UNIVERSIDADE LUSÍADA DE LISBOA Faculdade de Arquitectura e A rtes Mestrado integ rado em Arquitec tura Á Álvaro Siza S Vie eira e o plano do Chiaado Realizado R p por: João Migguel Antóniio Nascime ento Orientado por: p Prof. Do outor Arqtt. Joaquim José Ferrãão de Oliveira Braiziinha Co-orientado por: p Prof. Doutor Arq qt. Jorge Virgílio V Roddrigues Me ealha da Co osta Co onstituição o do Júri: Pre esidente: Orientador: guente: Arg Proff. Doutor H Horácio Ma anuel Pere eira Bonifáccio Oliveira Brraizinha Proff. Doutor A Arqt. Joaquim José Ferrão F de O Proff. Doutor A Arqt. Mário o João Alves Chaves Disssertação a aprovada em: e 5 de e Fevereiro o de 2014 a Lisboa 2013 U N I V E R S I D A D E L U S Í A D A D E L I S B O A Faculdade de Arquitectura e Artes Mestrado Integrado em Arquitectura Álvaro Siza Vieira e o Plano do Chiado João Miguel António Nascimento Lisboa Novembro 2013 U N I V E R S I D A D E L U S Í A D A D E L I S B O A Faculdade de Arquitectura e Artes Mestrado Integrado em Arquitectura Álvaro Siza Vieira e o Plano do Chiado João Miguel António Nascimento Lisboa Novembro 2013 João Miguel António Nascimento Álvaro Siza Vieira e o Plano do Chiado Dissertação apresentada à Faculdade de Arquitectura e Artes da Universidade Lusíada de Lisboa para a obtenção do grau de Mestre em Arquitectura. Orientador: Prof. Doutor Arqt. Joaquim José Ferrão de Oliveira Braizinha Co-orientador: Prof. Doutor Rodrigues Mealha da Costa Lisboa Novembro 2013 Arqt. Jorge Virgílio Álvaro Siza Vieira e o plano do Chiado Ficha Técnica Autor Orientador Co-orientador João Miguel António Nascimento Prof. Doutor Arqt. Joaquim José Ferrão de Oliveira Braizinha Prof. Doutor Arqt. Jorge Virgílio Rodrigues Mealha da Costa Título Álvaro Siza Vieira e o plano do Chiado Local Lisboa Ano 2013 Mediateca da Universidade Lusíada de Lisboa - Catalogação na Publicação NASCIMENTO, João Miguel António, 1987Álvaro Siza Vieira e o plano do Chiado / João Miguel António Nascimento ; orientado por Joaquim José Ferrão de Oliveira Braizinha, Jorge Virgílio Rodrigues Mealha da Costa. - Lisboa : [s.n.], 2013. Dissertação de Mestrado Integrado em Arquitectura, Faculdade de Arquitectura e Artes da Universidade Lusíada de Lisboa. I - BRAIZINHA, Joaquim José Ferrão de Oliveira, 1944II - MEALHA, Jorge, 1960LCSH 1. Centros históricos - Conservação e restauro - Portugal - Lisboa 2. Vieira, Álvaro Siza, 1933- - Crítica e interpretação 3. Chiado (Lisboa, Portugal) - Edifícios, estruturas, etc. 4. Chiado (Lisboa, Portugal) - História 5. Universidade Lusíada de Lisboa. Faculdade de Arquitectura e Artes - Teses 6. Teses - Portugal - Lisboa 1. 2. 3. 4. 5. 6. Historic districts - Conservation and restoration - Portugal - Lisbon Vieira, Álvaro Siza, 1933- - Criticism and interpretation Chiado (Lisbon, Portugal) - Buildings, structures, etc. Chiado (Lisbon, Portugal) - History Universidade Lusíada de Lisboa. Faculdade de Arquitectura e Artes - Dissertations Dissertations, Academic - Portugal - Lisbon LCC 1. NA9053.H55 N37 2013 João Miguel Nascimento 13 Álvaro Siza Vieira e o plano do Chiado APRESENTAÇÃO Álvaro Siza Vieira e o Plano do Chiado João Miguel António Nascimento Esta dissertação tem como objetivo o estudo sobre o plano de recuperação elaborado pelo arquiteto Álvaro Siza Vieira para a área sinistrada do Chiado, após o grande incêndio de 1988. Com efeito, a cidade de Lisboa, teve dois momentos na sua história associados a catástrofes que devastaram áreas inteiras e partes da cidade. Em ambos os casos, no primeiro com o engenheiro Manuel da Maia e especialmente no segundo, objeto deste trabalho, com Siza Vieira, o autor aproveitou da melhor forma a transformação do Chiado, resolvendo problemas e dificuldades de diversa ordem, provenientes do passado, que dificilmente teriam sido tao bem resolvidas não tivesse havido uma ocorrência desta natureza. Embora ainda não concluída, na sua totalidade, vinte e cinco anos depois da tragédia, esta intervenção, representa certamente um dos maiores projetos da carreira do autor pela sensibilidade que a zona sinistrada requer, resultante do balanço entre a memória a preservar e a necessidade de adequação às novas dinâmicas sociais e urbanas. Lisboa é atualmente considerada uma das cidades mais bonitas do mundo, e sem dúvida que contribuem para esse facto, os seus 800 anos de história, tendo o Chiado um papel muito importante nessa história. Álvaro Siza Vieira, ao optar pela preservação do património existente, não quis cortar com a história, antes quis contá-la às futuras gerações recriando-a para que possa continuar a ser por elas vivida. Palavras-chave: Chiado, Plano Urbano, Siza, Vieira, Projeto, Incêndio, Memória. João Miguel Nascimento 14 Álvaro Siza Vieira e o plano do Chiado PRESENTATION Álvaro Siza Vieira and Chiado’s Plan João Miguel António Nascimento This dissertation has the purpose to profoundly study the regeneration plan made by the architect Álvaro Siza Vieira of the disastered area of Chiado, after the great fire of 1988. With effect, the city of Lisbon, had two episodes in history related to devastating catastrophes which shattered entire regions and parts of the city. In both situations, firstly with the engineer Manuel da Maia and mostly in the second, subject of this thesis, with Siza Vieira, the author took the best advantage in Chiado’s reshaping, solving several problems and difficulties from the past, which hardly would have been worked out if a misfortune as this had not occurred. Although still not concluded in its fullness, twenty five years after the tragedy, this intervention certainly represents one of the biggest projects of the author’s career by the native sensibility of the region, resultant from the balance between retaining the memoir and the need for adequacy to its modern social and urban dynamics. Lisbon is actually considered one of the most beautiful cities of the world, and its 800 years of history definitely contribute to this, having Chiado a very important role in it. Álvaro Siza Vieira, by choosing to preserve the existent patrimony, decided to keep the history in order to share it with the future generations, reinventing it, so that it would not be forgotten. Key words: Chiado, Urban Design, Siza, Vieira, Project, Fire, Memoir. João Miguel Nascimento 15 Álvaro Siza Vieira e o plano do Chiado LISTA DE ILUSTRAÇÕES Ilustração 1- Olisipo quae nunc Lisboa, civitas amplíssima Lusitaniae, at Tagum, totis orientis et multarum Insularum et Aphricoeque et Americae emporium nobilissimum. Autor: Georgie Braunio,1593 ...................................................................................... 25 Ilustração 2 – Planta da Cidade de LX.º em que se mostram os muros de vermelho com todas as ruas e preaças da Cidade dos muros adentro com as declarações postas em seu lugar. Autor: Arquiteto João Nunes Tinoco, 1650. ............................... 30 Ilustração 3 – Planta da Baixa Pombalina por Eugénio dos Santos, Carlos Mardel e E. S. Poppe (adaptado a partir de: Atlas de Lisboa: A Cidade no espaço e no tempo / Gabinete de Estudos Olissíponenses, 1993) .............................................................. 32 Ilustração 4 – Olisipo quae nunc Lisboa, civitas amplíssima Lusitaniae, at Tagum, totis orientis et multarum Insularum et Aphricoeque et Americae emporium nobilissimum. Autor: Georgie Braunio,1593 (Pormenor adaptado) .................................................... 33 Ilustração 5 – Vorstellung von Lisabon vor und in dem erbenden des 1 Novembris 1755. Autor: Desconhecido. Exposto em: Museu da Cidade, Lisboa .......................... 37 Ilustração 6 – Planta da Baixa Pombalina por Eugénio dos Santos, Carlos Mardel e E. S. Poppe, 1780. Atlas de Lisboa: A Cidade no espaço e no tempo / Gabinete de Estudos Olissíponenses, 1993.................................................................................... 42 Ilustração 7 – Planta nº1. Planta da Baixa Pombalina por Gualter Fonseca e Pinheiro da Cunha. 2000, Álvaro Siza e a reconstrução do Chiado .......................................... 44 Ilustração 8 – Planta nº2. Planta da Baixa Pombalina por Sebastião e Domingos Poppe. 2000, Álvaro Siza e a reconstrução do Chiado ............................................... 45 Ilustração 9 – Planta nº3. Planta da Baixa Pombalina por Eugénio dos Santos e Carlos Andrea. 2000, Álvaro Siza e a reconstrução do Chiado) ............................................. 45 Ilustração 10 – Planta nº4. Planta da Baixa Pombalina por Gualter Fonseca. 2000, Álvaro Siza e a reconstrução do Chiado ..................................................................... 46 Ilustração 11 – Planta nº5. Planta da Baixa Pombalina por Eugénio dos Santos e Carlos Mardel. 2000, Álvaro Siza e a reconstrução do Chiado ................................... 46 Ilustração 12 – Rua Garrett, Lisboa, Portugal, Estúdio Horácio Novais, 193?-198? (Estúdio Horácio Novais) ............................................................................................ 50 Ilustração 13 – Rua Garrett, Lisboa, Portugal, Estúdio Horácio Novais, 193?-198? (Estúdio Horácio Novais) ............................................................................................ 51 Ilustração 14 – Largo do Chiado, Lisboa, Portugal, Estúdio Mário Novais, 193?-198? (Estúdio Mário Novais) ................................................................................................ 51 Ilustração 15 – Rua Garrett, Lisboa, Portugal, Estúdio Mário Novais, 193?-198? (Estúdio Mário Novais) ................................................................................................ 52 João Miguel Nascimento 16 Álvaro Siza Vieira e o plano do Chiado Ilustração 16 – O Incêndio do Chiado, Revista de Lisboa, 1988, Revista municipal de Lisboa ......................................................................................................................... 53 Ilustração 17 – Incêndio Chiado, Bombeiros de Lisboa, 1988 (Bombeiros Lisboa) ..... 54 Ilustração 18 – Armazéns Grandela, Fachada Rua do Carmo, 2000, Álvaro Siza e a reconstrução do Chiado .............................................................................................. 55 Ilustração 19 – Armazéns Grandela, Após o Incêndio, 2000, Álvaro Siza e a reconstrução do Chiado .............................................................................................. 55 Ilustração 20 – Armazéns do Chiado, Ruínas, 2000, Álvaro Siza e a reconstrução do Chiado ........................................................................................................................ 56 Ilustração 21 – Armazéns do Chiado, Ruínas, 2000, Álvaro Siza e a reconstrução do Chiado ........................................................................................................................ 56 Ilustração 22 – Fotografia aérea sobre a frente marítima de Leça da Palmeira, 2013, ilustração nossa .......................................................................................................... 64 Ilustração 23 – Edifícios do Chiado em chamas,1988, Revista municipal de Lisboa ... 70 Ilustração 24 – Fachada dos Armazens do Chiado destruídas pelas chamas, 2013, Chiado em Detalhe (esquerda) ................................................................................... 70 Ilustração 25 – Fachada do edifício Grandella destruída pelas chamas, 2013, Chiado em Detalhe (direita) .................................................................................................... 70 Ilustração 26 – Vista aérea sobre o Chiado, 2013, Ilustração nossa ........................... 73 Ilustração 27 – Corte entre a Rua do Ouro e a Rua Ivens, 2013, Chiado em Detalhe . 73 Ilustração 28 – Alçado da Rua do Carmo pertencente ao Cartulário Pombalino, 2013, Chiado em Detalhe ..................................................................................................... 75 Ilustração 29 – Esquisso ilustrativo do Chiado, 2013, Chiado em Detalhe .................. 76 Ilustração 30 – Blocos de intervenção na recuperação do Chiado, 2013, Chiado em Detalhe ....................................................................................................................... 78 Ilustração 31 – Cortes demonstrativos da função urbanizadora dos Armazéns Chiado e Grandella, 2000, A Recuperação do Chiado ............................................................... 79 Ilustração 32 – Vista aérea sobre o Chiado demonstrando a nova ligação, 2013, Ilustração nossa.......................................................................................................... 80 Ilustração 33 – Alçado dos Terraços do Carmo, 2013, Chiado em Detalhe ................ 81 Ilustração 34 – Vista aérea sobre o Chiado com ilustração da divisão da área de intervenção em blocos, 2013, Chiado em Detalhe ...................................................... 83 Ilustração 35 – Corte que longitudinal à Rua Garrett a passar pelo interior do quarteirão mostrando a distancia entre o pátio e o acesso ao metro, 2013, Chiado em Detalhe ....................................................................................................................... 85 João Miguel Nascimento 17 Álvaro Siza Vieira e o plano do Chiado Ilustração 36 – Planta do Bloco A, 2013, Chiado em Detalhe, ilustração nossa .......... 86 Ilustração 37 – Acesso ao Bloco A através da Calçada de São Francisco, 2013, Ilustração nossa.......................................................................................................... 87 Ilustração 38 – Escadas de acesso à parte superior do pátio, 2013, Chiado em Detalhe ................................................................................................................................... 87 Ilustração 39 – Corte longitudinal ao acesso entre o Pátio A e a Rua Ivens, 2013, Chiado em Detalhe ..................................................................................................... 88 Ilustração 40 – Fotografia do Pátio A, 2013, Ilustração nossa..................................... 88 Ilustração 41 – Fotografia do acesso entre a Rua Ivens e o Pátio A, 2013, Ilustração Nossa ......................................................................................................................... 88 Ilustração 42 – Esquisso ilustrativo do Pátio A, 2013, Chiado em Detalhe .................. 89 Ilustração 43 – Planta do Bloco B, 2013, Chiado em Detalhe, Ilustração nossa.......... 90 Ilustração 44 – Vista aérea sobre o Chiado. A amarelo está delimitado o Largo do Carmo, a azul a Rua Garret e a Vermelho a Rua do Carmo, 2013, Ilustração nossa .. 91 Ilustração 45 – Bloco B – a verde está o edifício José Alexandre, a rosa está o edifício Lionel, a vermelho está a ligação entre o pátio e a Rua do Carmo, a azul está o primeiro momento do Pátio e a Laranja está o segundo momento do Pátio , 2013, Ilustração nossa.......................................................................................................... 92 Ilustração 46 – Primeiro momento do Pátio B marcado pelo ritmo do edifício José Alexandre, 2013, Ilustração nossa .............................................................................. 93 Ilustração 47 – Fachada em ruinas que demarca a transição entre momentos do Pátio B, 2013, Ilustração nossa ........................................................................................... 93 Ilustração 48 – Alçado da Rua do Carmo com a entrada para o Pátio B, 2000, Álvaro Siza e a recuperação do Chiado ................................................................................. 93 Ilustração 49 – Pormenor do corrimão do acesso entre a Rua do Carmo e o Pátio B, 2013, Chiado em Detalhe ........................................................................................... 94 Ilustração 50 – Adaptação da imagem de Giorgie Braunio sobre Lisboa. Imagem adaptada para focar as existentes Escadinhas da Piedade, 2013, Ilustração nossa ... 95 Ilustração 51 – Corte explicativo da ligação entre o Pátio B e a Porta Sul do Convento do Carmo, 2000, Álvaro Siza e a reconstrução do Chiado .......................................... 96 Ilustração 83 – Esquisso sobre o Pátio B, 2013, Chiado em Detalhe (esquerda) ........ 97 Ilustração 53 – Planta da ligação entre o Pátio B e a porta sul do Convento do Carmo, 2000, Álvaro Siza e a reconstrução do Chiado ........................................................... 97 Ilustração 54 – Planta do Bloco C, 2013, Chiado em Detalhe, Ilustração Nossa ......... 98 João Miguel Nascimento 18 Álvaro Siza Vieira e o plano do Chiado Ilustração 55 – Alçado frontal dos Armazéns do Chiado, 2013, Chiado em Detalhe (em cima)........................................................................................................................... 98 Ilustração 87 – Alçado tardoz dos Armazéns do Chiado, 2013, Chiado em Detalhe (em baixo) .......................................................................................................................... 99 Ilustração 57 – Corte que demonstra a permeabilidade do edificio entre a Rua do Crucifixo e a Rua nova do Almada, 2013, Chiado em Detalhe .................................... 99 Ilustração 58 – Fotografia Do acesso ao metro pela Rua do Crucifixo, 2013, Ilustração nossa (esquerda) ...................................................................................................... 101 Ilustração 59 – Corte pelas Escadinhas do Espirito Santo, 2013, Chiado em Detalhe ................................................................................................................................. 101 Ilustração 60 – Esquisso ilustrativo da plataforma de metropolitano Baixa-Chiado, 2013, Chiado em Detalhe ......................................................................................... 102 Ilustração 61 – Vista aérea sobre o Chiado com assinalação dos acessos ao metropolitano, 2013, Ilustração nossa ...................................................................... 103 Ilustração 62 – Esquisso ilustrativo da ligação interna da estação Baixa-Chiado, 2013, Ilustração nossa........................................................................................................ 103 Ilustração 63 – Fotografias da estação de metro, mostrando o corredor de circulação (esquerda) por cima da plataforma (direita), 2013, Ilustração nossa ......................... 104 Ilustração 64 – Alçado frontal do edificio Grandella, 2000, Álvaro Siza e a reconstrução do Chiado ................................................................................................................. 105 Ilustração 65 – Planta do edifício Grandella à cota da Rua do Ouro, 2000, Álvaro Siza e a reconstrução do Chiado (esquerda) .................................................................... 106 Ilustração 66 – Planta do piso tipo do edifício Grandella, 2000, Álvaro Siza e a reconstrução do Chiado (direita) ............................................................................... 106 Ilustração 67 – Corte perpendicular à Rua do Ouro, sobre o edifício Grandella, 2000, Álvaro Siza e a reconstrução do Chiado (direita) ...................................................... 107 Ilustração 68 – Esquisso ilustrativo do Chiado, 2013, Chiado em Detalhe ................ 108 Ilustração 69 – Vista aérea sobre Algés, 2013, Ilustração nossa .............................. 109 Ilustração 70 – Limite da área de intervenção, 2013, Ilustração nossa ..................... 110 Ilustração 71 – Linha preexistente que originou o novo limite, 2013, Ilustração nossa ................................................................................................................................. 113 Ilustração 72 – Novo sistema viário, 2013, Ilustração nossa ..................................... 114 Ilustração 73 – Corte explicativo perpendicular à linha ferroviária, 2013, Ilustração nossa ........................................................................................................................ 114 João Miguel Nascimento 19 Álvaro Siza Vieira e o plano do Chiado Ilustração 74 – Relação de continuidade entre as ruas existentes e o novo Parque Urbano, 2013, Ilustração nossa ................................................................................ 115 Ilustração 75 – Diagrama ilustrativo dos edifícios a recuperar e reintegrar, 2013, Ilustração nossa........................................................................................................ 115 Ilustração 76 – Proposta de Plano urbano para a frente marítima do Dafundo, 2013, Ilustração nossa........................................................................................................ 116 Ilustração 77 – Diagrama com novos espaços, novos usos e novos espaços, 2013, Ilustração nossa........................................................................................................ 116 Ilustração 78 – Fotomontagem do limite desenhado pela ciclovia, 2013, Ilustração nossa ........................................................................................................................ 117 Ilustração 79 – Sobreposição de cortes ilustrativa da transição através do nexo urbano, 2013, Ilustração nossa .............................................................................................. 121 João Miguel Nascimento 20 Álvaro Siza Vieira e o plano do Chiado João Miguel Nascimento 21 Álvaro Siza Vieira e o plano do Chiado SUMÁRIO Sumário ...................................................................................................................... 22 Introdução................................................................................................................... 23 1. O Chiado ................................................................................................................ 25 1.1. O Chiado até ao terramoto de 1755 ................................................................ 26 1.2. O Chiado do terramoto ao incêndio ................................................................. 36 1.3. O Chiado após o incêndio ............................................................................... 53 1.4. O Convite Institucional ..................................................................................... 57 2. A Obra de Álvaro Siza Vieira .................................................................................. 59 3. A Reconstrução do Chiado..................................................................................... 69 3.1. Situação de Partida ......................................................................................... 69 3.2. Os objetivos..................................................................................................... 76 3.3. O Projeto ......................................................................................................... 83 3.3.1. Bloco A ..................................................................................................... 84 3.3.2. Bloco B ..................................................................................................... 90 3.3.3. Bloco C ..................................................................................................... 97 4. Projeto académico – Parque Urbano .................................................................... 109 5. Considerações Finais ........................................................................................... 122 6. Referencias .......................................................................................................... 125 7. Bibliografia ........................................................................................................... 129 8. Anexos ................................................................................................................. 