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UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA
CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES
CURSO DE LETRAS A DISTÂNCIA
Normaci de Jesus Rocha da Silva
Sobreviver é preciso: uma análise das personagens João Grilo e
Chicó em o Auto da compadecida
CAMAÇARI
NOVEMBRO 2013
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UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA
CENTRO DE CIENCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES
CURSO DE LETRAS VIRTUAL
NORMACI DE JESUS ROCHA DA SILVA
Sobreviver é preciso: uma análise das personagens João Grilo e Chicó em o
Auto da compadecida
Artigo apresentado ao Curso de Letras a
Distância da Universidade Federal da
Paraíba, como requisito para a obtenção do
grau de Licenciado em Letras.
Prof. Orientadora: Odjane da Silva Lima Melo
CAMAÇARI
NOVEMBRO 2013
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Normaci de Jesus Rocha da Silva
Sobreviver é preciso: uma análise das personagens João Grilo e Chicó, em o
Auto da compadecida
Artigo apresentado ao Curso de Letras a Distância da Universidade Federal da Paraíba, como
requisito para a obtenção do grau de Licenciado em Letras.
Data de aprovação: ____/____/____
Banca examinadora
___________________________________________________________________________
Orientadora: Odjane da Silva Lima Melo
___________________________________________________________________________
Examinador: Jefferson Cardoso Oliveira
____________________________________________________________________________
Examinadora: Eveline Alvarez dos Santos
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DEDICATÓRIA
Dedico este trabalho a minha família, irmãos e amigos, pela força e pelas palavras de
incentivo sempre nas horas exatas, e, em especial a minha filha e meu esposo, por muitas
vezes compreenderem a minha ausência, privando-os dos momentos em família, sem contar
nos momentos mais difíceis, me ajudando a prosseguir sempre, sem desanimar.
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AGRADECIMENTOS
Agradeço primordialmente a Deus, que esteve sempre do meu lado, me dando força e
saúde para continuar em meio aos desafios que surgiram no decorrer desta caminhada. A
minha professora Ângela Tavares (tutora presencial), que foi uma parceira nessa conquista, a
Professora Odjane (orientadora do TCC), pelo incentivo demonstrado na construção do TCC,
não permitindo que eu fraquejasse diante das dificuldades.
Aos professores e tutores da UFPB, que também contribuíram na formação dos meus
conhecimentos acadêmicos, ajudando-me a construir meu próprio aprendizado.
Agradeço as minhas colegas Linda e Nadia que muito contribuíram para realização desse
sonho.
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RESUMO
Este trabalho tem a finalidade de estudar e analisar as condições sociais vividas por João
Grilo e seu amigo, inseparável, Chicó, na obra “O Auto da Compadecida” de Ariano
Suassuna. O autor faz uso da magia literária para que, de maneira sutil, a realidade sofrida
por muitos nordestinos seja denunciada. Tais condições são superadas ou amenizadas pela
criatividade dos personagens, que se utiliza de armações e espertezas em busca de
sobrevivência. Para dar sustentação às teorias de base, buscamos autores que fornecem
informações a respeito da história originária da cultura, termo relevante no trabalho, e da
literatura oral e popular, sobretudo na região Nordeste, cenário apresentado na obra. Com
isso, concluímos que não existem herói ou vilão, existem apenas pessoas em busca de uma
sobrevivência física, moral e social.
PALAVRAS-CHAVE: Cultura. Literatura Popular. Cordel. Criatividade. Sobrevivência.
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SUMÁRIO
1.
INTRODUÇÃO .................................................................................................................. 7
2.
FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA .................................................................................... 10
2.1
Cultura e Literatura popular: duas faces de uma mesma moeda ............................... 10
2.2
Cordel: O legítimo representante da literatura popular.............................................. 11
2.3
Breve passeio pela história e obras de Ariano Suassuna ........................................... 12
3 .O AUTO DA COMPADECIDA: SOBREVIVER É PRECISO. ......................................... 14
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................................. 18
5. REFERÊNCIAS ................................................................................................................ 19
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1 INTRODUÇÃO
A literatura popular é uma fonte preciosa de perpetuação da cultura. Através de textos
simples e uma linguagem acessível, o poeta divulga as crenças, as histórias comuns ao
cotidiano popular, registra acontecimentos de um certo período e de um certo lugar,
transformando em memória e, claro, em história tais acontecimentos.
