Ômega-3: o que existe de concreto?
Dan L. Waitzberg,
Professor Associado do Departamento de Gastroenterologia da Faculdade de Medicina da
Universidade de São Paulo (FMUSP).
Livre-docente, doutor e mestre em Cirurgia pela FMUSP.
Chefe do Laboratório de Metabologia e Nutrição em Cirurgia (Metanutri), LIM 35, do
Departamento de Gastroenterologia da FMUSP
Introdução aos lipídios
A palavra lipídio é derivada do grego “lipos”, que significa gordura.
Lípides são compostos necessários para funções orgânicas bioquímicas,
estruturais e regulatórias. Os lipídios são moléculas orgânicas, constituídas por
grupos de AG, ácidos carboxílicos com longas cadeias não ramificadas,
formadas por inúmeros pares de átomos de carbono unidos por ligações
simples ou duplas.
Participam da composição da membrana celular e podem modificar a
resposta imune e inflamatória. São rica fonte energética, pois fornecem em
torno de nove quilocalorias (kcal) por grama oxidada pelo processo da betaoxidação mitocondrial. Os AG são encontrados como componentes da
membrana ou sob a forma de triglicérides. Estes últimos são compostos de
uma molécula de glicerol esterificado a três moléculas de AG. Veja na Figura 1
o esquema do triglicéride.
Figura 1. Composição básica de um triglicéride: três ácidos graxos unidos por
esqueleto de glicerol (em azul).
1
Os triglicérides são metabolizados no fígado em ácidos graxos (AG) e
glicerol, e ambos produzem energia. Quando não usados para produção de
energia, os triglicérides são reconstituídos e armazenados no tecido adiposo.
As diversas funções desses compostos estão listadas na Tabela 1 .
Tabela 1. Principais funções dos lipídios
Fornecer energia (9,3 kcal/g), ácidos graxos essenciais e vitaminas lipossolúveis (A, D, E, K)
Funcionar como estoque de combustível energético não-glicídico (95% na forma de
triglicérides), utilizado principalmente no jejum
Prover proteção mecânica (a ossos e órgãos) e manutenção da temperatura corpórea
Participar da síntese de estruturas celulares, como a membrana fosfolipídica celular
Participar da síntese de hormônios
Transportar vitaminas lipossolúveis
Funcionar como mediadores intra e extracelulares da resposta imune
Participar no processo inflamatório e no estresse oxidativo.
Tipos de ácidos graxos
Os AG podem ser classificados de acordo com o tamanho da cadeia
carbônica, o grau de saturação e a posição da primeira dupla ligação de
carbonos. A notação química usada para descrever um ácido graxo informa
seu número de carbonos, o número de duplas ligações e a posição da primeira
dupla ligação em relação ao radical metil da extremidade distal da molécula.
Ácidos graxos de cadeia longa contêm de 14 a 24 carbonos, enquanto
os de cadeia média contêm 6 a 12 carbonos e os de cadeia curta têm 2 a 4
carbonos em cada molécula. A síntese de ATP (a adenosina trifosfato, que é
energia química) por AG percorre vários passos: transporte celular de AG, seu
acoplamento com certas proteínas, sua ativação em acil-coenzima A na
presença de acil-CoA sintetase e a sua passagem pela membrana mitocondrial
interna. Os AG com longa cadeia carbônica necessitam de carnitina para
auxiliar essa passagem. E os AG de cadeia média, embora prescindam da
carnitina para a entrada na mitocôndria, têm sua oxidação dependente da
carnitina.
2
Os AG saturados são os que não possuem dupla ligação em suas
moléculas. Monoinsaturados possuem uma dupla ligação, enquanto duas ou
mais duplas ligações caracterizam os AG poliinsaturados. Quanto mais
insaturado for um ácido graxo, mais susceptível à peroxidação lipídica ele será.
O número de duplas ligações determina o ponto de fusão de um ácido graxo ou
triglicéride. Os AG saturados tendem a ser sólidos (como a manteiga) em
temperatura ambiente, enquanto os poliinsaturados são geralmente líquidos
(como o óleo de soja).
Ácidos graxos são classificados de acordo com:
•
O número de átomos na cadeia carbônica:
longa (14-20 átomos de carbono),
média (6-12 átomos de carbono) e
curta (até 6 átomos de carbono);
•
O número de duplas ligações:
saturados (sem duplas ligações),
monoinsaturados (uma dupla ligação) e
poliinsaturados (mais de uma dupla ligação);
•
A posição da primeira dupla ligação (Figura 2) pode ser indicada
de maneiras distintas no caso de AG insaturados. Identifica-se a
posição da primeira dupla ligação contada a partir de seu radical
metil (representada pela letra grega ômega, ω 1) ou a partir de seu
grupo funcional (representada pela letra delta, ∆).
Figura 2. Exemplo de notação de um AG de cadeia longa poliinsaturado, no
caso a representação do ácido linoléico. A molécula contem dezoito carbonos
na cadeia (C18) e tem duas duplas ligações (2), sendo a primeira dupla ligação
localizada no sexto carbono a partir do radical metil (ômega-6).
Número de duplas ligações
C18
2
ω-6
Localização da primeira dupla ligação
Número de átomos de carbono
1
Os ácidos graxos do tipo ômega-3 e ômega-6 são freqüentemente chamados, na literatura
internacional, de “ácidos graxos n-3” e “n-6”, de “ácidos graxos w-3” e “w-6” ou ainda com o uso
do símbolo da letra grega ômega (ω-3 e ω-6). Todas as formas estão corretas, mas, neste
texto, optamos por escrever sempre “ômega”.
3
Necessidades de ácidos graxos
De acordo com a recomendação da Associação Americana do Coração
(American Heart Association), para um indivíduo saudável, 30% (ou menos) do
total de energia consumida deverá ser proveniente da gordura da dieta, na
seguinte proporção:
- 20 - 23% de AG poliinsaturados e monoinsaturados
- < 10% de AG saturados (para portadores de doenças coronarianas, < 7%)
- < 300 mg colesterol ao dia
As recomendações diárias de lipídios variam de acordo com a idade e
encontram-se descritas na Tabela 2 .
