazendeiros pela posse das terras. Os caminhos que ligavam estas regiões aos outros centros da província, só podiam ser transpostos por tropas de mulas. Com isso, muitos projetos são idealizados para transformálos em estradas carroçáveis e posteriormente em ferrovias, pois só desta forma os sertões paranaenses poderiam ser incorporados ao mundo civilizado. O segundo capítulo, “A Experiência Utópica Oitocentista Paranaense” baseia-se nos relatos dos viajantes estrangeiros que passaram por estas terras no período de 1820 à 1875, como o naturalista francês, August Saint-Hilaire; o médico alemão, Roberto Avé-Lallemant, e o engenheiro inglês, Thomas P. Bigg-Wither. Como porta-vozes do mundo europeu, da modernidade e da ciência são tidos como os Verdadeiros Amigos do Brasil, que além do profundo encantamento demonstrado pela natureza, apontam o Paraná como uma terra propícia ao estabelecimento de colonos europeus. As regiões mais afastadas da província também acabaram sendo campos abertos para a realização de Utopias, como a Colônia Tereza de Jean Maurice Faivre, lugar onde pretendia construir o protótipo de uma sociedade ideal, em que imigrantes, brasileiros e índios se integrariam de forma harmoniosa, mas no decorrer de sua história, a realidade acaba se 3 interpondo à utopia, fadando ao fracasso a primeira experiência de colonização européia colocada na fronteira entre a Civilização e a Barbárie. No terceiro capítulo o índio selvagem é abordado como um grande obstáculo para a empresa da civilização do interior. Com as “correrias”, afugentavam as populações que viviam nas orlas dos campos. Era o medo do “bugre brabo” que mexia com o imaginário popular da época. Para trazer as “hordas de gentios errantes e bárbaros” à civilização e convertê-los aos valores europeus, a elite local colocou sobre suas costas a responsabilidade do que chamavam de Missão Civilizadora, pela qual os milhares de indígenas, que viviam espalhados pela província, transformariam-se em braços úteis a sociedade. O governo buscou, então, revigorar um antigo modelo empregado com sucesso pelos jesuítas: os aldeamentos, mas apesar do investimento e dos esforços empregados, os poucos grupos indígenas que se sujeitavam aos aldeamentos não chegaram a ser completamente integrados ao mundo civilizado. Estas são mostras de quão vacilantes foram as primeiras tentativas de transpor as barreiras do mundo bárbaro, porém, aos poucos, deram forma ao ideário da modernidade dentro do território paranaense. 4 2. A NECESSIDADE DE CIVILIZAR-SE Em 1854, em seu pronunciamento à Assembléia local, o primeiro presidente da província do Paraná, Zacarias de Goes e Vasconcelos, ditava as bases para “transformar-se a antiga e atrazada comarca de Curityba na esperançosa provincia do Paraná” 1, descrevendo assim os limites geográficos da nova província: Banhada, de hum lado pelo Oceano, onde lhe não faltão bons portos, de outro pelo magestoso Paranã, cortada por rios consideráveis, no gozo de hum clima reconhecidamente saudável, com terrenos fertilíssimos, que prestão-se aos mais abundantes e variados productos, tinha a 5ª comarca da província de S. Paulo direito e proporções para haver subido a hum elevado gráu na escala dos melhoramentos que caracteriza a civilização moderna.2 Além disso cobrava o grande compromisso que tinha tal assembléia, por ser a primeira constituída na nova província, de lançar “as bases de seo progresso indispensavel no presente, e ulterior desenvolvimento no futuro”. 3 “Alea jacta est”. A sorte estava lançada. Estava firmado o compromisso da elite local para transformar uma região inóspita, dominada em sua maior parte por uma natureza ainda intocada, em uma região dita “civilizada”, do mesmo modo como uma folha de papel em branco deveria ser preenchida com o melhor do conhecimento humano. Mas de que forma esta civilização deveria ser construída? Qual o modelo a ser seguido? Em pleno século XIX, essas perguntas tinham respostas incontestáveis, pelo menos 1 PARANÁ. Presidente (1854-1855 : Vasconcelos). Relatório do Presidente da Província do Paraná Zacarias de Goes e Vasconcelos na abertura da Assembléia Legislativa Provincial em 15 de julho de 1854. Curityba : Typ. Lopes, 1854. p. 01 2 Ibid. p 01 3 Ibid. p 02 5 tinha-se a “certeza” do modelo de civilização que se estava buscando. No entanto, devemos recorrer, não só ao âmbito local, mas sim ao nacional, pois o projeto do ideário civilizatório nacional estava sendo edificado, principalmente, dentro do Instituto Histórico Geográfico Brasileiro (IHGB), fundado em 1838. O IDEAL DE CIVILIZAÇÃO Segundo Francisco Moraes Paes, este modelo de civilização é “a utopia do século XIX [que] situa-se na própria Europa e projeta-se num futuro de realizações. Ela pode ser definida como a busca da modernidade” 4, portanto, a elite intelectual brasileira apostava “na construção de uma nova sociedade, regida pela lógica do trabalho e pelos ideais de uma possível modernidade, e desenhada a partir da visão européia de civilização, sociedade e história.” 5 Ao contrário do século XVIII, chamado de o “Século das Luzes”, o século XIX era o “Século da História”. “É um século que não encoraja a poesia, arte ou filosofia, pois é pensado em termos históricos [...] Neste século europeu, o culto Velho Mundo se opõe aos povos bárbaros e primitivos. E por ser culto, civilizado e eixo irradiador de mudanças, considera-se o centro da história.” 6 Cabia aos intelectuais do IHGB o papel de auxiliar no processo de consolidação do 4 PAZ, Francisco Moraes. Na poética da História – a realização da utopia nacional oitocentista. Curitiba : Ed. da UFPR, 1996. p. 15 5 Ibid. p. 16 6 Ibid. p. 15 6 Estado Nacional e de construir um perfil para a “Nação Brasileira”, capaz de lhe garantir uma identidade própria no conjunto mais amplo das “Nações”, além do desejo de construção da historiografia nacional de acordo com os modelos europeus. Ao intelectual paranaense cabia parte deste processo. Regionalmente não existia um passado histórico grandioso a ser recuperado, mas havia o desafio de construir um futuro e desta forma incorporar a província do Paraná neste modelo histórico. Podemos vislumbrar todos estes conceitos apresentados, ao analisar os documentos produzidos pelos intelectuais locais da época. Como acontece na Exposição Provincial do Paraná, realizada em 1866, em que foi organizado um catálogo dos produtos expostos. Em sua introdução, o Dr. José Cândido da Silva Murici proclama o seguinte discurso: Na verdade Srs é grandioso e sublime este combate do trabalho em troca de um louvor e do reconhecimento! Que ambição mais nobre do que a este século que perfura a base granítica das montanhas para encurtar distâncias? Deste século que tira de uma pouca agua concentrada a força precisa para domar, subjulgar, vencer a extensissima, revolta e encapelada superficie dos mares? Deste século que faz da scentelha electrica destruidora uma meio de conchegar os homens em amplexo fraternal, e fazel-os conversar da Europa á América como se estivera sob o mesmo tecto? Nobre empenho! Nobre orgulho, dizemos, o de mostrar a differença que vai deste século em que o homem peleja batalhas com a inteligência, almejando uma palavra de animação para aquelles rememorados em que o premio da luta cabia a força dos musculos patenteada e applaudida nos circos olympicos! E’ assim que se caminha! Nós levamos, neste ensejo, a nossa quota para demonstrarmos quanto estimamos, filhos do século XIX, a distancia que há de um palacio da industria de Paris, de Londres, do Porto, as arenas Athenienses. [...] Trabalhamos, e não sentimos-nos acanhados em mostrar o que fizemos embora seja mesquinho. Se a Europa domina a maior parte do mundo pela perfeição de suas obras, também ella já dera passos incertos e vacillantes, antes que podesse desprender vôos altivos, e tornarse o arauto esplendido da civilização. E não pouco aprendeu ella da India, da China, que hoje denomina de barbaras! Quem sabe se terá que aprender de nós outros, que vivemos obscuros na lide gloriosa da utilidade geral? E se não tiver que aprender, terá que ensinar-nos – que é dever prescripto á humanidade pelo sangue vertido no Golgotha; porquanto, se nos fallece a industria, com suas machinas multiplicadoras da força productiva, não nos desampara o vigor de uma natureza opulenta e prodiga de celestiais favores; e é certo que a natureza do velho mundo está exhausta. Ali a terra vive, não de vida própria, senão da que lhe empresta o 7 homem. E a vida transmittida ao cadaver pela pilha galvanica, e nós seremos – quem sabe! A pilha que Deus destinou para electrisar aquelle corpo deteriorado e consumido! Aqui uma terra virgem, brotando seiva copiosa e rica, dos tres reinos. Magestosas florestas, rios belíssimos, ceo temperado a toda espécie de trabalho, minas de preciosidade inexgotáveis, animaes de toda a especie, Desde o ouro até o ferro [...] desde a onça até o lagarto; desde o condor até o papagaio; da formosa penelope á mimosa miniatura rolante da esmeralda, tudo attesta como sorria Deos ao crear esta terra de prodígios! [...] Deus o previra e apontara a Christovão Colombo o rumo da nova Chanaan. Aqui a força virgem, o celeiro, o alimento das machinas que vão nibundo ou gemendo no labutar constante e eterno. Tal é o papel marcado á America, ao Brasil, na vida do mundo e da Europa. Tentamos fazel-o sobresahir na parte da provincia do Paranã, que acudiu, embora com o passo vacillante da infancia á trombeta do Progresso. Oxalá que a demonstração de riqueza do solo, e raridade dos climas do Paraná anime o seu ceo benigno, os seos habitantes hospitaleiros. Assim nos afervoramos em preces ao Creador. 7 Neste texto encontram-se resumidos todos os ideais em que acreditam os autênticos homens do século XIX, e principalmente percebe-se nele a consciência do devir histórico, de que os bons frutos do progresso e da modernidade serão destinados àqueles que trabalhem em prol da sua realização e, é claro, sem esquecer, da graça e intervenção do poder divino. A América, o Brasil, e mais particularmente o Paraná, são mostrados literalmente como a Terra Prometida, prontos para serem incorporados pelo modelo civilizador. AS FRONTEIRAS ENTRE A CIVILIZAÇÃO E A BARBÁRIE Aquilo que está fora dos limites do mundo civilizado e organizado, foi sempre encarado como um mundo a parte, bárbaro, selvagem, caótico e muitas vezes como uma Terra Devastada. Aqui tratamos tanto da região, com a sua natureza selvagem e ainda intocada, como do seu habitante, que em nosso caso é o índio. Esta relação Homem/Natureza, apesar de neste estudo ser particularizada no território 7 MURICI, José Candido da Silva (Org.).Catálogo dos diversos productos da exposição provincial do Paraná . Curitiba . Typographia de Candido Martins Lopes. 1866 8 paranaense, na verdade se perde no tempo e no espaço, é o grande objeto da história, onde desde épocas mais remotas da humanidade, são reconhecidas como “civilização” aqueles grupos humanos que se organizaram e dominaram a natureza ao seu redor. Segundo Lúcio Tadeu Mota, a ocupação do espaço paranaense se deu dentro dos marcos da expansão capitalista, que incorporava mais uma nova área ao seu sistema produtivo, onde “a ideologia corrente alimentava um conceito de natureza externa à sociedade, à espera de ser possuída. Assim o interior paranaense da metade do século XIX em diante, com suas florestas, campos, rios, rochas, terra roxa, climas amenos, aguardaria sua incorporação no processo de produção da sociedade industrial moderna. 