Corroborando com essa ideia Nogueira (2007) afirma que desde a pré-história poetas,
ou cantadores, tem contribuído para a propagação social e cultural. Usando o poder das
palavras, a magia das histórias tocava as pessoas que não as esqueciam e as repassavam a
outros, criando um ciclo de continuação da cultura.
Ariano Suassuna é o poeta que nos apresenta, através de uma atmosfera circense,
histórias carregadas de humor, esperteza e simplicidade. Tais histórias encenam a luta
diária vividas por muitos “heróis” nordestinos, que com esperteza e sabedoria driblam a
sociedade preconceituosa e opressora em uma busca constante por sobrevivência
intelectual, física e moral.
Dentro de um universo cheio de possibilidades, encontrar personagens que são
considerados heróis, mesmo agindo com trapaças, astúcia, sobrevivendo por meio de
artimanhas dentro de um sistema opressor, motivou e conduziu esta pesquisa que analisa e
descreve as experiências vivenciadas por alguns nordestinos, evidenciado através da fala
de personagens representados em nosso corpus de análise por João Grilo e Chicó, na obra
O Auto da Compadecida.
Assim, esta pesquisa de caráter teórico-interpretativa, só foi possível a partir do
desejo em expormos personagens simples, que usam “todas as armas” em busca da
sobrevivência no sertão brasileiro. Para tanto, após a escolha e leitura do livro “O auto da
Compadecida” do escritor Ariano Suassuna, foi feito um levantamento bibliográfico
concernente à temática cultural aqui abordada, onde autores como: Albuquerque Júnior
(2001), Canclini (1983), Luyten (1981), Silva (1984) abrem um leque de informações
adquiridas através de estudos e pesquisas concernentes à história originária da cultura, da
literatura oral e popular e, sobretudo sobre a cultura nordestina.
Nessa perspectiva, buscamos apresentar o povo nordestino como criativo e forte, que
não desiste facilmente, mas que, ao longo do tempo procura usar a sua imaginação, e
através de suas próprias experiências, da cultura e dos costumes adquiridos, vão criando e
recriando histórias, com o intuito de repercutir os seus saberes, seus costumes e tradições,
promovendo diversão e outros meios de enganar o sofrimento e sobreviver.
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Para tanto, este trabalho estrutura-se primeiramente na discussão sobre cultura e
literatura popular, levando em consideração o Cordel, este que é considerado o
representante da literatura nordestina. Aqui, fazemos uma ligação entre a cultura e
literatura popular, estes termos que são praticamente indissociáveis quando nos referimos
ao Cordel.
Para chegarmos à análise da obra, fizemos ainda, um breve estudo sobre o referido
autor e sua trajetória pessoal e como escritor. Na análise do corpus percebemos todo o
universo acima descrito, que corroboram com as atitudes das personagens analisadas.
Este trabalho aspira ser uma contribuição para futuras pesquisas acerca da temática
cultural aqui abordada, proporcionando uma visão mais atenta e direcionada às
personagens heróis de suas próprias histórias considerados pessoas simples, humildes e
sofridas.
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2 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
2.1Cultura e Literatura popular: duas faces de uma mesma moeda
Como não associarmos cultura e literatura popular? Praticamente esta é uma tarefa
impossível. A literatura popular está intimamente ligada à cultura, raízes e história de um
povo, retratando de forma simples e de maneira acessível o cotidiano e as tradições de
determinada sociedade levando as histórias que são repassadas para os mais novos,
propagando e não deixando “cair no esquecimento”, o legado cultural dos antepassados.
Segundo Ribeiro (1995) (apud Rouse 2013, p.02) a cultura é o legado construído por
um povo, ou uma comunidade humana e se constitui por meio de:
[...] uma ordem particular de fenômenos que tem de característico sua natureza de
réplica conceitual da realidade, transmissível simbolicamente de geração a geração,
na forma de uma tradição que provê modos de existência, formas de organização e
meios de expressão a uma comunidade humana. (p. 127).
De acordo com Ribeiro as modificações e ou adaptações ocorridas na cultura, podem
acontecer principalmente devido à criatividade e fantasia do povo de recuperar e reinventar
fatos novos que se tornam parte das tradições de uma comunidade. Assim, mantém viva a
cultura e a história de seu povo.
