GOIÂNIA, domingo, 11 de novembro de 2012 MAGAZINE / O POPULAR Entrevista MAURO ALENCAR A RECÍPROCA ‘ELE FOI UM OBSERVADOR DA ALMA HUMANA’ Sebastião Vilela Abreu OpaulistaMauro Alencar,50 anos,é doutoremTeledramaturgia Brasileirae Latino-AmericanapelaUSP. Pertence tambémà Academiade Artes e Ciênciada Televisão de NovaYork. Esempre foifã dePaulo Gracindo. “Em1971,aos 9anosdeidade, em vez demeinteressar pelosprogramasinfanto-juvenis,preferia as peripéciasdo bicheiroTucão,pelo subúrbio doRio, emBandeira 2”, novelada TVGlobo,escritapor DiasGomes (1922/1999)e exibidade 1971a1972.A declaração é dadaporMauro na Em qual veículo (TV, cinema, rádio e teatro), Paulo Gracindo se sentia mais à vontade? Basicamente em todos os veículos, mas destaco o rádio e a televisão. No rádio pela facilidade com a qual trabalhava a sua voz, veículo que atingiu o ápice na juventude do ator, na década de 1940. Na televisão, encontramos o talento de Paulo Gracindo a serviço do veículo que inicia seu processo de modernização e industrialização exatamente na década de 1970. Ou seja, Paulo Gracindo, um ator extremamente popular, foi ao mesmo tempo a base para a consolidação da comunicação de massa no Brasil e popularizou-se por meios desses dois veículos, rádio e televisão, ainda que o teatro tenha sido a sua grande escola e o cinema uma participação muito especial em sua vida, a exemplo de sua atuação em A Falecida (de Leon Hirszman, lançado em 1965) e Terra em Transe (de Glauber Rocha, 1967). A partir desses dois eixos comunicativosancora-seacarreiradePaulo Gracindo. Não por um acaso, a transição de um Brasil agrário para um Brasil industrial em todos os setores, o audiovisualinclusive. A trajetória de Paulo Gracindo é o retrato de uma época que não existe mais. A que se deve tanta desenvoltura do ator? A rígida formação que rece- apresentaçãodo livro Um Séculode Paulo Gracindo- OEterno Bem-Amado,que ele divide a autoriacom GracindoJúnior. Essa, digamos,fixação pelo estilode representarde Paulo Gracindo contribuiu- e muito -para MauroAlencar estudare ensinar televisão.Há 20anos,é consultor e pesquisador daTV Globo, ondeministraainda aulas deteledramaturgia emoficinas da CentralGlobo de Comunicação.DeMiami, ondeparticipava do CongressoMundial deTelenovela, Mauroconcedeuentrevista ao POPULAR,viae-mail. Otema, naturalmente, éPaulo Gracindo, comquem teve o privilégio deconviver na intimidade. beu do pai ou ele tinha algo especial, comum na vida dos grandes artistas? O talento nato para a arte dramática e a vocação para ultrapassar os obstáculos próprios e comuns da vida. Dessas duas vertentes forma-se o grande profissional, o grande ator! Alem disso, acredito que Paulo Gracindo tenha sido um grande observador da alma e do comportamento humanos, a base para uma excelente construção psicossocial de suas personagens. “Paulo Gracindo, um ator extremamente popular, foi a base para a consolidação da comunicação de massa no Brasil e popularizou-se por meios desses dois veículos, rádio e televisão, ainda que o teatro tenha sido a sua grande escola e o cinema uma participação muito especial em sua vida” Paulo Gracindo pertence a uma geração de atores que aprendeu no palco. Procópio Ferreira foi seu mestre maior? Não exatamente o maior, mas os seus mestres, digamos assim, foram as diversas companhias pelas quais Paulo Gracindo passou: Procópio, Dulcina de Moraes, Jaime Costa e Elza Gomes são os principais exemplos. Qual a principal característica do ator Paulo Gracindo? Transformar-se a cada novo trabalho em um novo ser humano, com características completamente distintas para cada composição de personagem (conforme deixo bem claro em toda a minha apresentação). Ou seja, suas atuações tornaram-se verdadeiras representações sociais. Como fã do ator, confor- me suas declarações, acredita que o resultado do livro foi satisfatório e retrata a grandeza de Paulo Gracindo? Sim. Estou completamente satisfeito com o resultado do livro. Assim como fiquei com o filme dirigido por Gracindo Junior, Paulo Gracindo, o Bem-Amado, a origem do livro. Ou seja, são trabalhos assim que registram para a eternidade a trajetória de uma vida, de um ator, dos diversos seres humanos representados por ele. E a celebração de uma existência humana! Mas devo confessar que a grandeza total só