131 João Miguel Nascimento 22 Álvaro Siza Vieira e o plano do Chiado INTRODUÇÃO É objetivo desta dissertação, o estudo do plano de recuperação do Chiado, efetuado pelo arquiteto Álvaro Siza Vieira, após o incêndio ocorrido em 1988 em que ficaram destruídas uma enorme zona e diversos edifícios naquela parte da cidade, compreendida entre a Rua do Carmo, Rua Nova do Almada, Rua do Crucifixo e Rua Garrett. Este plano, embora tratando-se de um projeto de grande complexidade, é de um conceito e simplicidade ímpares, tendo em conta que se pretende recuperar parte da cidade, com um grande peso histórico e cultural e que, por conseguinte, era fundamental preservar para a posteridade. Efetivamente Siza Vieira foi a pessoa indicada para desenhar este plano, sendo que a proposta desenvolvida é uma solução simples, condição indispensável, para uma intervenção deste tipo, que nunca poderia ser radical, sob pena de romper com a história, e o património inquestionável daquela zona. Trata-se de uma das áreas mais importantes da cidade de Lisboa, o que me suscitou o interesse, ao escolher este tema, quer na qualidade de cidadão utente, quer por se tratar de um exemplo de grande relevância para a conclusão final do meu percurso académico, atendendo à minha clara preferência pelo estudo de arquitetura à escala da cidade Não sendo possível, nem objetivo deste trabalho, abraçar todas as vertentes desta intervenção, que são diversas, e que era de todo impossível faze-lo, concentrar-me-ei apenas na que diz respeito ao desenho urbano e às medidas inovadoras que o plano introduz. No que diz respeito à estrutura do trabalho, este organiza-se em cinco capítulos. No primeiro capítulo é feita uma abordagem ao contexto histórico do Chiado, desde a sua origem até aos dias que correm, dividido pelas duas grandes catástrofes que se abateram sobre aquela área, ao longo da sua existência. É também neste capítulo que se entende quais são os marcos territoriais, e qual a sua importância ao longo da história do Chiado. João Miguel Nascimento 23 Álvaro Siza Vieira e o plano do Chiado No segundo capítulo, é feita um breve estudo sobre o arquiteto Álvaro Siza Vieira, tentando, de algum modo, demonstrar a sua competência e mestria ao nível de ideia e conceção de projeto. No terceiro capítulo é profundamente analisado o Plano de Recuperação do Chiado, em três tempos diferentes, a saber: a Situação de Partida, os Objetivos, o Projeto. No que respeita à situação de partida, é referente às condições em que o arquiteto encontra a área de intervenção, à data do incêndio, e qual é a sua leitura sobre o fragmento urbano em que vai intervir. No subcapítulo dos objetivos faz-se a abordagem, à ideia de Siza, para o Chiado, na base da continuidade entre Chiado e os bairros adjacentes e a importância da sua memória. Este capítulo é concluído com o estudo do projeto do Chiado, que está organizado em três partes, onde será analisada cada intervenção, e que consequências desencadeou. O quarto capítulo é uma inserção do projeto académico, desenvolvido ao longo do quinto ano de curso, e que se entende que possui diversas similaridades com o tema central desta dissertação. No quinto, e último capitulo, são apresentadas as considerações finais sobre o tema em estudo. João Miguel Nascimento 24 Álvaro Siza Vieira e o plano do Chiado 1. O CHIADO A cidade de Lisboa, situada ao longo da margem norte do rio Tejo, constrói-se nas várias colinas e planaltos resultantes da topografia deste sítio. Vista do rio, Lisboa é como um anfiteatro de grande escala, construída em socalcos nas encostas, e priviligiando diversos pontos de vista sobre si mesma e do que a rodeia. Esta situação pode ser visiualizada na gravura de G. Braunio, “Panorâmica sobre Lisboa”, do século XVI, onde facilmente se percebe esta característica da cidade. Ilustração 1- Olisipo quae nunc Lisboa, civitas amplíssima Lusitaniae, at Tagum, totis orientis et multarum Insularum et Aphricoeque et Americae emporium nobilissimum. Autor: Georgie Braunio,1593 A zona do Chiado, incorporado na área central protegida da cidade de Lisboa, conhecida como Baixa Pombalina, situa-se na colina a oeste, elevada sobre a parte mais baixa da cidade, entre a atual Rua Garrett e o Largo das Duas Igrejas, desenvolvendo-se das ruas do Carmo e Nova do Almada até à Boa-Hora, absorvendo todos os arruamentos que nela convergem. João Miguel Nascimento 25 Álvaro Siza Vieira e o plano do Chiado Ao contrário de outros sítios com grande relevância na cidade de Lisboa, como o Rossio e o Terreiro do Paço, em que os seus contextos, urbano e arquitetónico, se sobrepõem a todos os outros, o Chiado, transporta um quotidiano sociocultural de tal maneira caracterizador que se pode toma-lo enquanto vivência e recordação, para além da sua componente urbanística. Na realidade, a força do quotidiano vivido no local, empolado por uma literatura que quase o tornou lendário, apagou uma arquitetura pouco acima do banal e subverteu um contexto urbanístico não delineado por artista ou imposto por qualquer decisão real, mas que se rasgou, espontaneamente, através de pedreiras e socalcos, para dar passagem e servir os homens que por ali se foram fixando. (Moita, 1988 p. 3). Este desenho de “pé posto” feito pelos utilizadores ao longo do tempo, torna-se de tal maneira forte e marcado naquela área, que leva os responsáveis pelo plano de recuperação da Lisboa do pós-terramoto a apenas regularizar a marcação já existente. Neste capítulo pretende-se contextualizar o Chiado no tempo e no espaço, abordando a sua história, e evidenciando o seu cariz sociocultural. 1.1. O CHIADO ATÉ AO TERRAMOTO DE 1755 O nome “Chiado” tem origem no século XVI, e foi atribuído ao pequeno troço compreendido entre a Rua Direita das Portas de Santa Catarina (atual Rua Garrett), que vai dos Armazéns do Chiado até à Cordoaria Velha, junto da muralha Fernandina. Segundo Alberto Pimentel1 e Matos Sequeira2, o nome «Chiado» surge como alcunha de Gaspar Dias, que foi dono de uma taberna naquela subida. 1 Alberto Augusto de Almeida Pimentel, (1849-1925) foi um escritor e jornalista português, nascido no Porto a 14 de abril de 1849. Inicia a sua carreira jornalística como tradutor e revisor no Jornal do Porto. Enquanto escritor, publicou dezenas de romances, biografias, poesia, contos, teatro contos crónicas e folhetins. Em 1901 escreveu uma biografia sobre António Ribeiro, “O Poeta do Chiado”. Faleceu em Queluz, em 1925. 2 Gustavo Adriano Matos Sequeira, também conhecido apenas por Matos Sequeira, (1880-1962), foi um jornalista, escritor e politico lisboeta. Em 1915 assume o cargo de comissário interino do governo, tendo posteriormente sido promovido a comissário efetivo. Enquanto ocupou este cargo, foi autor de várias investigações acerca da história do teatro, tendo publicado vários livros acerca do tema. Ainda em 1915, torna-se chefe do gabinete do Ministro das Finanças. Em 1931 é preso, acusado de participar nas preparações de uma revolução. Foi poeta, dramaturgo e escritor, escreveu diversos livros, sobre a História de Lisboa. Faleceu a 21 de Agosto de 1962, com 81 anos de idade. João Miguel Nascimento 26 Álvaro Siza Vieira e o plano do Chiado Porém, antes de Alberto Pimentel ter encontrado um documento que reforçava a teoria anterior, Eduardo Freire de Oliveira3 explicava a origem do nome, afirmando que o mesmo provinha do chiar das pesadas e pouco maleáveis viaturas ao vencer a rampa em curva que dava acesso à Rua Direita. Em inícios do século XVIII o topónimo já se referia a toda a Rua Direita das Portas de Santa Catarina. Este nome só passa a ser confirmado pelo Município em 1859, no Edital de 1 de Setembro, mas por muito pouco tempo visto que, em 1880, no Edital de 14 de Junho, se batizava a artéria de Rua Garrett, como ainda hoje a conhecemos, em homenagem ao poeta Almeida Garrett4. Homenagem esta de certa maneira falhada, visto que ainda hoje chamamos esta área de Chiado. Na Idade Média, o sítio a que hoje chamamos de Chiado, era apelidado de Pedreira e só mais tarde passa a designar-se por Pedreira de Santa Catarina. A Pedreira, era uma plataforma rochosa que a poente terminava numa escarpa sobre Valverde e o esteiro do Tejo. Não há qualquer registo ou conhecimento de quaisquer povoações que habitassem este sítio até à data da conquista de Lisboa aos mouros. Anterior a esta apenas há rumores de um suposto palácio de um cônsul romano de Olissipo, situado onde posteriormente se ergueram os Paços dos Duques de Bragança. Já existente e certamente uma herança da época romana, era a estrada da pedreira o eixo que fazia a ligação entre o Olissipo aos lugares mais a oeste: Orta Navia, o Santuário dos Santos Mártires, Fonte Santa, entre outros. A esta estrada foi posteriormente acrescentado um troço de acesso ao interior da Muralha Fernandina, a mais recente, Rua Direita de Santa Catarina. Esta rua, já anteriormente mencionada, é a antecessora da Rua Garrett dos nossos tempos. 3 Eduardo Freire de Oliveira, arquivista da Câmara Municipal de Lisboa, e autor da publicação Elementos para a História do Município de Lisboa, para comemoração do centenário de Marquês de Pombal em 1882. 4 João Baptista da Silva Leitão de Almeida Garrett (1799-1854), nascido no Porto a 4 de fevereiro de1799, foi escritor e dramaturgo romântico, orador, par do reino, ministro e secretário de estado honorário português. Foi um grande impulsionador do teatro em Portugal, e uma das maiores figuras do romantismo português. Foi Almeida Garrett que propôs a edificação do Teatro Nacional D. Maria II e a criação do Conservatório de Arte Dramática. João Miguel Nascimento 27 Álvaro Siza Vieira e o plano do Chiado Este antigo caminho do alto da Pedreira, foi, até às obras do Aterro da Boavista5 no século XIX, o único acesso a sítios como Alcântara e Belém. Constitui assim, um eixo de ligação com grande importância na história de Lisboa, por ter servido todos e de todo o tipo de acontecimentos que por ali passaram. De acordo com Irisalva Moita6, data de 1147, a primeira construção erguida na Pedreira. A Ermida de Nossa Senhora dos Mártires, sobre o que hoje é o Largo do Corpo Santo, ergue-se no sítio onde os cruzados saxónicos acamparam, e onde enterraram os seus mortos. Só em 1217, se volta a construir junto da Ermida, durante o reinado de D. Afonso II7. O Convento de São Francisco, que durante os seus seis séculos de existência, foi alvo de vários retoques, embelezamentos e sucessivas ampliações. Este convento ganhou popularidade e o carinho dos fiéis, e foi de tal maneira influente que até aquela área da pedreira passou a chamar-se a Barroca de São Francisco. A norte da Rua Direita, existia a pequena Ermida de Santa Catarina, reminiscente das primeiras monarquias. No século XIII, sob influência de D. Soeiro Viegas8, a ermida é doada aos frades da Ordem da Santíssima Trindade da Redenção dos Cativos, que junto a esta vão construir um hospital e um albergue. Esta pequena ermida é a origem do grande Convento da Trindade, que depois de muito danificado pelo terramoto acaba por ficar ao abandono com a extinção das ordens religiosas em 1834, deixando assim no local várias referências ao seu nome, como exemplo a Rua da Trindade, o teatro da Trindade, a cervejaria Trindade, entre outros. Ao início da Rua Direita da Pedreira, existia desde data anterior a 1279, a Casa do Santo Espirito da Pedreira, onde pontificava uma irmandade de nobres e mercadores e funcionava também um hospital. Mais tarde, a edificação é transformada no 5 Aterro da Boavista, ou o Grande Aterro foi uma intervenção urbanística em Lisboa, e constitui uma das maiores obras públicas na cidade do século XIX. Esta obra permitiu a ligação do Cais do Sodré a Alcântara, através da Avenida 24 de Julho. 6 Irisalva Moita (1924-2009), investigadora lisboeta. Publicou diversos artigos, catálogos, exposições e relatórios de campanhas arqueológicas. A sua obra, é em grande parte dedicada a Lisboa. Foi Irisalva que dirigiu as escavações pioneiras do Teatro Romano, do Hospital de Todos-os-Santos e da Casa dos Bicos. 7 D. Afonso II de Portugal (1185-1223), com o cognome de O Gordo, foi o terceiro rei de Portugal, filho de Sancho I e sua mulher D. Dulce de Aragão. D Afonso II foi coroado em 1211. Casou com D. Urraca de Castela. Foi durante o seu reinado que as cidades de Alcácer do Sal, Borba, Vila Viçosa e Veiros, foram tomadas aos Mouros. 8 D. Soeiro Viegas (1232) foi o quarto Bispo de Lisboa pós restauração da diocese em 1147. Com uma enorme ascensão na carreira episcopal, tornou-se conselheiro principal do rei D. Afonso II, tendo sido imprescindível ao rei nos seus conflitos com as suas irmãs. João Miguel Nascimento 28 Álvaro Siza Vieira e o plano do Chiado Convento do Espírito Santo da Pedreira, ficando a fazer barreira à Rua Direita, e cortando a ligação direta entre a Baixa e o Chiado. Após a extinção das ordens, passa a designar-se por Palácio dos Barcelinhos. Hoje, são conhecidos como os Armazéns do Chiado. São também de grande importância as casas que D. Dinis mandou construir para a Fundação Estudo Geral9 em 1290, que mais tarde, com a transferência da fundação para Coimbra, são doadas a Manuel Passanha10. Já no século XIX, após doações, trocas e descendências, o estado acaba por comprar estas casas. Nelas estiveram sediadas várias entidades, como: a Administração dos Caminhos de Ferro, o Liceu Nacional, o Liceu feminino Dona Maria Amália Vaz de Carvalho e uma secção do liceu Passos Manuel. No início do século XV, aparece neste núcleo religioso da Pedreira, o Convento de Nossa Senhora do Carmo, construído por ordem de D. Nuno Álvares Pereira11. É um monumento que pretende honrar as conquistas frente aos castelhanos. É também nesta época que surge o Palácio dos Duques de Bragança, que se situa a poente do Convento de São Francisco, junto da atual Rua Serpa Pinto. O Palácio acaba por ruir em 1755 com o terramoto e não volta a ser construído. Foram estes núcleos aglutinadores de devotos e centralizadores de populações que, em conexão com a pré-existente Rua Direita, eixo acionador de todo o urbanismo local, vão condicionar o espectro viário e habitacional do Bairro da Pedreira. Venerável antepassado do Chiado. (Moita, 1988 p. 9) 9 Escola superior criada em Lisboa, em 1290, por iniciativa do clero e com apoio do rei D. Dinis. É considerada a 1ª universidade portuguesa. 10 Micer Manuel Passanha, vindo de Génova, entrou ao serviço em Portugal durante o reinado de D. Dinis com a função de reorganizar a armada portuguesa. Tornou-se detentor do titulo de Almirante de Portugal. Participou nas batalhas que opuseram Castela a Portugal, e foi feito prisioneiro depois da batalha do Cabo de São Vicente em 1337, tendo sido libertado em 1339. Foi também comandante da Armada Portuguesa na Batalha do Salgado (1340). Foi assassinado em 1383 no Castelo de Beja. 11 D. Nuno Álvares Pereira (1360-1431), também conhecido como o Santo Condestável foi um guerreiro português que desempenhou um papel fundamental na independência de Portugal contra Castela. O guerreiro, foi também o 2º Condestável de Portugal, 38º Conde de Barcelos, 3º Conde de Ourém e 2º Conde de Arraiolos. Camões faz várias vezes referência ao Condestável em “Os Lusíadas”, gabando-o do serviço prestado a Portugal. Após a morte da sua mulher, tornou-se Carmelita. Entrou na Ordem por volta de 1423 no Convento do Carmo e lá permaneceu até à sua morte. João Miguel Nascimento 29 Álvaro Siza Vieira e o plano do Chiado De facto, a estrutura viária existente, resulta da necessidade de criar acessos entre a parte baixa da cidade e a Rua Direita e também, entre esta e as casas nobres e conventos, ou mesmo entre os vários conventos e a parte baixa. Observamos facilmente essa necessidade, através do pormenor retirado da planta de Lisboa de 1650, do arquiteto João Nunes Tinoco. Ilustração 2 – Planta da Cidade de LX.º em que se mostram os muros de vermelho com todas as ruas e praças da Cidade dos muros adentro com as declarações postas em seu lugar. Autor: Arquiteto João Nunes Tinoco, 1650. É desta maneira que se começam a estruturar as quatro vias principais de acesso à Pedreira. Para quem vinha de norte, chegava à Pedreira a partir da Calçada de Paio de Novais, que na sua parte final coincide com a atual Rua do Carmo. A Calçada de Paio de Novais, aquando da bifurcação, seguindo pela via à direita vai desembocar diretamente à rua direita da Pedreira, se seguir a via da esquerda vai dar diretamente ao Rocio (Rossio), através do Caracol do Carmo. João Miguel Nascimento 30 Álvaro Siza Vieira e o plano do Chiado Designa-se por Caracol do Carmo à parte do troço, muito ingreme, pertencente à Calçada de Paio de Novais, que se constrói através de vários lanços de escada, para vencer a topografia. Este era o caminho mais curto entre o Rossio e o Convento do Carmo. Para quem queria chegar à Pedreira vindo de sul, o acesso era feito a partir da Calcetaria (antigo Canal de Flandres), sítio onde se construiu o Convento de Nossa Senhora da Boa-Hora no século XVII (por Morrás e Fangas da Farinha) até às Casas do Espirito Santo, hoje conhecidas como Armazéns do Chiado. Este caminho é hoje a Rua Nova do Almada, mandada construir mais tarde, no século XVII por Rui Fernandes de Almada12. Quem chegava vindo da Barroca de São Francisco, apenas bastava subir a íngreme Calçada de São Francisco, e tomar o caminho anterior, equivalente à Rua Nova do Almada. Na Pedreira, a partir da Rua Direita, arrancam várias ruas na perpendicular. Numa tentativa de paralelismo sobre si mesmas, estas ruas procuram fazer ligação a norte com os Conventos do Carmo e da Trindade, e a sul, com o Convento de São Francisco, a Igreja da Nossa Senhora dos Mártires, e já mais para oeste com o Palácio dos Duques de Bragança. Depois da catástrofe de 1755, a reconstrução do Bairro da Pedreira, trouxe alguns condicionamentos urbanísticos ao revolucionário traçado pombalino. A reconstrução da pré-existente Rua do Chiado, assim como dos principais edifícios que anteriormente já traziam as pessoas à Pedreira, nomeadamente: Os Conventos de São Francisco, Carmo, Trindade e do Espírito Santo, levaram a que os arquitetos responsáveis pela intervenção pombalina, respeitassem a organização já existente, limitando-se apenas a regulariza-la e adequa-la ao novo projeto. 12 Rui Fernandes de Almada, Fidalgo do século XVII, provedor da casa da Índia. Enquanto presidente do Senado de Lisboa, em 1665 manda abrir uma rua perpendicular à Rua Garrett, no Chiado, que acabaria por herdar o seu nome, Rua Nova do Almada. João Miguel Nascimento 31 Álvaro Siza Vieira e o plano do Chiado Ilustração 3 – Planta da Baixa Pombalina por Eugénio dos Santos, Carlos Mardel e E. S. Poppe (adaptado a partir de: Atlas de Lisboa: A Cidade no espaço e no tempo / Gabinete de Estudos Olissíponenses, 1993) Muitas das ruas que hoje existem naquela zona, coincidem ainda com a estrutura anterior, ou, pelo menos, a sua existência foi relevante aquando da reconstrução. A imagem anterior é um pormenor da sobreposição da planta de Lisboa medieval e da intervenção pombalina, onde é fácil observar que as estruturas coincidem. Por volta de inícios do século XV, D. Manuel13, em tentativa de combater o despovoamento das zonas ruralizadas em torno do centro da cidade, inicia fora das muralhas a urbanização de Vila Nova de Andrade (Bairro Alto). Como se pode observar no pormenor retirado da panorâmica de Braunio, existe um enorme contraste entre a estrutura medieval no interior da muralha fernandina, com a malha regular do Bairro Alto. 13 D. Manuel (1469-1521), também conhecido pelo seu cognome de O Venturoso ou O Afortunado, foi décimo quarto rei de Portugal. Em 1495, em circunstâncias especiais, ascende ao trono sucedendo o seu primo D. João II. A sua investida na expansão do império português levaram a que durante o seu reinado, fosse descoberto por Vasco da Gama, o caminho marítimo para a India e, em 1500, do Brasil por Pedro Álvares Cabral. Realizou diversas obras de arquitetura, com uma enorme ligação ao mar, cujo estilo ficou apelidado de Manuelino. João Miguel Nascimento 32 Álvaro Siza Vieira e o plano do Chiado Ilustração 4 – Olisipo quae nunc Lisboa, civitas amplíssima Lusitaniae, at Tagum, totis orientis et multarum Insularum et Aphricoeque et Americae emporium nobilissimum. Autor: Georgie Braunio,1593 (Pormenor adaptado) Nesta altura, a Pedreira, devido à sua localização central, e à proximidade de conventos e espaços religiosos, passa a ser um sítio fortemente procurado pela alta nobreza do reino. Este facto levou à construção de vários palácios na Pedreira durante os séculos XVI e XVII, sendo que, grande parte destes ruiu em 1755, dando então lugar à reconstrução pombalina, que salvaguardou apenas a reconstrução dos conventos, das igrejas e do Palácio dos marqueses de Valadares. As Portas de Santa Catarina marcavam a entrada na antiga Lisboa. A sua demolição em 1702, assim como o facto de a muralha fernandina estar parcialmente destruída, ou incorporada em construções mais recentes, foram fatores que deram o mote para a extensão do Bairro da Pedreira até aos bairros mais a oeste, principalmente ao Bairro de Vila Nova de Andrade, situado imediatamente a seguir à Pedreira. João Miguel Nascimento 33 Álvaro Siza Vieira e o plano do Chiado O Bairro da Pedreira/Chiado era, pois, já antes do Terramoto de 1755, portador de potencialidades que, mercê de várias circunstâncias, irão desenvolver-se a partir de finais do século XVIII, explodindo no século XIX no mítico Chiado oitocentista, centro de janotas e de boémia intelectual, de lazer e de requinte, onde ia toda a Lisboa quando pretendia adquirir o melhor e o mais raro. (Moita, 1988 p. 17) Assim, a conjuntura do quotidiano do Chiado apontava já para o tornar um bairro privilegiado de Lisboa. A abrangência das suas Igrejas que reuniam a mais alta nobreza, os Conventos e as poderosas irmandades nestes instaladas, eram procurados tanto pelos ricos, como por pobres, em busca de sopa que os frades distribuíam. Assim, todas as classes acabavam por frequentar aquelas ruas, fortificando o quotidiano acima referido. Por outro lado, o Chiado era também uma zona de habitacional, onde muitas famílias da nobreza e alta burguesia tinham os seus palácios. Bem situado quanto ao centro económico da cidade, era um ponto obrigatório de passagem, originando assim muito comércio fixo e ambulante nas suas ruas, mas que se manifesta com maior incidência na Rua Direita das Portas de Santa Catarina. […] Possuía importantes centros artesanais, como a Cordoaria Velha e a Cordoaria Nova que deixaram vestígios na toponímia, e numerosas oficinas de ferrador, latoeiro, marceneiros, barbeiros, dentistas, sangradores, carvoeiros, etc., nomeadas nos «Rois dos Confessados» e «Registos Paroquiais», largamente citados por Matos Sequeira, e bem servido de boticas, leitarias, confeitarias, tabernas e até uma casa de venda de neve que remontava ao século XVII, reclamadas nas Gazetas, que abasteciam os moradores locais e animavam o comercio. (Moita, 1988 p. 17) No que diz respeito ao meio cultural, tanto o Chiado como o Bairro Alto, estão agora recheados de Livrarias e Tipografias, como a Bertrand fundada em 1747 e ainda hoje em funcionamento. Para além destas lojas, os Conventos da Trindade e São Francisco são detentores de autenticas bibliotecas-arquivo, disponíveis não apenas para os frades, mas também, para os mais interessados. Foi ainda desenvolvida uma escola, pelos membros do Convento do Espírito Santo, equipada com uma bela biblioteca e um departamento de ciências, onde exerceram homens de renome, como: Bartolomeu de Quental14, Manuel Bernardes15 e J. Baptista 14 Bartolomeu de Quental (1626-1698), foi um padre e escritor religioso português do século XVII. Estudou na Universidade de Évora as disciplinas de Teologia e Filosofia. Em 1653 é nomeado Sacerdote, e em 1654 é nomeado por D. João IV, Capelão, Confessor e Pregador da Capela Real. Recebe do Papa Clemente XI, o titulo de Venerável. 