8 Completando este raciocínio Neil Smith, analisa a literatura de conquista do século XIX, onde existia a “antipatia com relação à natureza selvagem. O sertão é a antítese da civilização; ele é estéril, terrível, até mesmo sinistro, não tanto por ser a morada do selvagem, mas por ser seu habitat ‘natural’. O natural e o selvagem eram uma coisa só; eles eram obstáculos a serem vencidos na marcha do progresso e da civilização.” 9 Convém agora definirmos os limites geográficos10 entre o que era considerado um mundo civilizado e o mundo selvagem dentro do território paranaense em meados do século XIX, limites estes que coincidem com a região historicamente denominada Paraná Tradicional.11 8 MOTA, Lúcio Tadeu. A guerra dos índios Kaingang : a história épica dos índios Kaingang no Paraná (1769-1924). Maringá : EDUEM, 1994. p. 10 9 Neil SMITH, Desenvolvimento desigual, p. 35-47. In: Lúcio Tadeu MOTA. Op. Cit., p. 10-11. 10 A definição dos limites políticos da Província do Paraná, principalmente com a de Santa Catarina, eram uma preocupação constante entre os governantes locais, desde o período Imperial até o Republicano, ficando resolvida somente em 1916, no embate judicial conhecido como a “Questão do Contestado”. 11 Ver mapa (Figura 01, p. 04) 9 Conforme declara Brasil Pinheiro Machado “a História do Paraná tem sido a história da ocupação do seu território e da formação das comunidades paranaenses.”12 Desta forma, as áreas relacionadas ao período do chamado Paraná Tradicional (séc. XVII – XIX) abrangiam o Litoral, o Planalto Curitibano e os Campos Gerais, regiões estas ocupadas desde a era colonial portuguesa, onde desenvolveram-se simultaneamente as práticas econômicas da mineração, criação de gado e extração do mate. A sociedade tradicional ocupava apenas as zonas de campos, de ervais e de matas de araucária, enquanto as grandes florestas fluviais dos vales do Paranapanema, Paraná, Tibagi, Ivaí e Iguaçu ficavam entregues ao gentio. Delineando a fronteira a oeste entre o mundo civilizado paranaense e o mundo selvagem, verificamos aquilo que podemos chamar de “postos avançados” da civilização. Ao sul haviam os recém desbravados e colonizados, Campos de Guarapuava (1809) e Campos de Palmas (1839); no centro, às margens do rio Ivaí, a Colônia Thereza, primeira experiência de colonização estrangeira no interior paranaense, fundada em 1847 pelo Dr. Jean Maurice Faivre; e no extremo norte, às margens do rio Tibagi, existiam a Colônia Militar do Jatahy, e os aldeamentos indígenas de São Pedro de Alcântara e São Jerônimo, sendo os dois primeiros fundados em 1855 e o último em 1859. Estas regiões, apesar de estarem distantes umas das outras, tinham principalmente dois pontos em comum: a dificuldade de comunicação com os outros centros da Província, e o fato de serem vítimas constantes dos ataques indígenas, muitos deles fulminantes e violentos. Ao tratar sobre os territórios ainda pouco explorados, como os Campos de Guarapuava e de Palmas, o presidente Goes Monteiro demonstra a preocupação política local em definir estratégias para a ocupação dos mesmos: “a visinhança de paizes estrangeiros, a necessidade 12 CARDOSO, Jayme Antonio, WESTPHALEN, Cecília Maria. Atlas histórico do Paraná. Curitiba : Liv. Do Chain Ed., 1986. p. 09. 10 de promover, pela colonização, a cultura de tanto terreno esperdiçado, e de chamar a civilização milhares de indígenas que alli andão errantes e barbaros, pedem que o governo da nova provincia, approxime-se, quando seja possível, desses lugares onde tamanhos interesses tem á fiscalisar e superintender.” 13 Esta preocupação vem desde o século XVIII, quando tiveram início as expedições militares organizadas por Afonso Botelho no interior paranaense, que buscavam ocupar os sertões a oeste de Tordesilhas, definindo as fronteiras meridionais do Brasil. Desta forma, as tropas avançaram e fundaram fortes militares nos vales do Tibagi, Iguaçu e Ivaí. OS SERTANISTAS: DESBRAVADORES DO MUNDO SELVAGEM As expedições são reiniciadas no século XIX, mas agora pelos grandes fazendeiros dos Campos Gerais paranaense no intento de expandir seus domínios. Este é o caso das explorações executadas pelos sertanistas Lopes e Elliot (Francisco Lopes e John Henri Elliot), a serviço do Barão de Antonina, às bacias dos rios Paranapanema, Tibagi e Ivaí durante a década de 1840.14 Os territórios da bacia do rio Tibagi no Paraná foram ocupados, desde tempos imemoráveis, por populações indígenas, que sempre defenderam suas matas, seus campos e rios dos invasores. O viajante inglês Thomas P. Bigg-Wither, descreve a conquista destes territórios pelos sertanistas Lopes e Elliot, da seguinte forma: 13 14 PARANÁ, Presidente (1854-1855 : Vasconcelos), op. cit., p. 09 O caráter científico destas explorações pode ser verificado através do relatório publicado em 1848 na Revista do IHGB, elaborado por Elliott, em que foram esboçados mapas de vários rios, anotando as posições aproximadas das cordilheiras de montanhas e as divisões gerais de florestas e prados. In: ELLIOT, John H. Resumo do itinerário de uma viagem exploradora pelos rios Verde, Itararé, Paranapanema e seus afluentes, pelo Paraná, Ivahy, e sertões adjacentes, emprehedidas por ordem do Exmo. Sr. Barão de Antonina. Revista Trimestral do Instituto Histórico Geográfico do Brasil. Rio de Janeiro, t.9, 1848. p.17-42 11 Quando toda a região entre Tibagi e Jataí era ainda desconhecida e desabitada, exceto pelos índios errantes, Elliott e Lopes, procurando o caminho do Ivai para o Tibagi, subiram a esse pico [da Serra de Apucarana] e, do seu cume, descobriram os dois campos de S. Jerônimo e Inhonho. Isso foi pelo ano de 1840, em que a lei da posse regulava os direitos de propriedade da terra em todo o sertão brasileiro. Essa lei, que de fato não era lei, fez surgir crimes terríveis e ultrajes de caráter agrário, por meio dos quais só os poderosos ou protegidos per amigos influentes podiam estabelecer-se praticamente com segurança nas terras mais favorecidas dessas regiões remotas e bravias. Lopes e Elliott, entretanto, tinham um protetor bastante poderoso na pessoa do Sr. Silva Machado, Barão de Antonina, em cujo nome se apoderaram, portanto, do campo recentemente descoberto, fundando, pouco depois, ali mesmo, a vila de S. Jerônimo.15 Estas parecem cenas típicas do Far West americano, com índios e lutas pela posse de regiões consideradas “Terra de Ninguém”. É claro que, graças às suas amizades políticas, não foi nada difícil para que o Barão de Antonina tomasse posse de uma imensa área do sertão paranaense. A lei de "posse” foi abolida em 1850, desde quando, foi considerada ilegal a aquisição de terras desapropriadas, a não ser por compra do Estado. As únicas exceções seriam as terras situadas dentro de uma zona de dez 1éguas dentro dos limites do Império com países estrangeiros. Para ilustrar como era a vida destes sertanejos errantes, ao falar da vida de Elliot, BiggWither comenta como eram suas expedições: Durante muitos anos a sua vida foi de extremo perigo e privações, vividas no meio dos grandes sertões, interceptados ao contato do homem civilizado por distâncias imensas de regiões desconhecidas e muitas vezes cercados per tribos de índios hostis [...] Entre as inúmeras experiências que o velho homem me relatou, nesta e em outras ocasiões, havia uma que ilustrava perfeitamente a diferença entre o estado atual da região [1874] e o que ela tinha sido na ultima geração. Disse-nos ele que na redução dos índios, estabelecida a menos de uma légua de S. Jerônimo, havia muitos índios vivendo pacificamente, de quem, no transcurso de suas explorações, em mais de uma ocasião, teve de fugir para salvar a vida. Através dele, principalmente, e de seu 15 BIGG-WITHER, Thomas P. Novo caminho no Brasil Meridional: a Província do Paraná, três anos de vida em suas florestas e campos - 1872/1875. Rio de Janeiro : J. Oyimpio; Curitiba : UFPR, 1974. p. 384. 12 companheiro Lopes, como primeiros exploradores do distrito, não só as cercanias imediatas de S. Jerônimo, mas toda a margem direita do Tibagi tinham sido libertadas dos índios hostis, que ou foram expulsos ou foram forçados a viver em paz com os novos colonizadores.16 Segundo Tadeu Mota, este quadro mostra que as terras situadas entre os limites da civilização e barbárie, são consideradas devolutas, vazias; cujas populações indígenas teriam ou de se adaptar e se submeter a civilização ou estavam fadadas a serem colocadas a margem da história e assim desaparecerem.17 ABRINDO CAMINHOS Enfocando agora a região considerada “civilizada”, um dos problema cruciais a ser resolvido era o da abertura de caminhos dentro da Província do Paraná e sobre este assunto o Presidente Goes Vasconcelos, manifestou-se da seguinte forma: A 1ª necessidade desta provincia he, decididamente, o melhoramento de suas vias de communicação. A lavoura ... [e] o comercio não pode[m] desenvolver-se, enquanto as estradas se conservarem como estão; e o anhelo de atrair, aos excelentes terrenos da provincia, colonos europêos em certa escala encontra forte resinstência no estado deplorável o das suas vias actuaes de communicação, onde não póde rodar hum carro, e tudo se transporta, mal e mui dispendiosamente, em costas de animaes. Sobretudo, por em facil communicação o interior da provincia com a marinha, e os municipios serra-abaixo com os de serra-acima, he negócio de tão vital interesse, que não sei que utilidade haveria em crear-se esta provincia, se os seos mandatários não cuidassem em resolver, á todo transe essa questão que a mais de cem annos agita-se, sem solução satisfatória.18 Assim, uma de suas primeiras medidas foi a de dar início, em 1854, a construção da 16 Ibid., p. 382. 17 MOTA, op. cit., p. 15 18 PARANÁ, Presidente (1854-1855 : Vasconcelos), op. cit., p. 86 13 estrada de rodagem da Graciosa, ligando o Litoral ao Planalto Curitibano. A importância das vias de comunicação para o desenvolvimento da civilização sempre foi ressaltada dentro das produções historiográficas. Conforme argumentação de Nereu Teixeira: “A história da humanidade é uma história de caminhos. Por terra ou pela água, com os seus horizontes em busca da fortuna, do conhecimento e, principalmente, do comércio, principal força geradora dessa inquietude.” 19 Completando este raciocínio, José Ernesto Erichsen Pereira coloca: Comércio é troca, é permuta de valores de qualquer natureza, é convivência, é trato de relação de mútua convivência social. Comércio é; em derradeira análise, cultura independentemente, é o processo de civilização. E toda a civilização tem a sua história, numa história de caminhos [...] A história da Civilização, da Humanidade, enfim, é uma história de caminhos que se aprofundam, que se alargam, se encurtam e aplainam, para levar e trazer valores culturais. 