Tabela 2. Recomendações diárias de lipídios, conforme a idade, de acordo
com a literatura internacional e as Dietary Reference Intakes
Faixa etária
Bebê
0-6 meses
7-12 meses
Prematuro
o
Nascimento-7 dia
o
7 dia-saída da UTI
Até 1 ano após saída da UTI
Criança
1-3 anos
4-10 anos
4-8 anos
Grávidas
Até 50 anos
Lactantes
Até 50 anos
Adulto
11-18 anos
19-65 anos
9-13 anos (homem/mulher)
14-18 anos (homem/mulher)
19-50 anos(homem/mulher)
> 50 anos(homem/mulher)
Idoso
> 65 anos
Lipídios
Ômega-6
Ômega-3
31 g
30 g
4,4 g
4,6 g
0,5
0,5
7g
0,7 g
10 g
0,9 g
13 g
1,4 g
13 g
1,3 g
0,5-3,6g/kg de peso
corpóreo
4,5-6,8g/kg de peso
corpóreo
4,4-7,3g/kg de peso
corpóreo
30-40% do VCT*
25-35% do VCT*
25-35% do VCT*
20-35% do VCT*
12/10
16/11
17/12
14/11
20-35% do VCT
g
g
g
g
14/11 g
1,2/1,0
1,6/1,1
1,6/1,1
1,6/1,1
g
g
g
g
1,6/1,1 g
4
*Considera-se o VCT (valor calórico total) pela fórmula de Harris e Benedict; para idosos,
considerar uma redução das necessidades energéticas (2 a 4% por década) em função do
declínio da atividade física e da massa corporal metabolicamente ativa.
Recentemente a ISSFAL (International Society for the Study of Fatty
Acids and Lipids) publicou relatório sobre a ingestão recomendada de AGPI
para adultos saudáveis. Nesta recomendação nota-se a preocupação em
estabelecer quantidade de ingestão de ácidos graxos essenciais (AG linoléico e
linolênico), de ácido eicosapentaenóico (EPA) e de docosahexaenóico (DHA):
1. Ingestão adequada de ácido linoléico (ômega-6): 2% do total de energia;
2. Ingestão saudável de ácido linolênico (ômega-3): 0,7% do total de energia;
3. Para manutenção da saúde cardiovascular, ingestão mínima de EPA e
DHA combinados: 500 mg/dia.
Fontes de ácidos graxos na dieta oral
Os AG essenciais são encontrados em vegetais, em particular o linoléico
no milho, girassol, açafrão, enquanto o linolênico pode ser encontrado na soja,
na semente de colza (rapeseed), borragem e semente de linhaça. EPA e DHA
são encontrados em maior quantidade em óleos de peixes marinhos como
cavala, sardinha, arenque e menhaden. Carne de bovinos e produtos lácteos
contêm linoléico. Veja na Tabela 3 a composição dos principais AG na gordura
da dieta oral e as fontes alimentares e a quantidade dos alimentos a serem
ingeridos nas Tabelas 4 e 5 .
Monoinsaturados
Saturados
Tabela 3.Tipos de ácidos graxos e principais fontes alimentares
Manteiga, fibras
Butírico
Coco, babaçu
Cáprico, láurico
Gordura animal, cacau
Esteárico, araquídico
Azeite oliva, óleo canola
Acético
propiônico,
Capróico,
caprílico
Mirístico,
palmítico
Oléico
palmitoléico
Cadeia curta
Cadeia média
Cadeia longa
CL ômega-9
5
Poliinsaturados
Óleo açafrão, óleo soja,
óleo milho, óleo algodão,
óleo girassol, leite/carne
gama-linolênico 18:3
araquidônico 20:4
Linoléico 18:2
CL ômega-6
Óleo peixe, óleo noz, óleo
canola, óleo soja, linhaça
Eicosapentaenóico
(EPA) 20:5
Docosahexaenóico
(DHA) 22:6
alfa-linolênico
18:3
CL ômega-3
CL = cadeia longa.
6
Tabela 4. Quantidade de ácidos graxos ômega-3 a ser ingerida diariamente por
homens e mulheres para se alcançar a recomendação de se atingir
aproximadamente 1 g de ácidos eicosapentaenóico e docosahexaenóico por
dia (de acordo com Gebauer et al., 2006)
Homens
Mulheres
(1,6 g ALA/dia)
(1,1 g ALA/dia)
Semente de abóbora
890 g
612 g
Azeite de oliva
211 g
145,5 g
Óleo de soja
17,7 g
12 g
15 g
10,6 g
Linhaça
19,3 g
13,3 g
Nozes (Inglesa)
17,6 g
12,2 g
Óleo de linhaça
3,0 g
2,04 g
Fontes de ALA
Óleo de nozes
Tabela 5. Quantidade de ácidos graxos ômega-3 a ser ingerida diariamente de
frutos do mar por homens e mulheres para se alcançar a recomendação de se
atingir aproximadamente 1 g de ácidos eicosapentaenóico e docosahexaenóico
por dia (de acordo com Kris-Etherton et al., 2002).
Atum light em água
Atum fresco
Sardinha
Salmão rosa
Salmão do Atlântico (cultivado)
340
71-340
57-85
71
42,5-71
Arenque do Atlântico
57
Truta cultivada
85
Truta selvagem
99
Peixe de água salgada
85-213
Linguado
198
Bacalhau do Atlântico
354
Bacalhau do Pacífico
652
Ostras (cultivadas)
227
Lagosta
213-1.205
Camarão
312
A origem e a forma de preparo de alimentos ricos em ômega 3 podem
afetar a biodisponibilidade e o teor deste nutriente nos alimentos. Por exemplo,
peixes de cativeiro têm teor mais baixo de ômega-3 do que os mesmos peixes
7
quando selvagens. De seu lado a semente de linhaça, sofre rápida oxidação e
para não perder a sua quantidade efetiva de ômega-3 precisa ser triturada e
armazenada em recipiente escuro e fechado, e consumida em no máximo 72h.
Estilo de vida e hábitos alimentares da sociedade moderna podem levar a uma
baixa ingesdtão e, por conseqüência, uma deficiência do nutriente, o que pode,
a médio e longo prazo, trazer conseqüências danosas ao organismo.
Ácidos graxos essenciais
Humanos geralmente utilizam os AG obtidos de sua dieta diária, mas,
quando necessário, são capazes de sintetizar AG (saturados e monoinsaturados) a partir de glicose e aminoácidos por meio de reações enzimáticas
de alongamento (adicionam unidades de dois carbonos) e dessaturação (criação
de novas duplas ligações). A atividade de dessaturação é estimulada pela
insulina e inibida pela glicose, pela adrenalina e pelo glucagon.
No entanto, não possuímos as enzimas dessaturases especificamente
responsáveis por adicionar uma dupla ligação antes do nono carbono a partir
da extremidade metil (distal). As enzimas necessárias para essa finalidade são
as delta-9 e delta -15 dessaturases. Essas enzimas transformam o ácido oléico
(18:1 ômega-9) em ácido linoléico (18:2 ômega-6) e ácido linolênico (18:3
ômega-3), ambos considerados ácidos graxos essenciais (AGE). OS AGE não
são produzidos pela espécie humana, devendo ser adquiridos de fontes
dietéticas. Veja, na Figura 3, na próxima página, os processos de elongamento
de vários lípides a partir dos AG essenciais linoléico e alfa linolênico.