15 Manuel Bernardes (1644-1710), foi um presbítero da Congregação do Oratório de S. Filipe Neri. Escreveu diversas obras sobre a espiritualidade cristã. As suas obras, caracterizam-se pela pureza da João Miguel Nascimento 34 Álvaro Siza Vieira e o plano do Chiado de Castro, alguns dos quais foram responsáveis pelo ensino da filosofia e ciências experimentais em Portugal. Desde cedo que a vida artística pública mostra interesse naquelas ruas, antecedendo o Theatro de Opera do Bairro e os Pateos das Comédias que eram palco de atuações ao vivo. Fangas da Farinha era um dos mais conhecidos, situado na Boa Hora, no mesmo sítio onde mais tarde se ergue o Hospital de Todos os Santos. Também a casa da ópera, Academia da Trindade, onde mais tarde se constrói o Teatro da Trindade era palco de atuações frequentes. Por outro lado, havia também o costume dos mais afortunados fazerem concertos de música e teatro ao vivo nos salões das suas residências. Já no século XVI, a Rua Direita das Portas de Santa Catarina é o palco escolhido para os cortejos que vinham dos palácios reais fora da cidade. Era também nesta mesma rua que se realizavam as cerimónias de receção dos mais importantes convidados e visitantes de Lisboa, e nela decorreram os cortejos nupciais de D. Afonso IV16 e D. Maria de Sabóia17 no ano de 1666, e de D. José18 e D. Maria Vitória de Bourbon19 cerca de 1729. Nesta rua desfilaram também importantes procissões e cortejos religiosos, manifestações, festas, e eventos culturais de rua. Apesar de estar rodeado de palácios, conventos, igrejas, e edifícios de importância cultural e ser frequentado pela mais alta nobreza e burguesia, o Chiado, em paralelo a esta realidade intensa de acontecimentos e situações próprias do seu quotidiano, apresenta graves deficiências ao nível de higiene e iluminação. linguagem e pelo profundo misticismo. Torna-se assim um dos maiores escritores clássicos de prosa em Portugal. 16 D. Afonso IV (1643-1683), cognominado de O Vitorioso, foi o segundo rei de Portugal da Dinastia de Bragança. 17 Maria Francisca Isabel de Sabóia (1646-1683), foi a esposa do Rei D. Afonso VI de Portugal, que mais tarde acaba por se casar com o irmão deste, Pedro II de Portugal. 18 D. José (1714-1777), foi o Rei de Portugal pertencente à Dinastia de Bragança, desde 1750 até à data da sua morte. Recebeu o cognome de O Reformador, devido às reformas e transformações que praticou durante o seu reinado. 19 Mariana Vitória de Bourbon (1718-1781), foi rainha e esposa de D. José de Bragança. Filha do Rei Filipe V de Espanha e de sua segunda esposa, Isabel Parma. Foi em 1725 que o seu pai manifesta a intenção de criar uma aliança entre Portugal e Espanha, da qual o acordo de casamento entre D. José e Mariana de Bourbon constitui o primeiro passo. João Miguel Nascimento 35 Álvaro Siza Vieira e o plano do Chiado A iluminação era feita através de lampiões, e as ruas, à exceção da Rua de Santa Catarina, que era calçada com tijoleira, não eram pavimentadas, dando origem, no inverno, a grandes lamaçais e socalcos de desgaste provocados pelo deslocar das viaturas e no verão ao levantar de uma poeira constante e desagradável. No dia 1 de Novembro de 1755, Lisboa é atingida por um dos mais fortes sismos que a História conhece e ao qual o Chiado não saiu impune. O terramoto constitui um marco na História da cidade, pelo rasto de destruição que nela deixou e pelo impacto politico e socioeconómico que teve na sociedade portuguesa do século XVIII, que será descrito e analisado no capítulo que se segue. 1.2. O CHIADO DO TERRAMOTO AO INCÊNDIO O dia 1 de Novembro de 1755, dia de Todos-os-Santos20, decorria normalmente com os espaços religiosos cheios de crentes para as celebrações preparadas para este dia. Por volta das nove horas e trinta minutos da manhã, após um enorme e prolongado ruído, a terra começou a tremer. O tremor durou cerca de sete minutos, instalando o pânico e o medo por toda a parte. O sismo foi de tal maneira forte e devastador que os geólogos dos tempos modernos acreditam que possa ser equivalente a um sismo de magnitude nove da escala de Richter21. Os momentos que sucederam o terramoto, foram preenchidos por um maremoto com vagas de ondas que poderão ter chegado aos vinte metros, havendo relatos de ondas que fizeram submergir o centro da cidade, até Campo de Ourique. Nos sítios onde o maremoto não chegou, foi o fogo que provocou os estragos. Há relatos de diversos incêndios por toda a Lisboa, e chamas que duraram quase seis dias até serem definitivamente extintas. Estima-se que, à data, Lisboa tivesse uma 20 A festa do dia de Todos os Santos é celebrada em honra de todos os santos e mártires, conhecidos ou não. A Igreja Católica celebra a Festum omnium sanctorum a 1 de novembro seguido do dia dos fiéis defuntos a 2 de novembro. A Igreja Ortodoxa celebra esta festividade no primeiro domingo depois do Pentecostes, fechando a época litúrgica da Páscoa. Na Igreja Luterana o dia é celebrado principalmente para lembrar que todas as pessoas batizadas são santas e também aquelas pessoas que faleceram no ano que passou. 21 A escala Richter, também conhecida como escala de magnitude local, atribui um número único para quantificar o nível de energia liberada por um sismo. É uma escala logarítmica, de base 10, obtida através do cálculo do logaritmo da amplitude sísmica do maior deslocamento a partir do zero. A escala varia entre os valores de zero e dez. Existem cerca de 8000 sismos de nível 0 por dia, e existe um sismo de nível 9 a cada vinte anos. Desconhece-se a existência de sismos de nível 10. João Miguel Nascimento 36 Álvaro Siza Vieira e o plano do Chiado população de cerca de 275 mil habitantes, dos quais quase dez mil morreram neste dia. Ilustração 5 – Vorstellung von Lisabon vor und in dem erbenden des 1 Novembris 1755. Autor: Desconhecido. Exposto em: Museu da Cidade, Lisboa Consta que o terramoto devastou de metade a dois terços da cidade. Grande parte da estrutura edificada existente na cidade de Lisboa, foi destruída pelo terramoto, ou consumido pelas chamas e ondas que o seguiram. O tremor, provocou transformações na cidade, nas pessoas e no panorama português no geral. A catástrofe não abalou apenas a cidade e as suas construções. Lisboa era a capital de um país com tradições religiosas muito fortes. O facto de a catástrofe ter ocorrido em plena manhã do dia de Todos-os-Santos, e ter arrasado por completo diversos edifícios religiosos, foi, à luz da mentalidade religiosa do século XVIII, encarado como uma manifestação do poder e da ira dos deuses. João Miguel Nascimento 37 Álvaro Siza Vieira e o plano do Chiado Segundo Manuel Múrias22, àquela hora na Igreja da Trindade estariam quatrocentas pessoas. Ao primeiro tremor, o pânico ficou instalado entre as pessoas, e ao segundo o templo desabou por completo. Os órgãos da igreja desapareceram com o fogo assim como as várias obras de arte que se encontravam no interior da igreja. A igreja do Sacramento desabou logo aos primeiros tremores, diz-se que as chamas e os saqueadores consumiram todas as riquezas existentes. A destruição das cadeias do Limoeiro e dos Aljubes permitiram a fuga dos criminosos. Estes saquearam tudo o que puderam enquanto a cidade recuperava dos males naturais que a tinham atingido Os cadáveres amontoavam-se ao acaso. O choro dos vivos, os gritos suplicantes dos moribundos presos debaixo dos destroços, os lamentos e as imprecações da mole humana que corria espavorida, misturava-se com o crepitar das chamas, com o estrondo caótico dos desmoronamentos, com o relinchar dos cavalos em fúria, espavoridos, com o uivar dos cães e o chiar dos carros (Múrias, 1996 p. 56) O Convento do Carmo era agora um amontoado de pedras. A abóbada caiu logo aos primeiros tremores, seguida da capela-mor. As velas acesas, deram início ao incêndio que se alastrou, e acabou por destruir grande parte do que restava do edifício. A igreja do Loreto ainda aguentou os três primeiros abalos, apenas perdendo um dos sinos de uma torre, mas um incêndio descontrolado que deflagrava no palácio adjacente acabou por se estender ao templo. Ficaram incinerados no Chiado doze palácios da mais alta nobreza. Dos oito principais conventos nenhum ficou inteiro. As preciosidades perdidas são incalculáveis. Os fidalgos, tão desorientados como a arraia miúda, só pensavam em fugir, acicatados pelos boatos terroríficos que se propalavam e corriam à velocidade do fogo e do vento. Dizia-se que o paiol do Castelo ameaçava explodir. Contava-se que o rio voltara a rebelar-se e que um bruxo proclamava no Rossio que o diabo andava à solta. (Múrias, 1996 p. 57) Durante vários dias, Lisboa sobreviveu à merce das chamas e contínuos saques. Lisboa e o Chiado eram montões de entulho e horror. A situação era caótica. Agora era necessário controlar os saques, orientar as pessoas e dar um rumo à reconstrução da cidade. 22 Manuel Múrias (Agosto de 1928 - Outubro de 2000), que assinava Manuel Maria Múrias, foi um jornalista, escritor e político, ligado à fação nacionalista e conservadora portuguesa, que manteve uma presença ativa no jornalismo político, dirigindo, entre outros periódicos, o jornal A Rua João Miguel Nascimento 38 Álvaro Siza Vieira e o plano do Chiado O Marquês de Pombal23 “nasce” com a catástrofe. Dadas as necessidades, o Marquês acaba por ver nesta catástrofe a oportunidade e pretexto certos, para assumir o controlo do destino do país, enquanto primeiro ministro do Rei D. José. Após três dias a viver numa liteira24 à espera que os perigos abrandassem, o Marquês aparece com medidas e vontade de dar ordem ao caos. Começa por ordenar a sentença dos criminosos apanhados em flagrante, sendo agora executados em pleno local onde eram apanhados. Foi de tal maneira rigoroso com esta ordem que vários proprietários foram executados por engano, assim, decretou que ninguém se podia aproximar das ruínas. Só assim conseguiu travar o saque que sucedeu o terramoto. Foi também proibida a construção, ou reconstrução definitiva, sob a pena de demolição. Esta medida foi tomada para que a reconstrução seguisse uma ideia única, e contínua. Para dar abrigo às pessoas, e de maneira a controlar esta questão da reconstrução espontânea, o Marquês permitiu erguer tendas e abrigos temporários, feitos com estruturas em madeira que foram fornecidos por outros países da Europa, chocados com o impacto do abalo na cidade. Marquês de Pombal, marcou a sua oposição a qualquer tipo de arquitetura de emergência, ou espontânea para remediar de imediato o sucedido. Aos olhos de Pombal, a intervenção, deveria seguir três premissas: - Um discurso único ideológico e pragmático - Uma proposta urbana e arquitetonicamente coerente - Sistema construtivo racionalizado 23 Sebastião José de Carvalho e Melo, primeiro Conde de Oeiras e Marquês de Pombal (13 de Maio de 1699 – 8 de Maio de 1721 ) foi um nobre, diplomata e estadista português. O Marquês foi secretário de Estado durante o reinado de D. José I, sendo considerado, uma das entidades mais importantes, controversas e carismáticas da História de Portugal. Desempenhou um papel muito importante na recuperação de Lisboa a seguir à catástrofe de 1755 24 Uma liteira é uma cadeira portátil. Podem ser abertas ou fechadas e são suportadas por duas varas laterais. Normalmente são transportadas aos ombros de liteireiros ou animais, um à frente e outro atrás. As liteiras, foram um meio de transporte muito utilizado pelas personalidades abastadas da Roma Antiga. Normalmente eram escravos que a suportavam. João Miguel Nascimento 39 Álvaro Siza Vieira e o plano do Chiado Era necessário demolir o que restou do terramoto que pudesse por a população em perigo com novos desmoronamentos. Marquês de Pombal, nomeou o Sargento-Mor José Monteiro de Carvalho responsável por esta tarefa, tendo até este ficado conhecido pela alcunha de Bota Abaixo. Houve quem achasse que o Sargento foi demasiado incisivo na execução desta tarefa, mas foi graças a este que se conseguiu fazer o recenseamento predial da maioria das propriedades. A reconstrução de Lisboa foi um processo lento em toda a zona baixa da cidade, não só devido às dificuldades de desentulhamento e oscilações de maré do tejo, mas também por questões de propriedade. Devido à grande desorganização e falta de processos até à data, não havia maneira de provar quem era o dono de quê. Manuel da Maia25 começava agora a pensar como se ergueria a nova cidade, ainda que rodeados de dificuldades relativas aos problemas jurídicos de propriedade. Para se poder avaliar bem o enorme emaranhado de questões jurídicas que iriam embaraçar a reconstrução de Lisboa basta dizer que, naquele tempo, não existia no nosso Direito Positivo o conceito de Propriedade Pública. Tudo era propriedade privada, fossem as Casas do Senado da Câmara, ou os chãos da Casa dos Vinte-eQuatro, ou os das múltiplas confrarias. Fossem os bens da Coroa que mal se confundia com o Estado, fossem os bens do clero, fossem os dos morgados. Público era o que era de uso comum; o uso comum, todavia, não implicava necessariamente posse ou propriedade comum. Por exemplo, a R. Nova dos Mercadores era dos Mercadores O Senado da Câmara podia, talvez, obrigar os Mercadores a fazer obras; mas não podia fazê-las ela. (Múrias, 1996 p. 59) Com o objetivo de contornar este problema, o Duque de Lafões26, regedor das justiças do reino à data, anunciou que quem quisesse reivindicar propriedade sobre qualquer ruína deveria exibir o título de propriedade. Dadas as circunstâncias em que a cidade se encontrava, poucas foram as pessoas que conseguiram provar a propriedade. Esta situação levou a que a baixa acabasse por ser tomada pela Coroa, sendo mais tarde arrematada em hasta pública para ser reconstruída. 25 Manuel da Maia (1677-1768), foi um arquiteto e engenheiro português. Em 1754 foi nomeado engenheiro-mor do reino. Foi dirigida por ele a elaboração da planta da cidade de Lisboa, e algumas obras de grande importância, como o aqueduto das águas livres. Foi coordenador de projeto da reconstrução da baixa de Lisboa após o terramoto. 26 Duque de Lafões, foi um título nobiliárquico criado por decreto de 17 de Fevereiro de 1718, por D. João V, Rei de Portugal. O Duque de Lafões, reside em Lisboa, no seu palacete situado na calçada com o seu nome - a Calçada dos Duques de Lafões. João Miguel Nascimento 40 Álvaro Siza Vieira e o plano do Chiado Aqueles que de algum modo conseguiram provar a propriedade sobre terrenos da baixa, pouco interesse tinham em voltar à área sinistrada, acabando assim por vender barato as suas posses. Estavam assim reunidas as condições necessárias ao início daquela que foi a maior obra de construção do século. O projeto de reconstrução da Baixa de Lisboa revela uma consciência extremamente coerente nos domínios, urbanístico e arquitetónico. Não apenas nas áreas reconstruídas, mas sobretudo na costura entre a parte de cidade que resistiu ao abalo e a que se reconstrói. Esta costura, resultou numa ligação harmoniosa entre novo e antigo tanto a nível formal e ideológico como a nível funcional. Como podemos observar na planta de 1780, o traçado da reconstrução procura preencher os vazios das zonas danificadas, atribuindo-lhes novos valores, simbólicos e monumentais, de maneira a fortalecer a relação de continuidade entre o novo e o antigo. Uma operação na qual a aparente rutura de determinados fragmentos acaba por ser assimilada pelo restabelecimento de novas continuidades e hierarquias. (Byrne, 1987, p.20) João Miguel Nascimento 41 Álvaro Siza Vieira e o plano do Chiado Ilustração 6 – Planta da Baixa Pombalina por Eugénio dos Santos, Carlos Mardel e E. S. Poppe, 1780. Atlas de Lisboa: A Cidade no espaço e no tempo / Gabinete de Estudos Olissíponenses, 1993 Manuel da Maia, foi nomeado por Pombal para desenvolver soluções para a parte nova da cidade. Assim, Maia acaba por desenvolver três relatórios escritos, as Dissertações de Manuel da Maia, onde o engenheiro engloba toda a estratégia de reconstrução, assim como as várias alternativas à ideia geral. Segundo Manuel da Maia, a reconstrução de Lisboa apenas podia ser feita de cinco modos diferentes. O primeiro, passava por replicar a cidade segundo a estrutura anterior, mantendo as antigas alturas de edifícios e larguras originais das ruas. O segundo modo, mantinha as alturas das edificações alterando as ruas, que passavam a ser mais largas. No terceiro modo a altura dos edifícios estaria limitada a, no máximo, três pisos acima do solo e as ruas passariam a ser mais largas. João Miguel Nascimento 42 Álvaro Siza Vieira e o plano do Chiado O quarto modo passava por uma rutura completa com a cidade baixa existente. As antigas ruas deixariam de existir, dando lugar a novos arruamentos. Estes novos arruamentos tinham largura variável conforme a necessidade. Largura esta que nunca poderia ser ultrapassada pela altura dos edifícios. No quinto modo, a Lisboa destruída seria completamente abandonada, com o intuito de criar uma nova cidade que tomasse o lugar da agora destruída, entre Alcântara e Pedrouços. Este quinto modo de ver a reconstrução, não era de todo uma má ideia, mas era um contra senso a distância de ruínas que ficaria entre a parte antiga da cidade que não desabou, da que iria agora ser construída. A ideia não foi levada avante por discordância entre o Marquês de Pombal, o Senado da Câmara e os proprietários que exigiram que a cidade fosse reconstruida no sitio onde era antes. Foi então selecionado o quarto modo de reconstrução da cidade. Reerguer a cidade de Lisboa em Lisboa, mas com uma nova estrutura, traçado e organização. Ao longo da elaboração dos relatórios, é de notar uma gradual adaptação das ideias iluministas de Pombal à realidade de Lisboa. Embora entregue a parte de desenho urbano ao grupo de arquitetos da Casa do risco27, ao longo das três dissertações, Maia demonstra preocupações muito além de arquitetura e urbanismo. Estes relatórios são autênticas linhas de pensamento que comportam áreas desde funcionalidade urbana e ornamentação, até sistemas e processos construtivos. A partir destes relatórios já era possível determinar as ideias chave para elaboração da nova estrutura urbana, austeridade da arquitetura e até a definição de hierarquias. Manuel da Maia reconheceu que criar uma cidade raiz, sem fazer caso de que não seja ela própria a uni-la a outra antiga, será mais divertimento que trabalho, dado que a correspondência entre o antigo e o moderno é o ponto onde se encontram as maiores dificuldades. (Byrne, 1987, p.10) 27 Casa do Risco das Reais Obras Públicas de Lisboa, também conhecida apenas por Casa do Risco, foi um gabinete de trabalho formado por alguns arquitetos e engenheiros, de formação militar, fundada pelo Marquês de Pombal para a reconstrução das zonas sinistradas pelo sismo de 1755. Este gabinete começou por ser chefiado por Eugénio dos Santos e mais tarde por Carlos Mardel. João Miguel Nascimento 43 Álvaro Siza Vieira e o plano do Chiado A Casa do Risco, foi fundada com o propósito da elaboração do plano para a zona sinistrada. A formação militar destes arquitetos adicionou uma enorme racionalidade aos processos construtivo e tecnológico. O uso de elementos modulares e pré fabricados trouxe vantagens a nível económico e de rapidez de execução. Os arquitetos da Casa do Risco introduziram neste plano de recuperação, o sistema de construção em gaiola. Este sistema estrutural é composto por elementos de madeira modulares, colocados no interior do edifício, e que oferecem maior resistência sísmica à construção. É então que da Casa do Risco vão aparecendo as várias propostas para a reconstrução de Lisboa. Ilustração 7 – Planta nº1. Planta da Baixa Pombalina por Gualter Fonseca e Pinheiro da Cunha. 2000, Álvaro Siza e a reconstrução do Chiado João Miguel Nascimento 44 Álvaro Siza Vieira e o plano do Chiado Ilustração 8 – Planta nº2. Planta da Baixa Pombalina por Sebastião e Domingos Poppe. 2000, Álvaro Siza e a reconstrução do Chiado Ilustração 9 – Planta nº3. Planta da Baixa Pombalina por Eugénio dos Santos e Carlos Andrea. 2000, Álvaro Siza e a reconstrução do Chiado) João Miguel Nascimento 45 Álvaro Siza Vieira e o plano do Chiado Ilustração 10 – Planta nº4. Planta da Baixa Pombalina por Gualter Fonseca. 2000, Álvaro Siza e a reconstrução do Chiado Ilustração 11 – Planta nº5. Planta da Baixa Pombalina por Eugénio dos Santos e Carlos Mardel. 2000, Álvaro Siza e a reconstrução do Chiado João Miguel Nascimento 46 Álvaro Siza Vieira e o plano do Chiado A proposta de reconstrução escolhida é a da planta nº5, desenhada por Eugénio dos Santos28 e Carlos Mardel29, que representa uma densa malha de ruas perpendiculares e paralelas ao rio, que organizam quarteirões mais longos e estreitos. Esta estrutura, é articulada por duas praças situadas nas extremidades. A primeira, Praça do Comércio, é uma verdadeira porta da cidade Lisboeta orientada ao Tejo. A segunda, Rossio, torna-se um lugar de encontro e ponto social. Entre estas duas praças, a malha ortogonal organiza um contínuo urbano, ao qual todas as construções têm de obedecer independentemente do seu estatuto ou função. Em 12 de junho de 1758, foi dirigido ao Duque de Lafões, um plano de reconstrução da antiga zona da Pedreira. […] de se regular o alinhamento das ruas e a reedificação das casas a erigir nos terrenos entre a R. Nova do Almada e a da Padaria, e entre a extremidade Septentrional do Rossio até ao Terreiro do Paço, exclusivamente. (França, 1983, p.331) Então, segundo este plano, as ruas do Chiado, que fazem a ligação entre a Baixa e o Bairro Alto, são alvos de uma profunda transformação. Existia a vontade de respeitar minimamente o traçado existente anteriormente nas ruas do Chiado, mas era necessário adapta-lo à estrutura agora prevista para a nova Baixa (contínuo urbano). (…) No meio desta obra ficaram duas cousas dignas de atender-se: - primeiro, o largo irregular e torpe, acima referido: - segundo, a chamada Calçada de Payo de Novais indigna de ser rua de uma Corte ainda no estado antecedente. E para que fique tudo reduzido a termos decorosos, resolveu S. Majestade, que se continua no referido largo a mesma Rua de cinquenta e quatro palmos, largando-se o mais aos vizinhos e rompendo-se ate ao fim da Rua dos Espingardeiros, e ângulo, que fica na extremidade Meridional do Rossio; ou onde mais conveniente for, para ficar mais esta comunicação ampla, e decorosa entre o Bairro Alto, e a Cidade Baixa. (França, 1983, p.331) É então assim que nasce a Rua do Carmo. 28 Eugénio do Santos, (1711 – 1760). Foi um dos engenheiros militares, e arquiteto responsável pela reconstrução da cidade pombalina após o terramoto de 1755. Durante algum tempo dirigiu a Casa do Risco. 29 Carlos Mardel (1696 – 1763). Foi um engenheiro e arquiteto húngaro de carreira militar. Foi, juntamente com Eugénio dos Santos, um dos engenheiros militares responsáveis pela reconstrução da cidade pombalina após o terramoto de 1755. João Miguel Nascimento 47 Álvaro Siza Vieira e o plano do Chiado O Chiado, ainda todo em ruínas, sofria assim grandes mudanças. No campo da religião, as ordens estavam a passar, talvez, a maior crise de todos os tempos ao nível moral e teológico. Estavam completamente desfasadas dos tempos que corriam, e com grandes dificuldades de integração. A nobreza, sem rendas e fortemente afetada pela desvalorização da moeda, é ultrapassada por uma burguesia ambiciosa e competitiva, que sabia avaliar com rigor o valor do dinheiro. O valor dos terrenos aumentou excessivamente, e já não era permitida a construção de habitações unifamiliares. Assim os Fidalgos vêm-se obrigados a abandonar o Chiado, por não poderem erguer os seus palácios. Passados vinte anos da data do terramoto os sítios mais nobres de Lisboa continuam a ser um monte de ruínas. Em 1765, data da colocação da estátua de D. José no Terreiro do Paço, a praça do comércio apenas estava metade construída. A reconstrução da cidade foi um processo muito lento nos finais do século XVIII e que durou ainda todo o século XIX. Só no reinado de D. Luís 30é que se fecha o arco da Rua Augusta. Depressa fazia-se tudo o que fosse à glória do Rei e do Marquês. Devagar construíam-se as habitações dos pobres e dos burgueses da classe média – e, mais além no Chiado, os mosteiros dos frades que Sebastião José31 detestava, e os palácios da mais alta nobreza a que D. José temia e o valido invejava. (Múrias, 1996 p. 63) Mas não foi apenas por falta de método e inoperância que Lisboa levou tanto tempo a ser reconstruida. 