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OS DIÁLOGOS EPISTEMOLÓGICOS NA PRÁTICA DOCENTE
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Marinina Gruska Benevides – UECE
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RESUMO:
Os diálogos epistemológicos são freqüentemente bloqueados pela dificuldade de
pensar a prática docente, sobretudo naquilo que esta reflete os fundamentos da ciência
moderna e a concepção de mundo que desta se origina. Pensar sobre as conseqüências do
processo de fragmentação dos saberes, compartimentados em disciplinas, ou sobre as
conseqüências nefastas do processo de hiperespecialização não e tarefa fácil em nenhum
campo da vida contemporânea. Entretanto, no meio acadêmico, esta dificuldade se traduz
de modo peculiar, o que justifica em larga medida a apresentação deste trabalho, cujo
objetivo é compartilhar os dados da experiência que tenho vivido nos últimos cinco anos,
na condição de professora da disciplina Teoria da Complexidade e de coordenadora do
Núcleo de Estudos da Complexidade da Universidade Estadual do Ceará - UECE. Constitui
igualmente uma tentativa de sistematizar previamente os resultados de observações que
tenho empreendido, juntamente com meus alunos do curso de graduação em Ciências
Sociais da referida instituição de ensino superior.
Palavras-chave: diálogos epistemológicos - experiência docente - meio acadêmico.
ENTRE A GUARDA DA RESERVA E O CONTRABANDO DOS SABERES
Problemas da atualidade como os que dizem respeito a capitalismo, questões
ambientais, violência nos grandes centros urbanos, ação bélica das grandes potências,
trabalho, fome, inclusão social, horrores econômicos e políticos etc. têm povoado o campo
das reflexões e da produção acadêmica no Curso de Ciências Sociais da Universidade
Estadual do Ceará – UECE. Entretanto, conquanto os desafios da contemporaneidade se
apresentem em toda sua complexidade, a compartimentalização dos saberes sobre os
referidos problemas dificulta a apreensão dos fenômenos como totalidades econômicas,
políticas, sociológicas, psicológicas, afetiva etc. Isto pode ser observado nas práticas
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docentes, na dificuldade de articulação do ensino, da pesquisa e da extensão; na dificuldade
de diálogo entre os diversos cursos e grupos de professores e alunos; na conversão de
teorias em doutrinas etc.
Uma soma maior de recursos tem sido destinada a atividades de pesquisas
envolvendo problemas da atualidade. No mercado das instâncias financiadoras de projetos
de pesquisa, professores do ensino superior competem por verbas, defendem com ardor
teorias científicas como se essas fossem o espelho da realidade, direcionam o foco do
interesse acadêmico de acordo com os recursos disponíveis e, também, mudam de teóricos
e de objetos de estudo, conforme as conveniências do momento. Os alunos tendem a
reproduzir o mesmo comportamento. E, quando alguns teóricos são erigidos pelos
professores a teóricos da moda, os alunos imediatamente aparecem com livros escritos por
esses embaixo do braço, reproduzindo conceitos como se os mesmos fossem uma espécie
de chave do real. .
No Curso cujo colegiado eu integro, o sociólogo Edgar Morin, infelizmente, não
estava na moda até pouco tempo atrás, isto é, até que a “Conferência Internacional sobre os
sete saberes” começasse a ganhar corpo e ser divulgada. Aliás, minha posição como
professora de uma disciplina optativa, que tem como referências básicas “Os sete saberes
necessários à educação no futuro” e “Introdução ao pensamento complexo” e que foi
intitulada “Teoria da complexidade”, nunca foi cômoda. Embora a disciplina esteja atraindo
a cada semestre uma soma maior de alunos, inclusive oriundos de outros cursos e de
programas de ensino de outras universidades que a assistem como ouvintes, não foram
muitos os incentivos para que eu continuasse a ofertá-la. Certa feita, chegou a ser sugerido
que eu, ao invés de ofertá-la, fizesse o programa de uma outra disciplina voltada para área
de gestão e cultura organizacional, porque esta seria mais adequada à formação do cientista
social para o mercado. Fiz o programa da nova disciplina, comprometi-me a assumi-la, mas
insisti em continuar ofertando e ministrando a disciplina “Teoria da Complexidade”.
A partir do momento em que foram abertas as inscrições para a Conferência,
comecei a ser procurada por um número cada vez maior de alunos, querendo entender a
idéias de Morin. Isto me alegrou imensamente. No entanto, não posso dizer o mesmo do
momento em que percebi que alguns dos alunos me procuravam porque tinham sido
aconselhados a elaborar uma pesquisa para apresentar na Conferência. Em outras palavras,
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uma espécie de produto para ter uma publicação em anais de um evento internacional.
O Núcleo de Estudos da Complexidade da Universidade Estadual do Ceará NECXO que tem funcionado desde o primeiro semestre do ano de 2006 teve uma
problemática institucionalização. A princípio, funcionou como algo que poderíamos
chamar de grupo marginal, porque não tinha a institucionalização como perspectiva e seu
objetivo geral era o de abrir espaços de reflexão e diálogo sobre os paradigmas que
orientam o processo de produção do conhecimento científico, construindo alternativas de
visibilidade à epistemologia da complexidade.