A incorporação de AGE pode determinar alterações estruturais e
funcionais da membrana fosfolipídica influenciando processos biológicos
importantes, como a síntese de mediadores inflamatórios que incluem os
eicosanóides.
AG ômega-3 e ômega-6 são precursores de eicosanóides que regulam a
função imune e inflamatória. Alguns derivativos dos AGE, como o
dihomogamalinolênico e o araquidônico, ambos do tipo ômega-6, e o ácido
eicosapentaenóico (EPA), da série ômega-3, têm especial importância por
serem precursores de mediadores lipídicos envolvidos em muitas funções
8
fisiológicas. A Tabela 6 traz as principais características, funções e
metabolismo dos AGE.
Figura 3. Formação de novos ácidos graxos de cadeia longa poliinsaturados
tipo ômega-6 e ômega-3 derivados dos ácidos graxos essenciais linoléico e
alfa-linolênico.
Séries ômega-6
Séries ômega-3
ácido linoléico
C18:2 ômega-6
ácido alfa-linolênico
C18:3 ômega-3
delta-6dessaturase
ácido gamalinolênico
C18:3 ômega-6
ácido estearidônico
C18:4 ômega-3
ácido dihomogamalinoléico
C20:3 ômega-6
C20:4 ômega-3
delta-5dessaturase
ácido araquidônico
C20:4 ômega-6
EPA
C20:5 ômega-3
elongase
DHA
C22:4 ômega-6
Eicosanóides
Séries 3-5
Eicosanóides
Séries 2-4
Eicosanóides
Séries 1
elongase
DHA
C22:5 ômega-3
delta-4dessaturase
DHA
C22:5 ômega-6
DHA
C22:6 ômega-3
EPA = ácido eicosapentaenóico
DHA = ácido docosahexaenóico
9
Tabela 6. Principais características dos ácidos graxos essenciais (AGE) e
derivados
AGE e derivados
Metabolismo
Toxicidade
Principais funções
Métodos de avaliação
ômega-3: ácido alfa-linolênico, ácido eicosapentaenóico, ácido
docosapentaenóico, ácido docosahexaenóico, eicosanóides (série
ímpar).
ômega-6: ácido linoléico, ácido gama-linolênico, ácido diiomogama-linolênico, ácido araquidônico e eicosanóides (série par).
Sofrem hidrólise pela enzima lipoproteína lípase no tecido adiposo
e muscular.
Os ácidos graxos livres são transportados pelo sangue, ligados à
albumina, ou são captados e reesterificados a triglicérides nos
tecidos adiposo e muscular.
Dependem da carnitina para oxidação na mitocôndria.
São metabolizados no fígado (principalmente) e no tecido adiposo,
de onde são transportados na forma de lipoproteínas de muito
baixa densidade (VLDL).
Ingestão de AGE superior a 15% do valor calórico total.
Alteração do metabolismo dos ácidos graxos de cadeia longa,
influenciando na produção de mediadores como prostaglandinas e
leucotrienos.
Estresse oxidativo, diretamente relacionado ao grau de
insaturação do triglicéride, levando à peroxidação lipídica
(principalmente se houver deficiência de vitamina E- antioxidante).
Imunossupressão (excesso de ômega-6).
Componentes celulares (fluidez e funções de membrana) e
fosfolípides plasmáticos.
Precursores de eicosanóides (prostaglandinas e leucotrienos).
Cofatores enzimáticos.
Modulação do sistema imune.
Medidas em: plasma total, frações lipídicas do plasma, célula
sangüínea e em fragmentos de tecidos.
Os AG de cadeia longa mais incorporados às membranas são (em
ordem de maior incorporação): o ácido eicosapentaenóico (EPA) e o
docosahexaenóico (DHA), ambos ômega-3, o ácido araquidônico (ômega-6) e
o ácido oléico (ômega-9). Em adição a seus efeitos na estabilidade e fluidez da
membrana, os AGPI ômega-3 e ômega-6 são também precursores dos
eicosanóides, mediadores inflamatórios lipossolúveis que constituem uma das
principais vias de atuação dos AG.
Os AGE são ainda alvos preferenciais da peroxidação lipídica por
conterem duas ou mais duplas ligações e, portanto, serem mais instáveis que
os AG monoinsaturados (AGMI) ômega-9 ou saturados. Os AGPI ômega-3 são
oxidados mais rapidamente que os AGPI ômega-6 e são mais susceptíveis a
peroxidação lipídica.
10
A oferta de lipídios deve, portanto, prever o aporte de AG essenciais. As
principais características dos diferentes AG essenciais e a recomendação de
proporção entre eles na dieta encontram-se descritas na Tabela 7.
Tabela 7. Composição porcentual de ácidos graxos na gordura da dieta
Óleo
16:0
18:0
18:1
18:2 (n-6)
18:3 (n-3)
n-6:n-3
soja
10
4
25
54
7
7.7
açafrão
7
2
14
76
0.5
152
girassol
7
5
19
68
1
68
milho
11
4
24
54
1
54
oliva
13
3
71
10
1
10
canola
4
2
62
22
10
2
palmeira
45
4
40
10
1
10
amendoim
11
2
48
32
--
alta
linhaça
5
4
21
16
54
0.3
Deficiência e excesso de ácidos graxos essenciais
As funções nutricional, estrutural e reguladora dos lipídios têm impacto
significativo nas ações fisiológicas mais importantes, incluindo hemodinâmica e
oxigenação, assim como estado imunológico e metabolismo. A deficiência de
AG
essenciais
causa
disfunção
imunológica,
dermatite,
alopecia,
trombocitopenia e má cicatrização. Na gravidez, a deficiência de DHA pode
estar associada com prejuízo cognitivo e do desenvolvimento visual do feto. Os
principais sintomas e sinais clínicos de deficiência dos AG essenciais ômega-6
e ômega-3 encontram-se na Tabela 8.
Tabela 8. Sintomas e sinais clínicos da deficiência de ácidos graxos
essenciais, tipo ômega-3 e ômega-6
Deficiência de
Ácidos graxos ômega-6
Ácidos graxos ômega-3
Sinais e sintomas clínicos
lesões de pele
anemia
aumento da agregação plaquetária
trombocitopenia
esteatose hepática
retardo da cicatrização
aumento da susceptibilidade a infecções
sintomas neurológicos
redução da acuidade visual
lesões de pele
11
retardo do crescimento
diminuição da capacidade de aprendizado
eletroretinograma anormal
Em crianças: retardo do crescimento e diarréia
A oferta em excesso de AGPI ômega-6 poderia comprometer a evolução
clínica de certos pacientes críticos hospitalizados
devido ao aumento da
síntese de eicosanóides pró-inflamatórios, intensa peroxidação lipídica e
reduzido clareamento plasmático. Como alternativa para reduzir a oferta
excessiva de AG ômega-6, podem ser utilizadas fontes diferentes de lipídios,
como se vê na Tabela 9. O tipo de ácido graxo ideal para ser ofertado sofre
influência da condição clínica do paciente.