20 Os caminhos abriam passagem a civilização, e foi através deles que, de forma lenta e dificultosa, o interior paranaense começou a ser ocupado. Durante muito tempo os caminhos foram surgindo espontaneamente de veredas abertas na mata. O território vastíssimo, o terreno acidentado, as extensas florestas e os rios correndo para o interior, eram as dificuldades naturais a serem vencidas. Durante a maior parte do século XIX, no Paraná, tudo girava em torno do Mate e da Pecuária, cujo transporte era feito nas cangas de mulas, conduzidas pelos tropeiros desde Viamão até Sorocaba, pelo chamado Caminho das Tropas que, com passos lentos atravessavam os Campos Gerais. Dos seus pousos e invernadas surgiram as zonas de 19 TEIXEIRA, Nereu. In: PEREIRA, José Ernesto Erichsen. Uma história de Caminhos. Curitiba : Governo do Paraná, Secretaria de Estado da Cultura, 1997. p. V. 20 PEREIRA, José Ernesto Erichsen. Uma história de Caminhos. Curitiba : Governo do Paraná, Secretaria de Estado da Cultura, 1997. p. 21. 14 povoamento como Castro, Lapa e Ponta Grossa. Os caminhos mais tortuosos eram os que ligavam Curitiba, no planalto, até Antonina, Morretes ou Paranaguá, no litoral, como os do Itupava, do Arraial e da Graciosa. Esses passos lentos representavam o próprio temperamento do paranaense comum, que apesar dos interesses políticos em melhorar as vias de acesso da Província, contentava-se em suprir as necessidades mínimas de subsistência. Seu sossego só parecia ser perturbado face à ameaça dos índios e animais selvagens. No mais, a natureza encarregaria-se de cumprir.21 Para os progressistas, as estradas eram saudadas com entusiasmo. Segundo o viajante e médico alemão Robert Avé-Lallemant, que passou pela Província em 1858, o barulho da derrubada das matas mais parecia “um grito de despertar da civilização que se aproximava”. 22 Devido, principalmente, a falta de mão-de-obra a construção da Estrada da Graciosa foi bastante morosa, sendo concluída somente em 1873. Neste meio tempo foram realizados vários planos para o melhoramento das estradas que cortavam o interior. A EXPEDIÇÃO DOS IRMÃOS KELLER Durante a Guerra do Paraguai (1864-1867), o governo imperial promoveu a exploração dos grandes rios da Província do Paraná que pudessem servir de comunicação com a do Mato Grosso, pois esta havia sido invadida pelos paraguaios, conforme o indicado no texto abaixo: A estrada da Graciosa, que será ao que parece, o tronco da viação para Matto-Grosso, 21 PAZ, Francisco Moraes. História e cotidiano: a sociedade paranaense do século XIX na perspectiva dos viajantes. IN : História Questões & Debates, Curitiba, v.8, 1987. p. 22. 22 AVÉ-LALLEMANT, Robert. Viagens pelas províncias de Santa Catarina, Paraná e São Paulo (1858). Belo Horizonte : Ed. Itatiaia; São Paulo : Ed. USP, 1980. p. 287. 15 Paraguay e Corrientes, acha-se em prospero andamento de construção e se tornará em breve uma das principaes estradas do imperio, attentas as relações commerciaes que tende a desenvolver a importancia politica e estrategica que encerra. Será ella que ligará os rios Tibagy e Paranapanema ao oceano e abrirá as communicações deste com o centro da provincia, o qual carece do uma via normal por onde possa exportar os innumeros e riquissimos productos naturaes que possue, e os da industria que se erguerá a voz evocadora do progresso representado pela rodagem e pela navegação á vapor [...] Não se descuidam os poderes do Estado de aproveitar todos os meios de engrandecimento nacional, e seguem pausadamente estudando as necessidades mais urgentes, já mandado explorar os rios, já novas veredas de communicação terrestre.23 Explorações assim, já haviam sido realizadas em outros tempos. Basta relembrarmos que ainda em 1847, o Barão de Antonina ordenou aos sertanistas Lopes e Elliot que, dos vales do Tibagi e Ivaí, partissem para descobrir o caminho para o Mato Grosso. Mas, conforme as palavras do Presidente da Província em 1865, André de Augusto de Pádua Fleury, apesar dos esforços e dos resultados conseguidos, fora esta uma “exploração imperfeita e acanhada”24 , não podendo servir de referência para a empresa agora em andamento. Era necessário realizar uma expedição com uma conotação mais científica e precisa, seus exploradores teriam que fazer um verdadeiro inventário da região como observações astronômicas, topográficas, hidrográficas, estudos geológicos, da vegetação e até mesmo etnográficos como diz o texto a seguir: “visto como o[s] rio corre[m] por um sertão infestado de índios, deverá ainda descrever as tribus que encontrar, a qualidade das terras que 23 Anexo da Comissão da exposição de produtos da Província. p. 03-04. In: PARANÁ. Presidente (18541855 : Bullamarque). Relatório que o Exm. Sr. Presidente da Província Dr. Polidoro Cesar Bullamarque apresentou ao Exmo. Sr. Dr. Carlos Augusto Ferraz de Abreu por ocasião de passar-lhe a administração da Província do Paraná em 25 de outubro de 1867. Curityba : Typ. Lopes, 1867. 24 PARANÁ. Presidente (1863-1865 : Fleury). Relatório com que o Exm. Sr. Presidente de Província Dr. André Augusto de Pádua Fleury passou a administração ao Exmo. Sr. Vice-Presidente Dr. Manoel Alves de Araujo no dia 4 de junho de 1865 . Curityba : Typ. Lopes, 1865. p. 29. 16 atravessar, sua riqueza natural e propriedades para cultura.”25 Para a realização destes trabalhos foram recomendados os engenheiros alemães José e Francisco Keller, que em seus relatórios (constantes dos anexos da Fala dirigida à Assembléia Provincial, em 1866, pelo Presidente Fleury), além do levantamento técnico da navegabilidade dos rios, fizeram um relato da viagem, quando desceram o rio Ivai até o Paraná e depois subiram o Paranapanema, retornando pelo Tibagi. Descrevem as inúmeras corredeiras, cachoeiras e saltos onde tiveram que transpor; a vegetação, os contratempos e até mesmo chegam a fazer medições e plantas das antigas Reduções Jesuíticas que encontraram. No mesmo relatório ainda constam os mapas e perfis dos rios explorados, que foram considerados os mais precisos realizados na época.26. Podemos perceber que neste momento o ideário civilizatório foge dos limites locais para tornar-se nacional, isto é, o Paraná não só teria facilitada a sua tão almejada ligação com o interior, como também seria o próprio eixo de ligação da Corte com o um de seus territórios mais afastados, a Província do Mato Grosso. O PARANÁ NA ERA DAS FERROVIAS Mais adiante, na década seguinte, as fronteiras deste ideário se alargam e tornam-se internacionais. O projeto da empresa Paraná and Mato Grosso Survey Expedition reuniria 25 26 Ibid. p. 36. A descrição dos rios Ivai e Tibagi também foi relatada pelo viajante inglês Bigg-Wither, que chegou a narrar com riqueza de detalhes, na companhia do sertanista Telêmaco Borba, as suas aventuras ao transpor as mesmas dificuldades das corredeiras, cachoeiras e saltos (ver Figura 04, p. 19.). O mapa traçado pelos irmãos Keller foi apresentado por Bigg-Wither ao Conselho da Royal Geographical Society de Londres e consta como anexo em sua obra (ver Figuras 02 e 03, p.15-16.). In, BIGG-WITHER, Thomas P. Novo caminho no Brasil Meridional: a Província do Paraná, três anos de vida em suas florestas e campos - 1872/1875. Rio de Janeiro : J. Oyimpio; Curitiba : UFPR, 1974. 17 técnicos, estadistas e capitalistas tanto brasileiros como europeus. Nomes ilustres encabeçados pelo Visconde de Mauá e dos engenheiros Antonio Rebouças, William Lloyd (inglês) e o Capitão Christian Palm (sueco), eram concessionários de um mesmo ideal: pretendiam construir uma Estrada de Ferro, aproveitando os mesmos traçados feitos pelas explorações anteriores, que ligasse o Atlântico ao Pacífico. Ela cortaria o território paranaense, se estenderia do Mato Grosso até a Bolívia, subiria a Cordilheira dos Andes, chegando ao seu fim no litoral Peruano.27 Este mega-projeto de uma ferrovia Transcontinental acabaria não sendo concretizado devido a inúmeros contratempos, mas marcaria o início e a incorporação do Paraná na Era, chamada por Hobsbawn, de Idade da Ferrovias (1850-1880).28 Em 1875, o Relatório conclusivo feito pelo engenheiro inglês William Lloyd sobre as possibilidades de construção da ferrovia anteriormente citada, foi apresentado pelo Barão de Mauá, que faz as seguintes ponderações: É imperfeito o conhecimento, que temos da imensa região, que essa estrada de ferro tem de atravessar; o que se sabe, porém, chega e sobra para que o pensamento seja elevado à altura de uma aspiração nacional! Com efeito, – será pouca coisa fazer penetrar um caminho de ferro nos mais afastados confins do nosso território; – conquistar ao deserto dezenas de milhares de léguas quadradas; levar-lhe à população os meios de trabalhar, habitar, enfim, os habitantes de tão remotas paragens a produzir e a consumir, concorrendo, dessa forma, com o seu contingente para a prosperidade e grandeza da pátria. 27 Deste projeto participou, como engenheiro, o inglês Bigg-Wither, resultando na obra citada na nota anterior. 28 Assim trata Hobsbawm sobre a Idade das Ferrovias: “A rede ferroviária mundial passava de pouco mais de 200 mi quilômetros (1870) [...] Essa malha de transportes cada vez mais fina incorporou até os países atrasados e anteriormente marginais à economia mundial e criou nos velhos centros de riqueza e desenvolvimento um interesse novo por essas áreas remotas. De fato, agora que eram acessíveis, muitas dessas regiões pareciam à primeira vista meras extensões potenciais do mundo desenvolvido, que já estavam sendo povoadas e desenvolvidas por homens e mulheres de origem européia, eliminando ou repelindo os habitantes nativos, gerando cidades e sem dúvida, como o tempo, civilização industrial: EUA a oeste do Mississipi, Canadá, Austrália,, Nova Zelândia, África do Sul, Argélia [e] o Cone Sul da América do Sul.” (HOBSBAWM, Eric J. A era dos impérios, 1875-1914. Rio de Janeiro : Paz e Terra, 1988. p. 96.) 18 – Será pouca coisa arrancar, por assim dizer, as ricas produções, que encerram as entranhas dessa região afastada, e conduzi-las por um rápido trajeto de 50 horas a um porto de mar, convertendo em riqueza o que não tem hoje valor algum apreciável? [...] O articulista [...] apresenta votos pelas reformas sociais, econômicas e financeiras necessárias para abrir o Brasil à imigração. Erro separar as empresas de viação do problema da colonização.29 Em seu relatório o engenheiro Lloyd complementa seguindo o mesmo raciocínio: “A larga zona dos Campos Gerais ainda não foi sulcada pelo arado e conta pouco gado manso; depois dessas belas planícies estende-se, até muito além do Paraná, quase ao chegar aos limites da exploração em Mato Grosso, uma vastíssima floresta virgem, talvez inteiramente desconhecida, revestindo terras de subido valor para a agricultura, mas ainda hoje ociosa e desaproveitadas.”30 Os enfoques e preocupações destes homens desbravadores coincidem e acabam apontando os mesmos caminhos: ocupar, dominar, civilizar e abrir espaço para a imigração européia. Desta forma as florestas cheias de perigos, consideradas incultas e improdutivas, tornariam-se terras fertilíssimas, cheias de riquezas dadivosas, mas é claro, somente se subjugadas por aqueles que teriam competência para tanto, os europeus. Estas foram as utopias buscadas nas terras paranaenses no século XIX. Elas marcam o início do que seria uma nova era, cujo impulso, afinal, acabou se concretizando quando o primeiro trem, em 1885, transpôs, com seus “Pulmões de Ferro”, assim evocado por Osvaldo Piloto, as barreiras da Serra do Mar em direção ao Planalto. 