30 D. Luís I de Portugal (1838 –1889), foi o segundo filho da Rainha D. Maria II e do Rei D. Fernando II. Herdou o trono após a morte do seu irmão mais velho, D. Pedro V (1861). Fica conhecido como O Popular, devido à adoração que o povo tinha por ele. Eça de Queiroz chamou-lhe O Bom. 31 Sebastião José de Carvalho e Melo, é o verdadeiro nome do Conde de Oeiras, ou Marquês de Pombal. Pombal (13 de Maio de 1699 – 8 de Maio de 1721 ) foi um nobre, diplomata e estadista português. O Marquês foi secretário de Estado durante o reinado de D. José I, sendo considerado, uma das entidades mais importantes, controversas e carismáticas da História de Portugal. Desempenhou um papel muito importante na recuperação de Lisboa a seguir à catástrofe de 1755 João Miguel Nascimento 48 Álvaro Siza Vieira e o plano do Chiado O medo e receio de novas catástrofes estavam instalados. As pessoas viviam assombradas pelas réplicas do terramoto que ainda durante alguns meses se fizeram sentir, através de pequenos tremores sem força destrutiva. A despesa que a reconstrução impunha face à probabilidade e receio de novos tremores, levou a que tanto nobres como plebeus se resignassem a viver em barracões. Mesmo D. José, rei de Portugal, viveu durante bastante tempo num barracão na Ajuda. À data do terramoto, viviam nos palácios do Chiado imensas personalidades importantes. A violência do terramoto foi tal, que nenhuma destas personalidades voltou ao Chiado aquando da sua reconstrução. O Chiado ficou entregue aos frades, que o não largavam porque não podiam – e à burguesia pequena, média e grande que, durante mais de dois séculos, lhe faria a fortuna e glória. (Múrias, 1996 p. 64) Entre a destruição e a reconstrução do Chiado, há um tempo morto, sem história. Quotidiano social quase não existia, eram algumas tendas que davam abrigo a uns quantos, mas nada organizado e tudo temporário. Não havia edifícios, nem comercio, logo, não havia pessoas. O Chiado atravessou uma longa temporada sem o quotidiano que o caracterizava. É no fim do século XIX, já após o fim das obras de reconstrução, que Chiado consegue voltar a ser o centro social que em tempos foi. A saída definitiva das ordens religiosas do Chiado, permitiu enormes mudanças no quotidiano deste sítio. Agora, instalavam-se no Chiado os artistas, escritores, políticos, a alta sociedade e burguesia que fizeram emergir bibliotecas e academias laicas, clubes, cafés e teatros. O Chiado era agora o lugar da intelectualidade e modernidade de Lisboa. João Miguel Nascimento 49 Álvaro Siza Vieira e o plano do Chiado Algumas fotografias capturadas pelo Estúdio Horácio Novais 32 mostram o ambiente vivido nas ruas do Chiado do século XX. Ilustração 12 – Rua Garrett, Lisboa, Portugal, Estúdio Horácio Novais, 193?-198? (Estúdio Horácio Novais) 32 Os Novais eram uma família de fotógrafos. Horácio (1910-1988) era filho de Júlio (1867-1925) e sobrinho de outros dois, António (1855-1940) e Eduardo (1957-1951). Horácio começou por trabalhar no jornal O Século, como fotojornalista e ainda responsável pelo trabalho de laboratório. O Estúdio Horácio Novais abre portas em 1931. Ao longo de 50 anos, cristaliza a vida de Lisboa, da arquitetura às peixeiras, do comércio aos bairros populares. O fotógrafo colabora com alguns dos melhores arquitetos da época, faz fotografia institucional, industrial, publicidade, sem nunca afastar o lado documental. O espólio de Horácio Novais compreende quase 50 mil documentos. João Miguel Nascimento 50 Álvaro Siza Vieira e o plano do Chiado Ilustração 13 – Rua Garrett, Lisboa, Portugal, Estúdio Horácio Novais, 193?-198? (Estúdio Horácio Novais) Ilustração 14 – Largo do Chiado, Lisboa, Portugal, Estúdio Mário Novais, 193?-198? (Estúdio Mário Novais) João Miguel Nascimento 51 Álvaro Siza Vieira e o plano do Chiado Ilustração 15 – Rua Garrett, Lisboa, Portugal, Estúdio Mário Novais, 193?-198? (Estúdio Mário Novais) João Miguel Nascimento 52 Álvaro Siza Vieira e o plano do Chiado Durante a década de 1980, com o aparecimento das grandes superfícies comerciais e também devido à mudança de hábitos das pessoas, o Chiado, que era centro de comércio e lazer, acaba por ficar quase ao abandono. Numa madrugada de Agosto de 1988, deflagrou o grande incêndio no Chiado. Este incêndio constitui um novo marco na história deste fragmento da cidade. 1.3. O CHIADO APÓS O INCÊNDIO No dia 25 de Agosto de 1988, deflagrou no Chiado, um incêndio que horas mais tarde viria a alastrar-se acabando por arrasar grande parte da zona histórica da cidade. Estima-se que estas chamas tenham arrasado com cerca de oito mil metros quadrados de área. As chamas que deflagraram no edifício Grandella, alastrando para os edifícios que o rodeavam deixaram as fachadas descarnadas. Os edifícios da Rua do Carmo, Nova do Almada, Garrett e da Calçada do Sacramento, escondiam uma amálgama de ferros, paredes rachadas, e janelas abertas para o céu. (Vieira, 2009ª, p.63) Ilustração 16 – O Incêndio do Chiado, Revista de Lisboa, 1988, Revista municipal de Lisboa João Miguel Nascimento 53 Álvaro Siza Vieira e o plano do Chiado […] Comtemplar a desoladora imagem do popular Chiado a arder, compreendemos, […] que, no meio daquele gigantesco braseiro de chamas, desaparecia algo de incalculável valor, que vertiginosamente se ia consumindo a partir das suas próprias entranhas […] Ardia Lisboa o coração citadino, a sua víscera nostálgica, já cansada de um bater quotidiano decadente e resignado. A Lisboa ardia-lhe uma história última feita de matérias diversas unidas pelo tempo […]. Tudo, agora, se abrasava […] numa incansável fogueira ignorante de quanta obsessão e mistério devorava; porque o incêndio é uma infernal liturgia passageira em cujo altar a memória se imola e, mais tarde, entre fagulhas as lembranças se escapam. (Santiago, 1993, p.114) A cidade não é só um somatório dos seus espaços. Constrói-se também com sentimentos e memórias resultantes das vivências, dos acontecimentos, da arquitetura, e da história. (Salgado, 1994, p.32) O incêndio do Chiado foi um violento acidente que feriu a memória coletiva da cidade, ao destruir dezoito edifícios deixando para trás um enorme monte de ruínas. De qualquer modo, não é de estranhar a violência do incêndio perante a elevada quantidade de materiais altamente inflamáveis existentes nos armazéns e nas lojas. (Salgado, 1994, p.34) O desleixo em que se encontravam os mecanismos primários de prevenção, assim como, as dificuldades de acesso enfrentadas pelos bombeiros e a demora na deteção e alarme sinistro foram dificuldades no combate rápido ao fogo. Para isso contribuiu, decisivamente, o baixíssimo nível de ocupação habitacional da área. (Salgado, 1994, p.34) Se houvesse mais moradores certamente o incêndio teria sido detetado e combatido numa fase mais precoce. (Salgado, 1994, p.34) Ilustração 17 – Incêndio Chiado, Bombeiros de Lisboa, 1988 (Bombeiros Lisboa) João Miguel Nascimento 54 Álvaro Siza Vieira e o plano do Chiado É importante fazer uma pequena descrição dos edifícios onde deflagraram as chamas, para se entender o porquê destas se terem espalhado de uma forma tão rápida e fácil. Os Armazéns Grandella, é um edifício de construção antiga, com paredes de alvenaria e pavimentos em madeira assentes numa estrutura metálica, e os tetos são estucados. As escadas, são em madeira e a cobertura num misto de estrutura metálica e madeira. As fachadas do edifício Grandella, são caracterizadas pelo enorme número e tamanho de vãos. Em planta, o edifício ocupa quase cerca de mil metros quadrados ao longo da Rua do Carmo, e organiza-se em três pisos abaixo da cota da rua e cinco acima desta. Estima-se uma área total de cerca de seis mil metros quadrados, sem qualquer tipo de preocupação ao nível da segurança contra fogo. Não há no edifício Grandella, qualquer medida corta-fogo ao longo dos vários pisos, nem entre eles. O facto de nem os lances de escada nem os elevadores serem isolados, permitem a permeabilidade entre os pisos, ou seja, o edifício Grandella, funciona como um compartimento único no que toca à resistência ao fogo. Ilustração 18 – Armazéns Grandela, Fachada Rua do Carmo, 2000, Álvaro Siza e a reconstrução do Chiado Ilustração 19 – Armazéns Grandela, Após o Incêndio, 2000, Álvaro Siza e a reconstrução do Chiado Os Armazéns do Chiado, têm um sistema de construção muito semelhante ao edifício Grandella, também composto por, paredes de alvenaria, pavimentos em madeira João Miguel Nascimento 55 Álvaro Siza Vieira e o plano do Chiado assentes em estrutura metálica, lances de escada em madeira e a cobertura, por sua vez, também em estrutura mista de madeira e metal. Este edifício, desenvolve-se no Chiado, ao longo das ruas do Carmo e Nova do Almada, com cerca de três mil metros quadrados de implantação e estima-se que tenha uma área total de treze mil metros quadrados ao longo dos seus cinco pisos. Assim como o edifício Grandella, os Armazéns do Chiado também não possuem qualquer tipo de compartimentação ou sistema corta-fogo, e os acessos verticais também não são isolados, tornando o edifício um corpo único na resistência ao fogo. Para além da construção sem preocupações de segurança contra incêndio, quer o edifício Grandella quer os Armazéns do Chiado estavam recheados de mercadoria armazenada, grande parte dela inflamável. Ilustração 20 – Armazéns do Chiado, Ruínas, 2000, Álvaro Siza e a reconstrução do Chiado Ilustração 21 – Armazéns do Chiado, Ruínas, 2000, Álvaro Siza e a reconstrução do Chiado Nenhum destes edifícios possuía sistema de deteção nem extinção automática de incêndio. Em poucas horas, um património histórico-cultural secular, de valor único para a cidade e para o país foi consumido pelas chamas. Desaparecia parte da zona nobre e elegante do Chiado, centro de comércio tradicional lisboeta que ali se desenvolveu João Miguel Nascimento 56 Álvaro Siza Vieira e o plano do Chiado depois do terramoto de 1755 e ao qual, Eça de Queirós e Camilo, entre diversos escritores e figuras da vida cultural, deixaram para sempre o seu nome ligado. (Moita, p.62) No combate ao incêndio do Chiado estiveram todas as corporações de bombeiros da área de Lisboa, que de alguma forma conseguiram evitar uma maior tragédia. 1.4. O CONVITE INSTITUCIONAL Após o incêndio foi necessário tomar rápidas medidas para a resolução deste problema. O Chiado, é o espaço que faz a transição entre a Baixa e o Bairro Alto. Sítio de passagem para muitos, de paragem para outros. Havia que começar de novo. Talvez fosse preciso voltar a erguer novamente e com toda a rapidez outros volumes, a preencher de edifícios que dissimulem as ausências no patético vazio criado na confluência entre a Baixa pombalina e o bairro alto […] Impunha-se uma solução de continuidade urbana que transformasse a área afetada e lhe refizesse o tráfego e o barulho pedidos, porque a cidade não podia ficar sem centro nevrálgico tão vital e evocador. […] O Chiado e Lisboa, Lisboa e o Chiado formam já um binómio indissociável que os torna complementares e interdependentes. (Santiago, 1993, p.116) O presidente da câmara municipal de Lisboa à data do incêndio, Nuno Kruz Abecassis33, nomeia Álvaro Siza Vieira como arquiteto responsável pelas obras de recuperação da área sinistrada. Esta decisão foi bastante contestada entre os lisboetas por vários fatores. Lisboa tem uma escola de arquitetura, logo, eleger o “Arquiteto do Porto” levantou alguma rivalidade, e também por Abecassis ter tomado esta decisão sozinho, sem antes ter existido um debate quanto à escolha sobre Siza Vieira. A importância da ação de desenvolver traduzia-se em tensões e debates dialéticos que uma hábil gestão municipal resolveu de forma extremamente satisfatória: encarregar ao arquiteto português de fama internacional, Álvaro Siza Vieira, os projetos necessários à recuperação da zona devastada e à recuperação dos espaços demolidos e, inclusivamente desaparecidos. (Santiago, 1993, p.116) 33 Nuno Kruz Abecassis (24.10.1929 – 14.04.1999) Politico português de ascendência judaica, que se estabeleceu em Lisboa aos nove meses de idade. Licenciado em engenharia civil no Instituto Superior Técnico. Integrou o governo da coligação PS com o CDS em 1978, como Secretário de Estado das Industrias Extrativas e Transformadoras. Em 1979, é eleito Presidente da Camara Municipal de Lisboa, conseguindo reeleição em 1985. O trágico incendio no Chiado ocorre dentro do seu segundo mandato. João Miguel Nascimento 57 Álvaro Siza Vieira e o plano do Chiado No livro, Lisboa Downtown, após ter recebido o convite para o trabalho de recuperação do Chiado, Siza Vieira diz numa entrevista em tom de conversa: “Alto lá que vou ter de falar com a Ordem dos Arquitetos, não lhe vou dar uma resposta de imediato”. Após ter chegado a Lisboa, Siza entra em contacto com a Ordem dos Arquitetos tendo agora conhecimento que havia um plano para se levar a obra a concurso. Três dias depois, novamente em conversa de telefone com Nuno Abecassis, diz: “Eu, em princípio, vou aceitar porque me parece que isto não é tema para um concurso. Porque não é propriamente ter uma ideia para o Chiado, mas sim a gestão de muitos interesses envolvidos e a montagem de uma operação.” Danificado um eixo tão vertebral da estrutura urbanística e histórica de Lisboa, reclamava-se uma intervenção modelar, um passar por cima da destruição, mudandoo, ordenando-o, ressuscitando-o, mas com apurada sensibilidade e fazê-lo no prudente respeito ao prévio, àquilo que, necessariamente, não poderia mudar, pelo menos de modo ostensivo ou insensato. (Santiago, 1996, p.116) João Miguel Nascimento 58 Álvaro Siza Vieira e o plano do Chiado 2. A OBRA DE ÁLVARO SIZA VIEIRA Para falar sobre um arquiteto é necessário falar sobre a sua obra e falar sobre a sua obra é obrigatoriamente falar de arquitetura. Entre todas as artes, a Arquitetura é a que mais diretamente participa na vida das pessoas. Acaba por influenciar a vida das pessoas na sua maneira de pensar e de agir, mesmo quando não se toma consciência desse facto. Por essa mesma razão, falar de arquitetura é falar das pessoas, das vivências, das memórias, das épocas, das influências, do urbanismo. A primeira referência, aquilo que primeiro transporta Álvaro Siza para o universo da arquitetura, contemplada como uma intervenção na sociedade que se pretende valorizar através de uma nova maneira de pensar e de viver, está intimamente ligada às ideias e aos ideais do Movimento Moderno34. (Belém, 2012, p.10) A compreensão e a apreensão destes ideais, no caso deste arquiteto, levam-no a pensar nos princípios em relação aos quais se deve subordinar a arquitetura. (Belém, 2012, p.10) Construir é colaborar com a terra; é pôr numa paisagem uma marca humana que a modificará para sempre; é contribuir também para essa lenta transformação que é a vida das cidades. Quantos cuidados para encontrar a situação exata de uma ponte ou de uma fonte, para dar a uma estrada na montanha a curva ao mesmo tempo mais 35 económica e mais pura […] Marguerite Yourcenar Este modus operandi36 de Siza, transporta a sua arquitetura para um determinado universo em que a sua arquitetura existe e faz todo o sentido universalmente, ou seja, existe em harmonia com o envolvente e pré existente. Seja qual for o projeto tem 34 Movimento Moderno – a Arquitetura Moderna, é a designação utilizada para caracterizar a arquitetura produzida a partir do século XX. As características deste tipo de arquitetura têm as suas bases na Bauhaus, Le Corbusier e Frank Lloyd Wright sendo sucinto. O Modernismo, manifestou alguns princípios que foram seguidos por muitos arquitetos das mais variadas escolas e tendências. Uma das características que acompanharam o Modernismo é a rejeição do ornamento, outra era a vontade de mudar que aparece com a Revolução industrial. A industrialização e a economia foram conceitos abordados por arquitetos da época. Os edifícios deviam ser limpos, económicos e uteis. As máximas que caracterizam o Movimento são: Menos é Mais (Mies Van der Rohe), e A Forma segue a Função (Louis Sullivan). 35 Marguerite Yourcenar, (08.06.1903 – 17.12.1987) foi uma escritora belga de língua francesa. Primeira mulher eleita à Academia Francesa de Letras em 1980. Educada de forma privada, aos oito anos de idade lia Jean Racine e aprende Latim. Aos doze aprende grego. Em 1939 muda-se para os E.U.A. onde passa o resto da sua vida, e onde acaba por ensina literatura francesa. Escreveu dezenas de obras de sucesso que a tornaram internacionalmente conhecida. 36 Modus Operandi é uma expressão do Latim que significa “modo de operação”. É muito utilizada para designar uma maneira de agir numa qualquer atividade seguindo sempre os mesmos procedimentos. João Miguel Nascimento 59 Álvaro Siza Vieira e o plano do Chiado sempre uma especificidade própria, por ter sido pensada única e exclusivamente para o sítio em que vai ser construído. Esta é, sem dúvida, uma das razões que assumem as características que dão sentido a cada projeto. O facto de só poder existir ali e nunca noutro qualquer lugar. Esta capacidade de distinguir entre o que é essência e o essencial em arquitetura é a grande lição inteiramente compreendida e assimilada por Álvaro Siza relativamente ao Movimento Moderno. (Belém, 2012, p.10) Devem-se ter necessariamente em consideração as circunstancias reais para poder pensar não só segundo as regras de uma gramatica universal e abstrata, mas também sermos capazes de nos envolver no contexto e fazer com que o projeto nasça a partir daquelas circunstâncias precisas. (Moura, 2008,p.58) A lição a retirar é a de que os valores e as ideias universais são a base sobre a qual se desenvolve uma linguagem pessoal, que se acrescenta ao que já foi feito, de acordo com as características únicas do espaço e do tempo em cada projeto. (Belém, 2012, p.11) A década de 30, década de nascimento de Siza Vieira, foi marcada por profundas transformações, contrastes e violência social e politica. É por esta altura que, na arquitetura, se impõe o Movimento Moderno. Este é mais que um estilo revolucionário, aborda um novo conceito de ver, pensar e fazer arquitetura. Uma autêntica revolução estética iniciada por Le Corbusier37 com o projeto da Casa Sabóia e a construção do Empire State Building por William Lamb38. Pela mesma altura, Mies Van der Rohe39, assume em Dessau a liderança da Bauhaus40. 37 Charles-Edouard Jeanneret-Gris, mais conhecido por Le Corbusier (06.10.1887 – 27.08.1965). Foi um arquiteto, urbanista e pintor francês, de origem suíça. Foi um dos mais importantes arquitetos do século XX. Uma das suas grandes obras é a Unité d’Habitacion, que evidencia o seu enorme poder de síntese na arquitetura. Nas viagens que fez a várias partes do mundo, Corbusier contactou com várias culturas e estilos diversificados, e desses estilos captou aquilo que achava ser essencial e intemporal. A sua atividade profissional começa aos 18 anos, com a produção de uma casa na sua terra natal, La Chauxde-Fonds. Lançou o livro Vers une architecture, as bases do movimento moderno de características funcionalistas. E foi um dos criadores dos CIAM (Congresso Internacional de Arquitetura Moderna). Os cinco mandamentos da sua arquitetura são: a construção sobre pilotis, o terraço-jardim, planta livre da estrutura, fachada livre da estruturae janela em fita; presentes no projeto da Villa Savoye. 38 William Lamb, (1883-1952) Arquiteto Americano que desenhou o Empire State Building. Estudou na Universidade de Arquitetura de Columbia e na Escola de Belas-Artes de Paris. Para muitos Americanos, o Empire State Building é ainda hoje a peça de arquitetura favorita. João Miguel Nascimento 60 Álvaro Siza Vieira e o plano do Chiado A escola acaba por encerrar três anos depois com a subida de Hitler41 ao poder, mas manteve-se como uma referência incontornável nas áreas de arquitetura e design. Em 1933, ano de nascimento de Álvaro Siza Vieira, nos Estados Unidos da América nasce a Casa da Cascata de Frank Lloyd Wright42, outra obra inovadora da história da arquitetura. A década de 30, foi também noutras áreas das artes bastante intensa. Em 1931, Salvador Dali43 pinta A Persistência da Memoria, Jorge Luís Borges44 escreve a 39 Ludwig Mies van der Rohe 27.03.1886 – 17.08.1969), foi um arquiteto alemão naturalizado americano. É sem dúvida um dos maiores nomes da arquitetura de todos os tempos. Professor na escola Bauhaus e um dos criadores daquele que ficou conhecido como “International Style”. A sua marca na arquitetura prima pelo racionalismo, utilização de geometria pura, noção de escala e sofisticação. A utilização de materiais modernos como o aço industrial e vidro permitiram a Mies desafiar o conceito de permeabilidade. A sua conceção de espaço arquitetónico, envolvia sempre uma profunda depuração da forma, voltada sempre às necessidades impostas pelo lugar, segundo a máxima minimal. É o autor de algumas da máximas que acompanham desde sempre a arquitetura moderna, como: Menos é Mais, e Deus está nos Detalhes. 40 Bauhaus foi uma escola de Design, artes plásticas, e arquitetura de vanguarda que funcionou em Dessau entre 1919 e 1933. A Bauhaus, apesar do pouco tempo de funcionamento, foi uma das maiores expressões do modernismo na arquitetura. Fundada por Walter Gropius e mais tarde dirigida por Mies van der Rohe, a Bauhaus teve um papel assumido no exercício do puro racionalismo funcional. O estilo associado à Bauhaus, tanto na arquitetura como na criação de bens de consumo, primava pela funcionalidade, custo reduzido e orientação para produção em massa. Atualmente, a Bauhaus de Weimar mantém-se na liderança, como uma das melhores universidades da Alemanha, lecionando sobretudo arquitetura mas também com outros pólos de ensino ligados às várias artes. 41 Adolf Hitler (20.04.1889 – 30.04.1945) Foi líder do Partido Nacionalista Socialista dos Trabalhadores Alemães, conhecido por Partido Nazi. Hitler tornou-se Chanceler e mais tarde, ditador alemão. Os seus ideais racistas e anti-semitas ficaram patentes no livro “Mein Kampf” que escreve em 1924. Grupos como Testemunhas de Jeová, eslavos, poloneses, ciganos, homossexuais, deficientes físicos e mentais e Judeus foram perseguidos naquele que se tornou conhecido por Holocausto. Durante o período de 1939 a 1945, Adolf Hitler liderou a Alemanha naquele que foi o maior conflito do século XX. Na segunda grande guerra estima-se a morte de 50 a 70 milhões de pessoas. Após várias tentativas de assassinato, Hitler comete o suicídio no seu quartel-general a 30 de abril de1945. 42 Frank Lloyd Wright (08.06.1867 – 09.03.1959) foi um arquiteto e escritor de ascendência do País de Gales. Uma das premissas da sua arquitetura, é esta ser individual, de acordo com a sua localização e finalidade. Trabalhou em inicio de carreira com Louis Sullivan, um dos pioneiros da Escola de Chicago. É considerado um dos arquitetos mais importantes do século XX. Wright influenciou diretamente o rumo da arquitetura moderna com as suas ideias e obras. É o maior representante do movimento Arquitetura Orgânica, sendo o ex-libris da sua carreira a Casa da Cascata. 43 Salvador Dali (11.05.1904 – 23.01.1989) foi um conhecido pintor catalão conhecido pelo seu trabalho surrealista. A obra de Dali é caracterizada pela combinação de imagens bizarras, oníricas e com uma extrema qualidade plástica. O seu trabalho mais conhecido é a “Persistência da Memoria”. Trabalhou também em outras áreas das artes como: cinema, escultura e fotografia. Salvador Dali tinha uma tendência a atitudes e realizações extravagantes destinadas a chamar a atenção. Por vezes, esta atitude, deixava aborrecidos os apreciadores da sua arte. 44 Jorge Luis Borges (24.08.1899 – 14.06.1986) foi escritor, poeta e critico literário argentino. Em 1921, Borges começou a publicar poemas e ensaios em revistas literárias. Trabalhou como bibliotecário e professor numa universidade de ensino publico. Em 1955 é nomeado diretor da Biblioteca Nacional da Republica da Argentina e professor de literatura na Universidade de Buenos Aires. Em 1961 recebeu o prémio Formentor. Ainda hoje, os seus trabalhos são um grande contributo para a literatura fantástica. A sua cegueira progressiva ajudou a criar novos símbolos literários através da imaginação, já que “os poetas, como os cegos, podem ver no escuro”. João Miguel Nascimento 61 Álvaro Siza Vieira e o plano do Chiado História Universal da Infâmia em 1933, e em 1937, Picasso45 pinta a Guernica. Em 1939, inicia-se a segunda grande guerra apos a invasão da Polonia. Em Portugal, por volta de 1932, Salazar 46 sobe ao poder, dando início ao período chamado de Estado Novo47. Em simultâneo, uma nova geração de arquitetos, recémformados, que, acompanhando as transformações do mundo ocidental e conscientes do papel da arquitetura na sociedade, dotaram o país de obras notáveis que se tornaram emblemáticas do seculo XX português. Esta nova geração de arquitetos “geração de 97” conta com nomes como, Pardal Monteiro48, Cristino da Silva49, Jorge Segurado50, Cottinelli Telmo51, Cassiano Branco52, Carlos Ramos53 e outros. 