Tabela 9. Fontes alternativas de lipídios, em relação ao óleo de soja para
oferta reduzida de ácidos graxos (AG) poliinsaturados tipo ômega-6
Fonte de lipídios
Óleo de coco
AG
Saturados de
cadeia média
Óleo de oliva
Monoinsaturados
ômega-9
Óleo de peixe
Poliinsaturados
ômega -3
Vantagens
Apresentam vantagens metabólicas que incluem
clareamento plasmático mais rápido e
independência da ligação plasmática com a
albumina, preservando, dessa maneira, o retículo
endotelial hepático.
Sofre menor peroxidação e sua oferta para
pessoas saudáveis não alterou funções imunes,
apontando um papel neutro sobre a resposta
imuno inflamatória.
Tem efeito antiinflamatório sem prejuízo de
funções imunes e, desse modo, pode ser benéfico
em condições inflamatórias. O risco de intensa
peroxidação lipídica pode ser reduzido com uso
de antioxidantes como a vitamina E.
Ácido graxo ômega-3
O ácido graxo poliinsaturado (AGPI) do tipo ômega-3 é classificado
como de cadeia longa por ter 14 a 22 átomos de carbono, como do tipo
poliinsaturado por ter mais de uma dupla ligação e recebe a denominação
ômega-3 por conter a primeira dupla ligação no carbono 3 a partir do radical
metil. O interesse em estudar AGPI ômega 3 começou a partir da observação
epidemiológica de menor incidência de doenças cardiovasculares em
esquimós, relacionada à sua dieta. Descobriu-se, então, que o fator de
proteção eram os AGPI ômega-3 que estão presentes em grande quantidade
12
em alguns peixes de regiões frias, principalmente salmão, atum e truta, muito
consumidos pelos esquimós. Veja novamente, nas Tabelas 4 e 5, as principais
fontes de ácidos graxos ômega-3 vegetais e animais. O consumo dos AGPI
ômega-3 está associado à diminuição de níveis de colesterol total, triglicérides
e, conseqüentemente, aumento dos níveis de lipoproteínas de alta densidade
(HDL). Os esquimós, apesar do alto consumo de dietas ricas em gordura,
apresentavam baixos níveis de colesterol total, triglicérides, lipoproteínas de
densidade muito baixa (VLDL) e níveis maiores de lipoproteínas de alta
densidade (HDL), fatores relacionados a menores índices de doenças
cardiovasculares. Nessa população, essas doenças tinham baixos índices de
mortalidade em relação à população norte-americana (10,3% x 50%).
Simultaneamente às observações positivas para variáveis cardiovasculares nos esquimós, foi apontada nessa população baixa incidência de
doenças auto -imunes e inflamatórias, como psoríase, asma, diabetes tipo I e
esclerose múltipla. Em contraste, a dieta consumida no ocidente e em países
industrializados é rica em AGPI do tipo ômega-6 (devido principalmente ao
grande consumo de óleos vegetais e gordura saturada) e contém pouco AGPI
ômega-3 (por redução no consumo de peixes), o que explica a maior
predominância de AGPI ômega-6 sobre os ômega-3 na estrutura das
membranas celulares. As dietas ocidentais têm razão ômega-6/ômega-3
próxima de 10 a 20:1. O aumento no consumo de AGPI ômega-3 substitui
parcialmente os AGPI ômega-6 na membrana celular (exemplo: eritrócitos,
plaquetas, linfócitos, monócitos, células endoteliais e hepatócitos) e está
relacionado a efeito protetor em diversas condições inflamatórias e autoimunes. O AGPI ômega-3 pode também aliviar sintomas em pacientes com
artrite reumatóide e doença inflamatória intestinal. Isso tem sido atribuído à
ação inibitória sobre a produção de eicosanóides2 e citocinas3 pró-inflamatórias
nos tecidos periféricos.
Ácidos graxos e inflamação
2
Eicosanóides: substâncias derivadas do ácido araquidônico: prostaglandinas, leucotrienos e
tromboxanos.
3
Citocinas são proteínas semelhantes a hormônios que regulam a intensidade e a duração da resposta
imune e medeiam a comunicação intercelular. Exemplos: interleucina, interferon, linfocinas e fatores de
crescimento.
13
A proteção do organismo contra agentes infecciosos e diferentes
insultos é crucial para a manutenção de sua integridade e equilíbrio. No
decorrer da evolução humana, a natureza selecionou um sistema integrado de
eventos teciduais, bioquímicos e celulares que trabalham orquestradamente no
reconhecimento, contenção e destruição de patógenos e de células infectadas
ou lesadas. O processo inflamatório é parte desse sistema e participa da
resposta imune imediata à infecção ou à lesão. A inflamação é caracterizada
pela presença de rubor, edema, calor, dor e perda de função, que ocorrem em
resposta ao aumento do fluxo sangüíneo e da permeabilidade vascular,
desencadeados
por
mediadores
inflamatórios,
como
as
aminas,
os
eicosanóides (mediadores inflamatórios lipídicos) e as citocinas (exemplos:
histamina, bradiquinina, leucotrienos, interleucina-1, fator de necrose tumoralalfa e interferon-gama). Apesar de ele constituir um evento normal da resposta
imune, diferentes condições, como trauma e cirurgia, podem induzir a ativação
excessiva do processo inflamatório que, se persistirem, provocam danos a
tecidos e órgãos.
Os AG poliinsaturados (PUFA) e monoinsaturados (MUFA) são capazes
de influenciar a produção de citocinas e a resposta tecidual. De uma maneira
geral, gorduras ricas em AG do tipo ômega 3 (AG ômega-3) e MUFA, ou pobres
em AG do tipo ômega 6 (AG ômega-6) reduzem a resposta inflamatória
sistêmica. Alguns sintomas inflamatórios específicos podem ser suavizados pelo
uso de AG ômega-3 em condições como artrite reumatóide, psoríase, asma,
esclerose múltipla, doença de Crohn e colite ulcerativa. Por outro lado, gorduras
ricas em AG ômega-6 podem exercer efeitos opostos. Todavia, a combinação de
ambos AG (ômega-6 e ômega-3) atenua vários componentes da resposta
imunológica, em particular aqueles que envolvem diretamente os linfócitos.
A ingestão de AGMI ou diferentes tipos de AGPI pode modular a
composição de AG da membrana fosfolipídica de células imunológicas, bem
como de seus tecidos-alvo. Fosfolipases são ativadas durante resposta ao
trauma ou infecção conseqüentemente, prostaglandinas (PG), leucotrienos (LT)
e outros mediadores lipídicos são produzidos. A ingestão de diferentes AG
pode resultar em perfis distintos de PG, LT e outros mediadores lipídicos
14
podem ser formados. A natureza desses mediadores pode determinar a
intensidade da resposta inflamatória.