Nessa abordagem, literatura popular vem de encontro ao povo. É a arte do povo para
o povo, expressando os sentimentos, revoltas, denuncias e fazendo a história não se perder
com o tempo. Seus idealizadores podem ser pessoas comuns e até anônimas, que se
inspiram principalmente em fatos do cotidiano, em figuras típicas de sua região e em suas
lendas e costumes, podendo ser transmitida verbalmente com toda sua simplicidade (Silva,
1984).
Desse modo, a ideia de literatura popular designa a expressão do espírito criativo de
um povo simples, que busca externar seus medos, diminuir o sofrimento causado pela
diferença e injustiça social, proporcionar momentos de entretenimento e perpetuação de
uma cultura. O principal defensor do nome “literatura popular” é, sem dúvida, Viegas
Guerreiro (1983), que afirma preferi-lo por ser o “de mais extenso significado”, já que
“cabe nele toda a matéria literária que o povo entende e de que gosta da sua autoria ou
não”.
Segundo Canclini (1983), a literatura popular opõe-se a literatura erudita, mais
conhecida como uma literatura elitizada, letrada, construída pela minoria, que são pessoas
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de classe social superior, abastada, que, por possuírem mais conhecimento, exercem
domínio sobre a minoria, povo simples e marginalizado.
Desse modo, é criada para o povo no sentido de seguir o padrão de um universo
letrado. De acordo com a teoria de Canclini (1983, p. 206) o popular está implantado, ou
seja, está dentro do processo característico da modernidade. Assim, cria-se uma maneira de
representar a literatura popular de um modo a popularizá-la ainda mais.
2.2 Cordel: O legítimo representante da literatura popular
O termo “cordel” é denominado ao material literário produzido na região Nordeste
por volta do século passado, conhecido também, pelos seus leitores e compradores como
folhetos, romances ou livros de feira. Geralmente os cordéis eram comercializados em
feiras livres, onde ficavam expostos em varais, enquanto os seus autores recitavam e o
povo apreciava. As xilogravuras contidas na capa dos folhetos também era um forte
atrativo para os feirantes, principalmente para os iletrados, que eram atraídos pela beleza e
o desejo de tornarem-se leitores das obras adquiridas.
O cordel possui aspectos da literatura oral e popular, assim como também pode estar
presente em textos eruditos da literatura medieval. “Como processo de comunicação
extremamente dependente da aceitação popular, a Literatura de cordel ia se adaptando às
necessidades de seus consumidores”. (LUYTEN, 1981, p.23).
Segundo Tavares Júnior (1980), o Norte e Nordeste são as regiões do Brasil que mais
absorveram valores deixados pelos colonizadores, por esse motivo o cordel foi
desenvolvido com mais ênfase.
Já para Manuel Diegues Júnior (1986) o aspecto sócio cultural, a maneira de viver
dos nordestinos, os seus costumes de reunir a família depois do jantar em volta do
candeeiro para leitura de poesia, colaboraram para fortalecer e propagar a Literatura de
cordel nessa região.
Ao longo dos anos, o cordel vem sendo fortalecido e tornou-se um meio importante
de comunicação e transmissão da literatura popular para a população, sobretudo
nordestina, como pensa o pesquisador da literatura nordestina LUYTEN :
A Literatura de cordel tem sido considerada, sistematicamente, porta voz ideal dos
anseios populares. É preciso aceitar isso como um fato, pois de outra maneira não
se explicaria a grande aceitação dessa forma de comunicação nem sua difusão por
quase todo território nacional e, muito menos, as enormes tiragens de alguns
folhetos... (1981, p.20).
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Grandes escritores de literatura popular revelam uma ligação com os folhetos de
cordel para produzir uma literatura viva, onde está presente o cotidiano do povo,
principalmente o povo nordestino. Ariano Suassuna e João Cabral de Melo Neto são
exemplos de alguns deles.