45 Pablo Picasso (25.10.1881 – 08.03.1973) foi um pintor e escultor espanhol que também desenvolveu alguma poesia. Para muitos, é considerado um dos grandes mestres das artes do século XX. Considerado um dos artistas mais versáteis do mundo e de todos os tempos, Picasso, desenvolveu milhares de trabalhos nas áreas do desenho, pintura, escultura e cerâmica, usando todo o tipo de materiais. Picasso é considerado o pai do estilo Cubista, juntamente com Braque. 46 António de Oliveira Salazar (28.03.1889 – 27.07.1970) foi um politico nacionalista português e professor catedrático na Universidade de Coimbra. O seu percurso politico inicia-se quando foi Ministro das Finanças, durante apenas duas semanas, na sequencia da revolução nacional de 28 de Maio de 1926. Volta a ser Ministro das Finanças entre 1928 e 1932. Foi instituidor do “Estado Novo” e da sua organização de suporte, a “União Nacional”. Foi presidente do Conselho de Ministros entre 1933 e 1968. 47 Estado Novo foi o nome atribuído ao Regime Politico Autoritário e Corporativista de Estado que regeu Portugal durante 41 anos sem interrupção. O Estado Novo, foi derrubado pela Revolução do 25 de Abril. A designação de Estado Novo é criada sobre tudo por razões ideológicas e propagandísticas que quis marcar a entrada de um novo período politico iniciado com a Revolução de 28 de Maio de 1926. O Estado Novo foi também chamado de Regime Salazarista. 48 Porfírio Pardal Monteiro (1897 – 1957) Foi professor e arquiteto português, dos mais importantes da primeira metade do século XX. Foi um dos pioneiros na viragem modernista da arquitetura portuguesa. Destaca-se como “o que mais construiu e que se celebrizou como primeiro moderno. Sem concessões, foi capaz de pegar no fio da tradição para inovar”. A obra de Pardal Monteiro deixou uma marca forte na cidade de Lisboa, tendo sido responsável por muitas das obras importantes realizadas na cidade entre as décadas de 20 e 50. 49 Luis Ribeiro Cristino da Silva (1896 – 1976) foi um arquiteto português diplomado pela Escola de BelasArtes de Lisboa em 1919. Juntamente com outros arquitetos, foi pioneiro da inserção do movimento moderno na arquitetura portuguesa. “Ele foi o autor versátil de uma obra vasta e controversa”. Foi o autor do emblemático conjunto urbano da Praça do Areeiro e a partir de 1948 foi o arquiteto-chefe do projeto Cidade Universitária de Coimbra. Foi também professor na ESBAL. 50 Jorge de Almeida Segurado (15.10.1898 – 09.11.1990) foi um arquiteto português. Segurado foi um dos pioneiros da implementação da linguagem modernista na arquitetura português do seculo XX. A partir do final da década de 30, acompanhou a mudança de rumo associada ao “gosto oficial, neo-tradicional, do Estado Novo, que praticou por vários anos, para mais tarde regressar aos inícios do tema modernista, que estava presente no resto da Europa. Formado pela ESBAL, Segurado é responsável por várias obras de excelência na cidade de lisboa. Exemplos disso são: a Casa da Moeda, o Liceu D. Filipa de Lencastre, e o Complexo Habitacional da Av. Do Brasil. 51 José Ângelo Cottinelli Telmo (13.11.1897 – 18.07.1948) foi um arquiteto e cineasta português. Multifacetado, Cotonelli Telmo não se ficou pela arquitetura, tendo a sua obra chegado a outras artes como o cinema, a escrita, a poesia, a musica, o desenho, e a banda desenhada. Foi também um dos pioneiros da linguagem modernista em Portugal. Foi responsável por grandes obras do Estado Novo, como a conceção global e por edificações de grande visibilidade da Exposição do Mundo Português em 1940, e o plano de expansão da Universidade de Coimbra. João Miguel Nascimento 62 Álvaro Siza Vieira e o plano do Chiado Este último, Carlos Ramos entra para a Escola de Belas-Artes do Porto como docente em 1940, e em 1952 assume a sua direção. O ensino ministrado por Carlos Ramos, que nessa época vê condicionado o seu trabalho assim como o dos seus pares, e que ele define como «arquitetos transigentes que têm de contemporizar ou mesmo abdicar dos seus ideais para garantir a sua sobrevivência profissional», é uma formação que pretende marcar a diferença relativamente à Escola de Lisboa, cujas diretivas estão ainda anquilosadas nos programas dos antigos mestres. (Belém, 2012, p.15) Para Ramos, a formação de um arquiteto devia ser muito além que apenas saber desenhar e fazer um projeto, considerava fundamental o debate de ideias sobre arquitetura e todo o seu envolvimento na sociedade. Deu assim início a um tipo de ensino inovador, que deu origem a uma nova geração de arquitetos, os arquitetos da Escola do Porto, que vão ter um papel importante na arquitetura de excelência. Da Escola do Porto surgem nomes como: Fernando Távora54, Álvaro Siza Vieira e Eduardo Souto Moura55, alguns dos mais importantes nomes da arquitetura portuguesa nos dias de hoje. A obra de Siza Vieira tem o seu primeiro destaque ainda na década de 60, quando o arquiteto desenha, em Leça da Palmeira, um restaurante e as piscinas. Neste projeto 52 Cassiano Viriato Branco (13.08.1897 – 24.03.1970) foi um arquiteto português dos mais importantes do seculo XX em Portugal. Pertence ao grupo de arquitetos pioneiros na implementação da linguagem modernista na arquitetura portuguesa. Viveu acima de tudo de projetos de iniciativa privada. Edifícios da sua autoria marcaram Lisboa. Edifícios como o Éden, o Hotel Vitória e o coliseu do Porto. 53 Carlos João Chambers Ramos (1897 – 1969) foi um arquiteto e urbanista português muito conceituado. Pioneiro da implementação da linguagem modernista na arquitetura portuguesa. A obra inicial revela um desejo pelas tendências avançadas da arquitetura internacional do início do seculo XX. A dimensão restrita da sua obra construída, não faz justiça à real influencia que teve nas seguintes gerações de arquitetos. Foi docente e diretor da Escola de Belas-Artes do Porto. Nas palavras de Siza, “Carlos Ramos foi um professor admirável e infatigável defensor dos princípios modernos”. 54 Fernando Távora (25.08.1925 – 03.09.2005) foi um arquiteto português estabelecido na cidade do Porto e formado pela Escola de Belas-Artes do Porto em 1952. Ativo e dinamizador,o seu papel foi de extrema importância na afirmação do curso de Arquitetura da ESBAP. Foi membro da Organização dos Arquitetos Modernos e, em associação com outros arquitetos, introduziu no final da década de 40 uma reflexão que não tinha precedente em Portugal sobre o peso social da arquitetura. Criador de uma nova logica de construção, Távora deu transversal enfase às paisagens originais, adotando-as como dados culturais que deverão ser integrados na relação com a arquitetura. Foi tutor de Álvaro Siza Vieira no seu atelier. Hoje existe um prémio de arquitetura com o seu nome – Prémio Fernando Távora. 55 Eduardo Souto Moura, nascido a 25 de julho de 1952 é um arquiteto português de referência a nível mundial. Trabalhou com Álvaro Siza Vieira, mas cedo criou o seu espaço de trabalho. Influenciado pela horizontalidade de Mies van der Rohe, tem nas suas obras implícito o seu próprio estilo arquitetónico. Galardoado em 2011 com o prémio Pritzker da arquitetura, Souto Moura, é um dos expoentes máximos da Escola do Porto. Foi distinguido pela Faculdade de Arquitetura e Artes da Universidade Lusíada do Porto com o doutoramento Honoris Causa. João Miguel Nascimento 63 Álvaro Siza Vieira e o plano do Chiado inovador, Siza revela a capacidade de integração de um objeto na paisagem, integrando-o e tornando-o quase natural. As piscinas descem até ao mar como se um muro de areia feito por uma criança as separasse do Atlântico, muro esse amparado pelas rochas, não isolando as piscinas do mar, mas, antes, continuando-as pela paisagem com vários espaços, onde também se toma banho ao abrigo das ondas… (Belém, 2012, p.18) Ilustração 22 – Fotografia aérea sobre a frente marítima de Leça da Palmeira, 2013, ilustração nossa Siza envolve-se em todos os seus projetos com os princípios e o rigor que espelham toda a sua obram, a simplicidade formal, avaliada pelo seu olhar particular sobre o sítio onde vai nascer o novo objeto arquitetónico. Costuma dizer-se que Siza Vieira encara as mãos como extensão do próprio corpo, fumam, desenham e falam ao mesmo tempo. Ouve, porque cada pergunta é diferente da anterior, mesmo que já tenha respondido à mesma questão várias vezes. Esta postura é o que o faz encarar cada projeto como sendo a primeira vez, retirando sempre novas abordagens, novas perspetivas e novas ideias do mesmo tema. A primeira abordagem deste arquiteto ao sítio onde vai nascer o seu projeto, prendese na compreensão da topografia e geografia locais, uma forte leitura sobre a morfologia do terreno onde vai nascer a sua criação e a sua ligação ao espaço envolvente, isto é: como vai coexistir a pré existência com aquilo que vai passar a existir. João Miguel Nascimento 64 Álvaro Siza Vieira e o plano do Chiado Na sua experiência na iniciativa SAAL56, com o desenho da Quinta da Malagueira em Évora, e o Bairro da Bouça em pleno coração portuense, Álvaro Siza demonstra esta capacidade de inserção e harmonia entre a sua arquitetura e a natureza da topografia e geografia onde esta se insere. Na Quinta da Malagueira, Siza encontra o local perfeito para a inserção da sua arquitetura em harmonia com o envolvente. A ligação do espaço ao movimento que nos permite não só percorrê-lo mas também vivenciá-lo através das formas dos edifícios que o habitam, faz com que este projeto seja praticamente impossível de descrever sem lá termos estado. Podem-se definir as linhas gerais dos edifícios, das ruas, da paisagem, mas será impossível falar da surpresa ao virar da esquina, da particularidade de uma determinada forma, daquela sensação de bem-estar. A agregação de pátios, ruas e terraços, tudo assumidamente disciplinado e moderno, que simultaneamente nos revelam a memória da arquitetura tradicional portuguesa, não é óbvia, mas antes pelo contrário, é a capacidade de 57 conciliar a arquitetura racionalista com os espaços onde ela vai habitar. (Belém, 2012, p.22) Neste projeto fundem-se as diretrizes do Movimento Moderno com a cultura tradicional, a exigência social de habitação com qualidade, dado ser iniciativa SAAL, e a ideia de concilio entre a arquitetura, o local onde se insere e quem a vai vivenciar. A arquitetura faz-se, não só para quem a habita mas também para quem por ela passa. Este pensamento, levou Siza a relacionar-se com as memórias e a respeitá-las nos seus projetos. As nossas referências, partem sempre daquilo que nos rodeia. 56 Criado com o intuito de dar apoio às populações que se encontravam alojadas em situações precárias, o SAAL, Serviço de Apoio Ambulatório Local, surgiu como um serviço descentralizado que, através do suporte projectual e técnico dado pelas brigadas que actuavam nos bairros degradados, foi construindo novas casas e novas infraestruturas, foi oferecendo melhores condições habitacionais. Se, por um lado, se pode considerar a produção que se seguiu como a expressão mais coerente de uma “Arquitectura do 25 de Abril”, por outro lado, a pronta resposta dada pelos arquitectos e pelas equipas de projecto em geral correspondeu, pelos conteúdos metodológicos inusitados e pela própria qualidade de muitos dos exemplos construídos, a um dos períodos da nossa cultura arquitectónica recente mais debatidos e referenciados em todo o mundo 57 Corrente arquitetônica que surge na Europa após a Primeira Grande Guerra, tem ligação direta com o cubismo das artes plásticas. A partir da experiência da arquitetura Bauhaus de 1919, a influência do movimento racionalista invade também a arquitetura, trazendo para ela a clareza, a limpeza das formas e valorização do que é mais necessário e importante. A ideia era utilizar no solo e na construção o máximo possível de economia, a partir de grandes pesquisas e tendências construtivistas, dando atenção às características de cada material diferente que seria utilizado como o vidro, a madeira, o ferro e outros metais. Outras características importantes são: estruturas aparentes, inovação nos materiais, ornamentação despojada, estrutura plana, preocupação com os espaços internos e grandes áreas envidraçadas. O que se valoriza é o raciona, o prático, aquilo que realmente é necessário e funcional para aquela construção, deixando de lado os excessos e sobreposições. João Miguel Nascimento 65 Álvaro Siza Vieira e o plano do Chiado Este é o grande compromisso de Siza com a arquitetura: através da ação, do fazer, do reconhecer o erro, da seriedade, da perseverança que se reconhece em todo o seu percurso, sobressai a importância desta identidade que é feita de gentes e de lugares. (Belém, 2012, p.29) Na elaboração dos seus projetos, Siza utiliza muito o desenho. Utiliza o desenho como o escultor que nunca chegou a ser. Sente que antes da tridimensionalidade está a imaginação, e no desenho pode explorar tudo, o corpo do projeto, como ele se move, a sua pele e a sua alma. A essência dos seus projetos é definida sempre na base do desenho. Traços trémulos, como de formas ainda incipientes, das quais não se está ainda perfeitamente consciente, mas que já contêm a ideia à volta da qual se condensarão as formas e os espaços definitivos. (Vieira, 2009, p.17) Alguns dos desenhos chegam a ser quase enigmáticos e indecifráveis para outros que não o próprio. São resultado das várias leituras que tem do assunto que está a desenhar. Esboços rápidos, sem preocupação, como faz um viajante que tira notas para depois calmamente escrever sobre o que viu e o que sentiu. Siza é um viajante, faz esboços não para escrever mas para construir. (Belém, 2012, p.30) No trabalho de um arquiteto, desenho é uma ferramenta que ensina mais que simplesmente olhar. Ensina a ver. Faz com que a ideia fique registada na memória, e volte quando for necessária, no momento exato. 58 Siza não precisa de heterónimos como Pessoa , ele possui esta mão que é outro elemesmo, ela faz-lhe companhia e diz-lhe o que pensa do seu projeto. Conhece-o tao bem que está habituada aos seus tiques e às suas pequenas manias, parece divertir-se a surpreendê-lo por meio de desvios permanentes. Possui uma autonomia tal, que pode permitir-se não desenhar “à Siza”, assim como para encurralá-lo, guia-o para hipóteses improváveis, nas quais ele não teria certamente pensado sozinho. Como ela não o larga e ele a leva consigo para todo o lado, ela não se importa de rabiscar em 58 Fernando Pessoa (13.06.1888 – 30.11.1935) foi um poeta, filósofo e escritor português. Considerado um dos maiores poetas portugueses de todos os tempos. O critico literário Harold Bloom considerou a sua obra como: “legado da língua portuguesa para o mundo”. Foi também empresário, editor, crítico literário, jornalista, comentador político, tradutor, inventor, astrólogo e publicitário, ao mesmo tempo que produzia a sua obra literária em verso e em prosa. Como poeta, desdobrou-se em múltiplas personalidades conhecidas como heterónimos, objeto da maior parte dos estudos sobre sua vida e sua obra. Centro irradiador da heteronímia, auto-denominou-se um "drama em gente". João Miguel Nascimento 66 Álvaro Siza Vieira e o plano do Chiado permanência; a paixão dela é o desenho, quanto a ele, talvez prefira fumar um cigarro olhando pensativamente o que ela acaba de fazer. (Siza, 2009, p.17) Os seus desenhos revelam por vezes alguma ambiguidade, na medida em que se conseguem interpretar as ideias de várias maneiras. Talvez daqui se entenda a sua forte atração pelo cubismo59, por toda a tensão que existe entre a figura e o fundo. Nos seus desenhos, esta mesma tensão acaba por realçar o objeto e o espaço. Sendo a leitura destes desenhos, por vezes, ambígua, o conceito de espaço e o próprio objeto arquitetónico representados, assumem várias identidades. Os desenhos estão ligados a ideias, e as ideias são transmitidas pelos desenhos. Nos seus apontamentos Siza revela a propósito dos projetos em que está a trabalhar pequenos tópicos que registam a memória do olhar. (Belém, 2012,p.32) Todos estes pequenos registos desenhados começam a dar corpo aos projetos, e mais tarde aparecem as referências históricas, as interpretações que faz do lugar, e as opções. Os primeiros desenhos têm como força motriz o jogo de contornos. A sobreposição de níveis num projeto, as diversas abordagens dos vários ângulos que são dadas pelos contornos de todas as superfícies, de uma aresta ou de uma parede, definindo um limite, dá a dinâmica e o movimento que se adivinha mesmo quando muito subtil. Este movimento começa por ser muito gráfico… explorando e sobrepondo as várias fases de um edifício, ou as várias camadas que se formam enquanto ideias e cuja mão, que nem sempre obedece à cabeça, vai transpondo para o papel. (Belém, 2012, p.33) Com esta mestria no desenho, Siza Vieira consegue unir a arte e o ofício, o desenho e a técnica; no fundo, a ideia e o projeto. Cada projeto é único, e tendo em conta as complicações de cada um, sejam a morfologia do terreno, o programa e a sua funcionalidade, o peso da memória e da história, etc., Álvaro Siza diz a propósito no livro “Obras e Proxectos”: «quando me chamam para projectar um edifício num lugar que não conheço, e sobre o qual tenho uma ideia muito vaga, quase mítica, às vezes uns primeiros desenhos ajudam a desencadear uma série de reflexões que se concretizam posteriormente. Creio que é necessário, em cada momento do processo de projectar, ter uma ideia clara das 59 O Cubismo é um movimento artístico que surge no século XX, nas artes plásticas que tem como principais fundadores, Pablo Picasso e Georges Braque. O Cubismo trata as formas da natureza, por meio de figuras geométricas quase que planificando todas as partes do mesmo objeto no mesmo plano. A representação do mundo passava por não ter nenhum compromisso com a realidade. João Miguel Nascimento 67 Álvaro Siza Vieira e o plano do Chiado formas, dos volumes e do espaço prévios ao programa funcional do edifício. Quando eu estudava, ensinava-se que as análises prévias eram fundamentais, e surgia logo esse momento de angústia de confrontar o papel em branco. Agora no meu trabalho eu já não passo por essas angústias, porque evito esse desequilíbrio entre o que se vê e o que se concebe.» Siza Vieira afirma usar o desenho com fins práticos, como elemento de exploração de uma ideia, ou mesmo como ajuda em situações pontuais de cada projeto. Serve igualmente como elemento explicativo das suas ideias. O desenho é um elemento presente no decorrer de todo o seu trabalho, quer na procura de intenção, quer na resolução de um problema, quer num simples e pequeno registo para gravação de uma memória. O projeto está para o arquiteto como a personagem de uma novela está para o autor: ultrapassa-o constantemente. É preciso não o perder. O desenho persegue-o. O projeto é uma personagem com muitos autores, e torna-se inteligente só quando é assumido como tal, caso contrário é obsessivo e impertinente. O desenho é o desejo da inteligência. (Vieira, 1995, p.61) João Miguel Nascimento 68 Álvaro Siza Vieira e o plano do Chiado 3. A RECONSTRUÇÃO DO CHIADO Este capítulo, “A Reconstrução do Chiado”, vai desenvolver-se em três subcapítulos nos quais, se pretende dar a conhecer quais foram as condições em que Siza encontra o Chiado antes da sua intervenção, quais os seus objetivos, e rever as suas intervenções naquele fragmento urbano, fazendo a ponte para o “Chiado dos nossos tempos”. 3.1. SITUAÇÃO DE PARTIDA Após o grande incêndio, Siza descreve o Chiado, numa entrevista a José Salgado60 como: Ruínas. Fachadas descarnadas e buracos que libertam muros de suporte antiquíssimos, bocas de misteriosas galerias. Um esqueleto belíssimo e incompleto, um objeto frio e abstrato, a revelar Lisboa. Uma espécie de espelho que não reflete. E gente apressada, ou gente a ver pedras, gruas e operários. (Vieira, 1989,p.68) O incêndio que deflagrou no Chiado a 25 de Agosto de 1988 devastou dezoito edifícios, contando com cerca de dez mil metros quadrados de área total queimada. Dos dezoito edifícios queimados fazem parte, os Grandes Armazéns do Chiado e o Edifício Grandella. Edifícios emblemáticos que acompanham o Chiado. No caso do edifício Grandella desde 1906 e os Armazéns do Chiado desde os tempos mais remotos, tendo este já desempenhado várias funções diferentes ao longo da sua existência. 60 José Salgado é um arquiteto português. Professor na Faculdade de Arquitetura da Universidade do Porto. João Miguel Nascimento 69 Álvaro Siza Vieira e o plano do Chiado Ilustração 23 – Edifícios do Chiado em chamas,1988, Revista municipal de Lisboa Naquele dia, no Chiado, ardeu não só o centro da cidade, mas também a história que este representava e, mais que isso, ardeu parte da memória deste sítio e daqueles que o habitavam. Ilustração 24 – Fachada dos Armazens do Chiado destruídas pelas chamas, 2013, Chiado em Detalhe (esquerda) Ilustração 25 – Fachada do edifício Grandella destruída pelas chamas, 2013, Chiado em Detalhe (direita) João Miguel Nascimento 70 Álvaro Siza Vieira e o plano do Chiado Na opinião do Arquiteto Gonçalo Byrne61, Foi quase uma sorte ter acontecido o incêndio, porque veio levantar problemas que há muito já deviam ter sido resolvidos. Nos anos que antecederam o fogo, o Chiado, encontrava-se descontextualizado. A intensa vida social, cultural e económica que se fazia naquela estrutura deixou de acontecer, entrando em declínio e abandono. Sobretudo à noite, tornando-se não mais que um ponto de passagem. Para esta situação de descontextualização do Chiado contribuíram vários fatores. Entre eles, a galopante expansão da cidade para as periferias, que fez com que este centro deixasse de ser único. As cidades de hoje, não têm apenas um centro, mas vários polos onde se encontra o tipo de vivência assemelhada à do Chiado: Comércio, laser, etc. […] As cidades têm almas, muitas. E as almas não ardem. As estruturas é que podem arder. Aliás não me lembro de ouvir falar em alma, mas sim em coração. Embora as cidades também não tenham coração, mas muitos corações, o que é verdade é que ardeu uma parte da cidade, que para muitos habitantes era extremamente importante. (Vieira, 2000, p.72) A facilidade de movimentação nas cidades de hoje é muito maior, o que conduz a uma maior dispersão das pessoas pela cidade, em vez de fortalecer os centros únicos. […] Fernando Pessoa62, hoje, em vez de ir ao Martinho da Arcada ou parar na Brasileira, iria, sei lá, às Amoreiras, por exemplo. A cidade expandiu-se, há dinâmicas novas. A ideia de que tudo o que é importante se tem que passar no núcleo, está ultrapassada. E já estava antes do incêndio. (Vieira, 2000, p.72) Também os grandes armazéns instalados no Chiado atravessavam uma enorme crise, porque para este sector de comércio já não é o centro histórico de Lisboa que 61 Gonçalo de Sousa Byrne, nascido em 1941, é um arquiteto português formado na Escola Superior de Belas Artes de Lisboa. Professor catedrático recebe o titulo Honoris Causa pela Faculdade de Arquitectura de Lisboa. Também Gonçalo Byrne interveio no Chiado, em 1994, na reconversão do Quarteirão Império Seguros. 