Ácidos graxos ômega-3 exercem efeito antiinflamatório por pelo menos
três mecanismos. Primeiro, influenciam a composição fosfolipídica da
membrana celular, resultando na síntese de mediadores lipídicos com menor
potencial inflamatório que mediadores derivados dos AG ômega-6. Segundo,
agem como agonistas de PPAR (receptor de ativação de proliferação de
peroxissomas), cuja ativação exerce efeitos antiinflamatórios. Terceiro, os AG
ômega-3 estabilizam o complexo NFkB/IkB, suprimindo a ativação de genes
envolvidos no processo inflamatório.
Estudos clínicos mostram que a nutrição parenteral (NP) enriquecida
com AG ômega-3 exerce efeitos benéficos em pacientes com sepse. Nesse
sentido, Mayer e colaboradores demonstraram o efeito da terapia nutricional
parenteral (NP) enriquecida com AG em 19 pacientes. Desses, nove pacientes
receberam NP enriquecida com AG ômega-3 e 10 pacientes receberam NP
enriquecida com AG ômega-6. Observou-se então que a produção de citocinas
pró-inflamatórias aumentou significativamente no grupo de recebeu NP
enriquecida com AG ômega-6. Ao mesmo tempo, a infusão de NP enriquecida
com AG ômega-3 não só reduziu a capacidade das células mononucleares de
produzir citocinas mas também diminuiu a adesão e migração endotelial de
monócitos.
Eicosanóides
Todas as células dos mamíferos, exceto eritrócitos, produzem
eicosanóides. Estas moléculas são extremamente potentes e causam efeitos
fisiológicos profundos em concentrações muito pequenas. Os eicosanóides
funcionam no mesmo local de sua síntese. Eicosanóides são mediadores
inflamatórios de origem lipídica que modulam a resposta inflamatória do
organismo. Os eicosanóides modulam a resposta inflamatória de forma
desigual. Aqueles provenientes do metabolismo de AGPI tipo ômega-6 são
potentes mediadores inflamatórios e os de AGPI ômega-3 resultam em
resposta inflamatória atenuada. Essas observações apontam para uma
15
capacidade de AG ômega-3 de inibir a resposta inflamatória aguda, induzida ou
agravada por eicosanóides derivados do metabolismo de AG ômega-6. Eles
são sintetizados a partir dos AG ômega-6 ou dos AG ômega-3. Esses AG
competem entre si pelas mesmas vias enzimáticas de síntese, a ciclooxigenase
e a lipooxigenase. A ciclooxigenase e lipooxigenase produzem respectivamente
prostanóides (tromboxanos, prostaglandinas) e leucotrienos e lipoxinas, como
veremos, chamados de séries par e ímpar (Figura 4).
Figura 4. Estrutura de alguns eicosanóides.
Prostaglandina (PGE 2)
Tromboxano (TXA2)
Leucotrieno (LTA4)
Os eicosanóides da classe impar, produzidos pelos AGPI ômega-3 têm
menor poder inflamatório que os da classe par produzido pelos AGPI ômega-6.
Os eicosanóides atuam por meio de receptores ligados a proteínas e
nucleotídeos cíclicos. A PGE 2 inibe a blastogênese linfocitária e potente
imunossupressor. TXA2 e LTB 4 são vasoconstritores poderosos, induzem
agregação plaquetária e causam broncoconstrição. Veja na Figura 5 a síntese
de eicosanóides classe par e classe impar.
16
Figura 5. Produção de eicosanóides a partir de AGPI ômega-3 e ômega-6.
Leucotrienos da série 5
LTB5, C5, D5, E5
Prostanóides da série 3
TXA3, PGE3, PGI3
EPA
H3C3 = C-RCOOH
Via da
lipooxigenase
Via da
ciclooxigenase
ácido araquidônico
H3C6 = C-RCOOH
LT da série 4
LTB4, C4, D4
prostanóides da série 2
TXA2, PGE2, PGI2
TX – tromboxanos; PG - protaglandinas
Os eicosanóides oriundos do metabolismo do ácido graxo poliinsaturado
ômega-6, particularmente araquidônico, são da série par, e são as
prostaglandinas 2, leucotrienos 4, e tromboxanos A2. Estes são importantes
mediadores bioquímicos envolvidos na infecção, inflamação, lesão tecidual,
modulação do sistema imune e agregação plaquetária, estando diretamente
ligados ao desenvolvimento, crescimento e metástases tumorais, in vitro e in
vivo. De seu lado, o ácido graxo alfa-linolênico (ômega-3) pode ser convertido
em ácido eicosapentaenóico (EPA) e docosahexaenóico (DHA). Estes
competem com o AG araquidônico pelas vias enzimáticas da ciclooxigenase e
lipoxinase e tambem formam eicosanóides. No entanto são eicosanoides da
série impar, como as prostaglandinas da série 3, leucotrienos da série 5, e
tromboxanos A3, que têm menor efeito inflamatório. A Figura 6 mostra a
formação de prostaglandinas e tromboxanos a partir do ômega-3.
17
Figura 6. Síntese de algumas prostaglandinas (PG) e tromboxanos (TX)
clinicamente relevantes a partir do ácido araquidônico. Vários estímulos, entre
eles epinefrina, trombina e bradicinina, ativam a fosfolipase A2 (PLA2), que
hidrolisa o ácido araquidônico dos fosfolípides de membrana. O subscrito 2 em
cada molécula refere-se ao número de dupla ligações presentes. Adaptado do
original de King e colaboradores (1996).
PLA-2 (inibida por esteróides)
Bradicinina
fosfolípides
+ ve
proteína-G
ciclooxigenase
ácido araquidônico +
lisofosfolípide
PGG2
peroxidase
síntese de
prostaciclina
PGH 2
PGE 2
PGI2
PGD 2
PGF 2α
(2) GSH
(2) GSSG
síntese de
tromboxane
TXA2
TXB2
Veja, na Figura 7, os produtos da via lipooxigenase a partir do ácido
araquidônico. Os leucotrienos LTC 4, LTD 4, LTE 4 e LTF 4 são chamados de
peptidoleucotrienos devido a presença de aminoácidos .
18
Figura 7. Síntese de alguns leucotrienos (LT) clinicamente relevantes a partir
do ácido araquidônico. Vários estímulos, entre eles epinefrina, trombina e
bradicinina, ativam a fosfolipase A2 (PLA2), que hidrolisa o ácido araquidônico
dos fosfolípides de membrana. O subscrito 4 em cada molécula refere-se ao
numero de dupla ligações presentes.