29 NOVO Mundo. n. 19. v. II, 23/05/1875, apud. REDE FERROVIARIA FEDERAL S. A. Edição comemorativa do centenário da Estrada de Ferro do Paraná. Curitiba : Ed. da RFFSA, 1985. p. 94-95. 30 Ibid., p. 95 19 3. A EXPERIÊNCIA UTÓPICA OITOCENTISTA PARANAENSE No Paraná como no restante do Brasil, a obtenção de escravos africanos, para o trabalho braçal, tornava-se cada vez mais difícil. Em 1850, entrou em vigor a chamada lei Eusébio de Queiroz, que proibia definitivamente a entrada de africanos escravos no Brasil. Em conseqüência, intensificou-se a repressão ao tráfico negreiro no litoral brasileiro. Tornou-se então o escravo muito caro para ser adquirido pelos proprietários de terras. Era necessário substituir essa mão de obra, com vantagens. Por outro lado, as elites diretivas do Brasil pensavam numa forma de impedir que o pais se tornasse a maior nação negra do planeta, tamanho era o número de africanos trazidos ao Brasil desde o século XVI. Era o problema do "caiamento da população". Segundo essas elites, era preciso tornar o pais maioritariamente branco e não africano, conforme o que diz Francisco Moraes Paz: A negação do passado escravista, mais que a simples negação da presença do elemento negro, expressa o entendimento da época sobre a impossibilidade da construção de uma civilização tropical que não fosse sustentada pelos europeus, pelos novos imigrantes, pelo sentido positivo do trabalho livre. Nesta segunda negação, as províncias do Sul assumem a exemplaridade desejada, posto que são ditas livres da maldição negra ! 1 Dentro dessa conjuntura, resolveu o governo imperial acelerar a imigração européia para o pais, principalmente para São Paulo, na substituição da mão-de-obra escrava nas grandes fazendas de café e para as províncias do Sul, na intenção de formar novas comunidades agrícolas. A IMIGRAÇÃO NO PARANÁ 1 PAZ, Francisco Moraes. Na poética da História – a realização da utopia nacional oitocentista. Curitiba : Ed. da UFPR, 1996. p. 17. 20 As primeiras experiências com imigração no Paraná iniciam-se antes de sua emancipação política através de iniciativas de particulares como a dos imigrantes alemães na localidade de Rio Negro, em 1829, assentados ali pelo Barão de Antonina; depois com a Colônia Tereza, considerada Franco-Brasileira, fundada em 1847 pelo médico francês Jean Maurice Feivre e instalada nas margens do Ivaí; por fim a colônia fundada na ilha de Superagui pelo suíço Charles Perret Gentil, com imigrantes suíços, alemães, franceses e outros. Já no período provincial é fundada pelo governo a colônia do Assungui, em 1960, no vale da Ribeira, com 949 imigrantes ingleses, franceses, italianos, alemães e outros. Na prática estas colônias se revelaram verdadeiros fracassos. Muitas vezes mostravam um progresso inicial, pois eram instaladas em regiões de solo fértil, chegando nos primeiro anos a encherem os celeiros de cereais colhidos. Mas a falta de infra-estrutura adequada, a distância dos grandes centros e a dificuldade no transporte pelos caminhos que mal podiam ser vencidos pelas mulas, faziam que ficasse encalhada a maior parte da produção e esta se deteriorasse sem condições de ser comercializada junto aos grandes centros. Apesar dos elevados custos no assentamento, os imigrantes acabaram abandonando em grande número suas propriedades, voltando aos seus respectivos países, procurando trabalho em Curitiba ou deslocando-se para outras províncias do império. Somente a partir da década de 1870 é que estes problemas seriam amenizados com a instalação das colônias nas proximidades dos centros urbanos. OS VIAJANTES ESTRANGEIROS: O OLHAR DO OUTRO Dentro do espirito da modernidade no século XIX, para a realização da utopia nacional, os intelectuais brasileiros tinham o auxílio de personagens que vinham de fora, mais precisamente da Europa. Eram eles os viajantes estrangeiros, homens ilustrados, “da mais 21 variadas formações, tais como naturalistas - designação que envolve zoólogos, botânicos e geólogos - artistas, educadores, jornalistas, engenheiros, investidores, militares, diplomatas, comerciantes ou missionários. E de diversas procedências, com destaque para os ingleses, franceses, alemães e, mais ao final do século, norte-americanos.”2 Bem diferentes de seus compatriotas europeus, que eram homens simples e muitas vezes ignorantes e que aqui buscavam fugir da miséria e da falta de perspectiva em sua terra natal, os viajantes tinham uma missão civilizadora a cumprir. Colocavam-se como imparciais observadores. Procuravam classificar, diagnosticar, investigar tudo o que encontravam, desde aspectos naturais até a aspectos humanos, seguindo a risca os preceitos da ciência no século XIX e buscando registrar tudo com a precisão, a neutralidade e o rigor dos conteúdos academicistas. Os viajantes declaradamente buscavam o reconhecimento científico de suas obras. Muitas vezes recolhiam amostras minerais, da flora e da fauna, descreviam com detalhes as paisagens que percorriam, analisavam as populações por onde passavam e após tanto esforço, quando voltavam a seus países de origem, publicavam os resultados das expedições em livros, proferiam palestras e por fim, recebiam os louros da Academia. Este reconhecimento estendia-se entre os intelectuais brasileiros, principalmente entre os membros do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (IHGB), que na elaboração do projeto civilizador nacional, apoiavam-se nos relatos dos viajantes estrangeiros, cujos trabalhos eram entendidos como fiel e científico inventário das condições naturais e humanas de nosso país. Assim, os viajantes são tidos como verdadeiros amigos do Brasil.3 2 Ibid., p. 205 3 Ibid., p. 273 22 Mas, mesmo com a intenção da imparcialidade em suas narrativas, os viajantes “deixa[m]-se conduzir pelas sensações e pela subjetividade.” 4 Antes de tudo são homens do século XIX e vêem-se a si mesmos como porta-vozes de uma civilização cujo centro e modelo, em pleno Século da História, é a própria Europa. Isto nos faz lembrar a pergunta formulada por Lucien Febre: “Até onde um homem pode pensar diferente de seu tempo?”5, O discurso do viajante - tantas vezes permeado pela lógica da história - realiza o moderno inventário das diferenças, desautoriza aquilo que contraria o progresso da civilização e objetiva um conjunto contínuo de informações. Acima de tudo, valoriza sua época como etapas preparatórias para as gerações seguintes. O contraste entre presentepassado e civilização-barbárie, mais que o simples reconhecimento da multiplicidade, reforça o mito da destinação e promove o ideal da história universal.6 Dentre a imensa lista de viajantes a esquadrinhar o Brasil durante o século XIX, a Província do Paraná receberia a visita de três destes estrangeiros ilustres. O naturalista francês, August Saint-Hilaire, em 1820; o médico alemão, Roberto Avé-Lallemant, em 1858 e o engenheiro inglês, Thomas P. Bigg-Wither, em 1872. Vale lembrar que o primeiro chegou enquanto o Paraná era a 5a. Comarca de São Paulo, denominada Comarca de Curitiba e Paranaguá, enquanto os outros dois conheceram o Paraná já como uma Província.7 Através de suas obras podemos avaliar as transformações ocorridas no território 4 Ibid., p. 207 5 FEBVRE, Lucien. Le problème de I’incroyance au XVIe. Siècle, la religion de Rabelais. Paris: Albin Michel, 1974. p. 12 apud: PAZ, op. cit. p. 210 6 7 PAZ, op. cit., p. 218 Destes três viajantes, Saint-Hilaire foi o que influenciou muito aos intelectuais brasileiros do século XIX, sendo citado constantemente por muitos deles. Já Bigg-Wither é um achado mais recente, tendo sido descoberto pelos intelectuais de nosso século. Newton Carneiro apresenta o trabalho de Bigg-Wither como um complemento da obra de Saint-Hilaire. BIGG-WITHER, Thomas P. Novo caminho no Brasil Meridional: a Província do Paraná, três anos de vida em suas florestas e campos - 1872/1875. Rio de Janeiro : J. Oyimpio; Curitiba : UFPR, 1974. p. xxvi. 23 paranaense ao longo do século XIX, pois “estes viajantes conviveram com situações políticas, econômicas e sociais de três gerações distintas.” 8 Saint-Hilaire, prenunciou uma comarca que manifestava o desejo de emancipar-se; Avé-Lallemant conheceu uma jovem província preparando-se para figurar junto ao mundo civilizado, preocupada na reformulação urbana da capital, na abertura de estradas e no estabelecimento de colônias de imigrantes europeus. Já Bigg-Wither presenciou e ao mesmo tempo compartilhou deste processo civilizatório. Como engenheiro, participou da expedição organizada pelo Capitão Palm, encarregada de construir uma estrada de ferro entre o Atlântico e o Pacífico, embrenhando-se nas matas dos vales do Ivaí e Tibagi e, em nome do progresso, passou por inúmeras aventuras e pelas privações de um mundo ainda selvagem. A VISÃO DA NATUREZA E O DISCURSO DA IMIGRAÇÃO Fascínio e encantamento são os sentimentos que vemos aflorar nas narrativas dos viajantes estrangeiros que passaram pelo território paranaense durante o século XIX, no que se refere a sua natureza. Com descrições que lembram as de escritores do Romantismo, chegavam a pintar quadros bucólicos das paisagens que avistavam. Os Campos Gerais, por exemplo, serão imortalizados por Saint-Hilaire como o Paraíso Terrestre Brasileiro – “Esses campos são certamente uma das mais belas regiões que já percorri desde que cheguei à América” 9. Ao iniciar sua aventura na expedição que atravessou o caminho da província de Santa 8 PAZ, Francisco Moraes. História e cotidiano: a sociedade paranaense do século XIX na perspectiva dos viajantes. IN : História: Questões & Debates, Curitiba, v.8, 1987. p. 14. 9 p. 12. SAINT-HILAIRE, Auguste de. Viagem pela Comarca de Curitiba. Curitiba : Fundação Cultural, 1995. 24 Catarina ao Paraná, Ave-Lallemant expressa sua inquietação ao exclamar – “Que diria essa excursão ao romantismo europeu!”10 Quando estava em meio a mata assim descreveu a paisagem por ele contemplada do sertão paranaense: “Podíamos avistar, a milhas de distância, no interior da Província do Paraná, um oloroso mundo de floresta com magníficos vales. Debalde se procura no caos serrano um ponto cultivado; não aparece casa, um campo, nenhuma fumaça sobe, nenhum galo canta. Rumoreja no abismo o regato e nenhum outro som percebe o ouvido. E tínhamos de atravessar esse caos!”11 Continuando sua descrição, Ave-Lallemant comenta ainda seu entusiasmo por terem ele e sua equipe que abrir a picada em meio a densa floresta, tendo como instrumentos somente uma bússola e facões de mato para abrir uma pequena trilha: E que se obtém em troca de todas as fadigas, trabalhos e perigos? Algo que o europeu, mesmo a maioria dos viajantes, não pode sentir: tem-se a visão da floresta virgem em sua mais secreta profundidade, em seus últimos recantos! Os viajantes, em sua maioria, todos aliás, viajam sempre em estradas e caminhos, por mais estreitos e menores que sejam; ou navegam em rios e lagos, sempre com certa comodidade, sob a proteção de uma civilização, mesmo incipiente, guiados por um vaqueano, conhecedor de veredas e recantos, um negro, um índio. Não assim na picada! Aqui apenas a agulha magnética, muda e tranquila, indica o norte, por mais que se lhe pergunte se é alto, se é fundo, se é possível ou impossível passar, subir! Não há mais homem, nem vestígio de homem! Nenhum canto de galo, nenhum ladrido de cão! Por cima da floresta murmura o vento; embaixo, no chão, o rio; ao longe troveja a cachoeira; ninguém está com eles; com o animoso grupo humano, só Deus está. Essa uma admirável situação! 