Panegírico a
José Luis Lopes Marques
Antônio Lopes de Sá
Da história da Contabilidade em Portugal muito participo, há mais de meio
século.
Os personagens que no passado contribuíram para a construção e difusão do
conhecimento de nossa área, vários deles, eu os tive como amigos.
Guardo na memória relacionamentos respeitosos, proveitosos e queridos,
havidos com Jaime Lopes Amorim, F.V. Gonçalves da Silva, F. Caetano Dias,
Martim Noel Monteiro, Caetano Léglise da Cruz Vidal, para referir-me apenas
a alguns com os quais mantive intensa correspondência e convivência.
Um dia, há cerca de 37 anos, recebi uma carta muito gentil que me solicitava
cooperação para uma Revista que se editaria em Lisboa.
Tratava-se de um periódico que visava a difundir no meio empresarial e
contabilístico matérias de interesse profissional e o apelo me vinha por parte
do Prof. Martim Noel Monteiro (com o qual me correspondia várias vezes por
mês, naquela época em que não dispúnhamos dos meios ágeis de hoje, como a
Internet).
Anos depois, nova comunicação e a Revista (Jornal do Técnico de Contas e da
Empresa), já em curso, estava sendo dirigida por um colega que eu não
conhecia, mas, que afirmava esperar, de minha parte, a continuidade de apoio
à publicação.
Foi assim que mantive meu primeiro contato com o Prof. José Luis Lopes
Marques.
De início as correspondências eram escassas, constituíam-se quase apenas nas
remessas de trabalhos e em raras ligações telefônicas.
O destino, todavia, traça suas linhas com firmeza e o esporádico haveria de
tornar-se o constante em matéria de relacionamento profissional, cultural e
intelectual, com Lopes Marques.
Conheci, todavia, pessoalmente, esse amigo, no dia 26 de março de 1987
quando nos recebeu de forma fidalga em sua residência, juntamente com a sua
mulher Maria Júlia.
Depois, levou a mim e a minha mulher Édila Márcia, a conhecer Palmela,
almoçamos em Setúbal e à noite jantamos em uma casa de fados (Dó Menor),
nesta, juntamente com o emérito Professor Doutor Rogério Fernandes Ferreira
e o Professor Doutor Caetano Leglise da Cruz Vidal.
No dia seguinte e durante todo o tempo que estivemos em Lisboa a atenção
recebida foi insuperável e naquele 27 de Março, na Associação Comercial e
Industrial de Lisboa (na época presidida por Cruz Vidal) fiz uma conferência
sobre a minha nova visão da Contabilidade, aquela que geraria o
neopatrimonialismo, hoje a maior corrente científica da Contabilidade.
Como se não bastasse, José Luis e Maria Júlia nos acompanharam até o Porto,
levando-nos em viagem, entremeando com um inesquecível almoço em Leiria.
De lá voltamos para Aveiro, tudo em franca alegria e com uma empatia que
haveria de perdurar por mais de duas décadas.
Tudo isto ressalto para evidenciar o quanto de gentileza, afinidade e alegria
representou a amizade ao referido amigo.
Vários outros encontros se repetiriam, dentro e fora de Portugal, pois, não só
ensejei a vinda de Lopes Marques ao Brasil, como juntos fomos a Santiago de
Compostela onde também realizei conferência sobre o Neopatrimonialismo.
Os méritos de Lopes Marques foram reconhecidos no Brasil e aqui a ele se
outorgou o titulo de membro da Academia Nacional de Economia e de
Conselheiro Científico do Instituto de Pesquisas Augusto Tomelin.
As centenas de textos que esse ilustre personagem de nossa História escreveu,
foram luzes a clarear o caminho de milhares de profissionais.
Impossível é negar o mérito do mesmo como grande profissional, como
dedicado escritor, como dirigente de uma Revista que a duras custas manteve
por décadas.
O amor que Lopes Marques tinha pela comunidade contabilística era tão
grande que só assunto a ela ligado podia fazer iluminar sua face.
Lembro-me com que entusiasmo (quando me hospedou em seu apartamento
no “Parque dos Príncipes”) participou comigo na elaboração das primeiras
providencias que gerariam o Centro de Estudos de História da Contabilidade,
da APOTEC.
Lembro-me como foi com imensa comoção que recebeu homenagens em São
Paulo, Rio de Janeiro e Belo Horizonte, onde proferiu conferência.
De há muito nós nos tratávamos como “irmãos” (tratamento que também
dispenso ao emérito Prof. Doutor Rogério Fernandes Ferreira) e ele
carinhosamente também chamava de irmã não só a minha esposa Édila, mas,
também, a minha saudosa irmã de sangue Alice, que vivia em Lisboa.
Todo o acompanhamento de minha cidadania portuguesa, que requeri, foi feito
por José Luis, assim como o de minha dileta mulher.
Em razão de nossa amizade, do valor que o mesmo representava, das
dignidades que recebeu, ao mesmo dediquei o meu livro de “Ética
Profissional” (hoje em 6a. edição), com a seguinte dedicatória: “Esta obra só
poderia ser dedicada a um profissional que a personificasse como modelo de
virtude e que ao mesmo tempo, como colega, exercesse, para conosco, a
plenitude da fraternidade.”.
Como amizade, no aspecto que isto representa como um “pacto de almas”, tal
como Marco Túlio Cícero há dois mil anos a classificou, considero uma
bênção de Deus ter encontrado em Lopes Marques tudo o que se pode aspirar
de identidade.
Não houve um só momento, um só apelo, que não fosse imediatamente
compartilhado entre nós, fosse em que circunstância fosse.
Quando a Portugal levei um grupo de colegas que eram destaques na classe
brasileira, José Luis foi impar em atenções e seguiu-nos em uma peregrinação
por várias cidades, a tudo patrocinando com dignidade e altruísmo.
Tantos são os momentos positivos a relembrar em nosso relacionamento ético
e profissional que difícil é eleger os que mais representaram deveras o ápice,
pois, todos foram pontos altos.
Por uma fatalidade do destino não me foi possível estar presente ao funeral
desse amigo, ocorrido em 26 de Dezembro último; sequer tomei conhecimento
de sua morte, a não ser quando telefonei para ter noticias, coisa que fiz
praticamente a cada quinze dias nos últimos meses de 2004.
Segundo as minhas convicções filosóficas, seguindo ao que muitos iluminados
ensinaram há milhares de anos, sobre a eternidade do espírito (Aknathon,
Demócrito, Buda, Sócrates, Cristo), sinto que José Luis estará sempre presente
em meu pensamento, no de minha família, no de nossa classe.
É difícil traduzir, em um panegírico, tenha este a extensão que tiver (como o
de Plínio, o Moço a Trajano), o quanto em verdade representou uma pessoa
querida que fisicamente nos deixa para seguir sua marcha cósmica.
Homenagem, mais que depoimento, foi a intenção que me moveu a escrever
este texto, pois, impossível me é, sob a forte emoção em que me encontro,
descrever em poucas linhas a grandiosidade do personagem que elas tentaram
destacar.
As revelações que fiz, inéditas, são páginas de uma história já escrita, mas,
que certamente, ficam como sementes, como modelos para a nossa
comunidade, exemplificando o poder que tem o amor e o conhecimento, como
asas do espírito, como fundamentos de virtude.
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