62 Fernando António Nogueira Pessoa, 1888 - 1935, foi poeta, filósofo e escritor português. É o poeta português mais universal e está entre os vinte e seis melhores escritores da civilização ocidental. Das quatro obras que publicou em vida, três são escritas na língua inglesa. É conhecido pelas várias entidades que criou e sobre as quais escreveu, os heterónimos. Fernando Pessoa, era cliente assíduo da pastelaria Brasileira, no Chiado, que ainda hoje se encontra em atividade e com uma estatua do poeta na zona exterior. João Miguel Nascimento 71 Álvaro Siza Vieira e o plano do Chiado interessa, mas sim as grandes superfícies comerciais, que se situam noutros novos polos da cidade. O que me parece adequar-se melhor à fisionomia do bairro, são as pequenas lojas, os comércios especializados de pequena dimensão. (Vieira, 2009, p.43) De um modo geral, existia da parte dos comerciantes do Chiado uma enorme dificuldade e desinteresse em acompanhar estas transformações das dinâmicas sociais, o que de alguma maneira, gerou um envelhecimento do tecido comercial daquela zona. O sector terciário ali instalado, deixa de cumprir com as funções da época, gerando a sua falência. Outro dos fatores que participava ativamente nesta desertificação do Chiado, era a quase ausência do tecido habitacional, que se perdeu ao longo dos anos, mas para a qual o bairro foi dimensionado. O desaparecimento da habitação associado ao declínio do tecido comercial, resulta no abandono, decadência e descontextualização do Chiado. Um lugar vale pelo que é, e pelo que quer ser. (Vieira, 2009, p.42) O Chiado funciona como charneira entre a Baixa de Lisboa e o Bairro Alto. O traçado existente, resulta da mudança topográfica que a malha pombalina encontra, quando chega à encosta. Não pertencente à Baixa, nem ao Bairro Alto, o Chiado é a continuidade da malha pombalina que vence a topografia. Está também em contacto direto com a Praça do Rossio, outro ponto forte do centro histórico de Lisboa. Sendo um ponto de contacto com várias partes da cidade, que incorpora diversas atividades, o Chiado, acaba por ser um ponto inevitável de passagem e permanência para aqueles que o frequentam. João Miguel Nascimento 72 Álvaro Siza Vieira e o plano do Chiado Ilustração 26 – Vista aérea sobre o Chiado, 2013, Ilustração nossa Ilustração 27 – Corte entre a Rua do Ouro e a Rua Ivens, 2013, Chiado em Detalhe Este espirito tão caracterizador “de passagem” no Chiado era preciso não perder. A zona queimada não poderia representar um vazio na cidade, porque os utentes estão habituados à sua utilização e também porque a ausência total de vida no Chiado poderia, de facto, arrasar de vez com este núcleo. De maneira a vencer este problema, mesmo antes do começo das obras de reconstrução, foi instalada uma passagem a uma cota superior, que permitia a circulação pedonal no Chiado e por baixo o decorrer das obras. Era necessário encontrar uma estratégia para a reconstrução do Chiado. João Miguel Nascimento 73 Álvaro Siza Vieira e o plano do Chiado Após o fogo existiram movimentações que afirmavam ser uma boa oportunidade de ali introduzir um novo tipo de arquitetura assim como novas atividades. Era um grito por modernismo que não ia de encontro à revitalização da memória daquele sítio. «Trabalhem sem inibições», diziam eles, a hora da Arquitetura Moderna com M grande estava a chegar, para o centro de Lisboa. Nunca tive essa ideia. Achei que era necessário refazer os edifícios. (Vieira, 2009, p.42) Siza encara a Baixa Lisboeta como um edifício único pré-fabricado, da qual o Chiado é parte integrante. Era necessário manter a atmosfera do bairro, assim como, a continuidade existente entre este e a Baixa. Aos olhos do arquiteto, o incêndio não era um motivo que legitimasse a inserção de novas arquiteturas nem novas atmosferas, o que arrasaria com o papel de transição entre as partes alta e baixa da cidade. Acho que não era caso para isso, acho que os arquitetos têm tanta oportunidade de fazer o “moderno” na periferia das cidades que não faz sentido essa ânsia em sítios que não interessa. (Vieira, 2013, Público) Decidiu-se optar pela continuidade entre Baixa e Chiado, restaurar e reconstruir a sua memória. A recuperação da memória passava pela reconstrução da ambiência do Chiado. Não havendo razões para a mudar, no âmbito da arquitetura, havia de facto a necessidade de a transformar e adaptar às necessidades dos vários quotidianos que ali acontecem. O incêndio, veio tornar evidentes os problemas urbanos existentes na cidade, que se vinham acumulando desde algumas décadas anteriores, deixando-a na posição vulnerável face a este tipo de incidentes. Esta condição de vulnerabilidade é indissociável das estruturas urbanas aparentemente sólidas e duradouras e, se observada numa ótica distinta da que resulta de uma situação limite, é em grande parte a razão e o motor da inadequação e adaptabilidade da cidade, ou seja, da sua transformação. (Byrne, 2013, p.15) João Miguel Nascimento 74 Álvaro Siza Vieira e o plano do Chiado As novas exigências temporais, obrigam a transformações, obrigam a uma reutilização que prova que a cidade não para no tempo e é um organismo vivo em constante mutação. (Vieira, 2000, p.74) Era preciso organizar a estrutura do Chiado, atuar no sentido de atualizar as infraestruturas e introduzir os exigidos e importantes sistemas de segurança, mas mantando o traçado original da arquitetura pombalina. Não existe no Chiado uma razão profunda de mudança. Trata-se de uma recuperação sujeita a correções e transformações menores. A vontade de alguns projetistas não tem nem a possibilidade nem a legitimidade de superar significativamente o ritmo de evolução duma cidade e dos seus agentes de transformação, sob pena do insucesso. (Vieira, 2013, p.15) O Chiado mantém a mesma arquitetura da Baixa, à exceção dos edifícios Grandella e Armazéns do Chiado. Era necessário uma intervenção ao pormenor para a recuperação da zona sinistrada. Embora não contivesse desenhos de pormenor das fachadas, o cartulário pombalino foi de extrema importância na reconstrução para o estudo dos ritmos e proporções dos vãos. Surge então a necessidade de uma pesquisa mais aprofundada sobre o sistema construtivo das fachadas, pois existem diversas variantes dentro deste sistema préfabricado causadas pela morfologia do terreno. Ilustração 28 – Alçado da Rua do Carmo pertencente ao Cartulário Pombalino, 2013, Chiado em Detalhe No que toca ao desenho, como quase sempre num projeto de âmbito limitado, o essencial da sua definição depende das relações com a zona considerada, com as margens, com as zonas de transição, lá onde se encontra uma notável vocação de transformação, nos interstícios esquecidos no corpo da cidade. (Vieira, 2013, p.15) João Miguel Nascimento 75 Álvaro Siza Vieira e o plano do Chiado 3.2. OS OBJETIVOS Repetir nunca é repetir. (Vieira, 2000,p.15) Ilustração 29 – Esquisso ilustrativo do Chiado, 2013, Chiado em Detalhe João Miguel Nascimento 76 Álvaro Siza Vieira e o plano do Chiado A intervenção no Chiado podia ser encarada, para uma classe de arquitetos mais conservadores e protetores dos núcleos históricos, como uma obrigação de continuidade da herança pombalina. No entanto, aos olhos de um arquiteto com outra maneira de pensar, poderia ser a oportunidade para uma intervenção de rutura, num núcleo histórico da cidade com bastante mediatismo e projeção internacional. Siza Vieira não se deixou intimidar pela obrigação que o Chiado impunha no seu próprio projeto de reconstrução, conseguindo, com sucesso, atribuir continuidade à herança pombalina e conferir-lhe inovação. Siza opta pela intervenção que entende a preservação da memória do Chiado, afirmando: Não me importo de passar por conservador, se isso significar que não tenho nenhuma ansia por ser moderno. Acredito que cada projeto tem uma vocação, nasce de uma necessidade interna que vai para além da vontade do arquiteto e do desenho. (Vieira, 2009, p.58) Ao apresentar a estratégia de recuperação do Chiado, Siza, foi alvo de inúmeras críticas, entre elas, a de que existia no presente plano “ausência” de arquitetura pelo facto de não existirem alterações ao nível do alçado dos edifícios e de que não havia mão criadora por parte do “melhor” arquiteto português. Como já referido anteriormente, o arquiteto compreende a Baixa-Chiado como um edifício único e contínuo, entendendo que a estratégia correta, passa por uma “cicatrização” desta estrutura que foi “ferida” pelas chamas. Surge então a necessidade de um estudo maior sobre a evolução do Chiado, e as suas mutações ao longo do tempo, tornando-se interessante perceber no plano de recuperação de Siza, que este não atuou apenas sobre os estragos causados pelo incêndio, mas também sobre perdas, alterações e apropriações que ocorreram desde a reconstrução pombalina a seguir ao terramoto de 1755. Neste plano, a preservação da herança pombalina faz-se acompanhar de uma intervenção de cariz mais interior, pontual e discreta, que fortalece o sistema de acessos mediante o uso de rampas, lances de escadas e abertura de pátios interiores, reforçando assim a solidez do desenho urbano, unificando-o. João Miguel Nascimento 77 Álvaro Siza Vieira e o plano do Chiado O plano não pretende parar na história ou repetir o antigo, mas sim servir-se da memória para proporcionar inovação, com a construção do novo. (Rodrigues, 1992, p.37) No entanto, sei que o Chiado vai sofrer profundas mudanças – não tanto no estilo e no desenho, como na sua abrangência. Será uma resposta às transformações em curso, aos novos modos de viver, às alterações de utilização da área, que irão arrancá-la da decadência para o dinamismo. (Vieira, 2009, p.58) Ilustração 30 – Blocos de intervenção na recuperação do Chiado, 2013, Chiado em Detalhe No plano de reconstrução e consequente ativação da área do Chiado consta que à exceção dos Grandes Armazéns do Chiado e do Edifício Grandella, todas as outras construções abrangidas pelo plano são do tipo pombalino, sendo assim recuperados segundo a fachada-tipo adequada. Atendendo a que dois dos grandes objetivos deste plano são, devolver ao Chiado o tecido habitacional e o desenvolvimento comercial à escala do bairro, os restantes edifícios a recuperar foram destinados a habitação nos pisos superiores e a comércio e equipamentos culturais e de laser no piso térreo. Nestes edifícios de habitação, foi reduzida a profundidade de construção de maneira a ser possível transformar os antigos logradouros privados em pátios de uso público que João Miguel Nascimento 78 Álvaro Siza Vieira e o plano do Chiado idealizam dentro do Chiado novas ambiências e lhe conferem novas utilizações e importantes ligações no sistema de circulação. Nestes pátios, existe uma evocação à cultura bairrista, tão característica da cidade de Lisboa, proporcionando uma vida mais comunitária. A vida aqui ganha a tranquilidade que a cidade não tem, uma ambiência diferente com ritmos temporais diferentes. De um momento para o outro a agitação da cidade acalma-se nestes poços de luz. (Colembrander, 1994, p.18) Para a reconstrução do edifício Grandes Armazéns do Chiado, o plano propunha um programa de hotel e para o Edifício Grandella um programa misto de comércio e escritórios. Também segundo o plano, estes edifícios devem manter a sua função urbanizadora, na medida em que, deveriam servir de plataforma de ligação entre a Baixa e o Chiado, ligando as Ruas do Ouro e Crucifixo à Rua do Carmo. Ilustração 31 – Cortes demonstrativos da função urbanizadora dos Armazéns Chiado e Grandella, 2000, A Recuperação do Chiado Siza afirma que o Chiado podia funcionar como Plataforma de Distribuição. De facto, beneficiando da excelente localização entre a Baixa, Rossio e Bairro Alto, com o impulso da nova estação de metro Baixa-Chiado, que liga o Chiado à restante rede de metropolitano e, também, da exploração das antigas ligações urbanas existentes, agora revisitadas, o Chiado volta claramente a ser um ponto por onde todos passam e onde todos param. Plataforma de distribuição. Um patamar onde é imprescindível passar e parar, uma aparição onde se vê a paisagem. Chiado essencial, enorme, sobre a Rua do Crucifixo. (Vieira, 2000, p.66) João Miguel Nascimento 79 Álvaro Siza Vieira e o plano do Chiado No âmbito do desenho urbano, este plano vem unicamente ordenar o sistema de circulação no Chiado, adaptando-o às dinâmicas e exigências sociais dos nossos tempos. A Rua do Crucifixo, que era uma rua menos importante da baixa, por ter recebido uma das portas de acesso ao metropolitano, deixa agora de ser a ultima rua da Baixa, para passar a ser a primeira do Chiado. Local onde todos chegam e onde todos partem, passa a ser uma rua com um movimento muito intenso. Neste sentido, Siza redescobre algumas ligações como as Escadinhas do Espirito Santo da Pedreira, que foram indevidamente apropriadas pelo edifício dos Grandes Armazéns do Chiado durante a reconstrução pombalina. Há uma escada nova que desce para a Rua do Crucifixo que se calhar existiu, porque o que se descobriu com o incêndio é que a largura daquela escada estava ocupada pelos Armazéns do Chiado, mas era um acrescento. Tanto que, demolido, apareceu a verdadeira fachada. Essa ligação tem muitas consequências porque prolonga as escadinhas de São Francisco, com uma ligeira torção. (Vieira, Público, 2013) Esta escadaria confere continuidade à Calçada Nova de São Francisco, paralela à Rua Garrett e acaba por concluir uma ligação direta entre a Rua do Crucifixo e a Rua Ivens. Entretanto, no Bloco A, a abertura de um pátio interior permite novas ligações cruzadas, entre as ruas Garrett, Ivens, Nova do Almada e as escadas de Santo André. Ilustração 32 – Vista aérea sobre o Chiado demonstrando a nova ligação, 2013, Ilustração nossa Outra ligação que o arquiteto vai desenvolver é entre a porta sul do Convento do Carmo e a Rua Garrett, através da abertura de um pátio interior no Bloco B, João Miguel Nascimento 80 Álvaro Siza Vieira e o plano do Chiado articulando lances de escada e zonas rampeadas, sendo assim possível vencer a diferença de cotas. Esta ligação foi em tempos existente mas havia desaparecido com o tempo, porventura até com o terramoto, mas é possível ver a sua existência numa gravura de Lisboa desenhada por Giorgie Braunio. Mesmo sem conhecimento da existência desta ligação, o arquiteto, ao circular na zona sinistrada achou que esta era a única forma de dar sentido à porta sul do Convento. Criar um circuito: Elevador de Santa Justa, rampas e escadas e um ascensor, e sair à cota da rua Garrett e ter ainda uma escada que ligasse à Rua do Carmo, completando os percursos. […] Uma historiadora que trabalhava também para nós como consultora, mostrou-me uma gravura antiga. E a gravura mostrava que da Igreja do Carmo havia uma escada que vinha cá abaixo. (Vieira, LISBOA GROUND, p.38) O projeto do pátio interior do Bloco B, ainda em fase de construção, estabelece ligações entre a Rua Garrett, a Rua do Carmo e o Convento do Carmo e os mais recentes Terraços do Carmo. Os Terraços do Carmo, estão localizados sobre a Rua do Carmo imediatamente à frente das ruinas do convento e no fim do percurso que arranca do Pátio B. Trata-se de uma plataforma que disfruta de uma belíssima vista sobre a encosta do castelo e a Praça do Rossio que servirá o Plano de Recuperação enquanto área de lazer. Ilustração 33 – Alçado dos Terraços do Carmo, 2013, Chiado em Detalhe João Miguel Nascimento 81 Álvaro Siza Vieira e o plano do Chiado Siza entende que a dimensão urbana do plano inovará e adaptará o Chiado às dinâmicas dos nossos tempos, mas a outra dimensão, a do pormenor, é que fará renascer a memória. O arquiteto atribui grande importância ao restauro das fachadas principais, porque estas são a “cara” do Chiado e a essência da herança pombalina. Siza, auxiliado do Cartulário Pombalino, acaba por perceber que a arquitetura “banal e corriqueira” do Chiado é bastante complexa. O restauro de pormenores de cada fachada, como portas, cantarias, cornijas, embasamentos foram alvo de um estudo extremamente aprofundado. O Plano de Recuperação do Chiado envolve diversas escalas diferentes. O domínio sobre as diferentes escalas de ação é a definição da vida dos vários utilizadores do Chiado, desde o utilizador permanente ao esporádico. Este domínio sobre a escala, nas palavras do arquiteto Gonçalo Byrne, traduz a riqueza do processo em Álvaro Siza, onde: pensar, esquiçar e desenhar, quer se trate do espaço publico (pavimentação, escadas, corrimãos, lambris, cornijas, galerias, atravessamentos) quer de elementos de transição para o espaço privado (fachadas, esquadrias, envidraçados, ferragens, etc.) é um ato vital e unitário onde se regista, da atmosfera desejada ao particular mecanismo de uma ferragem de janela. (Byrne, 2013, p.17) Álvaro Siza desenha o essencial, do grande espaço público ao mundo relacional da proximidade, onde a vida das pessoas se cola, ou se relaciona através da experiencia sensorial, total: visual, táctil, térmica, sonora, olfativa, etc. (Byrne, 2013, p.17) A riqueza deste plano de recuperação elaborado por Siza Vieira, resulta não só pelas diversas alterações urbanas inovadoras, a que se submeteu a área do Chiado, mas também, na harmoniosa coexistência de elementos novos com antigos devidamente conservados, mas também no rigor de execução dos inúmeros pormenores das fachadas, assim como, no primor do desenho de aproximação que marca diariamente os quotidianos do Chiado. Repetir nunca é repetir. (Vieira, 2000,p.15) João Miguel Nascimento 82 Álvaro Siza Vieira e o plano do Chiado 3.3. O PROJETO Os trabalhos de recuperação da zona sinistrada do Chiado tiveram início pouco depois do fogo e ainda hoje, vinte e cinco anos depois, não está terminado. Falta concluir a ligação da Rua Garrett ao Largo do Carmo através do Bloco B e a mais recente área dos Terraços do Carmo. Para uma melhor organização dos trabalhos, o Chiado do plano de recuperação está dividido em três blocos (A, B e C). O Bloco A é composto por edifícios do tipo pombalino e pretende introduzir um novo concito de espaço urbano no Chiado, o Pátio, que visa inovar e reforçar a estrutura já existente. O Bloco B é também composto por edifícios do tipo pombalino a “gritar” por uma recuperação. Tal como no anterior, no Bloco B vai existir um eixo de comunicação, também por meio de um pátio, que vai fazer a ligação entre dois pontos essenciais no Chiado, e conferir de facto continuidade ao desenho da cidade. O Bloco C tem um conceito diferente no exercício da recuperação visto tratar-se de dois edifícios de composição particular. Estes edifícios são de extrema importância no desenho do Chiado, tanto pela sua localização, como na função que desempenham e pela história que já escreveram. Ilustração 34 – Vista aérea sobre o Chiado com ilustração da divisão da área de intervenção em blocos, 2013, Chiado em Detalhe João Miguel Nascimento 83 Álvaro Siza Vieira e o plano do Chiado 3.3.1. BLOCO A Situado entre as Ruas Ivens, Garrett, Nova do Almada e Calçada Nova de São Francisco, o Bloco A é um quarteirão com uma recuperação idêntica ao original que ardeu. Como a maioria dos quarteirões no Chiado, à data do incêndio, era uma estrutura insegura, desatualizada e abandonada. É composto por uma linha periférica de edifícios de habitação, escritórios e comércio que no seu interior desenham um pátio público, designado por Pátio A, que aparece em substituição dos antigos logradouros, sujos e desordenados que serviam de estendal e armazém. Um dos edifícios que pertence ao Bloco A é o edifício Castro & Melo que foi vencedor do Prémio Secil63 do ano 2000, tratando-se de um edifício exemplar pela forma como incorpora o programa definido de três funções diferentes, na maneira como se molda ao terreno onde se insere e na comunicação harmoniosa com o envolvente. O Pátio A tem cerca de duzentos metros quadrados de área. Tem uma escala e uma proporção em relação ao exterior do quarteirão, que pressupõe a sua integração na estrutura urbana. O Plano de Siza tornou este pátio num espaço público e de utilização livre pelos utentes da cidade. De certa maneira, esta atitude é uma rutura com o estilo pombalino, que não previa o interior dos quarteirões enquanto espaço público, mas a abertura deste espaço permitiu criar uma nova atmosfera dentro do Chiado, uma rede de comunicações diversificada entre as várias ruas que envolvem o quarteirão e os acessos aos edifícios que o desenham. O interior deste quarteirão, com um desenho amplo e livre, aparece em contraste com a malha apertada do Chiado. De certa maneira, o interior de um quarteirão pressupõe sempre uma atmosfera diferente, mais calma e intimista, devido a ser rodeado de edificado. 63 O Prémio Secil é atribuído pela empresa portuguesa Secil a projetos de arquitetura (anos pares) e de engenharia (anos ímpares). Para além dos prémios nacionais, a empresa atribui ainda o Prémio Secil Universidades que tem por objetivo incentivar a qualidade dos jovens das escolas de arquitetura e de engenharia civil portuguesas. Este prémio é atribuído todos os anos às duas vertentes. João Miguel Nascimento 84 Álvaro Siza Vieira e o plano do Chiado Dadas estas características, o Pátio A, torna-se um espaço semipúblico pelo facto de poder ser vivenciado por qualquer um, mas num subambiente que contrasta com a dinâmica das ruas que marcam o Chiado. O edificado envolvente ao Pátio incorpora a função de comércio, que leva a exploração deste espaço interior, como espaço interior de lazer e permanência. Tem ainda outra função, muito importante, que é a transição de escala. Este pátio é onde se reúnem as entradas dos edifícios de habitação, formando assim um espaço semiprivado, de transição na relação interior (habitação) com o exterior (rua). A recuperação do Bloco A, não propõe área de estacionamento subterrâneo, pelo facto de um dos acessos ao interface de metro Baixa-Chiado passar cerca de oito metros abaixo do quarteirão. Ilustração 35 – Corte que longitudinal à Rua Garrett a passar pelo interior do quarteirão mostrando a distancia entre o pátio e o acesso ao metro, 2013, Chiado em Detalhe João Miguel Nascimento 85 Álvaro Siza Vieira e o plano do Chiado Ilustração 36 – Planta do Bloco A, 2013, Chiado em Detalhe, ilustração nossa Como se pode observar nos desenhos, o Pátio é um elemento que confere continuidade urbana ao Chiado. Serve de plataforma entre as cotas da Rua Nova do Almada e a Rua Ivens, que estão separadas por cerca de sete metros e introduz naquele sistema de circulação, uma quantidade de novos percursos. O acesso ao Pátio é possível por três arruamentos diferentes, através de três tuneis que furam os edifícios do Bloco A. A partir da Calçada Nova de São Francisco (arruamento em escada situado do lado esquerdo do Bloco A), o acesso é feito através de uma antecâmara no embasamento de um edifício. Esta antecâmara liga a Calçada à cota mais baixa do Pátio A e incorpora alguns estabelecimentos comerciais. Após passar esta antecâmara, já a céu aberto, estão umas escadas que dão acesso ao Pátio. João Miguel Nascimento 86 Álvaro Siza Vieira e o plano do Chiado Ilustração 37 – Acesso ao Bloco A através da Calçada de São Francisco, 2013, Ilustração nossa Ilustração 38 – Escadas de acesso à parte superior do pátio, 2013, Chiado em Detalhe A partir a Rua Ivens (rua a norte do Bloco A) é também desenhada uma ligação ao pátio que vence uma diferença de cotas de sensivelmente quatro metros. Esta ligação, enquanto acesso ao pátio, situado na cota inferior, articula também um acesso ao edifício de habitação que inicia à cota da Rua Ivens. A diferença de cotas é vencida com dois lances de escada, onde após o primeiro surge um pequeno braço superior, transversal ao alinhamento das escadas que faz a ligação ao segundo piso do edifício, respeitante ao primeiro da Rua Ivens. A cobertura deste acesso não acompanha o lance de escadas, resultando no alçado do pátio num rasgo muito vertical, muito subtil mas com muita presença no conjunto. João Miguel Nascimento 87 Álvaro Siza Vieira e o plano do Chiado Ilustração 39 – Corte longitudinal ao acesso entre o Pátio A e a Rua Ivens, 2013, Chiado em Detalhe Ilustração 40 – Fotografia do Pátio A, 2013, Ilustração nossa Ilustração 41 – Fotografia do acesso entre a Rua Ivens e o Pátio A, 2013, Ilustração Nossa A terceira ligação é entre o Pátio e a Rua Garrett (Rua à direita do Bloco A). Está concebida para a compatibilização das cotas de acesso entre a Rua Garrett e o Pátio, o que a transforma numa ligação de grande relevância e quase natural daquele sítio. Este acesso estabelece também uma relação de continuidade com a entrada do Pátio B, interior do Bloco B e também com o percurso interior do Quarteirão Imperio, João Miguel Nascimento 88 Álvaro Siza Vieira e o plano do Chiado desenhado pelo arquiteto Gonçalo Byrne. Estas relações entre pátios e percursos desenvolvem novos circuitos de circulação no Chiado. A ligação é desenhada, mais uma vez, através do embasamento de um edifício e por este facto torna-se uma passagem com pouca luz a qualquer hora do dia. É nesta entrada que mais se faz sentir a troca de atmosferas durante a transição do espaço público da Rua Garrett para o espaço semipúblico do Pátio. A solução adotada para o túnel de ligação entre a Rua Garrett e o Pátio, resulta em pleno na medida em que, garante a transição adequada entre dois ambientes, que se pretendem diferentes, um, mais ruidoso e dinâmico, proveniente da Rua Garrett, outro mais calmo e direcionado para atividades de lazer e permanência. Ilustração 42 – Esquisso ilustrativo do Pátio A, 2013, Chiado em Detalhe Dominique Machabert acerca da sua experiencia no Pátio A, ainda durante a fase de construção, diz: No outro dia, enquanto eu subia os degraus da Escada de São Francisco, aventurei-me por uma porta entreaberta que dava