12 Assim Ave-Lallemant demonstra que, apesar da admiração em relação a natureza, ao mesmo tempo ela representa o caos, algo indomável e em seu meio o viajantes sente-se indefeso, tranquilizando-se somente quando avista o canto de galo da civilização. 10 AVÉ-LALLEMANT, Robert Viagens pelas províncias de Santa Catarina, Paraná e São Paulo (1958). Belo Horizonte.: Itatiaia, 1980. p. 220. 11 Ibid. p. 222. 12 Ibid. p. 224. 25 Para entendermos melhor esta visão da natureza tomada pelos viajantes, podemos recorrer ao que dizem historiadores ambientais como Leo Marx, que reflete da seguinte forma: “O homem ocidental ama as paisagens que ele mesmo controla ou constrói , forma nada sutil de gostar de si mesmo. Quanto à natureza ‘selvagem’, ‘intocada’, ‘incontrolável’, ele tem pavor ou um apetite insaciável de controlar, domesticar, civilizar. Essas atitudes afetam profundamente as ações das sociedades humanas em relação aos seus ambientes naturais.” 13 Quando chega ao Brasil, o engenheiro inglês Tomas P. Bigg-Wither permanece no Rio de Janeiro por cinco semanas e presencia a epidemia de febre amarela que assolava a cidade. Além disso o calor, o ar e as águas estagnadas da baía e o aspecto doentio da população, causam para o inglês uma má impressão sobre o país onde teria que passar os dois próximos anos. Tal impressão só mudaria quando, já em território paranaense, após a subida da Serra do Mar, fica impressionado ao ver a paisagem coberta de geada branca e de sentir a frescura do ar como o da Inglaterra. Sobre este assunto Bigg-Wither faz a seguinte observação: “Já começávamos a fazer idéia diferente da que tínhamos formado acerca do Brasil, quando estávamos no Rio de Janeiro [...] Penso que todo o amor e estima que viemos a sentir por este país, depois dos meus próximos dois anos de andanças por aqui, começou nesse primeiro dia de contato com o Planalto do Paraná.” 14 Mesmo com uma natureza considerada exuberante, as áreas tropicais são vistas pelos viajantes como regiões insalubres, impróprias para os padrões de vida europeus. Já as províncias do sul, com uma flora e fauna menos luxuriantes são as regiões que merecem 13 DRUMMOND, José Augusto. A história Ambiental: temas, fontes e linhas de pesquisa. Estudos Históricos. Rio de Janeiro, v.4, n.8, 1991. p.190. 14 Bigg-Wither. Op. cit. p. 46. 26 destaque. São estas regiões de clima e paisagens mais parecidas com as da Europa, que estão prontas para serem domadas e civilizadas. Por isso o Paraíso Terrestre de Saint-Hilaire localiza-se nos Campos Gerais, lugar que reúne todas as condições para o estabelecimento de imigrantes europeus. “Entre todas as partes desse império que percorri até agora, não há nenhuma outra onde uma colônia de agricultores europeus tenha possibilidade de se estabelecer com mais sucesso do que ali. Eles encontrarão um clima temperado, um ar puro, as frutas do seu país e um solo no qual poderão desenvolver qualquer tipo de cultura a que estejam acostumados, sem grande dispêndio de energia.” 15 Alias, um dos propósitos dos viajantes é de escrever para o possível imigrante que aqui deseja se estabelecer. Ele aponta e descreve todas as potencialidades e perigos nas terras que aqui vão encontrar. Tendo visitado a Comarca de Curitiba no ano de 1820, Saint-Hilaire preconizava ou idealizava como seria uma colônia de imigrantes europeus instalada nos Campos Gerais: Como teria sido vantajoso para essa região, por exemplo, se, em vez de ter sido mandada para Cantagalo, a colônia suíça se tivesse estabelecido na parte dos Campos Gerais vizinha das terras habitadas por índios selvagens. Pelo seu número, eles teriam intimidado os indígenas e posto a região a salvo de suas devastações; teriam ensinado aos antigos habitantes do lugar os métodos europeus de agricultura, que certamente são aplicáveis a essa região e, segundo tudo parece indicar, dificilmente se ajustarão as terras vizinhas do Rio de Janeiro. Felizes em sua nova pátria, cujo aspecto lhes teria lembrado, em certos pontos, a sua terra natal, eles teriam descrito o Brasil para os seus compatriotas com as mais belas cores, e essa parte do império teria adquirido uma população ativa e vigorosa.16 Terras fertilíssimas, imigrantes europeus e a realização do progresso através do trabalho, este é o tripé que compõem a proposta redentora dos viajantes para o surgimento de 15 Saint-Hilaire. Op. cit. p. 32 16 Ibid. p. 33 27 uma civilização no Brasil, já que os mesmos não avistavam nenhum futuro promissor para a população local. Em vista disto, os viajantes “não conseguiram esconder o desprezo que muitas vezes sentiam pelos habitantes locais. Um dos traços comuns nos seus discursos vem a ser a crítica à atitude indolente dos homens diante do trabalho – entregues ao ócio, mais lhes pareciam selvagens.”17 COLÔNIA TEREZA: A UTOPIA Seguindo estes preceitos indicados pelos viajantes, um outro europeu ilustre, o médico francês Dr. Jean Maurice Faivre18, fundava em 1847 a Colônia Tereza, nome este dado em homenagem à Imperatriz Thereza Cristina. Sendo esta uma das primeiras colônias estabelecidas no Paraná a reunir imigrantes europeus. Faivre vai à França em busca de famílias que desejassem vir ao Brasil, com a oportunidade de receberem lotes de terra e todo tipo de apoio necessário. Lá contrata 87 franceses com suas esposas e algumas crianças, trazendo-os em um navio dinamarquês, junto com todos os implementos que comprara na França às suas próprias custas. Entre as suas propostas para a colônia estava a de dar oportunidades a muitas famílias francesas pobres, desprovidas de qualquer propriedade na Europa; colonizar o interior do Paraná e possibilitar a integração dos índios na civilização brasileira. Desde o início de sua empresa recebeu o apoio dos intelectuais brasileiros, que dispensavam a ele todo o respeito e honras concedidos aos “sábios” estrangeiros. Para a elite 17 PAZ, Francisco Moraes. História e cotidiano: a sociedade paranaense do século XIX na perspectiva dos viajantes. IN : História: Questões & Debates, Curitiba, v.8, 1987. p. 11 18 Seu nome também está ligado à fundação da Academia de Medicina no Rio de Janeiro, onde viveu algum tempo acolhido na Corte de D. Pedro II. 28 local o Dr. Faivre demonstrava “a inteligencia de um frances tão versado em diversos ramos dos conhecimentos humanos e amigo dos progressos do Brasil”.19 Dotado de um espírito humanitário e visionário, cujos ideais chegam a lembrar um Rousseau ou um Morus, Faivre achava que, com o próprio isolamento pela falta de estradas carroçáveis, a colônia poderia ser por ele moldada e encaminhada para formar uma sociedade justa e progressista, longe dos maus costumes que corrompem. Sobre estas intenções e sobre a localização da colônia, o Presidente da Província Zacarias de Goes e Vasconcelos fez o seguinte pronunciamento em seu relatório: Afastando-se da costa do mar e dos grandes centros populacionais para que o influxo da escravidão e das tendencias mercantis que nella há, não obrasse a malignamente sob o seo destino que he (expressão de seo fundador) formar o homem feliz e virtuoso, foi [a Colônia Tereza] encravar-se no centro da provincia à margem do yvahy na confluencia do ribeirão das Campinas, de sorte que, no isolamento e distância das grandes povoações, que de ordinário estorvão a prosperidade das colônias e as acabão, vê do dr. Faivre hum dos predicados mais recomendáveis de seo estabelecimento.20 Na colônia se instalaram também famílias brasileiras, pelo que, Faivre, com sua visão cosmopolita, a denominou de franco-brasileira. Segundo coloca o Presidente Vasconcelos em seu relatório, “seria um contrasenso despender dinheiro e esforços em mandar vir de paizes remotos colonos para cultivar nossas terras devolutas, não poucos brasileiros, que talvez por falta de apoio e direção, não se applicão com proveito á algum ramo industrial.21 “O dr. Faivre lá está a pregar a civilização pelo trabalho.”22 Tal era a crença da elite 19 PARANÁ. Presidente (1854-1855 : Vasconcelos). Relatório do Presidente da Província do Paraná Zacarias de Goes e Vasconcelos na abertura da Assembléia Legislativa Provincial em 15 de julho de 1854. Curityba : Typ. Lopes, 1854. p. 78 20 Ibid. p. 57 21 Ibid. p. 58 22 Ibid. p. 77 29 local na competência do Dr. Faivre e de que seus planos para a colônia pareciam ser infalíveis. Em relação a catequização e civilização dos índios, o presidente Vasconcelos chega a prever: “apertará [com] tal arte os indios com seos laços civilizadores, que não terão meios de escapar-lhes.”23 Estabelecida em terras férteis, de clima subtropical úmido e com imigrantes dispostos ao trabalho, a Colônia Tereza estava destinada a ter um futuro promissor. “Será um celeiro para outros grupos de colonos, que emprehendão estabelecer-se na vizinhança, sendo, portanto, hum passo seguro para o aproveitamento de tantos terrenos, ora absolutamento incultos.” 24 Durante os primeiros anos, a Colônia Tereza foi uma grande promessa. Representava o tão esperado sucesso na experiência colonizadora no Paraná. Ainda em 1857 era assim citada em um relatório: “continua a prosperar e é muito provavel que para o futuro se torne uma das mais importantes povoações da Província; attenta a feliz escolha do local em que foi situada.” 25 COLÔNIA TEREZA: A REALIDADE Mas, o fato de sua difícil comunicação por estradas e de estar longe da capital, ofuscava as vistas dos governantes para a realidade do que ocorria dentro da colônia que entrava em crise. Seu grande benfeitor, Faivre, pagou dívidas alheias, fez favores e emprestou dinheiro 23 24 25 Ibid. p. 58 Ibid. p. 57 PARANÁ. Presidente (1856-1857 : Carvalhaes). Relatório do Presidente da Província do Paraná José Antonio de Carvalhaes na abertura da Assembléia Legislativa Provincial em 05 de fevereiro de 1857. Curityba : Typ. Lopes, 1857. p. 56 30 sem nunca receber devolução, gastando no empreendimento toda a sua fortuna. Em 1858 escreve uma carta uma carta ao Presidente da Província Francisco Liberato de Mattos relatando os últimos acontecimentos ocorridos: “[...] Por fim elles [os colonos] me tem dito injurias, que eu os tinha enganado [e de todos], fora meia duzia, tem abandonado a Colonia, espalhando-se pela Provincia [...] He assim que fui malogrado n’as minhas esperanças de servir aquella gente, e o Brasil, levando nestes centros a industria Europea e talves hum principio de civilização entre os selvagens que desejava encontrar.”26 A grande atividade e preocupação, provavelmente abalaram a saúde de Faivre, adoecendo gravemente em viagem pelos sertões do Tibagi, vindo a falecer na colônia Teresa a 31 de agosto de 1858 e ali mesmo sepultado. Com a morte do fundador o empreendimento foi decaindo, sendo a desilusão tanta que “nutriam-se receios de aniquilação de tão notável estabelecimento.”27 Em 1872 o viajante inglês Bigg-Wither encontra uma Colônia Tereza que a muito tinha deixado de ser a vanguarda da civilização do oeste paranaense. Assim ele a descreve: Colônia Teresa parecia, à primeira vista, lugar ideal para quem quisesse ficar entregue às próprias ruminações. [...] O que nos disseram, em diferentes ocasiões, acerca da pobreza e miséria da Colônia Teresa não fora exagero, aparentemente. De onde estava, eu podia ver algumas casas de barro e de madeira, que não excediam a doze, esparsas pela clareira irregularmente feita, a qual ocupava o ângulo incluído entre os dois rios - o Ivaí e o Ivaizinho. Entre o rio e a aldeia ficava um brejo que impressionava mal. A história da colônia Teresa era melancó1ica e típica de muitas outras povoações sertanejas desta parte do Brasil. Fundada no ano do 1847 por um francês entusiasta, de nome Dr. Jean Maurice Faivre, sob os auspícios reais, ela foi chamada Teresa em homenagem a Imperatriz do Brasil. Originariamente era intenção do fundador ser a colônia povoada apenas por seus compatriotas. Depois de mandar buscar muitas famílias francesas e despender largas somas do dinheiro publico e particular, o Dr. Faivre, segundo dizem, morreu de desgosto ao ver caírem por terra os seus esforços, 26 BOUTIN, Leônidas. Colônia Teresa Cristina. IN : Separata do volume 14 da Estante Paranista. Curitiba : Instituto Histórico, Geográfico e Etnográfico Paranaense, 1981. p. 5. 