PLA-2 (inibido por esteróides)
Bradicinina
fosfolípides
+ ve
proteína-G
5lipooxigenase
ácido araquidônico +
lisofosfolípide
LTA4
+ glutationa
LTB4
LTC4
- glutamato
+ glutamato
LTF4
- glicina
LTE4
LTD4
Considera-se que o AGPI ômega-3 tem papel maior no mecanismo de
defesa do sistema imune, enquanto que o AGPI ômega-6 participa mais do
processo inflamatório. Dessa maneira, a produção de citocinas pró-inflamatórias
é atenuada e outros processos celulares são modulados beneficamente na
presença de EPA e DHA, mas não pelo AGPI ômega-6. A capacidade do AGPI
ômega-3 de antagonizar a produção de eicosanóides derivados do metabolismo
de AGPI ômega-6 constitui um ponto-chave do efeito antiinflamatório atribuído a
ele. No entanto, os AGPI ômega-3 também exercem outros efeitos que parecem
ser independentes da modulação da produção de eicosanóides. Evidências
científicas preliminares indicam que AGPI ômega-3
podem influenciar
diretamente a produção de citocinas, inibindo a produção de fator de necrose
tumoral alfa (TNF-alfa) e de interleucinas IL -1beta e IL-6 por células
19
imunocompetentes, em modelos de cultura celular. A suplementação com
ômega-3 em voluntários saudáveis diminuiu a capacidade dos monócitos de
sintetizar IL-1 e TNF.
Veja, na Figura 7, os produtos da via ciclooxigenase. Vários estímulos,
entre eles epinefrina, trombina e bradicinina, ativam a fosfolipase A2 (PLA2) que
hidrolisa o ácido araquidônico dos fosfolípides de membrana. Na Figura 8,
pode-se acompanhar exemplos das diferentes ações destes eicosanóides.
Figura 8. Algumas propriedades inflamatórias dos eicosanóides derivados do
ácidos araquidônico (ômega-6) e eicosapentaenóico (ômega-3).
Efeitos inflamatórios de eicosanóides
ácido araquidônico
LTB4
FAP
neutrófilos
quimiotaxia
ativação PMN
permeabilidade
ácido eicosapentaenóico
LTB5
inflamação
aderência PMN
reação imune
macrófagos
e endotélio
TXA2
vasoconstrição
ativação PMN
trombogênese
TXA3
efeito biológico
PGE2
vasodilatação
ativação PMN
PGE3
vasodilatação
ativação de PMN
PMN = Leucócitos polimorfonucleares.
Os eicosanóides regulam a produção de várias citocinas implicadas na
inflamação. Assim a prostaglandina 2, oriunda de substratos de AG ômega-6,
inibe a produção de interleucinas (IL-1, IL-2, IL-6), e do fator de necrose
tumoral (TNF). Os leucotrienos da série -4 aumentam a produção de IL -1, IL-2,
e IL-6 e a proliferação linfocitária. Com a oferta de AGPI ômega-3, a síntese de
20
prostaglandinas e leucotrienos da série par é reduzida e, portanto, ocorre
modulação das citocinas inflamatórias, particularmente em humanos.
Em doentes em pós-operatório de câncer esofágico sob nutrição
parenteral a administração de emulsão lipídica rica em AGPI ômega-6 (óleo de
soja) aumentou os níveis de IL -6, enquanto a suplementação com EPA reduziu
a taxa de IL-6 e melhorou a imunidade celular.
Óleo de peixe e gravidez
A suplementação de 500 mg de DHA e 150 mg de EPA, com ou sem
suplementação de ácido fólico (400 microgramas) a partir da 22a semana de
gestação promove aumento do EPA plasmático materno e do DHA materno e
fetal até o parto, o que é considerado protetor para o feto. O trabalho
prospectivo que comprovou essa elevação (de Krauss-Etschmann et al.,
publicado em 2007) foi realizado em três países europeus, envolvendo 220
gestantes.
Recentes evidências científicas suportam o uso de ácidos graxos
ômega-3
na
prevenção
do
parto
prematuro:
certas
prostaglandinas
normalmente produzidas pelo organismo humano, especialmente PGF2 e PGE
2, são parcialmente responsáveis pela iniciação do trabalho de parto. E altos
níveis de metabólitos de ômega-6 e baixos de ômega-3 no sangue da mãe e na
placenta são encontrados em casos de parto prematuro. Os pesquisadores
perceberam que interferindo no equilíbrio das prostaglandinas no corpo,
poderiam prolongar a gestação. A concentração de ácidos graxos ômega-3 na
dieta tem efeito comprovado na duração da gravidez. Um trabalho (Olsen et al.)
mostrou que a suplementação com cápsulas de óleo de peixe diminuiu em 21%
a taxa de partos prematuros (diferença significativa sobre placebo), sendo que
também foi observado prolongamento da gravidez com aumento dietético da
ingestão de ácido graxo ômega-3. Esse efeito pode ser observado mesmo
quando o nutriente é ingerido no último trimestre da gestação, em doses de
cerca de 100 mg de DHA por dia.
Os poucos estudos que não conseguiram demonstrar efeitos na duração
da gestação, peso ao nascer ou outros fatores após aumento da ingestão de
21
ômega-3 tampouco mostraram efeitos adversos da ingestão. Além disso, a falta
de impacto pode ser resultante da falta de aderência. O prolongar da gestação
protege o bebê na medida em que permite maior peso ao nascer e diminuição
da morbidade e mortalidade relacionadas com a prematuridade.
Mães que ingerem alimentos funcionais contendo ômega-3 dão à luz
crianças com melhores habilidades cognitivas aos nove meses de idade. Mais:
pesquisadores da Universidade de Oslo (Helland et al.) realizaram brilhante
estudo em que deram suplementação de óleo de peixe para mais de 300
grávidas a partir da 18a semana da gestação até três meses após o parto (76
das quais amamentaram no peito até os três meses de idade do bebê). As
crianças que nasceram de mães que tomaram o óleo de peixe, e não o óleo de
soja, tiveram escores mais altos em testes de inteligência até os quatro anos
de idade, quando foram reavaliadas. Os autores concluíram que essa
suplementação
docosahexanóico
favorece
e
o
o
desenvolvimento
ácido
araquidônico
mental,
são
já
que
importantes
o
ácido
para
o
desenvolvimento do sistema nervoso central em mamíferos, pois se acumula
em grande quantidade no último trimestre, quando a maior parte das células
cerebrais está se formando. O benefício na amamentação foi comprovado por
outro trabalho, que mostrou que lactantes com maior ingestão de ácido
docosahexaenóico tinham filhos com melhor acuidade visual.
Óleo de peixe e a resposta inflamatória do doente grave
Controlar a intensidade da resposta inflamatória no doente crítico e
cirúrgico constitui um ponto fundamental para o sucesso da recuperação do
enfermo. Atualmente, graças às evidências epidemiológicas e experimentais de
que AG poliinsaturados ômega-3
(AGPI
ômega-3)
podem
influenciar
diretamente processos inflamatórios, vem crescendo o interesse em estudar o
uso destes nutrientes funcionais para o tratamento de diversas condições
clínicas.