O poeta, através de uma linguagem simples, busca relatar problemas sociais e
políticos que afetam o povo, bem como educar e estimular os brasileiros ao estímulo à
leitura. Segundo Cavalcanti:
A reivindicação social e política é um aspecto marcante no cordel, o poeta não é só
o repórter da realidade, mas interfere nela,tenta modifica-la com o seu discurso
lírico- avança diante das temáticas de cangaceiros, de bichos que falam de
princesas e cavaleiros andantes. ( 2007, p. 14)
A Literatura popular existe desde tempos antigos, ou na oralidade cantada pelos
repentistas, ou escrito em forma de cordel. Seja de uma forma ou de outra, no interior ou
na capital, prevalece a harmonia poética dos seus artistas que se esforçam para, através dos
versos transmitir a cultura (Cavalcanti, 2007).
Na produção dos cordéis, tanto há imaginação quanto observação. Percebe-se, que
seus autores procuram trazer fatos jornalísticos e acontecimentos atuais, contribuindo para
manter o povo informado das notícias da região, fatos nacionais e até internacionais como
nos informa Cavalcanti (2007).
Assim, como há divulgação escrita da Literatura popular através dos cordéis,
acontece com a literatura oral através da improvisação feita pelos repentistas, que “bebem
nas fontes” dos cordéis, formando um admirável espetáculo para os que assistem.
Corroborando com isso Cavalcanti nos diz:
O cantador é tido como o maior comunicador do Nordeste. Viola nas costas e a
facilidade de transmitir as coisas, gozar a vida, explicar os fatos históricos, fazem
dele o mais antigo comunicador de massa do Nordeste. (Cavalcanti, 2007, P.36)
Sendo assim, não é possível separar linguagem, povo, poesia, pois todos esses
“ingredientes” estão ligados no sentido de, o povo considerado não elitizado, ser capaz de
produzir uma Literatura considerada “popular” de acordo com o seu contexto social,
usando a linguagem do seu cotidiano.
2.3 Breve passeio pela história e obras de Ariano Suassuna
Ariano Suassuna nasceu em 1927, na cidade de João Pessoa, filho do então
governador da Paraíba João Suassuna, passou a sua infância no Sertão, na cidade de
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Taperoá. Hoje é professor, dramaturgo, romancista, teatrólogo, escritor da obra O auto da
compadecida, entre outras grandes obras. Grande defensor da cultura nordestina destinando
sua escrita a apresentar, ressaltar e enaltecer o povo deste lugar.
O escritor busca inspiração na cultura popular e na Literatura de cordel, esta literatura
que traz em seu íntimo a essência nordestina, um sertão sofrido e castigado pela seca,
fome, que tem personagens únicos, sobreviventes deste sertão. Homens, mulheres, animais,
todos se tornam protagonistas de suas histórias e nos apresentam personagens religiosos,
incrédulos, amantes, sonhadores, felizes, mas que buscam algo em comum: a
sobrevivência nas terras do Sertão.
O escritor, Ariano Suassuna utilizando três folhetos, fazendo as adaptações
necessárias de acordo com sua habilidade de criar, nos apresenta uma obra-prima, O Auto
da Compadecida. Neste livro, Ariano se apropria e reconstrói personagens de peças
populares e do cordel nordestino originando o personagem João Grilo, em homenagem ao
herói do romance de cordel de João Martins de Athayde (1877-1959).
As proezas de João Grilo homenageiam a um vendedor de jornal que tinha esse
apelido e posteriormente tomou conhecimento que já existia em Portugal um herói
picaresco com esse nome. Assim, Suassuna nos diz:
A tradição é um imenso caldeirão de ideias, histórias, imagens, falas, temas e
motivos. Todos bebem desse caldo, todos recorrem a ele. Todos trazem
contribuição de seu talento individual, mas cada um vê a si próprio como apenas
mais um a mais na linhagem de pessoas que contam e recontam os mesmos versos,
por força da Tradição, mas são sempre outros, por força da visão
pessoal.(SUASSUNA, 177)
Ainda, segundo Suassuna, no trabalho realizado na peça em estudo, ele buscava
recuperar e reproduzir aspectos da narrativa renascentista e da comédia medieval, além da
comédia popular, sendo leal à tradição e também usando a sua criatividade individual,
reconhecendo não criar sozinho e do nada, mas com a participação de toda uma
comunidade, mesmo que, de forma implícita.