para um local, vazio ainda, uma futura loja provavelmente, que comunica com o espaço liberto do Bloco A, já acabado, uma praceta. (Vieira, 2000, p.165) […] Abrigada dos ruídos da rua e do vento, a esplanada do café tinha dificuldades em encontrar os seus marcos. Tal se resolveria sem dúvida com o tempo. (Vieira, 2000, p.165). João Miguel Nascimento 89 Álvaro Siza Vieira e o plano do Chiado 3.3.2. BLOCO B O Bloco B está confinado entre a Rua Garrett, a Rua do Carmo, a Calçada do Sacramento e a cota mais alta do Convento do Carmo. A sua localização torna-o, sem dúvida, o elemento com maior potencial dinamizador do Plano do Chiado. Assim como no Bloco A, a intervenção de Siza no Bloco B pressupõe a recuperação ou reconstrução dos edifícios do tipo pombalino que o compõem e a libertação de um espaço exterior, designado de Pátio B, que pretende reforçar a rede de comunicações com a introdução de novos percursos em pleno coração do Chiado. Ilustração 43 – Planta do Bloco B, 2013, Chiado em Detalhe, Ilustração nossa Na continuação desta estratégia em que espaço edificado dá lugar a espaço urbano, Siza reduz a profundidade de construção dos edifícios adjacentes à Rua do Carmo, de maneira a, no interior, libertar a área necessária à abertura do Pátio B. este espaço era anteriormente ocupado pelos edifícios da reconstrução pombalina. Os restantes edifícios pertencentes ao Bloco B, nomeadamente os edifícios a tardoz voltados para a Calçada do Sacramento não sofrem alterações ao nível de projeto, sendo recuperados de acordo com a sua configuração original. João Miguel Nascimento 90 Álvaro Siza Vieira e o plano do Chiado A abertura do pátio no interior deste quarteirão e a redução de profundidade de construção acabam por desenhar edifícios que agora têm duas frentes, uma para a Rua do Carmo e outra para o Pátio B. Esta transformação, veio melhorar substancialmente as condições de salubridade e segurança dos edifícios agora recuperados, no âmbito da renovação do ar, aproveitamento de luz natural e organização espacial e estrutural. Em projeto, pelo facto de ainda não estar totalmente concluído, o Pátio B é o espaço que desenvolve a ligação entre a Rua do Carmo, a Rua Garrett, o Largo do Carmo e os mais recentes Terraços do Carmo. É então, um elemento altamente dinamizador do sistema de circulação do Chiado, por articular o Largo do Carmo com os eixos de cota inferior do mesmo bairro. Ilustração 44 – Vista aérea sobre o Chiado. A amarelo está delimitado o Largo do Carmo, a azul a Rua Garret e a Vermelho a Rua do Carmo, 2013, Ilustração nossa Na óptica da continuidade urbana, o interior do Bloco B, está diretamente ligado às principais artérias do Chiado, a Rua Garrett e a Rua do Carmo e pressupõe também a ligação à porta sul do Convento do Carmo, que se encontra ainda em construção. João Miguel Nascimento 91 Álvaro Siza Vieira e o plano do Chiado Ilustração 45 – Bloco B – a verde está o edifício José Alexandre, a rosa está o edifício Lionel, a vermelho está a ligação entre o pátio e a Rua do Carmo, a azul está o primeiro momento do Pátio e a Laranja está o segundo momento do Pátio , 2013, Ilustração nossa Da Rua Garrett, no embasamento do edifício José Alexandre, uma porta de madeira que está sempre aberta, mostra o atravessamento, sob forma de túnel, para o interior do Bloco B. Esta entrada, que, com uma pequena torção, surge em continuidade da saída do Pátio A, leva o utente ao primeiro contato com o Pátio B. Depois do atravessamento deste túnel, com uma pequena variação de luz, a chegada a um primeiro espaço, invoca a atmosfera calma e recatada a céu aberto presente no Bloco A. Este primeiro contacto com o Pátio B é delimitado pelo ritmo do alçado interior do edifício José Alexandre e uma fachada reminiscente do antigo edifício ali implantado. É por esta antiga fachada que se desenvolve a continuação do Pátio B. João Miguel Nascimento 92 Álvaro Siza Vieira e o plano do Chiado Ilustração 46 – Primeiro momento do Pátio B marcado pelo ritmo do edifício José Alexandre, 2013, Ilustração nossa Ilustração 47 – Fachada em ruinas que demarca a transição entre momentos do Pátio B, 2013, Ilustração nossa A partir da Rua do Carmo também é possível aceder ao interior deste quarteirão através de um lance de escadas que vence quase sete metros de diferença de cota. Este atravessamento, à semelhança da ligação entre o Pátio A e a Rua Ivens, também não tem a cobertura a acompanhar os lances de escadas, resultando num rasgo vertical com a altura de dois pisos no alçado da Rua do Carmo o desenho desta boca está perfeitamente integrado na métrica do alçado pombalino. Ilustração 48 – Alçado da Rua do Carmo com a entrada para o Pátio B, 2000, Álvaro Siza e a recuperação do Chiado João Miguel Nascimento 93 Álvaro Siza Vieira e o plano do Chiado Neste atravessamento, é possível ver o primor do desenho de Álvaro Siza Vieira, onde a escada cobre o atravessamento desde o degrau até à altura do corrimão, quase como se de um corpo único se tratasse. O corrimão, também em pedra lioz, surge com o desenho muito subtil de uma curva e contra curva que encontra o plano da parede. Ilustração 49 – Pormenor do corrimão do acesso entre a Rua do Carmo e o Pátio B, 2013, Chiado em Detalhe O acesso ao Pátio B a partir da Rua do Carmo leva o utilizador ao segundo espaço deste pátio. Este espaço, dada a topografia acidentada é ladeado por um robusto muro de contenção de terras em betão por uma lado e por outro com a leveza do edificado pombalino agora recuperado. A contraposição destas duas massas dá origem a uma atmosfera de tensão própria de um espaço de circulação, tornando o segundo espaço do Pátio B uma autêntica plataforma de ligação de cotas. Estes dois últimos acessos introduzem novas alternativas na circulação entre a Rua Garrett e a Rua do Carmo. Tendo em conta que a intersecção destes dois eixos acontece poucos metros depois da colocação destes dois novos acessos ao interior do quarteirão, torna-se evidente João Miguel Nascimento 94 Álvaro Siza Vieira e o plano do Chiado que o grande fundamento destes atravessamentos é a ligação com o Convento do Carmo, que está dependente da terceira ligação do Pátio B. A última ligação do Pátio B é com a porta sul do Convento do Carmo. Trata-se de um renascer das Escadinhas da Piedade que se perderam à data da reconstrução pombalina. Estas escadas, como podemos observar no pormenor de uma gravura da autoria de Braunio, faziam a articulação entre as cotas altas e baixas da cidade. Ilustração 50 – Adaptação da imagem de Giorgie Braunio sobre Lisboa. Imagem adaptada para focar as existentes Escadinhas da Piedade, 2013, Ilustração nossa O renascer das Escadinhas da Piedade, no plano elaborado por Siza para o Chiado, remete para a atitude do arquiteto no Bairro da Quinta da Malagueira onde o traçado por ele proposto advém dos “caminhos de pé posto”. Estes circuitos revelam a escolha do utente e o seu comportamento perante a necessidade de movimentação em função da topografia. Este acesso é desenhado por uma sucessão de lances de escada e uma rampa final, que acompanha a parede da Escola Veiga Beirão, levando à porta lateral do Convento. Ao longo deste percurso é possível comtemplar a parte baixa da cidade assim como a colina do castelo. Desenvolve também uma pequena ligação a um recanto das traseiras da Escola Veiga Beirão. O edifício Leonel que está adjacente a este atravessamento incorpora um elevador público que também vence a diferença de cotas entre o Pátio B e o Convento do Carmo. João Miguel Nascimento 95 Álvaro Siza Vieira e o plano do Chiado Esta ligação é de facto um elemento crucial na otimização do sistema de circulação vigente, que permite incluir novos circuitos que vão aproximar o Largo do Carmo, as ruas Garrett e do Carmo, o elevador de Santa Justa e os Terraços do Carmo. Ilustração 51 – Corte explicativo da ligação entre o Pátio B e a Porta Sul do Convento do Carmo, 2000, Álvaro Siza e a reconstrução do Chiado As mais-valias desta ligação não são apenas para as pequenas movimentações dentro do Chiado, se pensarmos numa escala mais ampla, a escala em que o Chiado é um ponto de transição entre a Baixa e o Bairro Alto, este acesso pedonal terá certamente grande adesão nas movimentações entre estes dois bairros. Conclui-se assim que o pleno funcionamento urbano do plano para o Bloco B está dependente da concretização desta terceira ligação. Esta ligação trará ao Pátio B, maior visibilidade e dinâmica, ao contrário da situação em que se encontra quase ao abandono apenas com a presença de dois espaços comerciais em funcionamento e sem circulação pedonal. João Miguel Nascimento 96 Álvaro Siza Vieira e o plano do Chiado Ilustração 52 – Esquisso sobre o Pátio B, 2013, Chiado em Detalhe (esquerda) Ilustração 53 – Planta da ligação entre o Pátio B e a porta sul do Convento do Carmo, 2000, Álvaro Siza e a reconstrução do Chiado 3.3.3. BLOCO C O Bloco C, situado entre as ruas do Carmo, Nova do Almada, Áurea e Crucifixo, é essencialmente composto por dois edifícios marcantes da história do Chiado. Os Armazéns do Chiado e o edifício Grandella. Além de estarem ligados à história da colina e ao carácter comercial que durante épocas caracterizou o Chiado, estes edifícios têm uma componente urbanizadora de grande importância no território em que se inserem. Parte integrante do Bloco C são também os novos atravessamentos e pontos de chegada, que foram descobertos ou inseridos por Siza, ao longo da execução do plano, que vêm consolidar a organização do conjunto e o tornam extremamente funcional. João Miguel Nascimento 97 Álvaro Siza Vieira e o plano do Chiado Ilustração 54 – Planta do Bloco C, 2013, Chiado em Detalhe, Ilustração Nossa O edifício dos Grandes Armazéns do Chiado é portador de uma enorme herança histórica. É o edifício mais mediático do Chiado; ponto de encontro de muitos e imagem de referência para outros. Com uma presença imponente que se enquadra no centro da perspetiva da Rua Garrett, este edifício é uma imagem de marca do Chiado, que tem lugar na intersecção das três artérias que constroem o bairro. No Chiado, este edifício desempenhou diversas funções, tendo funcionado como convento antes do terramoto, como casa senhorial depois, e como grande centro do comércio da cidade lisboeta uns anos mais tarde. A agitada e complexa história do que foi o Convento do Espirito Santo da Pedreira, desde a fundação medieval ate à instalação dos Armazéns do Chiado, passando pela destruição durante o Terramoto e pela construção parcial do projeto de Ludovici, traduz a especificidade e persistência da sua condição de majestoso monumento. (Vieira, 2000, p.40) Ilustração 55 – Alçado frontal dos Armazéns do Chiado, 2013, Chiado em Detalhe (em cima) João Miguel Nascimento 98 Álvaro Siza Vieira e o plano do Chiado Ilustração 56 – Alçado tardoz dos Armazéns do Chiado, 2013, Chiado em Detalhe (em baixo) No plano de recuperação da área sinistrada, Siza define o edifício Chiado como uma plataforma de comunicação e contentor universal, insensível a usos alterações e incêndios. (Vieira, 2013, p.47) Este edifício é um elemento chave de ligação entre a malha pombalina da Baixa e a estrutura do Chiado. Agarrado à topografia acidentada da colina, os Armazéns do Chiado são de facto um elemento urbanizador e estruturante na ligação dos dois bairros. Enquanto elemento urbanizador, do ponto de vista da sua posição, o edifício que separa a Rua Garrett e a Rua do Crucifixo por quase dez metros de diferença de cota, torna-se permeável ao articular um atravessamento pedonal pelo seu interior. A intervenção de Siza, ao permitir esta permeabilidade interna do edifício, volta a reforçar o sistema de circulação, com a introdução de uma nova ligação que confere continuidade aquele fragmento urbano de topografia acentuada. Ilustração 57 – Corte que demonstra a permeabilidade do edificio entre a Rua do Crucifixo e a Rua nova do Almada, 2013, Chiado em Detalhe No plano de recuperação, Siza prevê a reutilização dos Armazéns do Chiado com o programa de hotel, que considerava indicado para uma adaptação da estrutura existente, mas os proprietários do edifício Chiado não demonstraram grande interesse neste, debruçando-se sobre um programa de centro comercial. Em acordo, estabelece-se o programa de centro comercial para a maior parte do edifício deixando os últimos pisos para uma unidade hoteleira de grande qualidade que beneficia de uma excelente localização. João Miguel Nascimento 99 Álvaro Siza Vieira e o plano do Chiado A estrutura horizontal deste edifício é furada no seu interior pelos pátios de acessos verticais junto à torre central. Um percurso de escadas rolantes cruza estes pátios e os espaços que lhe estão circunscritos de maneira a assegurar a funcionalidade dos percursos interiores. Os espaços comerciais estão dispostos no edifício com as lojas de maior dimensão colocadas nos topos, enquanto as lojas menores se desenvolvem ao longo dos pátios de acessos verticais. Nos últimos níveis do edifício desenvolvem-se o sector da restauração e o Hotel do Chiado que beneficiam do terraço com vista sobre a cidade. Este terraço contém um espaço ajardinado que faz a separação entre o espaço público e a do restaurante/bar do hotel e dos varandins de cada quarto. O corpo saliente, proveniente da fachada principal, é o volume que incorpora o restaurante. Este espaço que se abre para a colina do Castelo de S. Jorge, proporciona um enquadramento espetacular sobre a colina do castelo. Durante o arranque deste centro comercial levantou-se a suspeita de que este programa fosse um falhanço, não conseguindo vingar, face à localização descentrada para este tipo de atividade e também dado à falta de movimento que se fazia sentir naquelas ruas pouco antes de anoitecer. A abertura da loja Fnac nos Armazéns do Chiado vem contornar esta situação, utilizando o horário noturno e comportando um cartaz contínuo de atividades culturais. Este cartaz de atividades, trouxe grandes benefícios ao desenvolvimento da atmosfera comercial do Chiado, na medida em que voltou despoletar no utilizador o interesse e a vontade de frequentar o Chiado. De qualquer maneira acho que é inquestionável que o funcionamento do Chiado nas suas diversas valências reanimou toda a zona e tem ajudado a consolidar novos movimentos e possibilidades comunicando a sua presença para o resto da operação. (Vieira, 2012, p.20) Outra intervenção de Siza que resultou em grandes transformações ao nível urbano no bairro do Chiado, foi a inclusão de um dos acessos à estação de metro Baixa-Chiado no edifício dos Grandes Armazéns, em plena Rua do Crucifixo. João Miguel Nascimento 100 Álvaro Siza Vieira e o plano do Chiado Esta inovação, associada à descoberta das Escadinhas do Espirito Santo da Pedreira transforma a Rua do Crucifixo, que era praticamente secundária, numa das ruas mais dinâmicas ruas do bairro. Ilustração 58 – Fotografia Do acesso ao metro pela Rua do Crucifixo, 2013, Ilustração nossa (esquerda) Ilustração 59 – Corte pelas Escadinhas do Espirito Santo, 2013, Chiado em Detalhe A Rua do Crucifixo torna-se parte integrante dos circuitos do Chiado e desenvolve mais uma relação de continuidade entre a Baixa e o Bairro. Desta “nova” rua é possível fazer o acesso às cotas mais altas a partir das redescobertas Escadinhas do Espirito Santo. A Rua do Crucifixo era um eixo secundário e de pouca importância. Ocupando a posição de ultima rua da malha pombalina, esta funcionava como rua de serviço da Baixa, cumprindo com funções de cargas e descargas, entre outras funções deste âmbito. A inclusão desta boca de acesso à estação de metropolitano na Rua do Crucifixo é um dos elementos mais importantes de toda a intervenção desenvolvida por Siza. Esta medida em particular vem recriar a Rua do Crucifixo enquanto primeira rua do Chiado. A rua que simbolizava o fim da Baixa, secundária e pouco frequentada, desenvolve uma nova atmosfera, bastante mais dinâmica, por se tratar de um ponto de chegada e partida de pessoas. Esta nova atmosfera também tem peso na aproximação entre os dois bairros, acabando por coordenar as novas movimentações e desenvolvendo rotinas e hábitos nos seus utilizadores. João Miguel Nascimento 101 Álvaro Siza Vieira e o plano do Chiado Ilustração 60 – Esquisso ilustrativo da plataforma de metropolitano Baixa-Chiado, 2013, Chiado em Detalhe A plataforma Baixa-Chiado transporta o bairro para o resto da cidade, acabando com o problema da descentralização que o acompanhava nos anos anteriores ao fogo. Inteiramente desenhada pelo arquiteto, este é um terminal rico na qualidade e organização do espaço, assim como, essencial na construção da cidade e nas deslocações de quem circula entre a Baixa e o Bairro Alto. Há muito que o largo do Chiado se apoderou do Largo de Camões, dada a proximidade e pela importância que tem nas relações entre Bairro Alto, Chiado, Baixa e Cais do Sodré. Para o presente trabalho, o ponto de maior importância no projeto desta infraestrutura é em particular a ligação que esta estabelece entre duas partes da cidade. Entre o acesso ao interface de metro do Largo do Chiado e o da Rua do Crucifixo existe uma diferença de dezoito metros de cota. A inovação implantada por Siza Vieira, consiste em ser possível utilizar a infraestrutura como ligação entre a parte alta João Miguel Nascimento 102 Álvaro Siza Vieira e o plano do Chiado e a baixa da cidade, através de um corredor dinâmico, mecanicamente assistido, que transporta os utilizadores entre cotas. Ilustração 61 – Vista aérea sobre o Chiado com assinalação dos acessos ao metropolitano, 2013, Ilustração nossa Este atravessamento que articula, por meio de escadas rolantes, uma enorme diferença de cotas, Siza reforça as ligações da cidade estabelecendo uma nova relação entre a Baixa, o Chiado e o Bairro Alto. Da perspetiva do utilizador, esta ligação comporta algumas vantagens, dentre as quais se destacam, a proteção contra intempéries, o facto de proteger este núcleo histórico de uma possível intervenção de meios mecânicos assistidos que pudessem ser introduzidos em pleno espaço público, de maneira a favorecer os utilizadores de mobilidade reduzida e, por último, porque permite uma ligação direta, rápida e fácil entre a Baixa e o Bairro Alto. Ilustração 62 – Esquisso ilustrativo da ligação interna da estação Baixa-Chiado, 2013, Ilustração nossa As plataformas de chegada do metro organizam-se por baixo de um plano que serve de corredor de circulação, perpendicular ao acesso mecânico entre Alta-Baixa. Este João Miguel Nascimento 103 Álvaro Siza Vieira e o plano do Chiado plano desenvolve-se pontualmente apoiado, libertando assim o espaço lateral, permitindo o contacto visual entre as referidas plataformas e o corredor de circulação, unificando o espaço e tornando-o mais leve e menos claustrofóbico. Os túneis são forrados por um ladrilho cerâmico branco brilhante, que permite um jogo de brilhos e reflexos que espalham a luz tornando o espaço mais dinâmico. Apesar de ser uma construção subterrânea e sob forma de túnel, este material reforça a leveza do desenho de Siza. Ilustração 63 – Fotografias da estação de metro, mostrando o corredor de circulação (esquerda) por cima da plataforma (direita), 2013, Ilustração nossa Ainda pertencente ao Bloco C há mais um edifício que se revela, ao longo dos tempos, muito importante na relação de continuidade entre a Baixa e o Chiado. O edifício Grandella, data de 1906 e foi um projeto elaborado por Georges Dumay, o arquiteto responsável pelos Armazéns Printemps de Paris. Francisco Grandella, dono do negócio e com um grande impulso empreendedor, quis importar de Paris o conceito de grandes armazéns e implanta-lo na Baixa de Lisboa. Com a estratégia de grande armazém e o sentido comercial de Francisco Grandella, estes armazéns foram, na sua época de ouro, um dos mais prestigiados pontos de comércio português. A sua arquitetura é particular e desligada da Pombalina que constitui toda a envolvente. É um exemplo, raro no país, de introdução simultânea de uma nova tipologia e de uma técnica: estrutura em ferro de gosto “art nouveau”, fachadas em pedra com decoração figurativa e enormes vãos, de desenho certamente contaminado pela austeridade da Baixa e pelas condições locais de construção. (Vieira, 2013, p.47) João Miguel Nascimento 104 Álvaro Siza Vieira e o plano do Chiado Ilustração 64 – Alçado frontal do edificio Grandella, 2000, Álvaro Siza e a reconstrução do Chiado No âmbito do tema do presente trabalho, interessa no edifício Grandella focar a componente urbana que constitui, e que o difere dos edifícios que o envolvem. Este edifício, situado entre a Rua do Carmo e a Rua do Ouro, incorpora uma escada rolante, que constitui um percurso que vence os quinze metros de desnível das ruas em questão. À data da construção do edifício, esta escada torna-se um autêntico “grito” de modernidade que fascinava por completo os seus utilizadores, não só pelo percurso mecanicamente assistido, mas também pela facilidade em vencer a topografia. Ainda assim a inovação dos percursos mecanicamente assistidos não era a grande novidade, dado que, poucos anos antes, o Elevador de Santa Justa tinha sido inaugurado com a ligação entre o Largo do Carmo e a Rua de Santa Justa. A verdadeira inovação constava do facto desta transição de cotas, ser feita pelo meio de uma estrutura edificada, tornando o edifício Grandella numa “rua comercial interior” que liga duas áreas distintas do centro da cidade. João Miguel Nascimento 105 Álvaro Siza Vieira e o plano do Chiado Ilustração 65 – Planta do edifício Grandella à cota da Rua do Ouro, 2000, Álvaro Siza e a reconstrução do Chiado (esquerda) Ilustração 66 – Planta do piso tipo do edifício Grandella, 2000, Álvaro Siza e a reconstrução do Chiado (direita) João Miguel Nascimento 106 Álvaro Siza Vieira e o plano do Chiado Ilustração 67 – Corte perpendicular à Rua do Ouro, sobre o edifício Grandella, 2000, Álvaro Siza e a reconstrução do Chiado (direita) Esta permeabilidade constitui mais um percurso importante no Plano do Chiado, porque, à semelhança do atravessamento do interface de metro, aos olhos do utilizador constitui uma ligação interior que o protege da intempérie e a transição é feita sem grande esforço. O percurso interior do edifício Grandella é composto por uma coluna de escadas, que constituem um vazio na massa do edifício e termina com uma grande claraboia que enche o espaço de luz, tornando-o de certa maneira mais convidativo e assumidamente urbano. Após a sua reconstrução, o edifício Grandella passou a incluir quatro pisos de estacionamento subterrâneo, libertando este espaço para vir ao encontro das novas João Miguel Nascimento 107 Álvaro Siza Vieira e o plano do Chiado formas de deslocação dos utilizadores e conferir capacidade de estacionamento à área do Chiado. Após o estudo dos edifícios Grandella e Armazéns do Chiado é notório perceber a importância que um edifício pode ter na articulação de espaços e diferenças de cota de uma malha consolidada. Estes dois edifícios são, em parte, responsáveis pela aproximação entre os bairros Baixa e Chiado, e pelo contínuo urbano que agora representam. Ilustração 68 – Esquisso ilustrativo do Chiado, 2013, Chiado em Detalhe João Miguel Nascimento 108 Álvaro Siza Vieira e o plano do Chiado 4. PROJETO ACADÉMICO – PARQUE URBANO O trabalho realizado no âmbito da disciplina de Projecto III, correspondente ao 5ºano do Mestrado integrado em Arquitectura da Universidade Lusíada de Lisboa, teve como tema a recuperação da frente marítima do Dafundo. Nesta recuperação, não se tratava apenas de consolidar a frente marítima enquanto parte isolada de cidade, mas sim, de a conciliar com a morfologia do restante tecido urbano, diluindo as descontinuidades agora existentes. Trata-se de desenvolver uma estratégia de projeto unitária, à escala da cidade, que restabeleça a ligação entre a malha consolidada do Dafundo e a sua frente marítima, atualmente interrompida à custa dos conflitos entre os vários sistemas estruturantes. Ilustração 69 – Vista aérea sobre Algés, 2013, Ilustração nossa O território de Algés tem sofrido, ao longo dos tempos, grandes intervenções urbanísticas no que diz respeito ao sistema viário, que têm vindo a transformar a relação, outrora existente, entre Algés e o Tejo. A proximidade e a fácil acessibilidade entre Lisboa e Algés, fez com que este ultimo, tenha sido uma das primeiras