27 PARANÁ. Presidente (1859-1861 : Cardoso). Relatório do Presidente da Província do Paraná José Francisco Cardoso na abertura da Assembléia Legislativa Provincial em 1º de março de 1860. Curityba : Typ. Lopes, 1860. p. 61 31 sendo enterrado no palco do suas desilusões. Terminou assim a breve carreira desta colônia como povoação francesa. O êxodo de seus primeiros habitantes, já iniciado em vida do seu fundador, culminou na deserção do restante, com exceção do dois ou três franceses que casaram com mulheres brasileiras e aceitaram o estilo do vida brasileiro.[...] A colônia deserta foi dirigida desde então até agora por brasileiros, ajudados pelos esforços ocasionais do Governo.28 Ainda na colônias, ao adentrar na “casa-grande”, que havia sido construída pelo Dr. Faivre como sua moradia, Bigg-Wither verifica o seu estado de abandono e descreve os achados curiosos com que se deparou: Num dos quartos superiores, estavam reunidos, ou melhor espalhados em desordem grande variedade de objetos, especialmente de natureza cientifica, Os quais não esperávamos encontrar nestes confins. Mostravam quais tinham sido as ocupações e as aspirações dos primeiros habitantes. O que havia de mais importante era um retrato do fundador, com um mapa aberto à sua frente, apontando com o dedo desde o Vale do Ivaí até o Paraná, para caracterizar perfeitamente o relato de suas antigas esperanças e expectativas. Alguns impressos e gravuras, contendo instruções de engenharia francesa, harmonizavam bem com uma coleção de modelos de máquinas a vapor e peças de maquinismos. Além de grande microscópio, havia um aparelho de destilar varias retortas, lunetas, vidros contendo ingredientes químicos de muitas espécies, uma grande bússola magnética, peças de instrumento de nivelar, um teodolito pequeno e aparentemente perfeito, todos cobertos da poeira acumulada de muitos anos. Esta sala, com tudo o que se achava abandonado em seu interior, era cópia fiel da própria colônia, as casas caindo aos pedaços, muitas das quais com a construção por terminar, e os velhos edifícios desertos.29 Dos inúmeros embates travados entre Civilização X Barbárie em território paranaense, muitos foram vencidos pela primeira. Mas, como numa batalha, alguns combates são perdidos e a Colônia Tereza era o retrato de um deles. As regiões afastadas do mundo civilizado são campos abertos, laboratórios onde podem ser colocados em prática os mais diversos ideais. Thomas Morus, localiza geograficamente seu mundo ideal em um a ilha distante chamada Utopia. Assim também o Dr. Faivre constrói 28 BIGG-WITHER. Op. cit. p. 37-40. 29 Ibid., p. 140-141 32 a sua Utopia e a chama de Colônia Tereza, localizada dentro dos sertões paranaenses, onde ele poderia moldar, dar a forma como um escultor cinzela a sua obra-prima, construindo quem sabe um protótipo de uma sociedade ideal. Mas a obra acaba se voltando contra o seu criador. Ali a Utopia se confronta com a realidade.30 Com a morte do Dr. Faivre, os instrumentos de precisão encontrados por Bigg-Wither, perderam o seu sentido “científico” e ficaram mudos, sem a mente brilhante de alguém que os manejasse para que servissem na construção da nova civilização. Os valentes e fortes imigrantes europeus sucumbiram. Muito diferente daqueles que haviam sidos pintados por Saint-Hilaire, fugiram em êxodo para as regiões mais civilizadas. Aqueles poucos que ali ficaram, ao contrário de se mostrarem modelos a serem seguidos, moldaram-se a vida simples do caboclo e do índio brasileiro. A Colônia Tereza acabou sendo estigmatizada como um fracasso, pelo menos dentro daquilo que se propunha ser. Hoje continua lá, figura ainda como um pequeno ponto no mapa, mas para os padrões do século XIX, o século da História, da Civilização e sobretudo da Ciência, um século que evoca tantas glórias e conquistas, ela seria uma página que poderia ter ficado esquecida. 30 Assim como a Colônia Tereza, uma outra experiência utópica em território paranaense ocorreu em 1890, quando o italiano Giovanni Rossi fundou a Colônia Cecília juntamente com mais alguns de seus patrícios, impulsionados por ideais anarquistas. Entre a inexistência de propriedade privada; a terra como um bem comum; ausência de quaisquer dogmas ou preconceitos, respeito à individualidade e à liberdade, amor livre; tendo como limite apenas o interesse da comuna, em cujo espaço, não haveria autoridades ou governo, o anarquista pretendia construir o que achava ser a sociedade ideal. Depois de passar por inúmeros problemas internos e externos a Colônia Cecília, seguindo quase a mesma trilha de insucessos de sua antecessora, acaba entrando em decadência, chegando ao fim a tentativa de implantar a primeira utopia anarquista em solos brasileiros. (Ver SOUZA, Newton Stadler de. O anarquismo na colônia Cecília. Rio de Janeiro : Civilização Brasileira, 1970.) 33 4. O OUTRO: O PROBLEMA DA INTEGRAÇÃO DO ÍNDIO AO MUNDO CIVILIZADO Retomamos aqui a discussão sobre o embate entre o mundo civilizado e o mundo bárbaro, quando a elite local, em meados do século XIX, lançou as bases do projeto para converter os territórios ainda considerados selvagens e incultos dos sertões em um mundo civilizado.1 Dos obstáculos que faziam frente a tal empresa estavam, em grande número, as populações indígenas que vagavam, principalmente, entre as matas dos vales fluviais do Iguaçu, Tibagi e Ivaí. Entre os povos indígenas, que habitavam o solo paranaense no século XIX e tiveram contato com os colonizadores, estavam os botucudos, os caiuás e os coroados (kaigangues), sendo estes últimos considerados os mais belicosos. As tentativas de povoamento destas regiões mais afastadas foram, no princípio, experiências mal sucedidas, pois os indígenas não se sujeitavam facilmente ao domínio dos colonizadores e buscavam defender, antes de tudo, o que consideravam serem seus territórios. AS CORRERIAS Sendo assim, os indígenas que habitavam as florestas além das comarcas de Castro e Guarapuava, dirigiam seus assaltos aos habitantes das orlas do sertão, aos tropeiros e viajantes que percorriam as estradas, como o Caminho das Tropas, que ligava São Paulo ao Rio Grande do Sul, especialmente no trecho ao sul do Rio Negro, na chamada Estrada da Mata. 1 Ver o mapa (figura 01, p. 04) que mostra os limites entre o mundo civilizado do mundo selvagem no território paranaense no período de 1840-1860. 34 Inúmeros foram os confrontos entre os colonizadores e os indígenas, sendo a violência e atrocidades cometidas por ambos os lados. Saint-Hilaire, quando passava pela Fazenda Jaguariaíba em 1820, descreve um deste embates, quando o coronel Luciano Carneiro, dono da fazenda, estava reunindo seus soldados que se preparavam para fazer um ataque em represália aos índios que tinham invadido suas fazendas: Procuravam com cuidado rastros dos índios, e quando os descobriam seguiam até que se chegasse a sua morada, caindo sobre eles de surpresa. Os homens empreendiam fuga sem se defender, tão logo ouviam as tiros de fuzil, e os atacantes se apoderavam das mulheres e das crianças. Como os índios, esperando vingar-se, habitualmente armavam emboscada no caminho por onde os brancos passavam, estes faziam outro circuito para evitá-las em seu retorno.2 Na época em que Saint-Hilaire passou pelos Campos Gerais a Fazenda Fortaleza, fazendo jus ao seu nome, serviu como um grande ponto de apoio e segurança para o estabelecimento de outros fazendeiros e colonos na região. Era a fazenda que se achava mais profundamente incrustada nas terras dos selvagens. “Fora José Félix o criador de sua propriedade. Estabelecera-se em Fortaleza pelo início do século, então lugar frequentado unicamente por selvagens, e o seu nome era pronunciado com temor. Mas, a partir dessa época muitos agricultores se estabeleceram nos arredores, animados pelo corajoso exemplo do primeiro desbravador e certos de estarem protegidos dos índios por um homem poderoso, com inúmeros escravos.” 3 Mas nem todos aqueles que ali se aventuravam tinham o mesmo êxito. Em outro momento de sua narrativa, o naturalista francês fala sobre um ataque fulminante dos indígenas 2 SAINT-HILAIRE, Auguste de. Viagem pela Comarca de Curitiba. Curitiba : Fundação Cultural, 1995. 3 Ibid., p. 60. p. 46. 35 sobre colonos que moravam próximos da Fazenda Fortaleza: Passamos por um lugar onde, dois anos antes, esses bárbaros tinham matado dois homens que trabalhavam numa plantação, três outros tinham conseguido escapar, correndo para os campos onde os selvagens não se atrevem a ir. Eles massacraram a golpes de porrete Os que tinham caído em suas mãos, esmagando-lhes as cabeças e despojando-os de tudo. A pouca distância do local onde isso aconteceu avistei a casa de uma das vitimas. Tratava-se de um homem nascido na ilha de Açores; ele cultivava a linho com grande sucesso, e sua mulher tecia com ele panos bastante finos. Sozinha, privada do seu protetor natural, essa infortunada mulher não pôde continuar no lugar onde tudo lhe lembrava a desgraça e onde sua vida estava sob constante ameaça. Ela deixou o lugar, e sua casa ficou sem moradores.4 Muitos são os discursos como este onde o indígena aparece como um estorvo à civilização, inibindo com seus ataques violentos aqueles homens pioneiros, que através do suor de seus trabalhos e expondo suas próprias vidas, atuavam em nome da prosperidade nestas regiões inóspitas. Podemos ver claramente tais argumentos, já no período em que o Paraná emancipa-se, quando os governantes mostravam sua indignação, mas ao mesmo tempo inércia, no que se refere a situação das populações localizadas nas orlas do campo, regiões de fronteiras com os índios: Quantas vezes por amor da civilisação dos indigenas deixam-se immolar familias inteiras, que confradas, na procteção da sociedade, cultivam os campos visinhos á mattas infestadas de hordas selvagens. E, quando a devastação e a morte são levadas às habitações de nossos concidadãos [...] Nesta provincia quase que anualmente registramos um assalto, que é recebido como accidente da natureza e logo esquecido até que novas depredações despertam apenas a compaixão para com os infelises, assim abandonados pela civilização á barbarie.5 O BUGRE BRABO 4 5 Ibid., p. 62 PARANÁ. Presidente (1863-1865 : Fleury). Relatório com que o Exm. Sr. Presidente de Província Dr. André Augusto de Pádua Fleury passou a administração ao Exmo. Sr. Vice-Presidente Dr. Manoel Alves de Araujo no dia 4 de junho de 1865 . Curityba : Typ. Lopes, 1865. p. 57. 