conseguimos ao acompanhar no vídeo as memoráveis atuações do magistral ator Paulo Gracindo. Na atualidade, existe algum ator com a competência comparável a de Paulo Gracindo? Cada ator é resultado de seu tempo. O que imortaliza um ator é o seu talento, a sua galeriadepersonagens,criaçõeshumanas. E o Brasil, a exemplo do que tenho escutado e observado no Congresso Mundial de Telenovela, aqui em Miami, é umceleirodeexcepcionaisatores!PauloGracindo,certamente, foi um pioneiro que desbravou caminhos e contribuiu para a valorização da carreira artística no Brasil e o seu talento foi peça-chave para toda a transformação social e cultural que um jovem país como o nossonecessitava. Divulgação Coisas de Paulo Gracindo No rádio, Paulo Gracindo aprendeu com Ary Barroso (1903/1964). Quando o compositor não podia apresentar o programa de shows de calourosquecomandavanaRádio Nacional, ordenava: “Bota o Gracindo que ele faz direito.” E ele fazia direito mesmo, tanto que seduziu o ouvinte à frente de Noite de Estrelas, Hoje Tem Espetáculo e Rádio Almanaque Kilynos. Paulo lançou ao estrelato a cantora Emilinha Borba (1923/2005), que duelou com Marlene durante anos pelo título de Rainha do Rádio. Desnecessário reafirmar que, nessa boa guerra de ouvidos apurados, Paulo Gracindo sempre se manteve ao lado de Emilinha. E na televisão com quem Paulo Gracindo aprendeu? Atuando, se valendo de suas próprias experiências, observando a sociedade, além do aprendizado que acumulou primeiro no teatro, depois no rádio.Emprestouaoarrogante coronel Ramiro Bastos, da primeiraversãodanovelaGabriela (1975), um hábito do seu avô alagoano. De pegar comidae guardarno bolsodo paletó para comer sozinho. Nasceu daí um dos momentos mais marcantes da teledramaturgianacional. Arthur do Amor Divino, o Tucão (Bandeira 2, 1971), Fred da Silva Barros (O Cafo- 7 “Eu respeito profundamente os meus colegas, mas se tenho que escolher um ator, é Lima Duarte” Paulo Gracindo em entrevista ao Fantástico (Rede Globo/TV Anhanguera), em 1989, sobre a fantástica parceria de ambos em O Bem-Amado “Paulo Gracindo foi um dos atores da minha predileção, ao lado de Gianfrancesco Guarnieri (1934/2006). E pude testemunhar sua grandeza por ter estado ao seu lado durante anos. Fizemos uma amizade muito rica porque era feita de lances profundamente humanos. Ele descia do seu pedestal de ídolo, eu também, e a gente ria muito, sobretudo um do outro, sobre o que éramos e o que representávamos, especialmente ele que era muito engraçado, muito inteligente e muito culto”, Lima Duarte, que conviveu com Paulo Gracindo durante anos em depoimento no livro Um Século de Paulo Gracindo – O Eterno Bem-Amado POR ONDE ELE PASSOU No teatro A primeira paixão de Paulo Gracindo foi o teatro. Aos 18 anos, foi para o Rio de Janeiro virar ator, depois que seu pai morreu. A partir de 1930, integrou o elenco do Grupo Ginástico Português de Amadores, das companhias de Dulcina de Moraes (1908/1996), Alda Garrido (1896/1970), Procópio Ferreira (1898/1979) e Elza Gomes (1910/1984). Em 1966, com a decadência do rádio, retorna ao teatro, faz cinema e domina a TV. Em 1987, montou O Preço, clássico do americano Arthur Miller (1915/2005), e, também, para muitos, o seu maior legado no tablado. No rádio Atuou em duas emissoras de rádio: Tupi (década de 1930) e Nacional (décadas de 1930, 1940 e início de 1950). No veículo, permaneceu por 25 anos. Foi radioator (da radionovela O Direito de Nascer, de 1951), locutor e apresentador de programas de variedades. Com Brandão Filho (1910/1998), interpretou os personagens primo rico e primo pobre, do humorístico Balança Mas Não Cai, escrito por Max Nunes, que migrou para TV. Na TV Entre novelas, minisséries, humorísticos, programas de auditório, teleteatros e casos especiais: 37 trabalhos. Estreou na TV Rio, em 1956, integrando o elenco do teleteatro A Pérola, adaptação de Dias Gomes (1922-1999) do romance do escritor americano John Steinbeck (1902-1968). Últimas aparições ocorreram no ano de 1993: na minissérie Agosto, escrita por Jorge Furtado e Giba Assis Brasil a partir do romance homônimo de Rubem Fonseca, e no episódio O Besouro e a Rosa, baseado no livro de Mario de Andrade (1893/1945), apresentado na Terça Nobre, uma criação do diretor de núcleo Guel Arraes. No cinema São 26 