zonas do concelho de Oeiras a ser transformada numa área habitacional de grande intensidade. Esta intensidade de crescimento sem estratégia nem ordenamento, levou a um sistema pouco organizado e funcional dos sistemas viário e edificado. João Miguel Nascimento 109 Álvaro Siza Vieira e o plano do Chiado A praia de Algés, outrora bastante procurada, foi-se tornando cada vez mais reduzida e perdendo consecutivamente mais visitantes que acabam por procurar as praias mais distantes para o lado de Cascais. A frente marítima do Dafundo/Algés encontra-se hoje bastante reduzida, pouco atrativa e descontextualizada da restante cidade. O contacto com a cidade está completamente condicionado pela presença da linha ferroviária, a que se juntam as quatro vias automóveis da estrada marginal, afastando assim qualquer hipótese de relação entre estas duas parcelas de cidade. É objetivo do presente projeto que restabelecer a relação agora perdida e devolver aos habitantes, o contacto com o rio, reconfigurando a zona ribeirinha na procura de uma estrutura urbanística qualificada e convidativa. Ilustração 70 – Limite da área de intervenção, 2013, Ilustração nossa A proximidade à capital, da área de intervenção, confere-lhe uma grande diversidade de acessos, entre eles, a autoestrada A5, a estrada marginal, a linha ferroviária e a autoestrada CRIL. a confluência destas vias de comunicação, embora reforçando o sistema de acessos, desorganizou, e criou problemas em toda a estrutura adjacente, tornando a frente marítima do Dafundo num vetor urbano. Apesar da área de intervenção ser uma zona de possível extensão da cidade de Lisboa e de conter, em si, potencialidades inerentes a ser exploradas, é atualmente, uma zona de passagem e de ligação com as áreas envolventes, congregando em si João Miguel Nascimento 110 Álvaro Siza Vieira e o plano do Chiado um conjunto de vias de comunicação que, por um lado oferecem maiores condições de acessibilidade, mas que por outro descaracterizam o local e condicionam as vivências e relações ali estabelecidas. Torna-se assim necessário repensar a barreira imposta entre a cidade e o rio, de maneira a tentar reajustar a sua aproximação, na procura de uma requalificação urbanística, ambiental e vivencial do conjunto urbano. Propõe-se então a definição de um circuito contínuo entre a Cruz Quebrada e Santa Maria de Belém, junto à fundação Champalimaud, que comporte a organização de novos equipamentos e espaços públicos, constituindo uma frente marítima urbana, que “remate a cidade” e redesenhe os seus limites. Tal como no plano de Siza Vieira no Chiado, esta intervenção, além da componente reintegradora da área de intervenção na estrutura urbana consolidada, pressupõe também a sua ativação, sendo que esta se encontra partida e abandonada. A frente marítima do Dafundo encontra-se numa situação semelhante à do Chiado à data do grande incendio de 1988. Dada a morfologia do terreno e a sua forma longitudinal à estrada marginal, propõe-se a implantação de um programa que constitua uma fusão entre o desporto, a cultura, e as artes, que no seu todo configurem um Parque Urbano. Este Parque Urbano absorve este programa, como sendo uma mistura dos contextos anexos às áreas que o ladeiam. Do lado do Jamor advém a tendência desportiva, que no presente plano tende a complementar os desportos em falta, nomeadamente os desportos radicais. Do lado de Belém vem toda a componente artística e historicista, marcada pelos diversos edifícios e monumentos que comportam esta atmosfera. A proposta de Parque urbano elaborada para a área de intervenção prevê uma nova estrutura que articula novos espaços de equipamentos públicos, de habitação e uma transformação e adaptação do sistema viário. Este programa de Cultura + Desporto implantado no Parque Urbano pressupõe novos usos e novas práticas para esta área da cidade, de maneira a torna-la mais avenida e menos vetor urbano. João Miguel Nascimento 111 Álvaro Siza Vieira e o plano do Chiado Assim o programa desenvolvido integra diferentes espaços, alguns recuperados e adaptados às novas utilizações, outros desenvolvidos de raiz em função das diretrizes estabelecidas pelo plano. O Parque Urbano é uma estrutura de grande porte, ligada aos desportos radicais, que pretende receber os circuitos mundiais de Skate e Bmx, sendo um espaço atrativo para atletas da alta competição. No entanto a ideia base da ideia é ser um espaço atrativo para todo o tipo de utilizadores, dada a sua versatilidade e multiplicidade de ambientes e espaços. De maneira a complementar esta estrutura, o plano deve integrar uma unidade de habitação temporária ou efémera, um hotel ou hostel, que possa alojar atletas e outros utilizadores dos espaços desportivos da zona. Para desencadear novas rotinas e hábitos de frequência aos moradores e utilizadores do novo Parque Urbano, serão incorporados novos espaços que dinamizem o comércio local, dimensionado à escala da envolvente. As zonas de estacionamento vão ser introduzidas ao longo da nova estrutura viária, sob forma de bandas de estacionamento, que conferem uma maior facilidade de acesso e movimentação ao longo de todo o Parque. O plano prevê também, a atribuição de funções a edifícios que se encontrem devolutos, mas incluídos na estrutura edificada consolidada. Entre elas está a adaptação e conversão de dois edifícios num centro de artes plásticas, com direito a quatro pequenos equipamentos públicos do Parque para exposição dos trabalhos realizados. Está igualmente prevista a adaptação e conversão de um edifício de habitação, para a função de residência de estudantes. Adjacente a esta residência, está a recuperação de dois outros edifícios, um para conversão em ateliers e oficinas de apoio a estudantes, outro para desempenhar a função de pequeno espaço de supermercado e de refeições. O plano pressupõe também a recuperação de um conjunto de quatro edifícios, mantendo a sua função de habitação. Edificados de raiz, são os espaços que se organizam ao longo do Parque, as folies, que albergam diferentes funções, entre as quais, as galerias de exposição associadas ao centro de artes, espaços de leitura, restaurantes, bares, espaços para crianças João Miguel Nascimento 112 Álvaro Siza Vieira e o plano do Chiado (ATL), enfermaria, um armazém/oficina para apoio aos pescadores e uma escola de desportos náuticos. À semelhança do que acontece no Chiado, com Siza Vieira, esta intervenção organiza o sistema de circulação, reforçando-o com novos circuitos, desenvolvendo novas atmosferas e novas rotinas que pretendem atrair os utilizadores. A origem do desenho do plano urbano vem da descoberta de um pequeno miradouro, situado do lado da Cruz Quebrada, que desenvolve um pequeno trilho no sentido do Dafundo. Ilustração 71 – Linha preexistente que originou o novo limite, 2013, Ilustração nossa Deste pequeno percurso preexistente e na procura da geometrização da sua continuidade, surge uma grande linha reta, que termina na torre de controlo marítimo de Algés, desenhando o novo limite físico da frente marítima do Dafundo. Este “caminho de pé posto” preexistente é a base que desenvolve a relação de continuidade longitudinal entre a Cruz Quebrada e Algés. A relação de continuidade transversal ao projeto, entre a malha edificada e a frente marítima está completamente cortada pelo excesso de vias automóveis e a linha ferroviária. De maneira a permitir a permeabilidade entre estas duas parcelas e desenvolver uma relação de interdependência e continuidade, tornou-se necessário redesenhar o sistema de circulação e adequa-lo às necessidades de uma avenida. João Miguel Nascimento 113 Álvaro Siza Vieira e o plano do Chiado Ilustração 72 – Novo sistema viário, 2013, Ilustração nossa Neste novo desenho do sistema viário, a linha ferroviária é elevada cerca de quatro metros, passando o comboio a circular elevado, libertando o espaço por baixo para a circulação pedonal. Paralela a esta elevação das linhas de comboio, duas das quatro vias de circulação automóvel da estrada marginal, passam a circular do lado do mar, permitindo a integração de uma área pedonal entre estradas e por baixo da linha. Nesta área, entre elementos de suporte da estrutura de elevação da linha, desenvolvem-se novos espaços comerciais que marcam o início do novo Parque Urbano. Ilustração 73 – Corte explicativo perpendicular à linha ferroviária, 2013, Ilustração nossa As duas vias automóveis do lado do mar desenvolvem-se cerca de 70cm abaixo do nível pedonal, desenvolvendo uma permeabilidade visual entre a malha edificada e o rio. João Miguel Nascimento 114 Álvaro Siza Vieira e o plano do Chiado Ilustração 74 – Relação de continuidade entre as ruas existentes e o novo Parque Urbano, 2013, Ilustração nossa De maneira a organizar um contínuo urbano, os acessos pedonais ao parque, são colocados estrategicamente na continuidade das ruas transversais preexistentes da já consolidada malha edificada. Assim, com a continuidade longitudinal agora conseguida entre o miradouro e a doca pesca, fica garantida integralmente a continuidade de circulações entre a malha edificada e a frente marítima. Ilustração 75 – Diagrama ilustrativo dos edifícios a recuperar e reintegrar, 2013, Ilustração nossa O plano urbano prevê também a recuperação de edifícios devolutos na estrutura urbana do Dafundo, e a consequente reintegração, neste sistema, com novos usos de maneira a desenvolver uma leitura homogénea do espaço. A recuperação da grande estrutura da antiga fábrica da Lusalite, devido à sua área e excelente localização entre a estação da Cruz Quebrada e os dois campos desportivos, pressupõe um novo uso com o programa de hotel, fornecendo habitação temporária a utilizadores destas grandes estruturas. Também na frente rio da estrutura edificada do Dafundo, o plano prevê a recuperação de quatro edifícios devolutos para o programa de habitação, de um edifício para João Miguel Nascimento 115 Álvaro Siza Vieira e o plano do Chiado albergar uma residência de estudantes que estará associada à recuperação de outro edifício, relativamente próximo, onde estes alunos podem desenvolver os seus trabalhos em espaços próprios de atelier e oficinas. Também está prevista a recuperação de um edifício para funcionamento de um pequeno supermercado e espaço de refeições. Por ultimo prevê-se a conversão de um edifício num centro de artes plásticas. Ilustração 76 – Proposta de Plano urbano para a frente marítima do Dafundo, 2013, Ilustração nossa O Parque urbano desenvolve-se por meio da continuação do antigo trilho, proveniente do miradouro, onde grandes áreas verdes arborizadas se organizam em torno de um percurso principal e os equipamentos públicos. O limite do Parque do lado do rio é delimitado por uma ciclovia, que atravessa todo o novo espaço e pretende conferir-lhe continuidade com o Jamor e Belém. Ilustração 77 – Diagrama com novos espaços, novos usos e novos espaços, 2013, Ilustração nossa João Miguel Nascimento 116 Álvaro Siza Vieira e o plano do Chiado Ilustração 78 – Fotomontagem do limite desenhado pela ciclovia, 2013, Ilustração nossa Estes equipamentos, de forma cúbica servem como elemento organizador da estrutura do parque e desenvolvem diversas funções. O exercício de projeto previa o desenvolvimento de três equipamentos tipo, em que as funções escolhidas foram as de café/bar, espaço para crianças (ATL) e a galeria de exposições associada ao centro de artes. - O Café/Bar é um equipamento que se desenvolve sob forma de um cubo com 10m de aresta, ao qual foi dado o nome de Cubical Cofee. (ver anexo 1) Este equipamento inclui no seu programa interno, o espaço de copa/cozinha, espaço de armazém, núcleo de instalações sanitárias para trabalhadores, núcleo de instalações sanitárias para clientes, plataforma de elevação para alimentos, área de lazer interior e esplanada exterior. Organiza no primeiro nível as áreas de produção e confeção de alimentos, instalações sanitárias para clientes e trabalhadores, balcão de atendimento e espaços de estar interiores e exteriores. O segundo nível alberga espaço de lazer e permanência, e também um núcleo de instalações sanitárias para clientes. Os segundo e terceiro pisos desenvolvem-se como espaço único, sendo que, o terceiro nível é uma mezanine sobre o segundo. Este espaço é bastante convidativo e rico pela absorção de luz natural. - O espaço para crianças, também se insere num equipamento de forma cúbica exterior, embora se desenvolva num nível abaixo do solo, que obviamente não é percetível do exterior. João Miguel Nascimento 117 Álvaro Siza Vieira e o plano do Chiado Este equipamento agrega um programa, mais extenso que os restantes casos, constituído por um playground de grandes dimensões, instalações sanitárias para trabalhadores e para crianças, arrumos, balcão de atendimento, sala de estudo, área de trabalhos manuais e pequenos balneários. O nível de entrada do espaço de crianças desenvolve-se sobre o playground e comporta apenas um corredor de acesso, um balcão de atendimento e um núcleo de escadas. O nível inferior desenvolve-se à cota -3m em sistema de duplo pé direito e com o balcão de atendimento a um nível superior, garantindo um maior espaço e controlo das crianças. Contém instalações sanitárias para crianças, uma grande área de arrumos e o playground. O primeiro e segundo níveis também em duplo pé direito, confere ao edifício unidade espacial. No primeiro nível, desenvolve-se o programa de sala de estudo, instalações sanitárias e arrumos, sendo que no segundo, a sala de trabalhos manuais acompanhada de um pequeno balneário de apoio e instalações sanitárias. Além deste jogo entre cheio e vazio, onde se contrapõem planos de salas, com sistemas de duplo pé direito, os rasgos na cobertura em conjunto com os vãos de grandes dimensões, enriquecem a luz natural do interior do edifício. (ver anexo 2) - As galerias de exposição associadas ao centro de artes são programa de quatro equipamentos cúbicos do Parque Urbano. Estas galerias desenvolvem-se, à semelhança do Cubical cofee, num cubo de 10m de aresta. O programa que incorporam é bastante simples e pequeno, de maneira a libertar o maximo espaço possível, para as exposições. O nível de entrada no edifício é o que comporta maior parte do programa, sendo constituído por espaço de entrada, balcão de atendimento com área de arrumos, plataforma elevatória e instalações sanitárias. Este nível torna-se o mais ocupado pretendendo libertar o espaço dos restantes níveis para as salas de exposição. Os restantes dois níveis organizam-se em sistema de duplo pé direito, sendo que o terceiro nível se debruça sobre o segundo, unificando o espaço. Para não descontextualizar o piso de chegada e atribuir alguma continuidade ao percurso João Miguel Nascimento 118 Álvaro Siza Vieira e o plano do Chiado interior do edifício, este ultimo é furado, junto aos lances de escadas, de onde emerge uma árvore como elemento continuo a todo o edifício. (ver anexo 3) O Parque Urbano organiza-se assim por este percurso paralelo ao rio, convivendo em alternancia as áreas arborizadas com estes pequenos equipamentos, desembocando na grande estrutura de skate park. Esta área desportiva é uma estrutura de grandes dimensões, para poder representar o país e receber os eventos desportivos mais conceituados ao nível mundial. Este Skate Park é composto por vários tipos de rampas na grande área que ocupa, ladeado pelo rio, por grandes áreas arborizadas e também com a presença da ciclovia, resultando numa atmosfera de harmonia entre desporto e natureza. Por cima deste skate park organizam-se travessias pedonais para acesso aos restantes equipamentos que se situam junto da torre de controlo marítimo. Junto ao acesso ao rio desenvolvem-se três equipamentos, sendo um deles já existente, o restaurante mexicano, que se faz agora acompanhar de uma escola de desportos náuticos, que complementa a estrutura desportiva com mais um desporto, e um armazém/oficina de apoio a pescadores. A proposta de Parque Urbano para a frente marítima do Dafundo desenvolve assim um novo limite na cidade, valorizando a permeabilidade e a continuidade entre os vários sistemas ali existentes. A integração do projeto faz-se valer pelo desenvolvimento de um contínuo urbano, que visa reforçar os sistemas de circulação, recuperando e recriando novos circuitos, permeabilizando toda a área de intervenção no sentido do uso pedonal, e principalmente em convívio pleno com o Tejo que, sendo uma enorme mais-valia que as cidades possuem, não devem nunca ser ignoradas no desenvolvimento dos seus projetos. O Parque Urbano pode ser encarado como um espaço de passagem por compreender novas possibilidades de circulação entre as três zonas que lhe são adjacentes, assim como, também, como um espaço de lazer e permanência de onde se pode tirar partido dos equipamentos e estruturas desportivas que comporta, ou simplesmente passear e contemplar a vista voltada ao Tejo ladeado pelas amplas áreas ajardinas. Este espaço acaba por “cozer” a parte descontextualizada da cidade, requalificando-a com a pretensão de servir toda a comunidade de utilizadores diretos e atrair outros João Miguel Nascimento 119 Álvaro Siza Vieira e o plano do Chiado novos, o que naturalmente dinamizará a atividade nos sectores comercial e habitacional da área de intervenção. Subjacente ao redesenho da frente marítima do Dafundo, existe a necessidade de conceber um nexo urbano, que pretende potenciar a atratividade dos utilizadores à zona ribeirinha, onde se localiza o novo Parque Urbano. Tal como nas intervenções pontuais de Siza Vieira na reconstrução do Chiado, este elemento é também uma plataforma de distribuição, que consiste numa sequência de espaços miradouro que permitem aos utilizadores fruir das paisagens sobre o Tejo, vencendo a topografia de maneira suave e confortável. No seguimento da ideia dos volumes cúbicos de 10m de aresta que organizam o percurso do Parque Urbano, os miradouros assumem aqui também, neste nexo, essa função. No interior de cada volume desenvolvem-se as escadas de acesso às coberturas miradouro, assim como uma plataforma elevatória mecanicamente assistida que possibilita a utilização do percurso na transição de cotas por utilizadores de mobilidade reduzida. O nexo urbano funciona assim como elemento de ligação entre o Parque Urbano, a estrutura edificada do Dafundo e as zonas de cota mais elevada, que se encontravam impossibilitadas de comunicar diretamente dado o desnível topográfico. É também um elemento que fortifica o sistema de circulação, introduzindo novos circuitos nas rotinas dos utentes. (Ver anexo 4) O Nexo urbano tem assim a ambivalência de servir para diferentes ritmos de uso, desde o utilizador diário até ao turista frequente, associando-se, assim, a funcionalidade ao lazer. João Miguel Nascimento 120 Álvaro Siza Vieira e o plano do Chiado Ilustração 79 – Sobreposição de cortes ilustrativa da transição através do nexo urbano, 2013, Ilustração nossa João Miguel Nascimento 121 Álvaro Siza Vieira e o plano do Chiado 5. CONSIDERAÇÕES FINAIS O aproveitamento da oportunidade criada pelo incêndio. Com efeito, a cidade de Lisboa, teve dois momentos na sua história associados a catástrofes que devastaram zonas inteiras e partes da cidade. São elas o terramoto de 1755 e o grande incêndio de 1988. Em ambos os casos e especialmente no segundo, objeto deste trabalho, o autor aproveitou da melhor forma a transformação do Chiado, resolvendo problemas e dificuldades de diversa ordem, provenientes do passado, que dificilmente teriam sido tao bem resolvidas não tivesse havido uma ocorrência desta natureza. O incêndio veio alertar para a realidade em que se encontravam as construções do centro histórico da cidade, e o perigo que esta situação representa. Pode dizer-se que é nestes momentos de fronteira em que o papel da arquitetura, sempre tao relevante, pode condicionar definitivamente, para bem e para mal, as soluções implementadas. Neste caso concreto, sem dúvida alguma, trata-se de uma excelente intervenção que ficará para a posteridade. O impacto da intervenção Tratando-se o Chiado de uma plataforma de charneira entre a Baixa pombalina e o Bairro alto, Siza Vieira toma uma atitude não de rutura, mas de continuidade da arquitetura ali praticada na estratégia de recuperação. Esta atitude, é o que mantém viva a memória daquela zona e o que demonstra a sensibilidade e bom senso de Siza Vieira. Trata-se portanto de uma opção do autor, que no entanto foi muito contestada por outras correntes, favoráveis à introdução de um novo registo de arquitetura, criticando-o por entenderem não existir mão criativa, por apenas se intervir no interior dos quarteirões, deixando o aspeto visual globalmente inalterado. Apesar de a totalidade do projeto não estar ainda concluída, é hoje do senso comum, estar-se em presença de uma excelente transformação desta área da cidade. João Miguel Nascimento 122 Álvaro Siza Vieira e o plano do Chiado Preocupações fundamentais É patente a intenção do arquiteto, de preservar a conceção histórica da área em estudo. Desta forma e sem uma intervenção arrojada, de exuberância arquitetónica, a operação do Chiado centra-se na recuperação e conservação das fachadas pombalinas, surgindo a verdadeira mão criativa na recriação dos sistemas que estruturam a zona. A adaptação destes sistemas, principalmente o de circulação, às novas dinâmicas e movimentações sociais torna-se a base desta intervenção, quase reconstruindo o Chiado em função delas sem no entanto o descaracterizar. Por isso, o aspeto visual da estrutura edificada é, no geral preservado, permeabilizando, no entanto, o seu interior para adequa-la aos novos hábitos e costumes da população utente. Esta situação é particularmente extensível aos edifícios ícone, Armazéns do Chiado e Grandella, edifícios urbanizadores, cuja marca urbana é incontornável. Por esta razão, e por decisão de Siza Vieira, quando nos deslocamos no “novo” Chiado tem-se a sensação que nada se perdeu relativamente ao antes do incêndio, ou seja, apesar de se ter adaptado, corrigido, modernizado e alterado aquele fragmento urbano, este mantém a memória do que era e adequa-se perfeitamente às vivências dos nossos tempos, sem que o seu utente se aperceba dessas modificações. Este facto prova também a grandiosidade deste projeto e das escolhas efetuadas. Melhoria das infraestruturas Este foi certamente o momento para renovar as diversas infraestruturas de abastecimento, de acordo com as novas legislações técnicas, tais como, abastecimentos de água, energia, redes de saneamento pluvial e residual, iluminação exterior, segurança e infraestruturas de transporte, tal como, o metropolitano. As acessibilidades são também um exemplo nas circulações internas do bairro que outrora eram impossíveis de efetuar, comportando também as facilidades conseguidas para os utentes de mobilidade reduzida. Foram estas melhorias que também privilegiaram a fácil acessibilidade daquela e para aquela parte da cidade de Lisboa. João Miguel Nascimento 123 Álvaro Siza Vieira e o plano do Chiado O Peso do Chiado Durante muitos anos, o Chiado foi o palco do comércio e da vida urbana de Lisboa. Os últimos anos antes do fogo deixaram-no abandonado face ao aparecimento de novos espaços comerciais e focos de atratividade até aí exclusivos do Chiado. Após a intervenção de Siza Vieira, o Chiado tem vindo gradualmente a reconquistar a sua posição cimeira, na procura por parte dos cidadãos, turistas e grandes eventos sociais. Lisboa é atualmente considerada uma das cidades mais bonitas do mundo, e sem dúvida que contribui para esse facto, os seus 800 anos de história, tendo o Chiado um papel muito importante nessa história. Álvaro Siza Vieira não quis cortar com a história, antes quis conta-la às futuras gerações recriando-a para que possa continuar a ser por elas vivida. Repetir nunca é repetir. (Vieira, 2000,p.15) João Miguel Nascimento 124 Álvaro Siza Vieira e o plano do Chiado 6. REFERÊNCIAS BOMBEIROS DE LISBOA (1988) – O Incêndio do Chiado, Lisboa, Portugal [Documento icónico]. In CBLisboa. Biblioteca Digital - [Lisboa] : Flickr. 1 fotografia : cor. Disponível em WWW:<URL: http://www.flickr.com/photos/cblisboa/8075539430/in/set-72157631741579130>. BELÉM, Margarida Cunha (2012) – O Essencial sobre Álvaro Siza Vieira. Lisboa : Imprensa Nacional – Casa da Moeda. 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