As pressões pela institucionalização do grupo começaram quando se entendeu que a
visibilidade precisava ser buscada também pela via do reconhecimento institucional, pela
produção de material bibliográfico, pelos resultados de pesquisa e de estudos, embora desde
o início tivesse prevalecido a idéia de que nossa maior meta era contribuir para o
desenvolvimento de uma aptidão geral para contextualizar e tratar os problemas, para o
desenvolvimento de atitudes mentais que conjugam faro, sagacidade, previsão, leveza do
espírito, desenvoltura, atenção constante, senso de oportunidade etc. O desafio cultural
relativo à separação entre a cultura humanística e a cultura científica, o desafio sociológico
de olhar para o próprio olhar e o desafio cívico de fortalecer a percepção global e o senso
de oportunidade, conforme nos ensina Morin (2004), começaram a povoar nosso maior
desafio: a reforma do pensamento.
Quando da decisão de institucionalizar o grupo, foi elaborado um projeto que foi
aprovado pelo colegiado do Curso de Ciências Sociais, em 2008. Em 2010, o projeto foi
devolvido com recomendações para que se elaborasse outro projeto para que o Núcleo
fosse institucionalizado como de pesquisa, porque havia dificuldades de situá-lo entre a
pesquisa e a extensão.
No campo das Ciências Humanas, nas universidades, de modo geral, a cada dia que
passa, surgem novos grupos voltados para este fim. Em meio à febre dos ora chamados
“laboratórios de pesquisa”, convivem “grupos” e “núcleos”, embora “laboratório“ seja uma
espécie de palavra da moda. E, como as palavras dão o que pensar e também o que dizer, o
Núcleo de Estudos da Complexidade da Universidade Estadual do Ceará – NECXO, viveu
recentemente uma crise de identidade, que ocupou boa parte de um de nossos encontros.
Novamente, a questão da visibilidade e da institucionalização, incluindo a corrida para as
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fontes de financiamento de pesquisa, veio à tona. Em meio ao calor do diálogo, houve a
sugestão de que se mudasse o nome de núcleo para laboratório, já que era uma palavras
mais usada, inclusive pelos outros grupos do Curso de Ciências Sociais. Quando se
percebeu que o grupo ao invés de NECXO poderia passar a ser LECXO, a risada foi geral,
porque bastaria acrescentar mais três letras e o núcleo teria o nome de um calmante.
De fato, muitos dos alunos que têm procurado o grupo e em especial os que me
procuraram na tentativa de produzir trabalhos para inscrever na Conferência, chegam como
se procurassem em Morin uma receita, um conceito para aplicar e ver seu funcionamento
na realidade social. Não tenho conseguido deixar de causar frustrações, sobretudo quando
começo a tentar dizer o que se lê logo no início de “Introdução ao Pensamento Complexo”,
isto é, que “complexidade” não é uma palavra solução e sim uma palavra problema e que
Morin não é um guarda da reserva e sim um contrabandista do saber.
CONCLUSÃO:
O modelo de racionalidade que alicerça a ciência moderna está sobremaneira
refletido no processo de produção do conhecimento e, por conseguinte, no dia a dia da
prática docente. Isto não ocorre somente por conta de aspectos que parecem mais visíveis,
tais como, as batalhas por recursos financeiros ou por aquilo que já virou senso comum
chamar de “fogueira das vaidades”, isto é, a guerra simbólica, que freqüentemente assume a
feição de violência verbal, que envolve os sujeitos do campo acadêmico, professores e
alunos. Em outras palavras, as fronteiras que separam os conhecimentos, quando deveriam
uni-los, são lugares nos quais as diferenças não são negociadas e os problemas são
abordados de forma dissociativa, quando deveriam ser compreendidos de forma conjuntiva.
As dificuldades tanto se situam no nível daquilo que é lógico como daquilo que é supralógico. Em meio a processos de hiperespecialização é difícil ver que os problemas
essenciais da prática docente são polidisciplinares, transversais e multidimensionais. Os
problemas particulares de cada área do saber, como aqueles que são caros às Ciências
Sociais, só podem ser corretamente pensados, quando remetidos ao contexto no qual estão
inseridos. E, embora a academia insista em fragmentar a realidade, a complexidade se
impõe, os desafios da globalidade se apresentam em todos os seus níveis, tornando
problemática a departamentalização.
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Seja como for, favorecer a inteligência científica e, concomitantemente desenvolver
a inteligência geral, refletindo sobre o processo de produção do conhecimento são desafios
que se impõem à crise do modelo de racionalidade que alicerça o campo do saber-fazer
acadêmico.´De fato, tem sido mais comum falar de um pensamento transdiciplinar,
multidimensional, embora não se possa dizer que o processo de ensino-aprendizagem esteja
estimulando a religação da cultura científica com a cultura das humanidades ou ocultando o
menos possível a complexidade da realidade.