O trabalho de Ariano contribuiu de forma significativa, e é considerado de grande
importância para a repercussão da Literatura popular no sentido de, O auto da
compadecida ter sido adaptada por Guel Arraes em 1999 e logo depois televisionada,
tornando possível o acesso da obra pela população coletivamente. Dessa forma, Suassuna
pode ser considerado peça importante para propagação da Literatura popular, por fazer uso
de elementos pertencentes a essa cultura, como os folhetos de cordel, por exemplo.
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3 O AUTO DA COMPADECIDA: SOBREVIVER É PRECISO
A obra o auto da compadecida, escrita em uma atmosfera circense, segue linha da
simplicidade pela qual foi concebida, e nos apresenta uma história baseada em romances e
histórias populares do Nordeste. Suassuna procura descrever através dos personagens criados
e reinventados, a trajetória de pessoas simples e sofridas, habitantes da região Nordeste, que
precisam lutar para sobreviver em meio à seca e aos problemas decorrentes da corrupção e
degradação de valores morais e sociais.
Debruçando-nos sobre a obra, percebemos que a fome é a principal conseqüência da
falta de chuva no sertão, por esse motivo, moradores dessa localidade precisam lutar
bravamente para conseguir sobreviver. Assim, afirma González (1988) “que uma das
condições primeiras para o surgimento do “herói” pícaro, que é necessariamente um antiherói por conta de sua natureza transgressora, é a fome.”
Com a carência de chuva, tanto pessoas como animais sofrem, com a falta de água
chega também os problemas financeiros e os nordestinos precisam ser sábios,
agindo com esperteza e criatividade para conseguir sobreviver em meio às
adversidades. (Albuquerque, apud , Candido, 2001, p.140)
A seca foi, e ainda é, uma triste realidade para os nordestinos. No decorrer da história
tem se tornado um instrumento de fantasia, instigando a imaginação de pessoas comuns,
que apesar de viverem nessa labuta ano após ano, conseguem transformá-la em inspiração
para produzir histórias que os ajudem a superar com “bom-humor” essa situação.
João Grilo:
- Isso é coisa da seca. Acaba nisso, essa fome: ninguém pode ter menino e haja
cavalo no mundo. A comida é mais barata e é coisa que se pode vencer. Mas seu
cavalo, como foi? (SUASSUNA, p.19)
João Grilo, mesmo com todas as suas astúcias, sobrevivendo com a seca, lutava
incansavelmente e não se conformava com as injustiças cometidas por seus patrões, bem
como líderes religiosos que ocupavam destaque na sociedade, que com as suas atitudes de
arrogância e avareza provocavam revolta, tristeza e um sentimento de vingança,
dificultando ainda mais a vivência dura e sofrida do sertão.
João Grilo:
- Muito pelo contrário, ainda hei de me vingar do que ele e a mulher me fizeram
quando estive doente. Três dias passei em cima de uma cama pra morrer e nem um
copo d’água me mandaram. (SUASSUNA, p. 25)
Malandro, possuindo características adversas a um verdadeiro herói, agia com “olho
vivo”. Não fora considerado honesto, devido as suas mentiras, mas ao mesmo tempo, não
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abandonava os princípios morais e religiosos adquiridos ao longo da vida, que muito
contribuíam para uma boa convivência com pessoas que faziam parte da sua comunidade
social, como: patrões, amigos, líderes religiosos.
João Grilo:
Então estou garantido. Eu me lembro de uma vez, quando padre João estava me
ensinando catecismo, leu um pedaço do evangelho. (SUASSUNA, p. 159)
O herói em análise demonstrava uma aparência desnutrida, magro, baixo e também
apresentava atitudes indevidas no seu caráter, era muito astuto e esperto, criativamente
inventava histórias mirabolantes, o que superava as características da sua aparência, o
tornando grande e forte em inteligência
Chicó:
João! João! João! Morreu! Ai meu Deus, morreu o pobre de João Grilo! Tão
amarelo, tão safado e morrer assim! Que é que eu faço no mundo sem João? João!
João! Não tem mais jeito, João morreu. Acabou-se o Grilo mais inteligente do
mundo. ! (SUASSUNA, p. 63)
Padre:
Um canalhinha amarelo que mora aqui e trabalha na padaria. Chegou dizendo que
o cachorro de Antonio Moraes estava doente e que ele queria que eu o benzesse.