Com a assimilação desses conceitos e os avanços nos conhecimentos
das propriedades metabólicas e imunomoduladoras dos AGPI ômega-3, foi
possível
o
desenvolvimento
de
fórmulas
lipídicas
adaptadas
para
22
suplementação parenteral desses AG. Essas dietas lipídicas representam hoje
uma potente ferramenta para melhorar a evolução das doenças de base
inflamatória, conforme foi observado em estudos clínicos, nos quais a infusão
endovenosa de EL à base de óleo de peixe foi associada com aumento da
produção de eicosanóides da série ímpar (que apresentam menor efeito
inflamatório) e diminuição da liberação de citocinas pró-inflamatórias (TNF-alfa,
IL-1beta, IL -6 e IL -8) em pacientes com sepse. A menor produção de
eicosanóides pró-inflamatórios acompanhada da melhora nas lesões cutâneas
de pacientes com psoríase também foram observadas após a infusão de EL à
base de óleo de peixe. Em outro estudo clínico, a oferta de NP enriquecida com
óleo de peixe em pacientes críticos resultou em menor tempo de internação
hospitalar e em unidade de terapia intensiva, menor uso de antibióticos e
redução da mortalidade.
Uso clínico de AGPI ômega-3
Diversos estudos clínicos têm se proposto a examinar a ação do uso de
AGPI ômega-3 em diferentes doenças inflamatórias. Um resumo desses
achados está no Quadro 1. Em seguida, são apresentados os principais
resultados por condição clínica.
Quadro 1. Efeitos imunológicos observados experimentalmente com o
consumo de óleo de peixe
Diminuição de:
proliferação linfocitária
citotoxicidade mediada por células T
atividade de células tipo “natural killer”
quimiotaxia de monócitos e neutrófilos
expressão de moléculas de superfície MHC classe II
produção de citocinas pró-inflamatórias (interleucinas 1 e 6, fator de necrose tumoral)
expressão de moléculas de adesão
Asma
O papel protetor do AGPI ômega-3 na asma está baseado em três
princípios: 1) a asma é uma doença inflamatória que é potencializada pela
produção excessiva de leucotrienos pró-inflamatórios, 2) a suplementação com
23
óleo de peixe reduz essa produção excessiva, e 3) há uma correlação entre o
consumo de peixe e diminuição do risco de asma e aumento da função
pulmonar. No entanto, a evidência de sua eficácia na prevenção e tratamento
da asma é ainda contraditória.
Em estudo duplo-cego, a suplementação com 1,0 g/dia de EPA/DHA
durante doze meses ocasionou aumento de 23% no volume forçado do
primeiro segundo (VEF 1) no grupo suplementado, e não no grupo controle (p <
0,005). Este estudo, porém, não observou redução no uso de medicamentos. O
acréscimo de óleo de peixe na dieta de pacientes com asma há mais de oito
semanas também não apresentou efeitos benéficos.
Em outro estudo controlado, 29 crianças com asma brônquica e longo
tratamento hospitalar (mais de um ano, sendo 85% do tempo internadas),
receberam cápsulas com óleo de peixe (84 mg EPA e 36 mg DHA) ou cápsulas
controle (óleo de oliva, 300 mg). O escore dos sintomas da asma foi
significativamente menor no grupo óleo de peixe após 6 a 10 meses de
suplementação. Os autores concluem que o AGPI ômega-3 pode ser benéfico
para crianças com asma brônquica, no entanto, enfatizam que os resultados
foram obtidos em ambiente estritamente controlado, com exposição a
alérgenos inaláveis e constituintes da dieta iguais para todos os participantes.
Como medida para prevenção da asma, estudos indicam que a
suplementação durante a gestação de mulheres atópicas diminuiu a produção
de citocinas específicas para alérgenos, assim como a gravidade da dermatite
atópica em seus filhos. Os achados sugerem que uma suplementação ou um
aumento no consumo de alimentos com AGPI ômega-3 podem diminuir a
incidência de doenças alérgicas, como a asma.
Artrite reumatóide
Pacientes com doenças auto-imunes, como a artrite reumatóide,
geralmente respondem à suplementação de EPA e DHA com uma diminuição
dos níveis elevados de citocinas e com isso, sentem melhora nos sintomas.
Catorze estudos randomizados, duplo-cego, placebo-controlados sobre
a suplementação com óleo de peixe em pacientes com artrite reumatóide foram
24
revisados sistematicamente e indicaram efeitos benéficos do EPA + DHA na
rigidez matinal, redução no número de articulações dolorosas ou inchadas,
aumento na resistência à dor aguda e diminuição no uso de drogas
antiinflamatórias
não
esteroidais,
sugerindo
desta
maneira
que
uma
suplementação com óleo de peixe deve ser inserida como parte da terapia
padrão para a artrite reumatóide. Kremer e colaboradores encontraram
benefícios semelhantes pelo período mínimo de suplementação de 12
semanas e dosagem mínima de 3 g de EPA e DHA.
Outro estudo demonstrou que EPA e DHA diminuíram a produção de
LTB4 em 33% e fator de ativação plaquetária em 37% nos 12 pacientes que
receberam suplementação por 6 semanas. Efeitos benéficos foram vistos
mesmo após o término da suplementação com óleo de peixe.
Doença inflamatória intestinal
A doença de Crohn e a colite ulcerativa são doenças inflamatórias
intestinais distintas, complexas e envolvem componentes imunológicos,
ambientais e genéticos. Recentes medidas de controle da colite ulcerativa
estão centradas em mediadores inflamatórios solúveis. Os mediadores mais
estudados são os metabólitos do ácido araquidônico, prostaglandinas,
leucotrienos e citocinas.
Pacientes com colite ulcerativa apresentam aumento na quantidade de
LTB4 (via lipooxigenase) e IL -1beta. Stenson e colaboradores, em estudo
duplo-cego, cruzado, sobre a suplementação de óleo de peixe verificaram
aumento da produção de LTB5 e diminuição de LTB4; no entanto, houve
melhora clínica moderada. Belluzzi e colaboradores demonstraram redução na
recidiva em pacientes com doença de Crohn em fase de remissão e
suplementados com 2,7 g de preparado de óleo de peixe contendo ômega-3.
O uso do ômega-3 em pacientes com doença inflamatória intestinal
parece ocasionar melhora clínica significativa e a grande variação nas
respostas ao tratamento pode estar relacionada à heterogeneidade das
diversas doenças inflamatórias intestinais.
25
26
Doença cardiovascular
Como vimos, óleo de peixe é hoje um dos principais constituintes de
uma dieta saudável, e diversos estudos epidemiológicos e trabalhos clínicos
mostraram seus efeitos benéficos na prevenção primária e secundária da
doença
coronariana
(DC).