36 Frente a uma situação tão desoladora como esta, era de se esperar que os colonizadores acabassem retrocedendo, o que aconteceu com muitos deles. Saint-Hilaire afirma ainda que na época de sua viagem “ninguém se embrenhava mais do que 13 léguas na direção das terras dos indígenas” 6 O “bugre brabo” era o maior temor entre a população sertaneja, pois os índios selvagens representavam uma constante ameaça e nada parecia amedrontar mais os homens da região. Dizia Ave-Lallemant: Nada – nem a solidão, nem o horror da mata [...], nem os animais ferozes – amedronta estes homens: só a palavra “bugres” os faz estremecer e empalidecer; só pensar neles já os perturba. Vi o assombramento com o espectro dos bugres [...] em toda parte e de novo na mata do Paraná e no entanto nunca tive ocasião de ver bugres. E não obstante vi homens calmos e corajosos empalidecerem com a simples palavra “bugres”.7 Para compreendermos melhor a mentalidade destes homens podemos nos reportar ao ano de 1873, num dos incidente pelo qual passou o engenheiro inglês Bigg-Wither no desenvolvimento de sua expedição, quando avançava cada vez mais para o interior do vale do rio Ivai: Tínhamos agora penetrado bastante nas fronteiras do território dos índios e, nas florestas de envolta, não faltavam sinais para provar a presença mais ou menos recente de seus moradores selvagens [...] Antes de qualquer avanço grande da nossa expedição, [os] batedores saíam à frente para buscar na floresta, em ambas as margens do rio, de vestígios de índios e relatar-nos de volta o que lhes fora dado observar. [...] havia muitos espíritos medrosos entre os camaradas que agora estavam comigo, que confessavam abertamente a intenção de fugir rio acima, à primeira informação de terem sido vistos os bugres na ocasião.8 6 SAINT-HILAIRE, op. cit.., p. 77 7 AVÉ-LALLEMANT, Robert Viagens pelas províncias de Santa Catarina, Paraná e São Paulo (1958). Belo Horizonte.: Itatiaia, 1980. p. 241-242. 8 BIGG-WITHER, Thomas P. Novo caminho no Brasil Meridional: a Província do Paraná, três anos de vida em suas florestas e campos - 1872/1875. Rio de Janeiro : J. Oyimpio; Curitiba : UFPR, 1974. p. 241. 37 A fim de que o pânico não se instalasse entre os seus trabalhadores, pois os camaradas brasileiros tinham entre outras coisas “um medo doentio do bugre brabo ou índio selvagem,”9 Bigg-Wither chegou ele mesmo a empreender buscas na região para demonstrar de que os seus subordinados não deveriam ter nada com que se preocupar. Por fim acaba concluindo: No que diz respeito ao medo extraordinário dos brasileiros aos índios selvagens, é preciso fazer-lhes justiça atenta à coragem, dizendo que o bugre é muito mais terrível na imaginação do que o é na realidade. Deve ser, creio, uma peculiaridade dos povos semi-selvagens ignorantes, como o sertanejo brasileiro, ter mais medo do perigo imaginário em perspectiva do que do perigo real presente.10 Todos os esforços empreendidos pelo viajante inglês para mudar a opinião de seus comandados não eram em vão. Nesta regiões a preocupação com os ataques eram constantes, mas alguém, como Bigg-Wither, que estava a serviço de uma grande empreitada, o projeto de construção de uma ferrovia, a preocupação maior era conseguir trabalhadores e mantê-los nestas áreas em que a mão-de-obra era realmente escassa. O DEVER DE CIVILIZAR O ÍNDIO E O DARWINISMO SOCIAL A população não indígena à época da emancipação política do Paraná era pequena e a nascente Província contava com bem poucas cidades e vilas. No interior, além de Curitiba, só havia Ponta Grossa, Príncipe (Lapa), Palmeira, Guarapuava e Castro. A população indígena era possivelmente igual ou superior em número. “He huma desgraça [...] nesta provincia, onde os índios selvagens aos milhares (avalia em mais de dez mil os que percorrem os sertões do Paranã) [...] [nos lugares em que] os 9 10 Ibid., p. 254. Ibid., p. 255 38 indígenas ameação a segurança da gente civilizada, não existem hum aldeamentoregular.”11 Reclamava o primeiro presidente da província Zacarias de Góes Vasconcelos. Dá-se início, então, a missão civilizadora empregada para integrar os índios ao mundo civilizado, como exprime na continuidade de seu discurso o Presidente Zacarias: Sendo certo, senhores, que a cifra da população da provincia he diminutissima e que ha uma quantidade innumerável de indigenas que vagueião perdidos para o trabalho e para a industria pelas terras devolutas e em grande parte ainda por explorar comprehedereis facilmente a importancia extrema de hum expediente adequado a atrahil-os á sociedade e á civilização.12 Como já vimos, o ideal de civilização que se buscava empregar nas terras paranaenses seguia o modelo europeu. Segundo Francisco Moraes Paes, a missão civilizadora européia tinha o: Dever da propagação da civilização [...] Fundamentam-se pois os ideais de transformação do mundo a partir da ampla conversão dos povos aos valores europeus [...] Mais uma vez triunfa o princípio que o restante do mundo, inferior e bárbaro, é diferente da Europa. Cabe-lhe a responsabilidade da nova missão evangelizadora. Primeiro, em direção às luzes do cristianismo. Depois, às luzes da civilização. Porém, sempre de acordo com os princípios escatológicos europeus.13 Portanto os viajantes estrangeiros não poderiam deixar de dar suas contribuições, expressando seus juízos de como os indígenas deveriam ser civilizados e integrados a sociedade. 11 PARANÁ. Presidente (1854-1855 : Vasconcelos). Relatório do Presidente da Província do Paraná Zacarias de Goes e Vasconcelos na abertura da Assembléia Legislatíva Provincial em 15 de julho de 1854. Curityba : Typ. Lopes, 1854. p. 60. 12 13 Ibid., p. 62 PAZ, Francisco Moraes. Na poética da História – a realização da utopia nacional oitocentista. Curitiba : Ed. da UFPR, 1996. p. 28 39 Quando referia-se aos Coroados, Saint-Hilaire propôs a miscigenação do índio com o homem branco, não só no intuito de que deixassem de ser selvagens, mas também por ter ele uma postura contrária à extinção dos silvícolas. “Devia ser feito todo o possível para aproximá-los dos homens de nossa raça e estimular os casamentos entre eles e os paulistas pobres, que não se envergonhassem do sangue indígena, pois há muito tempo esse sangue corre nas suas veias. Convém deixar bem claro, entretanto, que seria bem mais fácil fazer esses esforços em prol dos Coroados do que matá-los ou reduzi-los à escravidão.” 14 Já Avé-Lallemant, a caminho de Curitiba, assim que saiu das matas encontrou uma família de mestiços de índio que lhe deram abrigo. Quando as mulheres ouviram tocar a buzina de sinais trazida por um membro da expedição, ficaram assombradas, pois nunca tinham visto semelhante instrumento, nem sequer ouvido um trecho de música. Isto acabou comovendo o viajante, que assim concluiu: Reconheci mais uma vez o poder da música, mesmo a de uma buzina. Tem-se imposto por meio do Evangelho e por meio de canhões a cultura européia a povos selvagens: quem sabe se não seria mais fácil incutir-lhes os costumes, as leis e a religião por meio do canto e especialmente por meio dos instrumentos de sopro? Li que uma vez levara à Ópera os caciques de índios que estavam em negociações com o Congresso de Whashington. Cantou uma célebre cantora; a princípio os índios ficaram muito espantados; depois, dominados pelo entusiasmo, arrancaram do corpo os seus ornatos [...] e os arremessaram aos pés da cantora até que ela ficou com os mais puros ornatos de suas selvas.15 Aqui vemos que a conversão dos selvagens poderia se dar ou por vias biológicas, ou culturais. O europeu tendo a certeza de sua superioridade, ao mesmo tempo converte-se em guia dos outros povos mais atrasados. Através destes dois relatos podemos perceber o quanto estes dois viajantes antecipavam-se aos futuros conceitos evolutivos fundados por Charles 14 15 SAINT-HILAIRE, op. cit., p. 61. AVÉ-LALLEMANT, op. cit., p. 244. 40 Darwin, cuja obra A Origem das Espécies só viria a luz em 1859. A crença oitocentista no progresso, verdadeira doutrina do progresso, completa-se ainda nas idéias evolucionistas de Charles Darwin [...] [No] Darwinismo social [...] As complexas organizações culturais e políticas do homem europeu – como a civilização e o Estado – são provas da evolução orgânica dos povos superiores. A persistência da barbárie, da mesma forma que comprova um estágio anterior da raça humana, confirma as crescentes teses sobre a desigualdade racial.16 Em Bigg-Wither, exemplo do intelectual europeu de sua época, vemos o quanto tais conceitos de superioridade racial estão notoriamente expressos e absorvidos em seus relatos, não só frente ao indígena, mas também ao caboclo brasileiro. Chega mesmo a designar um estágio selvagem para o primeiro e de bárbaro para o segundo como que colocados numa classificação evolutiva. Como exemplo, podemos citar a passagem em que o inglês depara-se com um botucudo selvagem, pertencente a nação que se encontrava no estágio mais primitivo entre os indígenas dos sertões paranaenses: Embora estivéssemos mais ou menos preparados para o que os nossos olhos agora viam, não pude reprimir uma exclamação de espanto e nojo. Se Darwin pudesse ter apresentado o retrato perfeito do ser à nossa frente em seu livro ‘Descendência do Homem’, ele teria feito mais no sentido de convencer o público em geral da proximidade de conexão existente entre o homem e o macaco do que uma quantidade de argumentos escritos.17 OS ALDEAMENTOS: DO PROJETO À REALIDADE “O embate oitocentista entre civilização e barbárie tal como reatualiza a nobreza contida nos grandes desafios da humanidade, projeta um futuro de realizações do qual não podemos fugir.”18 É com essa crença que a elite local, reconhecia sua superioridade em 16 17 18 PAZ, op. cit., p. 179. BIGG-WHITER, op. cit., p. 289 PAZ, op. cit., p. 307. 41 relação aos indígenas, e tinha consciência de seu devir histórico. Cabia-lhes a missão de tirálos de seu estado selvagem e trazê-los a luz da civilização, mesmo quando tal intenção lhes parecesse quase que impossível, como coloca o presidente da província José Antonio de Carvalhaes em seu relatório à assembléia local: Tenho para mim Snrs; que poucos fructos se podem colher dos sacrificios feitos no intuito de regenerar uma raça, que parece condennada pelo destino á um completo desapparecimento; mas nem por isso entendo que se devão supprimir esforços destinados a adoçar-lhes a agonia, e sim á dar-nos a esperança de figurar de um modo menos odioso na dolorida historia dos seus infortunios.19 Buscou-se então, um velho modelo já anteriormente utilizado para a redenção dos povos indígenas do Novo Mundo. Como numa Guerra Santa, não com armas, mas sim com a Cruz e o Evangelho. “Só a religião, que em si resume e sublima, há de, pois, effetuar verdadeiramente a civilização de nossos indígenas.”20 Havia um grande reconhecimento ao trabalho efetuado pelos jesuítas, que tinham fundado diversas reduções em território paranaense, durante os séculos XVI e XVII, até serem destruídas pelos bandeirantes paulistas. Assim, tendo os jesuítas como inspiração, durante o século XIX, foram fundados os aldeamentos ao longo dos vales do Ivaí, Tibagi e Paranapanema. Os principais foram o de São Pedro de Alcântara (1855), que ficava junto à Colônia Militar do Jataí e o de São Jerônimo (1859). O aldeamento de São Pedro de Alcântara foi fundado espontaneamente pelos próprios índios que, cansados das guerras constantes com os brancos, apareceram um dia às margens do rio Tibagi, do lado oposto da colônia do Jataí e demonstraram o desejo e a intenção de se 19 PARANÁ. Presidente (1856-1857 : Carvalhaes). Relatório do Presidente da Província do Paraná José Antonio de Carvalhaes na abertura da Assembléia Legislativa Provincial em 05 de fevereiro de 1857. Curityba : Typ. Lopes, 1857. p. 65-66. 