Quando o homem chegou, a confusão foi a maior do mundo. Agora eu entendo
tudo. Mas ele me paga! (SUASSUNA, p. 63)
João Grilo:
O senhor não repare não, mas de besta eu só tenho a cara. Meu triunfo é maior do
que qualquer santo. (SUASSUNA, p.
A fértil imaginação e a criatividade de João para maquinar histórias e mentiras eram
no intuito de sobreviver, por esse motivo, devido a sua vida de sofrimento, era justificado.
Como nos afirma Candido, 2008).
Fisicamente o personagem do Auto da Compadecida, João Grilo, assume todas as
características de um anti-herói, pois é pequeno, fraco, franzino, amarelo,
desnutrido, ou seja, não possui atributos estéticos e o porte de um verdadeiro herói.
Porém, é extremamente astuto e sua esperteza é tamanha que suplanta seu suporte
miúdo convertendo sua fragilidade em força. Suas astúcias o fazem crescer, e se
pela aparência ninguém lhe respeita, ao menos pela capacidade inventiva de
transpor e subjugar as adversidades consegue vencer muitos e ganhar prestígio. (p.
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João Grilo, não desistia de viver, mesmo depois da morte, continuou lutando
bravamente, persistindo no seu intuito de vencer, embora tivesse que lutar com todas as
suas forças, até depois da morte, se valendo de sua fé intercedendo à mãe de Jesus,
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enquanto, que os personagens considerados poderosos, se mostravam covardes ao
desistirem da justificação e absolvição na primeira tentativa.
Padre:
Acho que nosso caso é sem jeito, João. Em Deus não existe contradição entre a
justiça e a misericórdia. Já fomos julgados pela justiça, a misericórdia dirá a
mesma coisa. (SUASSUNA, p. 142)
João Grilo:
E difícil quer dizer sem jeito? Sem jeito por que? Vocês são mesmo uns pamonhas,
qualquer coisinha estão arriando. Não vê que tiveram tudo na terra? Se tivesse tido
que aguentar o rojão de João Grilo, passando fome e comendo macambira na seca,
garanto que tinha mais coragem. Quer ver eu dar um jeito nisso, Padre João?
(SUASSUNA, p. 142)
É do conhecimento de todos, a fé inabalável de nosso herói. Onde mesmo diante de
tantas adversidades, busca forças em suas orações. Após sua morte, João Grilo tem a seu
favor uma advogada poderosa que intercede por ele, expondo suas dificuldades e
amenizando seus atos.
A Compadecida:
- João foi um pobre como nós, meu filho. Teve de suportar as maiores dificuldades,
numa terra seca e pobre como a nossa. Não o condene, deixe João ir para o
purgatório. (SUASSUNA, p. 156)
Junto com seu inseparável amigo Chicó, João Grilo vive suas aventuras e
desventuras. Chegando a serem comparados por muitos, à famosa dupla Dom Quixote e
Sancho Pança. O personagem Chicó, também merece destaque neste cenário, não menos
merecedor dos holofotes, e protagonista de sua própria história.
O amigo companheiro de João Grilo, Chicó, por sua vez, também nordestino,
compartilhava juntamente com ele, a dor e a aventura de sobreviver com a seca no
Nordeste, na esperança de um dia se livrarem da pobreza, e poderem viver uma vida
sossegada, de barriga cheia e muita fartura.
João Grilo:
- E agora a vida boa e a independência pra João Grilo e pra Chicó, graças à minha
altíssima sabedoria e ao testamento do cachorro. (SUASSUNA, p. 112)
Apesar da amizade e companheirismo existente entre eles, Chicó apresentava
características inversas às de João Grilo, demonstrando imensa covardia se confrontado ao
perigo. Porém era muito inteligente possuindo a arte de fantasiar, criando histórias
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inventadas com grande facilidade. Apesar das suas diferenças, um completava o outro, e
juntos compartilhavam o sonho de sobrevivência.
João Grilo:
- Mas Chicó, tenha vergonha, você ainda está com medo? (SUASSUNA, p. 111)
João Grilo:
- Que é isso, Chicó? (passa o dedo na garganta). Já estou ficando por aqui com suas
histórias, É sempre uma coisa toda esquisita. Quando se pede uma explicação, vem
sendo sempre com ”não sei, só sei que foi assim”. (SUASSUNA, p. 18)
As experiências vivenciadas no dia a dia de Chicó serviam de inspiração para
produção de histórias diversas, com personagens distintos e estranhos, até mesmo
encontrados em lendas da Amazônia e de outras regiões brasileiras. Suas histórias eram
usadas como uma maneira de aliviar a pressão sofrida e uma forma de demonstrar a
coragem que ele não possuía.