O
consumo
de
500
mg/dia
de
ácidos
eicosapentanóico (EPA) e docosahexanóico (DHA) é recomendado por
diversas agências mundiais de saúde, como a Organização Mundial de Saúde
(OMS), para reduzir o risco de doenças cardiovasculares. Já para pacientes
portadores de doenças cardiovasculares, recomenda-se o consumo de 1 g/dia
desses ácidos graxos. Esses dados suportam as recomendações dietéticas da
American Heart Association de incluir pelo menos duas porções de peixe por
semana na alimentação.
Em trabalhos clínicos randomizados que utilizaram pacientes com DC,
suplementos
de
AG
ômega-3
reduziram
o
número
de
eventos
cardiovasculares. Os estudos indicam que AG ômega-3 podem reduzir a
progressão de aterosclerose nesses pacientes. E mesmo em pessoas
saudáveis, livres de qualquer doença, coronariana, inflamatória ou viral, foi
provado recentemente (por estudo populacional realizado por Chrysohoou et al.
na Grécia) que a ingestão de óleo de peixe na dieta está inversamente
associada à duração do intervalo QTc (corrigido para freqüência cardíaca) no
eletrocardiograma: esse intervalo, quando longo, está associado a aumento do
risco de arritmias e de morte súbita.
Recentemente, uma revisão comandada pelo governo nos Estados
Unidos concluiu que os AG ômega-3, especialmente o ácido eicosapentaenóico
(EPA) e o acido docosahe xaenóico (DHA), têm claros efeitos cardioprotetores,
e instituições de saúde e cardiologia iniciaram um apelo para se aumentar a
ingestão de EPA e DHA.
Recomendação da AHA (American Heart Association):
Todos os adultos devem comer peixe pelo menos duas vezes
por semana.
27
Autores norte-americanos mostraram inclusive em estudo recente que o
nível sérico de EPA e DHA é mais baixo em pacientes com DC (29% quando
comparado com controles pareados; p < 0,001) enquanto o nível de gordura
trans não diferiu dos controles. Essa diferença se manteve após ajustes em
análise multivariada; mostrando que níveis séricos de EPA e DHA baixos são
um fator preditivo independente para o risco de doença coronariana.
Vários peixes são rica fonte de AG ômega-3, como mequerel, truta,
hering, sardinhas, albacore atum, e salmão. Possuem tanto EPA como DHA,
ambos com efeitos cardioprotetores. A AHA também recomenda ingestão de
AG ômega-3 derivados de plantas como tofu, soja, nozes e óleo de canola.
Para pacientes com doença cardiovascular, a recomendação é de 1 g de EPA
e DHA (combinadas) por dia. Este montante pode ser obtido através do
consumo de cápsulas de AG ômega-3 ou de peixes, embora a suplementação
por cápsulas deva ser decidida e orientada em conjunto a um médico.
Suplementos de EPA+DHA podem ser úteis para pacientes com
hipertrigliceridemia.
Cerca de 2 a 4 g de ômega-3 ao dia podem diminuir triglicerídeos
séricos em 20% a 40%. Os efeitos positivos na redução da formação de placas
ateroscleróticas
são
adicionados
aos
das
estatinas
prescritas
pelos
cardiologistas. Ingestão em altas doses pode causar sangramento excessivo
em algumas pessoas. Suplementação em doses acima de 3 g devem ser
monitoradas por médico.
Deve-se observar com cautela que alguns peixes contêm quantidades
aumentadas de metilmercúrio, bifenil policlorinato (PCBs), dioxinas, e outros
contaminantes. Essas substâncias estão em maior concentração em animais
grandes e predatórios e grandes mamíferos. Os efeitos de metilmercúrio em
DCV ainda são controversos na literatura, com resultados associando estes
dois eventos e outros não apontando para nenhuma relação entre eles.
Enquanto novos estudos não elucidam essa questão, seria importante escolher
uma entre inúmeras espécies de peixes ricos em AG ômega-3 e que não
28
possuem o perfil de carreadores de metilmercírio. Suplementos de AG ômega3 não contêm metilmercúrio.
Os efeitos cardiopropetores dos AG ômega-3 podem ser atribuídos a
multiplos efeitos fisiológicos dos lípides, como na pressão sangüínea, na
função vascular e manutenção da eurritmia cardiológica. De uma maneira
esquemática podemos dizer que AG ômega-3 melhoram a função endotelial e
podem reduzir:
•
Risco para trombose, que pode levar a infarto e choque,
•
Níveis de triglicerídeos e outras lipoproteínas,
•
Crescimento da placa aterosclerótica,
•
Discretamente a pressão sangüínea,
•
Respostas inflamatórias.
Conclusão
A dieta ocidental típica tem uma proporção relativamente alta de ácidos
graxos ômega-6 em relação a ômega-3. Esse desequilíbrio pode contribuir para
processos inflamatórios, fator de risco para doença cardiovascular. Estudos
epidemiológicos observaram que a maior ingestão de peixe (uma a duas
porções por semana) reduz o risco de morte cardíaca súbita, quando
comparada com o consumo de menos de um porção mensal. Nos últimos anos,
extensos estudos foram realizados buscando compreender os mecanismos de
atuação e a repercussão clinica do uso de ácidos graxos poliinsaturados da
família ômega-3. Verifica-se que a modificação da membrana celular para
conter uma razão mais equilibrada de ômega 6 e ômega 3 por meio da
ingestão oral de óleo de peixe ou a infusão endovenosa de emulsões lipídicas
contendo EPA e DHA associou-se a melhora de estados clínicos compatíveis
com condição inflamatória crônica. Os efeitos dos ácidos graxos ômega-3 são
dose-dependentes e podem variar de acordo com a via de administração.
Além disso, estudos randomizados confirmaram as observações
epidemiológicas de que os AG ômega-3 tanto provenientes de peixes marinhos
como de suplementos podem reduzir significativamente a recorrência de
doença cardiovascular em pacientes com doença coronariana anterior. A
29
ingestão de peixes e vegetais contendo AG ômega-3 ajuda na prevenção de
doença coronariana e de arritmias assim como
no tratamento da doença
cardiovascular, através de suas ações reduzindo altos níveis séricos de
triglicerídeos e outras lipoproteínas, no crescimento da placa aterosclerótica e
na manutenção da pressão sangüínea.
Em função do estilo de vida moderno e do consumo de uma dieta
desbalanceada e muitas vezes pobre em alimentos-fonte de ômega 3, se torna
cada vez mais importante prestar atenção especial ao consumo de alimentos
e/ou suplementos que forneçam ácidos graxos ômega-3 nas quantidades
necessárias para a prevenção de doenças crônicas e inflamatórias.
30
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