20 PARANÁ. Presidente (1854-1855 : Vasconcelos). op. cit., p. 63. 42 estabelecerem pacificamente na vizinhança dos brancos. O segundo surgiu quando os índios Coroados invadiram a fazenda de São Jerônimo, propriedade do Barão de Antonina. O interessante é que estas terras anteriormente lhes haviam pertencido, tanto é que a região em que estava estabelecida a fazenda era conhecida como Campos de Inhonho, nome de um antigo cacique Coroado. Agora, o Barão de Antonina, querendo resolver a situação de forma pacífica, acabou doando as suas terras ao governo, para que ali se estabelecesse um aldeamento aos índios revoltosos, ficando por fim, reconhecido como um benfeitor dos indígenas. Estes aldeamentos eram administrados por funcionários do governo, e a catequese ficava a cargo dos frades católicos, geralmente da ordem dos capuchinhos. Os mesmos estavam incumbidos de ensinar as artes mais comuns da civilização aos indígenas, tais como a agricultura e a construção, assim como a língua e a religião. Mas, com o passar do tempo ficou demonstrada a incompetência deste tipo de sistema devido a inúmeros fatores que serão arrolados. Em 1868, ao apresentar seu relatório o presidente da província José Feliciano Horta de Araujo, buscou explicar à assembléia, os motivos dos insucessos da catequese e civilização dos índios: E’ um problema ainda não resolvido apezar da boa vontade do governo e do enorme dispendido dos cofres publicos [...] [São] tres [as] condições para chamar ao gremio social os milhares de selvagens que vivem nas mattas da provincia. São ellas – conquista, catechese e civilização [...] não me refiro á conquista que extermina. Fallo da conquista em virtude da qual o homem civilizado, por assim dizer, toma posse do selvagem, de modo que este sinta e reconheça a superioridade daquelle, mas não experimente a pressão que esmaga e aniquilla. Em quanto o indigena puder, evitar o contacto com o homem civilisado, fal-o-há. E’ preciso pôr obstáculos á satisfação do instincto que o leva a continuar a ser o que é. Dahi a necessidade dos aldeamentos onde tem logar os serviços do catechista. Logo apoz cumpre chamar o indigena aos habitos da civilisação por meio do trabalho bem dirigido. Não confio só na palavra e na dedicação do religioso, principalmente do que não conhecer a lingua do selvagem. Os jesuitas deram a este respeito exemplo que devem ser seguidos. Além de religiosos eram elles excelentes administradores. 43 O serviço como entre nós é feito, nada promete. Basta dizer que nos aldeamentos da provincia não se depara com uma igreja, uma escola, nem com uma officina. Sendo avultuada a despeza feita a titulo de catechese e civilização dos indigenas, e quase nullo o resultado, tenho expedido as ordens que me hão parecido convenientes para que se não despendam inutilmente os dinheiros publicos.21 Em visita à Colônia Militar do Jataí em 1874, Bigg-Wither analisa as condições do aldeamento de São Pedro de Alcântara e faz severas críticas sobre o trabalho dos funcionários e do frade contratados pelo governo para o serviço de catequese e civilização dos índios. Na parte administrativa acusa o diretor, “não só em matéria de indolência e inteira incompetência, como também de reverter o dinheiro público, destinado ao progresso e aperfeiçoamento desses pobres índios, em seu próprio benefício.” 22 Pequena mostra de como o problema da corrupção nos quadros públicos da província e do Estado brasileiro vem de longa data. Com relação ao trabalho de catequese, o governo o colocou sob as responsabilidades do frei italiano Timóteo de Castelnuevo. Pode-se dizer de que a única coisa que o identificava com os antigos jesuítas era o fato de também ser um monge, de resto ficou demonstrado ser ele inapto, “sem prática e inexperiente. Um homem cuja ignorância da língua do país, do próprio país, do povo com que terá de lidar - índio ou brasileiro - e de sua educação total, o colocaria, de fato, em último lugar para desempenhar tal posto.” 23 Assim, depois de quinze anos da fundação da colônia, Bigg-Wither encontrou índios, 21 PARANÁ. Presidente (1867-1868 : Araujo). Relatório do Presidente da Província do Paraná José Feliciano Horta de Araujo na abertura da Assembléia Legislativa Provincial em 15 de fevereiro de 1868. Curityba : Typ. Lopes, 1868. p. 41. 22 BIGG-WITHER, op. cit., p. 412. 23 Ibid., p. 411. 44 fossem eles adultos ou crianças, que desconheciam qualquer palavra do português ou pronunciavam apenas monossílabos. Ficando assim demonstrado que o Governo tinha falhado em seu principal objetivo: A barreira intransponível da ignorância mútua das línguas ainda subsistia com toda a sua força e daí, como era de esperar, não se perceber o menor sinal ou sintoma de uma amalgamação futura dos dois povos. Os índios eram ainda um povo tão distinto e separado quanto no dia em que se estabeleceram, pela primeira vez, na colônia, quinze anos antes. Os seus vizinhos brasileiros apenas lhes permitiam a presença na vizinhança, mas ninguém sonhava em associar-se com eles, nem em empregá-los como trabalhadores em qualquer espécie de serviço. Assim, o próprio ABC da catequese índia havia sido vergonhosamente desprezado, pois a história e a experiência mostram que, quando uma raça civilizada entra em contato com uma raça selvagem, a última aprende a língua daquela ou aceita a morte inevitável.24 Os indígenas que procuravam e se sujeitavam aos aldeamentos, eram aqueles que já não tinham mais perspectivas. A grande maioria preferia fugir em direção ao interior das matas, mantendo-se por mais um tempo ainda livres das amarras daqueles que buscavam dominá-los Tal é a contradição do mundo civilizado no século XIX. A raça dita selvagem, cuja a cultura e sabedoria são menosprezadas e cuja vontade é reconhecida como um mero instinto, é compelida a civilizar-se. Porém, a raça dita civilizada não é capaz de vencer seus preconceitos, nem tão pouco mostra-se capaz de compreender o “selvagem”, e, ainda menos fazer-se compreender. O índio nunca foi realmente integrado ao povo brasileiro, restando a estes o embaraço da presença destes filhos de Deus que gradualmente perdem sua identidade. 24 Ibid., p. 411. 45 CONCLUSÃO Há muito as fronteiras geográficas no território paranaense foram superadas. Três foram as frentes pioneiras que abriram passagem à civilização durante os séculos XIX e XX. Este estudo baseia-se na primeira delas, que avançou da região conhecida como Paraná Tradicional em direção às matas virgens do Oeste. Durante este processo, em pleno século XIX, foram construídos os primeiros discursos em favor da modernidade, calcados nas “certezas” conferidas pelos progressos científicos e tecnológicos da época. É clara a percepção do devir histórico nos homens daqueles dias, viam-se no papel de delineadores do futuro, garantindo um mundo desenvolvido e próspero para as futuras gerações. A interferência estrangeira continuou no processo de ocupação das regiões ainda intocadas. Basta lembrarmos da concessão da estrada de ferro que ligava São Paulo ao Rio Grande do Sul, à empresa Brazil Railway Company, de capital americano, que acabou auxiliando na exploração do pinho, quando, ao redor de quase toda extensão da ferrovia haviam se instalado inúmeras serrarias. Como causa desta ocupação temos um novo embate entre civilização e barbárie, entretanto agora os bárbaros serão os sertanejos do Contestado. Posteriormente, durante as décadas de 1920 e 1930, a Companhia Paraná Plantation, de capital inglês, obteve do governo a concessão de terras no norte do Paraná, abrindo uma nova frente pioneira com base na economia do café. Temóstocles Linhares diz que, muito provavelmente, Lord Lovat, o idealizador de tal projeto, teve como inspiração a obra de Bigg-Whiter, querendo demonstrar assim, o importante papel do inventário feito pelo viajante inglês acabando por influenciar os futuros exploradores. 46 Não podemos deixar desapercibido o papel decisivo que a leitura do livro teria despertado entre os homens da City de então, que, apesar do mau sucesso das primeiras experiências de colonização inglesa no Paraná [Colônia do Assungui], não deixaram de se interessar por novos e mais amadurecidos empreendimentos, a exemplo do que viria a ocorrer algumas dezenas de anos depois com a vitoriosa e esplendorosa colonização de Lontrina, a cuja frente se encontrava esse Lord Lovat, acerca de cujas curiosidades no plano intelectual tão pouco se sabe, mas que deveria ter sido, nos tempos de moço, pelo menos, leitor apaixonado de Bigg-Whiter.1 Porém, a realização deste ideal civilizatório teve um alto preço, especialmente no que se refere a acelerada devastação ambiental e a extinção de boa parte da cultura indígena local. Ao mesmo tempo que esta marcha transcorria, os intelectuais buscavam construir uma identidade paranaense. Assim, o Paraná dos pinheirais transformou-se no Paraná cafeeiro, no Paraná celeiro e, mais atualmente, luta por firmar-se como estado modelo de desenvolvimento industrial. Desta forma, percebemos que o discurso da modernidade é bastante atual, as fronteiras alargaram-se, aparecendo agora como um discurso de incorporação ao mundo globalizado. Assim, continuamos a procurar um reconhecimento do outro, refletindo-nos em modelos externos para reconhecermos a nós mesmos. Porém, em pleno fim de século, apesar de ainda nos maravilharmos com a modernidade, temos as marcas dos dramas vividos no século XX, e ironicamente a mesma ciência nos trás agora incertezas e inseguranças para um futuro próximo. 1 BIGG-WITHER, Thomas P. Novo caminho no Brasil Meridional: a Província do Paraná, três anos de vida em suas florestas e campos - 1872/1875. Rio de Janeiro : J. Oyimpio; Curitiba : UFPR, 1974. p. xvi. 47 FONTES AVÉ-LALLEMANT, Robert Viagens pelas províncias de Santa Catarina, Paraná e São Paulo (1958). Belo Horizonte.: Itatiaia, 1980. BIGG-WITHER, Thomas P. Novo caminho no Brasil Meridional: a Província do Paraná, três anos de vida em suas florestas e campos - 1872/1875. Rio de Janeiro : J. Oyimpio; Curitiba : UFPR, 1974. BORBA, Telêmaco. Actualidade Indígena. Coritiba : Impressora Paranaense, 1908. CRUZ, Demétrio Acácio Fernandes. Apontamentos históricos, topographicos e descriptivos da cidade de Paranaguá, parte IV. IN : MOREIRA, Júlio Estrela. Fontes para a história do Paraná: cronistas séculos XIX e XX. Curitiba : SEEC, 1990. ELLIOT, João Henrique. Resumo do itinerário de uma viagem exploradora pelos rios Verde, Itararé, Paranapanema e seus afluentes, pelo Paraná, Ivahy, e sertões adjacentes, emprehedidas por ordem do Exmo. Sr. Barão de Antonina. Revista Trimestral do Instituto Histórico Geográfico do Brasil. 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