Chicó:
- Foi quando eu estive na Amazônia. Eu tinha amarrado um peixe a corda do arpão
em redor do corpo, de modo que estava com os braços sem movimento. Quando
ferrei o bicho, ele deu um puxavante maior e eu caí no rio. (SUASSUNA, p.
Desse modo, João Grilo e Chicó são figuras importantes na obra para promover o riso
e a diversão, como cita Suassuna (2005), “são exemplares batizados pelo povo com as
denominações de O Palhaço e o Besta”. Representam bem esse nordestino sofrido, que
buscam diminuir a sua dor, ocasionada pela seca e a fome, através de histórias engraçadas,
com coragem, criatividade e um enorme desejo de viver, encontrando ainda motivos para
sorrir e ser feliz.
Juntos, João Grilo e Chicó reproduzem a tradição circense de mostrar um palhaço
espertalhão, cheio de recursos, que gosta de se meter em situações arriscadas, e
outro palhaço, ingênuo, meio covarde, que se deixa influenciar pelo outro e às
vezes acaba atrapalhando-o. (p. 181)
Segundo Suassuna (2005), a dupla unida pela amizade e a necessidade de
sobrevivência, viviam um misto de medo e coragem, que resultava em um tom de comédia
e diversão, características de um verdadeiro circo.
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4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Podemos concluir, a partir do contexto apresentado, e considerando as personagens
destacadas nesse trabalho, João Grilo e Chicó, que os mesmos são apenas vítimas de um
sistema opressor, precisando conviver em seu cotidiano com as dificuldades provenientes
da escassez de chuva, da fome que os atinge, da opressão e humilhação sofrida dentro da
referida história, usando da sabedoria e de muita esperteza, para driblar as adversidades na
busca pela sobrevivência em uma terra seca onde sobreviver é sinônimo de vitória.
Em meio ao cenário de seca e fome, dor e sofrimento, surgem sujeitos que podem
ser classificados como heróis, não pela aparência apresentada, mas pela coragem,
perseverança e criatividade demonstrada diante das situações vivenciadas, não se curvando
ao desespero, mas buscando de todas as formas, meio de sobreviver.
Ariano Suassuna, através destes personagens, sabiamente traz à luz muitos
nordestinos que lutam diariamente em meio à fome ocasionada pela escassez de água, o
descaso social, mas não desistem de sobreviver, e usam a seca, que é uma realidade local,
como fonte de inspiração para a criatividade e a imaginação, inventando e reinventando
histórias, espalhando, às vezes até imperceptivelmente, a sua cultura, os seus costumes e
ainda expressando a sua alegria de simplesmente, estar vivo.
O escritor da obra O Auto da Compadecida, torna claro o perfil do homem
nordestino, lutador, forte, que não se deixa abater por pequenos problemas, que vive a vida
como um dia de cada vez. Assim, Ariano enaltece a imagem do Nordeste e do nordestino,
mostrando que mesmo com atitudes, às vezes consideradas erradas, o ser humano busca
unicamente sua existência em meio a tantas dificuldades e mazelas que o afetam
diretamente e, muitas vezes, provocadas até por outros seres humanos.
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5 REFERÊNCIAS
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1999.
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ALBUQUERQUE, Maria Elizabeth Baltar Carneiro de. LITERATURA POPULAR DE
CORDEL: dos ciclos temáticos à classificação bibliográfica. João pessoa – 2011.
AQUINO, Ricardo Bigi de. ARIANO SUASSUNA, JACULATOR DEI: A FARSA DA
BOA PREGUIÇA E O EXERCÍCIO RENOVADOR DA TRADIÇÃO TEATRAL. In:
______ NOGUEIRA, Maria Aparecida Lopes (Org.), Ode a Ariano Suassuna celebrações
dos 80 anos do autor na Universidade Federal de Pernambuco. Recife: Ed. Universitária da
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CANCLINI, Néstor Garcia. As Culturas Populares no Capitalismo, (1983), Ed. Brasiliense.
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Disponível
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20
Literatura
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