filmes. Entre eles a produção americana Tarzan and the Great River, rodado no Brasil na década de 1960 e lançado no mercado mundial em 1967. Nos culturais e conturbados anos 60, Paulo foi dirigido por Leon Hirszman (1937/1987) em A Falecida (1965) e Glauber Rocha (1939/1981) em Terra em Transe (1967). Na literatura Escreveu dois livros: Meu Pecado (poesia), de 1942, e Balança Mas Não Cai – Primo Pobre, Primo Rico (humor), de 1953. Escreveu também composições de músicas, como o samba Na Base do Amor, gravado por Bill Farr (1925/2010). Paciência de chinês O ator no papel de Antenor na novela Os Ossos do Barão (1973), com Lima Duarte na, 1971), Odorico Paraguaçu (O Bem-Amado, 1973), Antenor Camargo Parente de Rendon Pompeo e Taques (Os Ossos do Barão, 1973), João Maciel (O Casarão, 1976, personagem que foi também interpretado pelo seu filho no início da fase adulta, Gracindo Júnior) e Tião Borges (Sinal de Alerta, 1978) indicam não só a evolução arrebatadora do ator Paulo Gracindo como a profissionalização, a industrialização da telenovela nacional. DIAS GOMES, O AUTOR Deve-se à interpretação de Paulo Gracindo como o político populista e hipócrita, com seus adoráveis trejei- tos verbais cômicos, o início da exportação das telenovelas nacionais. Claro, o fato de O Bem-Amado ser a primeira novela colorida do Brasil contribuiu também. Mas se Dias Gomes (1922/1999), o autor da vida de Paulo Gracindo – com quem trabalhou em Bandeira 2, Sinal de Alerta, Roque Santeiro (na qual viveu padre Hipólito, de 1986) e Mandala (Vovô Pepe, 1988) – não tivesse encontrado o intérprete ideal de Odorico, a mania nacional de se entreter em frente à televisão teria demorado um pouco mais para chegar ao exterior. Foi Paulo Gracindo, como Odorico Paraguaçu, que aliciou, no bom sentido, os executivos da mexicana Televisa, que comprou a novela e depois a espalhou pelo mundo. Independente do peso do autor, Paulo Gracindo, embora tenha encontrado excelentes novelistas que escreveram para ele, sempre atraiu o olhar pela voz firme e sedutora presença. Na sua penúltima novela, Rainha da Sucata (de Sílvio de Abreu, de 1990), lançou o bordão: “Coisas de Laurinha”. Como o milionário falido Betinho Figueroa, referia-se às excentricidades de sua mulher, a vingativa Laurinha (Glória Menezes). E competência em frente às câmeras é coisa de Paulo Gracindo. Apesar de não ter tido muito envolvimento com o cinema, pois achava que tinha de ter paciência de chinês para enfrentar as cansativas jornadas de filmagens, Paulo Gracindo fez história na sétima arte também. Logo que chegou no Rio de Janeiro,nadécadade1930,antes de completar 20 anos, participou de algumas comédias da Cinédia. Em 1941,contracenoucomDulcina Moraes (1908/1996), nofilme24Horasde Sonho. Nadécadade1960,foiredescoberto pelo cinema novo. Em 1967, apareceu nas telas em Terra em Transe, de Glauber Rocha (1939/1981), e na estreia do diretorJúlioBressaneemCaraaCara. “Paulo Gracindo, para mim, continua sendo aquele ator que a gente deve procurar imitar, se for possível, porque é muito difícil imitar Paulo Gracindo. Mas a gente pode admirar, né?”, disse Grande Otelo (1915/1993), atorecomediantequetrabalhou com Paulo Gracindo em Onde Estás, Felicidade?, de1939. “Na hora da ação, entrava um monstro de um ator altamentepreparado,qualificado e com uma bagagem de estudo sobre o seu personagem que eu não vi em nenhum ator com quem eu tenha trabalhado na vida”, “Paulo Gracindo, para mim, continua sendo aquele ator que a gente deve procurar imitar, se for possível, porque é muito difícil imitar Paulo Gracindo. Mas a gente pode admirar, né?” Grande Otelo (1915-1993), que trabalhou com o ator no filme Onde Estás, Felicidade? afirmouFernandaMontenegro sobre o primeiro encontro com Paulo Gracindo no cinema em A Falecida, baseadona obra de Nelson Rodrigues (1912/1980). Depois, Fernanda o convenceu a atuar em Tudo Bem (1978), de Arnaldo Jabor, e se reencontraram em Trancado por Dentro (1989), curta-metragem de Luciana Vendraminietambémaúltimaapariçãodoatornocinema. “Tinha um aspecto no Paulo que me encantava muito: essa loucura dos anos 60, essa malandragem suburbana, um certocafajetismo poético”, observou o cineasta Arnaldo Jabor, que odirigiuem TudoBem. Veja galeria de fotos na versão flip do jornal: www.opopular.com.br