Por tudo isto, penso que as contradições vividas em minha experiência docente, as
dificuldades experimentadas pelo Núcleo de Estudos da Complexidade da Universidade
Estadual do Ceará - NECXO, longe de significarem derrotas, são formas de dialogar,
trabalhar e pensar não somente com clareza, a objetividade e as distinções, mas também
com as fronteiras daquilo que é vago, incerto e obscuro. Animo-me em pensar que nosso
caos está cheio de luz, sobretudo quando posso compartilhar um parte do que temos tecido
juntos na experiência do ensino-aprendizagem.
REFERÊNCIAS
MORAES, Maria Cândida. O paradigma educacional emergente. 11 ed. São Paulo:
Papirus, 1997 (Coleção Práxis).
MORIN, Edgar. A cabeça bem-feita: repensar a reforma, reformar o pensamento. 9. Ed.
Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2004.
______. Introdução ao pensamento complexo. 3. ed. Lisboa: Instituto Piaget, 2001.
______. Os sete saberes necessários à educação no futuro. São Paulo: Cortez; Brasília,
DF: UNESCO, 2000.
______. Terra-Pátria. Porto Alegre: Sulina, 2000.
ESQUEMA DO PÔSTER
Título: OS DIÁLOGOS EPISTEMOLÓGICOS NA PRÁTICA DOCENTE
Apresentadora: Marinina Gruska Benevides
Palavras-chave: diálogos epistemológicos - experiência docente - meio acadêmico.
Texto:
Os diálogos epistemológicos são freqüentemente bloqueados pela dificuldade de
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pensar a prática docente, sobretudo naquilo que esta reflete os fundamentos da ciência
moderna e a concepção de mundo que desta se origina. Pensar sobre as conseqüências do
processo de fragmentação dos saberes, compartimentados em disciplinas, ou sobre as
conseqüências nefastas do processo de hiperespecialização não e tarefa fácil em nenhum
campo da vida contemporânea. Entretanto, no meio acadêmico, esta dificuldade se traduz
de modo peculiar, o que justifica em larga medida a apresentação deste trabalho, cujo
objetivo é compartilhar os dados da experiência que tenho vivido nos últimos cinco anos,
na condição de professora da disciplina Teoria da Complexidade e de coordenadora do
Núcleo de Estudos da Complexidade da Universidade Estadual do Ceará - UECE. Constitui
igualmente uma tentativa de sistematizar previamente os resultados de observações que
tenho empreendido, juntamente com meus alunos do curso de graduação em Ciências
Sociais da referida instituição de ensino superior.
O modelo de racionalidade que alicerça a ciência moderna está sobremaneira
refletido no processo de produção do conhecimento e, por conseguinte, no dia a dia da
prática docente. Isto não ocorre somente por conta de aspectos que parecem mais visíveis,
tais como, as batalhas por recursos financeiros ou por aquilo que já virou senso comum
chamar de “fogueira das vaidades”, isto é, a guerra simbólica, que freqüentemente assume a
feição de violência verbal, que envolve os sujeitos do campo acadêmico, professores e
alunos. Em outras palavras, as fronteiras que separam os conhecimentos, quando deveriam
uni-los, são lugares nos quais as diferenças não são negociadas e os problemas são
abordados de forma dissociativa, quando deveriam ser compreendidos de forma conjuntiva.
As dificuldades tanto se situam no nível daquilo que é lógico como daquilo que é supralógico. Em meio a processos de hiperespecialização é difícil ver que os problemas
essenciais da prática docente são polidisciplinares, transversais e multidimensionais. Os
problemas particulares de cada área do saber, como aqueles que são caros às Ciências
Sociais, só podem ser corretamente pensados, quando remetidos ao contexto no qual estão
inseridos. E, embora a academia insista em fragmentar a realidade, a complexidade se
impõe, os desafios da globalidade se apresentam em todos os seus níveis, tornando
problemática a departamentalização.
Favorecer a inteligência científica e, concomitantemente desenvolver a inteligência
geral, refletindo sobre o processo de produção do conhecimento são desafios que se
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impõem à crise do modelo de racionalidade que alicerça o campo do saber-fazer
acadêmico. De fato, hoje parece pais comum se ouvir falar de um pensamento
transdiciplinar, multidimensional. No entanto, não é freqüente ver que o processo de
ensino-aprendizagem estimule a religação da cultura científica com a cultura das
humanidades, de modo a ocultar o menos possível a complexidade da realidade.
As contradições vividas em minha experiência docente, as dificuldades
experimentadas pelo Núcleo de Estudos da Complexidade da Universidade Estadual do
Ceará - NECXO, longe de significarem derrotas, são formas de dialogar, trabalhar e pensar
não somente com a clareza, a objetividade e as distinções, mas também com as fronteiras
daquilo que é vago, incerto e obscuro. Animo-me em pensar que nosso caos está cheio de
luz, sobretudo quando posso compartilhar um parte do que temos tecido juntos na
experiência do ensino-aprendizagem.
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